Estamos aqui hoje para mais um Caravelas Podcast com o nosso convidado especial, Professor Rafael Tunon. Foi nosso convidado número um, e já era para ele ter voltado aqui diversas outras vezes, mas acabou não dando certo. Hoje, a gente tem a honra de recebê-lo aqui novamente. Antes de passar a palavra para ele, vamos para os nossos patrocinadores. Temos o curso de inglês Bway, para você que não sabe inglês; é o curso com o melhor custo-benefício do mercado. Nosso vinho Caravelas, porque, por alguma razão, o professor não me agraciou com ele hoje. Hoje, vim de metrô.
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mercado; é o mais bonito, mais completo. Eles te mandaram de presente, e tem o cupom para quem quiser: Editora, não; o cupom é Caravelas, com frete grátis na compra. Então, é isso. Senhor, se apresente; faz muito tempo que você veio aqui. Muito bem, um ano e meio, por aí, né? Bom, em primeiro lugar, agradeço a Marcelo e Gabriel pelo convite, né, de estar por aqui. Me apresentando rapidamente, então, de formação, eu sou professor de Filosofia. Me licenciei em Filosofia primeiro; depois, cursei História. Antes disso, eu já era um apaixonado, assim, um curioso por história desde
criança. Sou natural do interior de São Paulo, São João da Boa Vista; nasci lá e me criei por lá. Depois, ingressei no seminário, estive no seminário por quase 8 anos, depois deixei e segui a caminhada dentro da formação aí de um seminário. Fui me dedicar ao magistério, fui ensinar e fui professor de escola pública, de escola privada, atualmente continuo ainda em algumas escolas privadas. Depois, com o advento da internet, das redes sociais e tudo mais, comecei a trazer aquilo que eu já fazia presencialmente através de palestras, conferências e cursos; eu comecei a trazer isso para
a internet. Como eu disse, a minha primeira formação é Filosofia; depois, me formei em História, então, acabei conjugando o ensino dessas duas coisas. Sou casado, sou pai de duas crianças e já tenho quase 20 anos de magistério, sempre buscando mostrar a história, apresentar a história de forma honesta, porque a história, assim como outras áreas do conhecimento, padece de uma certa fragilidade que é o recorte. Dependendo de como você recorta e de como você empacota o fato histórico, ele pode dar entender justamente o contrário daquilo que ele realmente é. Então, nesses 20 anos, eu mesmo tive
de fazer esse retrabalho, porque passei pela universidade e, depois, é que me dei conta de que aquilo que eu havia aprendido era um recorte. E, de repente, comecei a perceber que, até o que eu ensinava, estava sendo uma série de recortes; era uma reprodução que não era por acaso, e era uma reprodução muito bem pensada, muito bem planejada, e eu estava ali só como um autômato, reproduzindo aquilo. Depois, me dando conta disso, fui estudando e levando isso para a sala de aula, mostrando aos alunos, e aí comecei essa jornada também palestrando em escolas para professores,
enfim, tentando fazer esse trabalho. E qual foi o ponto de inflexão? O ponto de inflexão foi o seguinte: eu fiz a minha TCC de Filosofia sobre a cristandade, mas na visão do Jaques Maritain, a nova cristandade, do humanismo integral de 1936. Realmente, eu estava convencido de que aquilo era uma resposta filosófica para os problemas do nosso tempo, o período entre guerras, depois o pós-guerra. Para mim, era algo tranquilo, definido, refutável. E, de repente, estudando filosofia mesmo, comecei a perceber que tinha furos na própria proposta do Maritain; ele estava dizendo o contrário do que Santo Tomás
dizia, e aí, estudando questões de política, de sociedade, comecei a me dar conta. E aí, de repente, identifiquei que existiam, na verdade, três Maritains: um Maritain da conversão, do início da produção filosófica dele, mais ortodoxo; um Maritain intermediário, já aderindo a muitas teses modernas, fazendo uma salada com uma série de coisas; e o Maritain mais tardio, que já era liberal, mas reconhecia algum erro na própria análise dele. Então, quando me dei conta disso, pensei: "Poxa, então, pera lá, o que estou pensando que estou construindo é um castelinho de areia aqui." E, com isso, comecei a
pensar: "Se isso acontece com a filosofia, também deve acontecer com a história." E aí comecei a perceber que a história, mais ainda do que a filosofia, é de onde nascem os problemas; a história reproduz e amplifica isso. Comecei a fazer o caminho de volta, procurando ler os autores por completo, coisa que, às vezes, a universidade não incentiva e não faz. O nosso ensino, o nosso aprendizado na universidade, é uma porção de recortes que os professores fazem, e sabe-se lá Deus qual o critério, né? Em geral, o critério é... Muito diferente daquele critério que lá na
Idade Média se tinha na universidade, que era um critério comum. Qual era o critério comum da Idade Média? A busca pela verdade. Hoje em dia, se você falar: "Ah, não, nosso critério é a busca pela verdade." Ah, mas qual verdade? Depende, né? E a sua verdade não é a minha verdade, e aí vira um pandemônio, porque, na verdade, parte-se de pressupostos errados hoje. Então você não chega a lugar nenhum, né? Como que você vai chegar a algum lugar? O medieval tinha duas coisas na cabeça: a busca da verdade e tinha na cabeça que o trabalho
da universidade é educar o homem, o ser humano. Hoje em dia, nem a definição de ser humano é clara, né? Se você perguntar, o sujeito vai dizer: "Não, depende de como a pessoa se enxerga, como ela se vê, o que ela pensa." E aí quer dizer, você não sabe o que é o homem; não tem como saber o que é educação, porque a educação só existe em função do homem. E aí quer dizer que você vai ruindo todo o processo de ensino. Então, quando eu me dei conta disso, eu falei: "Não, eu preciso voltar, eu
preciso ler os autores, bons ou ruins, para entender onde está o acerto e onde está o erro." E aí eu fui fazendo esse caminho na filosofia e na história. Muito bom! Então vamos tratar, então, desse tema que também tem a ver com o seu caminho, né, sobre a Idade Média? Por que é importante desmistificar a Idade Média? Bom, a Idade Média, na verdade, assim como outras coisas, né, mas a Idade Média, de certa forma, padece de um mal crônico, digamos assim, que não é dela, mas é que se diz dela, que são as narrativas. Então,
em relação à Idade Média, nós temos uma primeira narrativa contrária a ela, que é a narrativa do Renascimento. O movimento renascentista foi um movimento de recusa da Idade Média; tudo que a Idade Média construiu, para o Renascimento, não valia nada. Tanto é que eles queriam fazer renascer o paganismo, negando tudo aquilo que tinha sido desenvolvido e construído até ali. Então, aqui nós temos um primeiro problema em relação à Idade Média: não aos fatos e às pessoas da Idade Média, mas à narrativa. Então começam a fazer uma narrativa, uma construção a respeito da Idade Média. Essa
construção não é por acaso. Por que o homem renascentista ele quer negar a Idade Média? Tem um porquê: ele quer viver como um pagão, ele quer negar o papel do cristianismo, ele quer colocar o homem como centro. E aí a gente pode dizer que o grande fruto, o grande resultado disso, materialmente falando, foi a Revolução Protestante. O que é a Revolução Protestante? Nada mais nada menos que o Renascimento dentro da religião. Então, você vai usar aquele critério: o homem é o centro de todas as coisas, o homem é a medida de todas as coisas. O
que é a Revolução Protestante? É exatamente isso. Quer dizer, eu defino quais livros estão na Bíblia ou não, não preciso de papa, não preciso de igreja; eu quero Deus, eu quero Cristo, mas eu não quero igreja. Então, o critério passa a ser o homem, né, e as paixões humanas, os critérios humanos. Então, a escolha começa a andar por aí. Então, havia uma necessidade de, de certa forma, desmerecer a Idade Média para poder viver os próprios vícios e paixões sem peso na consciência, porque reconhecer a Idade Média é o mesmo que confrontar-se com algo que foi
bom, com o modelo que, com todas as suas deficiências — porque tinha na política, na economia medieval, alguma coisa que não era o ideal, como nenhum sistema humano nunca vai ter — mas era muito melhor do que o que se via ali no século XV. Mas agora eu quero viver livremente, eu quero viver sem freio. Então, eu tenho que varrer para debaixo do tapete tudo aquilo que coloca diante de mim aquilo que eu não quero ser, que eu não quero fazer. E aí depois vem um outro passo, que é o Iluminismo. O Iluminismo — e
é interessante — a Revolução Protestante nega a autoridade da Igreja; o Iluminismo já nega a autoridade da Revelação. Não existe Revelação. Como que Deus, que é espírito, como que Deus, sendo puríssimo, Santíssimo, boníssimo, vai se comunicar em linguagem humana, sendo que os seres humanos são corrompidos, pecadores? Então, nega-se a Revelação. A Bíblia é só um livro de literatura, é o que disseram sobre Deus, mas não é palavra de Deus. E aí eles não negam a existência de Deus; eles eram deístas, né? Os iluministas adoram um Deus que é o arquiteto do universo, é o ser
supremo, mas é aquele Deus poderoso, onipotente, onisciente, onipresente, mas que criou o ser humano, deu a razão, e a partir do momento que ele deu a razão, tá tudo feito. Então, o homem que se vire com a sua razão e Deus cuida das coisas dele: cada um na sua, Deus no céu, os homens na terra, usando a própria razão. Então, o primeiro passo é negar a Igreja; o segundo passo é negar a Revelação, e nessa negação da Revelação nega-se tudo que decorre da Revelação. O que é a Idade Média? A Idade Média é a materialização
na sociedade daquilo que a luz do Evangelho trouxe para a humanidade, no campo político, no campo econômico. Quando nós falamos da cristandade medieval, o que é a cristandade medieval? É o evangelho penetrando, com a sua luz, todos os âmbitos da sociedade. Não existia um âmbito da sociedade que escapasse à luz do Evangelho. Eu não lembro qual autor que... Falou, mas ele sintetizou muito bem: a Idade Média, como a época em que o evangelho governava as nações. É, sim, sim, não foi Leão XIII? Leão XIII, olhe, Leão XIII que falou, se não me engano, na "Imortalidade
da Alma". É, então, então por aí se vê, né? Então, a importância de estudar a Idade Média é justamente para que a gente, não negue aquilo que é uma verdade histórica. Porque, na verdade, o que a gente aprende da Idade Média é pantanoso. Aquilo que a gente aprende, infelizmente, às vezes nas escolas, nos livros didáticos, o que a gente lê, até os filmes e séries, não contribui em nada com isso. E eu sou professor de História; às vezes eu chego para dar aula pra molecada do sexto ano e vamos falar de Idade Média. A molecada
já vem com uma ideia totalmente deturpada. Então, eles já vêm dizendo: "Não, mas o rei tinha todo o poder e não sei o que, ele podia mandar e ele era obedecido imediatamente." Falei: "De onde você tirou isso?" E eles: "Ah, eu assisti na série tal." Você já viu, professor? Tava fal... Meu Deus! Falei: "Então, não assista mais essas séries, essas coisas, porque tá atrapalhando o seu entendimento de Idade Média." Eu falei, para começo de conversa, o poder não era centralizado, absoluto; ele era um poder compartilhado com a nobreza, com senhores feudais, né? E o rei
era uma figura muito mais moral; ele era entendido como o pai da nação e ele é uma figura suprapartidária, acima de qualquer ideologia, de qualquer grupo, de qualquer coisa. E, acima de tudo, o rei também é visto como alguém colocado por Deus para governar aquela nação. Falei: "Então, não tem nada a ver, não corresponde à realidade essa imagem." Então, o que as pessoas entendem por Idade Média e o que as pessoas odeiam da Idade Média é o que elas imaginam e não o que, realmente, a Idade Média foi. Então, quando a gente confronta com os
documentos, com as fontes primárias, a gente vai ver que a gente ouviu dizer que a igreja impediu o conhecimento científico, que Galileu foi queimado pela Inquisição. Vamos comentar um pouco disso? Pois é, eu ouvi isso na universidade; quando eu estudei Filosofia, tinha matéria de Filosofia da Ciência. Meu professor, numa universidade católica ainda, ele me disse assim: "Não, não sei o que", criticando a igreja, fazendo todo aquele discurso de que a igreja é inimiga da ciência, que a igreja impediu o avanço. Ele falou: "É o que aconteceu, por exemplo, com o absurdo de ter queimado Galileu."
E eu, ousei questionar o professor. Eu disse: "Mas, professor, o Galileu não foi queimado. Galileu morreu de velho. Ele morreu já mais idoso, doente e tal. Ele foi processado pela Inquisição, mas ele não foi queimado, né? Galileu nunca foi queimado. Nada disso!" E aí, muito bem, resultado: esse professor passou a me ignorar solenemente em todas as aulas. Se eu perguntasse alguma coisa, falasse alguma coisa, os meus trabalhos vinham todos com nota seis, que era a média na faculdade. Aí, um dia, eu perguntei para ele: "Falei, professor, eu faço trabalhos aqui. Tudo bem, o senhor colocou
seis, mas eu acho que alguns trabalhos assim, a média não é essa. Não tá sendo justo, porque tem trabalhos que eu comparo com os dos colegas e eu vejo que tá assim, mais completo e tudo mais, né? Uma argumentação bem feita." Ele falou assim: "Não, eu já dou seis porque eu nem olho as avaliações porque você sabe tudo. Você corrige até, professor, né?" E aí, ótimo! Eu falei: "Ótimo", né? De maturidade, né? Parece que o sujeito tem 10 anos de idade, né? Mas eu ouvi da boca de um professor que Galileu foi queimado, que é
um absurdo total e completo. Galileu não era da Idade Média e depois ele foi queimado. Pois é, Galileu do século I morreu, no começo ali do século I, 1633, 34, por aí. Então, Galileu é do século I, não é da Idade Média, né? Quer dizer, então já tá fora do tempo. Outra coisa, a Inquisição processa Galileu, mas a Inquisição foi muito cuidadosa ali com Galileu. Todo o processo do Galileu. Inclusive, eu recomendo que quem quiser se aprofundar nesse tema procure as obras de dois autores: um italiano, Agostino Borromeu, um historiador italiano que fala bastante sobre
Galileu; e tem o William Shea, que é norte-americano, mas ele era o professor titular da cadeira de Galileu na Universidade de Pádua. Existe uma matéria para Galileu na Universidade de Pádua, específica, e o Shea é o maior pesquisador moderno de Galileu. Inclusive, ele tem vários livros: "O Vaticano e Galileu", "O Processo de Galileu", as obras do Shea. E elas são obras que citam fontes primárias; ele pega os arquivos da Inquisição, a correspondência de Galileu e vai mostrando como a coisa foi feita. Então, para começo de conversa, o Galileu... onde que deu o embrolho ali, o
nó da coisa? Quando ele publicou a sua obra sobre o orbe celeste, ele coloca ali a teoria heliocêntrica como uma certeza científica. A teoria heliocêntrica foi elaborada por Nicolau Copérnico, que era arquidiácono de Cracóvia, era um clérigo, né? Então, Copérnico... nós não sabemos com certeza se ele chegou a ser padre ou não, mas diácono e arquidiácono de Cracóvia, isso nós temos certeza, inclusive ele usava a torre da catedral como observatório astronômico. Escola, eu nunca ouvi falar, né? Elogia-se Copérnico, mas não se menciona que Copérnico era um clérigo. Então, olha aí a igreja, inimiga da ciência,
com Copérnico, clérigo, usando a torre da sua catedral como observatório astronômico. Copérnico elaborou a teoria heliocêntrica, mas era uma teoria; Copérnico nunca disse que era uma certeza científica, embora ele tendesse a acreditar que realmente aquilo era uma verdade científica. Mas ele não tinha como provar materialmente, matematicamente; ele ainda não tinha condições. Então, ficou a teoria. Galileu pegou essa teoria heliocêntrica e melhorou essa teoria; ele avançou, ele desenvolveu essa teoria. E quando ele publicou o livro dele, né, sobre o "Orbis Celestis", ele coloca o heliocentrismo como lei científica e não como teoria. E aí ele foi
denunciado. Isso não foi combinado; foi uma denúncia anônima, uma denúncia discreta, porque Galileu era muito respeitado, inclusive pela igreja. Então, quem denunciou Galileu? Dois professores dominicanos, os padres Catìn e Lorini, eram dois italianos dominicanos, dois matemáticos, inclusive, que foram ao Santo Ofício em dias diferentes, em momentos diferentes, e apresentaram essa queixa, essa denúncia de que Galileu estava ensinando isso como uma verdade. Era melhor ponderar. E qual foi a orientação dos padres? Que o Santo Ofício deveria convocar Galileu e orientá-lo a corrigir. E foi o que aconteceu: Galileu realmente foi processado, foi levado ao Santo Ofício,
e o que o Santo Ofício fez? Determinou que Galileu deveria retirar da sua obra essa afirmação. E aí Galileu argumentou, né? Era uma questão da época. Ele falou: "Mas os livros já estão impressos! Como que eu vou fazer? Não tem como recolher isso." E aí, então, o Santo Ofício ainda foi muito tranquilo e falou: "Não, então faça o seguinte; deixe os livros como estão, mas o editor que vendeu os livros deve ter as notas de quem ele vendeu. Então, o editor deve mandar um papel impresso com uma nota sua afirmando que você, embora tenha colocado
como uma verdade, não passa de uma teoria, tal, tal, tal, que você não tem como provar, etc." Mas Galileu era um sujeito muito genial, né, e tinha um gênio também muito difícil, e não gostava de ser corrigido. E Galileu, quando ele vê essa orientação, ele bate o pé e não faz o que a Santa Sé, o que o Santo Ofício determinou. E aí o caldo vai engrossar; ele vai ser chamada uma segunda vez e já vai ser encarado como uma desobediência, uma insubordinação à igreja. E aí ele recebe uma condenação. Olha a condenação de Galileu:
ele não poderia ensinar publicamente, mas, privadamente, poderia continuar recebendo pessoas na casa dele, mas não poderia falar nos salões da nobreza. Então, ele já não poderia... Ele deveria ficar em prisão domiciliar. E olha que interessante: quem se ofereceu para servir, né, emprestar a sua residência com prisão domiciliar a Galileu? O arcebispo de Siena, na Itália. Ele chamou Galileu e falou: "Pode vir pro Palácio Episcopal e fica aqui." Galileu só saiu do Palácio Episcopal de Siena, onde ele era protegido pelo arcebispo, que tinha todas as facilidades e material para fazer suas pesquisas, ele só saiu porque
ele quis. Mesmo assim, ele disse ao arcebispo que não estava bem, que ele queria voltar para a terra natal dele, para morar perto do mosteiro onde estavam duas de suas filhas. Galileu teve duas filhas freiras; a Celeste Galilei, inclusive, foi madre superiora do mosteiro onde ela estava e morreu com fama de santidade. Nossa, que interessante, é interessantíssimo! A Celeste Galilei, filha de Galileu, e Galileu era muito amigo dos padres escolápios. Então, os padres escolápios levavam livros, tudo que tinha de novidade. Galileu não podia ficar viajando, então os escolápios levavam para Galileu. E os jesuítas também
visitaram muito Galileu; os jesuítas, inclusive, revisaram as teses matemáticas e, volta e meia, apontavam algumas inconsistências e Galileu corrigia, né? Parece que Galileu só aceitava ser corrigido pelos jesuítas, né? Ele até chegou a dizer, ele falou assim: "Se alguém acusar que a Companhia de Jesus não produziu nada de bom pra igreja, pelo menos ela produziu o padre Clavius, que era o padre Cristóforo Clavius, fundador do Colégio Romano, que depois se tornou a Pontifícia Universidade Gregoriana." Era amigo de Galileu; Galileu admirava o padre Clavius, que corrigiu o calendário gregoriano; ele, juntamente com o Papa Gregório XIII,
é que fez aquela reforma de 1582, amigo de Galileu. Então, houve toda essa coisa. Galileu foi para essa casa, ele comprou uma casa perto do mosteiro; era uma casa contígua ao mosteiro. E a pena de Galileu era ficar ali recolhido, não ensinar mais nos salões. E olha que terrível, né, a sentença da Inquisição: ele deveria rezar todos os dias. Olha que desumano! Os sete salmos penitenciais. E Galileu, como ele ficava muito absorto, lendo e estudando, ele se esquecia de tudo. A filha dele, a Celeste Galilei, que sabia dessa fragilidade do pai, o que ela fez?
Ela escreveu um bilhete ao pai. Esse bilhete existe ainda; o William Shea cita esse bilhete na obra dele chamada "Galileu e o Vaticano". E a Celeste Galilei manda um recadinho pro pai dizendo assim: "Pai, eu já disse para nosso Senhor que eu rezarei os sete salmos penitenciais no seu lugar, porque eu sei que o senhor esquece. Então, para que o senhor não perca a sua alma por não cumprir a sua penitência direitinho, eu estou rezando." E ela rezou até o pai morrer; ela rezava os salmos penitenciais no lugar do pai. E Galileu morreu católico, morreu
recebendo todos os sacramentos e sendo assistido por dois padres, um em cada ponta da cabeceira. Então, esse é o cientista perseguido pela igreja, inimigo da... que odiou a igreja pelo que a igreja fez. Aí é um mito, né? É uma mentira assim deslavada, é porque Galileu, ele morreu católico. Ele morreu consciente de que ele bateu o pé e o orgulho dele em se retratar. Porque, nesse ponto, até o Cardeal Roberto Belarmino, São Roberto Belarmino, que era amigo de Galileu, o Cardeal Belarmino interveio nessa situação e pediu para Galileu. Ele falou assim: "Galileu, é só você
colocar uma nota." E o Galileu disse: "Não, mas é assim que funciona." E aí o cara falou: "O senhor pode provar?" Belarmino disse isso para Galileu: "O senhor pode provar?" Ele falou: "Ainda não." Ele falou: "Então, quando o senhor puder, o senhor publica." Então, a Igreja teve uma atitude mais científica do que Galileu, porque Galileu moveu-se pela intuição. Da onde que vem isso? É o pensamento renascentista. O homem é o centro, eu defino. A minha intuição, eh, ela corresponde à realidade. O que eu sinto é mais importante do que o que realmente a minha razão
me diz. E olha a posição da Igreja: a Igreja foi super racional. A Igreja teve um critério científico. A Igreja disse: "Você só vai publicar como ciência aquilo que é ciência, aquilo que é comprovado. O que é provável não é provado." É o que o Cardeal Belarmino, inclusive, escreve para Galileu: "O que é provável não é provado. Quando for provado, então que seja publicado." E é interessante que o Galileu morre ali no começo do século XVII. Só no início do século XIX, 1842, é que os cientistas conseguiram realmente comprovar as teorias do Galileu, quer dizer,
200 anos depois. Então, aí vem esse mito: a Igreja atrasou a ciência. Pelo contrário, a Igreja quer que seja publicado aquilo de que se tem uma certeza moral, né? Ou uma certeza objetiva científica, né? Do contrário, é melhor não se pronunciar. Deem alguns exemplos de cientistas católicos da Idade Média. Na Idade Média, se a gente for pegar, não há cientista medieval que não seja católico. É interessante. Na Europa, pelo menos, existem cientistas no mundo, na mesma época, eh, que não eram católicos. Mas, se a gente pegar na Idade Média, praticamente todos os cientistas eh que
estudaram, por exemplo, no desenvolvimento de remédios, eh, físicos, matemáticos, eram todos católicos. Até porque a Igreja começou a investir na educação muito cedo. O primeiro registro de uma instituição educacional católica data do início do século I, no norte da África, na região de Cartago, onde já havia uma escola junto da casa do bispo para ensinar as crianças a ler e a escrever. Nós não sabemos se existiu alguma coisa antes, mas o que tem de registro é do século I. Então, a Igreja Católica começou a perceber que a educação prepara e predispõe o espírito, a alma
humana, para conseguir receber, para conseguir compreender a verdade do evangelho, para conseguir compreender eh o que realmente é a vocação humana, e tudo mais. Então, isso começou cedo. Depois, lá na Idade Média, também nós vamos ver o trabalho dos monges. Por exemplo, São Bento. O que que São Bento fez? São Bento ele salvou a Europa da barbárie através dos mosteiros. O que que São Bento fazia dentro dos mosteiros? Ele dava a possibilidade de que se recebessem meninos nas casas masculinas e meninas nas casas femininas, que eram educados junto com os monges, e tinham uma vida
como a dos monges. Tanto é que esses meninos e meninas tinham uniforme. Qual era o uniforme? O hábito da ordem. Mesmo que esses meninos e meninas, depois, com 15, 16 anos, saíssem dali e voltassem a vestir a veste laical e fossem trabalhar, fossem atuar no mundo, eles tiveram uma formação junto com os monges, aprendendo o quê? Oração, trabalho, disciplina, eh, estudo. Então, os mosteiros foram oásis de cultura, porque os bárbaros destruíam tudo, incendiavam tudo. E os bárbaros, na medida em que viram a boa vontade dos monges, começaram a fazer amizade com os monges. E, durante
as invasões bárbaras, tinha povos bárbaros que não deixaram de ser bárbaros da noite para o dia. A Igreja levou 600 anos para acalmá-los, eh, mas tem muitos bárbaros que, curiosamente, faziam o quê? Quando eles invadiam algumas localidades, eles destruíam tudo, mas os livros eles traziam de presente para os monges. E, por exemplo, a biblioteca de Salzburgo, na Áustria, ela tem manuscritos antiquíssimos dessa época, né? Nas invasões bárbaras, os bárbaros traziam. E, então, muitas obras de medicina, de astronomia, muita coisa que tinha sido desenvolvida na Europa fora acabou sendo preservada dentro desses mosteiros. Então, os mosteiros
viraram, eh, não só uma espécie de escola, mas também uma espécie de campo eh de pesquisa científica, enxerto de plantas, eh, melhorias, eh, até mesmo na manipulação de sementes para plantio. Os monges fizeram isso. O desenvolvimento da cerveja, né, da fermentação dos vinhos e da fabricação de queijos. A gente vê isso nos mosteiros europeus até hoje. Tem mosteiros europeus que têm receita própria, que são receitas. Né, a Bélgica tem muito disso, né? É, os trapistas, própria cerveja. Sim, sim. E por aí a gente vê, inclusive, tem até alguns milagres, né, relacionados à cerveja na Idade
Média, muito interessante, né? Da cerveja tinha a bênção da cerveja, enfim, né? Tinha tudo isso, né? E Santo Arnulfo mesmo, ele catequizou uma horda de bárbaros e, quando um outro povo vinha para invadir as cidades e eles perceberam que a invasão arrasaria com tudo, Santo Arnulfo, ele convoca os bárbaros que já eram cristianizados e disse: "Olha, vocês têm que fazer a defesa." E esses bárbaros lutaram num sol escaldante. E aí é muito curioso: quando acabou a batalha, eles venceram. Os católicos venceram, conseguiram preservar a integridade da sua cidade e aí falaram para Santo Arnulfo: "Nós
estamos com sede, estamos muito longe para retornar." Falou: “Não vamos, vamos resolver aqui.” Ele mandou trazer um barril com água; era o único barril com água potável ainda. Ele tira sua cruz episcopal, mergulha a cruz por três vezes no barril e disse para eles: “Podem pegar cada um a sua caneca e beber.” Era cerveja, né? Então, serviu a cerveja. Um milagre relacionado à cerveja, né? Então serviu cerveja ali aos bárbaros. Então, quer dizer, a Igreja, essa história aí é para quem acha que é pecado, hein? Pois é, pois é! Quem tá com crise de consciência
aí, ó, tá, né? Santo Arnulfo aí, ó, né? Assim, eh, a gente vê que no campo científico são vários, né? E agora, até mesmo no campo filosófico, a gente vai ver que o auge da filosofia na Idade Média foi com quem? Com Santo Tomás de Aquino, né? Santo Tomás de Aquino não é o único grande nome da Idade Média, mas Santo Tomás, a meu ver, né? E não só a meu ver; todos os papas que vieram depois de Santo Tomás concordam eh com isso que eu tô dizendo: Santo Tomás iluminou a discussão teológica com uma
clareza, um método e um modo de abordar as verdades da fé que são únicos, né? Leão XIII, no fim do século XIX, dizia: “As obras de Santo Tomás devem ser não só valorizadas, não é simplesmente valorizar, mas elas devem ser lidas e estudadas; elas devem ser a base da teologia no seminário.” Então isso aí Leão XIII vai reafirmar. Mas a gente sabe que depois houve um esquecimento proposital e esse esquecimento proposital de Santo Tomás se deve àquilo que eu disse no começo: quando eu olho para a Idade Média, como ela é, eu sou confrontado. Eu
vejo diante de mim, como num espelho, a fé católica e aí, se eu quero ter um pensamento dissonante do pensamento da Igreja, é óbvio que eu vou recusar Santo Tomás e vou querer varrer Santo Tomás para debaixo do tapete. Isso não é novo, né? Aliás, o primeiro a fazer isso foi Lutero. Qual foi a grande ruptura teológica de Lutero? Não foram as 95 teses. Antes de chegar nas 95 teses, o que Lutero fez? Ele começou a rechaçar a Escolástica, né? Lutero se dizia mais agostiniano; ele era agostiniano porque era frade agostiniano, mas se dizia mais
adepto do pensamento de Santo Agostinho. Acontece que Santo Agostinho viveu lá no século V, 430, e muita coisa em termos de conhecimento, em termos de história, Santo Agostinho alcançou e Santo Tomás também. Então, quer dizer, é até um disparate desprezar Santo Tomás em nome de uma defesa e valorização de Agostinho, como se um se opusesse ao outro, né? E muito pelo contrário, né? Santo Tomás e Santo Agostinho se completam, né? Tem até um caso interessante no processo de beatificação de Santo Tomás. Tinha um frade, um professor dominicano que conheceu Santo Tomás e ele tinha uma
certa crise de consciência, né? Ele dizia assim: “Nossa, mas no processo todo mundo tá dando depoimentos aí falando da sabedoria de Santo Tomás e parece que tá passando por cima de Santo Agostinho.” E esse frade gostava muito de Santo Agostinho e ele falou: “Eu vou ter que depor no processo. Ah, mas eu não vou falar, não vou elogiar tanto Frei Tomás, porque senão eu, de certa forma, desmereço Santo Agostinho.” Naquela noite, Santo Agostinho apareceu para esse frade e disse assim: “Pode elogiar o Frei Tomás porque Frei Tomás foi maior do que eu. E ele foi
maior do que eu por um motivo: ele foi casto do começo ao fim e, por isso, Deus deu a ele mais graças e abriu muito mais a inteligência dele para receber aquilo que eu, pelos meus pecados, pela minha impureza pregressa, apesar da minha conversão, não consegui alcançar.” Ele falou: “Então, ouçam Frei Tomás.” E, até o relato dessa aparição de Santo Agostinho, entrou no processo de beatificação de Santo Tomás, né? Quer dizer, um testemunho do próprio Agostinho em relação a Santo Tomás. Muito bom. E a Inquisição? Por que da onde surge essa exageração tão grande nos
números? Ela tem um fundamento da questão da queima de boneco ou ela é algo totalmente arbitrário, chutado? É chutado, é chutado. Quando a gente olha para algumas ideologias políticas, hoje em dia, quando a gente olha para algumas ideologias dentro do campo da educação, a gente vê que as coisas não mudam; não tem nada muito diferente debaixo do Sol, né? Então, essa coisa de chutar números e de falar com autoridade, começar a citar os números, é dentro de um discurso onde o interlocutor não tem condições de checar no momento se aquilo é verdade; é uma tática
antiquíssima, né? E os protestantes já faziam isso em relação aos católicos, os iluministas começaram a fazer isso e, isso aí, depois foi sendo abraçado pelos que vieram depois. Então, esses números em relação à Inquisição católica, eles são chutados mesmo e propositalmente. Então, vamos pegar aqui um caso. Aqui eu gosto de citar esse historiador porque ele, quando morreu, estava se dizendo agnóstico, mas passou a vida inteira se dizendo ateu: que é o Jacques Le Goff. O Le Goff é um medievalista francês e tem lá os preconceitos dele. Quem leu o Le Goff dá para ver: ele
é altamente preconceituoso, é preconceituoso com a Igreja e é sarcástico com a questão da fé. E é interessante, ele conhece a teologia católica, ele conhece o que a Igreja ensina doutrinalmente a respeito de determinados assuntos, mas ele faz questão de... Ser sarcástico com isso, né? Então, mas, apesar disso, quando ele chega nos números da Inquisição, o próprio Legoff vai dizer: "Eh, os números que aparecem por aí são assim inflados, assim, mas num nível eh a ponto de dar vergonha de quem escreveu esse tipo de coisa." Porque basta pegar as atas da Inquisição e analisar eh
o número de processos que chegaram à execução. O número de processos realmente foi alto, o número de processos, mas o número de execuções era baixíssimo. Por exemplo, na Itália, se a gente pegar a Itália, vamos considerar a Itália até ali o século XVII, o número de execuções era mínimo. A Itália era um dos países onde a Inquisição menos levou as pessoas a uma condenação final, né? Agora, por exemplo, quando a gente olha para a Espanha, a Espanha já é outra história, um capítulo à parte. Por quê? Porque aí nós temos a questão da cultura do
espanhol, nós temos a questão também eh da instrumentalização da Inquisição pelo Estado espanhol e uma confusão de poderes ali. Mas, ainda assim, vamos considerar esses números todos juntos, né? Eh, tanto reis que interferiram arbitrariamente quanto condenações que a igreja fez. Mesmo juntando tudo isso, em 500 anos dá uma média de mais ou menos 800 condenados, mais ou menos, né? Eh, alguns historiadores jogam até para menos, porque tem algumas condenações em que existe a sentença, mas não existe a ata, porque geralmente, junto com a sentença, colocava-se a ata da execução e como que foi e tal.
E muitos eh desses condenados têm a sentença, mas não têm a ata. Então, é um pouco duvidoso, mas vamos considerar 800. 800 pessoas queimadas é o que Calvino queimou em um ano em Genebra. Calvino chegou a queimar 800 pessoas em um ano em Genebra, durante a Reforma Protestante. Então, houve também uma Inquisição protestante. Ah, mas Rafael, então você tá querendo justificar um erro com outro? Não, eu estou querendo comparar, tô querendo comparar. Então, vamos comparar os números. Se a gente pegar eh o tempo de Calvino em Genebra e o número de condenados, vai ser maior
do que a Inquisição espanhola. Então, nós devemos colocar as coisas no seu devido lugar aí, né, quando vai falar de Inquisição. Então, a questão dos números, eh, eu sempre recomendo, né, para quem quiser ter uma noção mais clara, um material que é vendido pela Editora do Vaticano, a Libreria Editrice Vaticana, que são as atas do Simpósio Internacional sobre a Inquisição. Essas atas do Simpósio Internacional sobre a Inquisição foram de um simpósio do ano 2000. Eh, João Paulo I fez um convite para professores universitários, medievalistas, pesquisadores católicos e não católicos. Inclusive, tem judeus, tem professores muçulmanos
que publicaram artigos a respeito da Inquisição. E João Paulo II convidou todo mundo para fazer uma análise e, nessa ocasião, os arquivos, né, que todo mundo fala: "Ah, os arquivos secretos que a Igreja não abre, a Igreja não mostra para ninguém." Olha, para vocês terem uma ideia, né, de como o arquivo é secreto: um dia eu, conversando com um bispo, um bispo nosso aqui brasileiro, ele me disse assim: "Olha, esse assunto que você tá falando é muito interessante. Falou um dia, se você tiver como pesquisar e quiser uma carta, eu escrevo uma carta para você
e você consegue ter acesso. Basta a carta de um bispo e você consegue ter acesso ao arquivo secreto que a Igreja esconde." Ah, se não é tão complicado assim, né? Eu tenho um amigo em Campinas, professor universitário, e ele pesquisa música sacra. Ele precisava pesquisar uma série de partituras lá para a tese de doutorado dele. O bispo fez a carta, ele entrou no arquivo secreto, ninguém mexe, teve acesso a tudo, né? Teve acesso a tudo. E aí, no meio das coisas, né, ele queria estudar música sacra brasileira. No meio das coisas, ele achou a carta
de Dom Manuel I comunicando ao Papa o descobrimento do Brasil. Olha como é secreto, né? Ninguém pode, né? Ele teve a oportunidade de ver ali com o documento primário ali dentro do arquivo. Então, isso é um mito também. Essas atas do ano 2000 funcionam como uma série de artigos críticos a respeito da Inquisição. Lá têm os números, têm os números a partir dos arquivos da Igreja e têm os números comparados com arquivos civis também. E os números da Inquisição são infinitamente menores do que aquilo que se diz, né? Então, se os números fossem verdadeiros, né?
Por exemplo, no Iluminismo, Voltaire tem um escrito e ele tem uma conferência, né? Que depois alguém tomou nota e publicou. Isso aí tem uma conferência que ele fala isso, né? "Se para desacreditar a Igreja Católica nós precisarmos inflar os números, precisarmos inventar, que façamos." É assim o modus operandi dessa gente no Iluminismo, né? E é engraçado que esse pessoal é levado a sério, né? Rousseau é a base de muitos cursos de pedagogia hoje em dia. Rousseau abandonou o próprio filho, né? Ele deixou o próprio filho morrer de fome, né? E aí o pessoal nas escolas,
para educar as crianças, dá atenção para um sujeito desse. Voltaire é tido como o Papa do Iluminismo. Não é o sujeito que tem a doutrina infalível. Voltaire ganhava dinheiro negociando escravos no Haiti. E é engraçado que esse pessoal que enche a boca para usar a filosofia de Voltaire hoje e que é a favor de todo tipo de pautas minoritárias e não sei o quê, pois é, você tá citando um sujeito que ganhava dinheiro negociando escravos, né? Que não tinha moral nenhuma, que foi um covarde; ficou doente, caiu doente, falou mal da Igreja, zombava da Igreja,
caiu doente e mandou chamar um padre e ficou morrendo. De medo que não desse tempo de o padre chegar, o padre chegou. Ele se confessou e se arrependeu. Depois, ele melhorou e começou a zombar de novo. E aí, o que aconteceu? Pouco tempo depois, ele cai doente. Aí, os amigos falaram: "Nós não vamos chamar padre, nem deixar padre nenhum vir, porque se você se confessar, vai ser um contratestemunho para a nossa obra, né? Para o Iluminista e deixar o Voltaire morrer sem os sacramentos". E desesperado, muito bem. Então, quer dizer, é esses sujeitos que são
levados em consideração. Então, essa questão dos números da Inquisição tem muita mentira, né? Nisso mesmo, os processos da Inquisição também têm muita lenda a respeito dos processos, né? E como funcionavam os processos assim, de forma prática, a estrutura deles... Vamos pensar que o Brasil teve Inquisição, por exemplo, né? O Santo Ofício veio aqui ao Brasil e é muito interessante a ação do Santo Ofício. A primeira visitação do Santo Ofício, eles chegam na Bahia, e o primeiro condenado da Inquisição aqui do Brasil foi um padre que se acusou. Porque como funcionava a Inquisição? Geralmente, eram os
dominicanos que desempenhavam esse papel de inquisidores. São Domingos de Guzmán foi o primeiro, né? Inquisidor da igreja. Então, ele tinha figura de honra, e a igreja teve, inclusive, papas que eram inquisidores. São Pio V era inquisidor. São Pio V foi inquisidor-mor e, depois, foi eleito papa, né? Tanto é que até o costume de os papas usarem batina branca veio de São Pio V, né? Porque São Pio V era dominicano e usava batina branca. Quando foi eleito papa, ele não quis usar, porque a batina dos papas era púrpura, uma batina vermelha semelhante à dos cardeais, e
não se usava a batina branca. São Pio V não quis tirar o hábito religioso, usava a batina branca, e de São Pio V em diante. Então, os papas adotaram a veste italiana branca. São Pio V era inquisidor, né? Tem vários santos na igreja. São Pedro de Verona é um inquisidor que foi assassinado pelos hereges, né? Muita gente fala: "Ah, a Inquisição matava os hereges". Pois é, São Pedro de Verona era um inquisidor e foi assassinado por um herege. São Carlos Borromeu, né? E assim, tantos e tantos santos da igreja. Então, a Inquisição, ela era o
quê? Era um tribunal da igreja para salvaguardar a fé, a integridade da fé. Vamos pensar no seguinte: na Idade Média, o altar está unido ao trono. Atacar a igreja é atacar a ordem social; atacar a ordem social é atacar a igreja. As coisas são indissociáveis. Seria como hoje atacar a democracia. O estado democrático de direito tem suas críticas, mas atacar essas coisas é complicado, né? Ninguém define ao certo o que é, né? Engraçado isso, né? Então, assim, qual era a lógica daquela sociedade? Era uma sociedade baseada na fé. Então, a Inquisição, ela surge quando, em
1231, o Papa Gregório IX vai criar a Inquisição com qual objetivo? Combater as heresias, mas sobretudo os cátaros, que eram uma heresia que estava causando um dano enorme do ponto de vista social, inclusive na Europa. Os cátaros, por exemplo, eram contra o juramento. A sociedade medieval era inteiramente baseada no juramento; não tinha documento. Como que um servo e um senhor feudal fazem um contrato? É um juramento! É o contrato de fidelidade, é um juramento feito na igreja, na presença de um padre com testemunhas. É um juramento na venda de um terreno, é mediante juramento. Tudo
era feito mediante o juramento. Então, quer dizer, uma sociedade que funciona com base no juramento, de repente, aparece um grupo herético dizendo: "Não, é pecado jurar!". Acabou! A ordem social vai ruir. Outra coisa: uma sociedade que entende que o matrimônio é importantíssimo. A sociedade medieval respeitava e incentivava o matrimônio, e o matrimônio era importantíssimo; era a base da sociedade. De repente, aparecem os cátaros dizendo: "Não, gerar novas vidas, você está gerando pecadores. Então, você está aumentando o pecado no mundo!". O que os cátaros mais radicais faziam? Atacavam mulheres grávidas, abriam a barriga dessas mulheres, deixavam
elas morrerem, sangrando à míngua, e arrancavam os bebês. Então, quer dizer, são assassinos! É um descontrole, é uma questão absurda de se pensar. Então, é uma ameaça. Depois, eles diziam que a igreja deveria ser espiritual, que não se deveria ter templo. Imagina a sociedade medieval! Totalmente ela era baseada na fé da igreja. Ela crescia no entorno das catedrais e igrejas paroquiais, e de repente eles vêm e dizem: "Não, não precisamos de relíquias, de imagens, de igrejas; nós vamos adorar em espírito e verdade". E, curiosamente, embora dissessem tudo isso, tinham práticas absurdas. Tinha grupos de cátaros
que praticavam suicídio coletivo, né? Se matavam porque achavam que assim estavam se libertando do pecado. Achavam que o corpo é mau, só o espírito é bom, aquela dicotomia. Ou senão, praticavam orgias sexuais. É interessante, né? Não podiam gerar novas vidas, mas as orgias, o sexo sem a sua finalidade, isso podia, era aceitável. Então, quer dizer, tudo isso levou a igreja a fazer o quê? Não! Nós precisamos combater esse mal. É um mal que ele é espiritual, mas ele é social também. Então, institui a Inquisição. Qual que era o escopo da Inquisição? Não é condenar hereges,
não é sair queimando gente. O escopo é convocar os hereges, informá-los do erro, tentar convencê-los da verdade e trazê-los de volta para o seio da igreja. A Inquisição tinha sucesso quando conseguia essa conversão. Para a Inquisição, condenar alguém à morte era um fracasso. Então, muita gente pensa que a Inquisição... tinha esse desejo. Não vamos escarafunchar para matar. Pelo contrário, o desejo da Inquisição era trazer as pessoas ao bom caminho. Essa era a ideia, que é mais ou menos o que a Igreja vai continuar fazendo sempre, e até os dias de hoje, né? Inclusive, em casos
mais recentes, quando a gente vê, por exemplo, Hinger chamando o Leonardo Boff. O que o Cardeal Hinger fez? Chamou o Leonardo Boff. Até ele, de sério, lá, hoje é de céu, para a Doutrina da Fé, nos anos 80, informou a ele os erros contidos na sua obra "Igreja, Carisma e Poder". Ele foi informado do erro, foi feita uma argumentação, foi imposto um silêncio obsequioso e foi dado um tempo para ele refletir e se retratar. O que aconteceu? Boff não se retratou. E ainda eu vi isso recentemente em um podcast, numa entrevista, ele zombando ainda do
Cardeal Hinger, né? Ele disse: "Ah, depois que estive lá em Roma, entrevistar o Cardeal Hinger, ele falaram do caso do Leonardo Boff", e ele, rindo ainda do Cardeal Hinger, dizendo que o Cardeal disse na entrevista: "Não, o Frei Boff é um homem bom, ele vai pensar e ele vai se retratar, ele vai se corrigir", né? A gente vê que não foi o que aconteceu. Mas essa era a ideia da Inquisição, né? De trazer a pessoa de volta. Agora, é claro, há casos em que a pessoa se retratava ou se acusava. É o caso da Inquisição
que citei aqui no Brasil. Quando o visitador apostólico chegava, ele fazia o quê? Ele pregava nas igrejas principais durante alguns dias, e essa pregação se baseava no quê? Na penitência, na doutrina da Igreja. E aí era uma espécie de exame de consciência coletivo para que as pessoas pensassem se estavam de acordo ou não. Feitas essas pregações, o inquisidor dava um tempo, geralmente de 40 dias, para as pessoas se acusarem. Como é que chamava isso mesmo? Era o tempo da Graça! O tempo da Graça são 40 dias, né? Que eles davam 40 dias, e aí a
pessoa podia vir e se acusar. Aqui no Brasil, em Salvador, é o primeiro caso de autoacusação. Um padre se apresentou à Inquisição. Ele disse: "Olha, eu ouvi a pregação do Senhor, e tudo mais, e eu sou sacerdote há muitos anos. Estou aqui no Brasil já há um certo tempo e tenho buscado prazeres ilícitos com meninos, com adolescentes e jovens, e eu pago esses meninos por esses serviços. Então, vim me acusar." E aí o inquisidor fez o quê? Falou: "Então, muito bem. O senhor vai ter de fazer um exame de consciência. Vai juntar esses e outros
pecados, vai se confessar. Eu vou lavrar um processo e aí o senhor vai ser julgado." E ele aceitou, esse sacerdote. Ele aceitou como penitência mesmo. Ele se deu conta de que não estava num bom caminho, estava traindo seus votos, e a vida dele não era compatível com o sacerdócio. Ele aceitou. Então, o que acontece com esse padre? Ele recebe um julgo, ele passa por um julgamento e recebe uma sentença. Qual foi a sentença dele? Ele foi expulso do estado clerical, foi reduzido ao estado laico e foi desterrado nas galeras de Portugal para remar junto com
os prisioneiros que ficavam remando os navios portugueses até a morte. Ele durou mais cinco anos só, mas ele aceitou essa penitência pelos pecados que cometeu porque disse que queria morrer na amizade e na graça de Deus. O objetivo da Inquisição era esse: trazer a pessoa, salvar as almas, trazer a pessoa para a salvação. Agora, o que acontece? Tinha lá os hereges que eram impedidos, né? Que não arredavam o pé, que insistiam no erro e tudo mais, e aí a Igreja ia procedendo ao julgamento. Uma vez constatada a culpa e constatado o fato de que era
irremediável qualquer tipo de esforço, o que a Igreja fazia? Dava a sentença: "Olha, o fulano está condenado." Mas a Igreja não executava, porque a Igreja não tinha exército. Então, o que a Igreja fazia? Entregava o condenado ao braço secular. Aí o Estado vai definir, de acordo com a cultura, de acordo com as leis, o costume, o uso de cada região. Aí o Estado vai proceder a essa execução. Então, tecnicamente falando, embora tivesse essa proximidade da Igreja com o Estado, a Igreja não executou ninguém. Quem executava era o Estado. A Igreja fazia o processo, identificava a
culpa, dava chance de remissão, mas quando realmente não havia, então acabava indo para a condenação, né? É o caso do Giordano Bruno. A Igreja nunca condenou uma proposição científica dele. O que a Igreja condenou foram as heresias dele. Giordano Bruno dizia que Nossa Senhora não era virgem e dizia que Cristo não estava realmente na Eucaristia. E, de certa forma, Giordano Bruno até adiantou um pouco o que os protestantes vão falar depois, né? Que se você tem fé que Cristo está, ele está; se você acha que ele não está, então ele não está, que na verdade
é uma heresia. Antes do Giordano Bruno, o Berengário de Tours, que era um herege francês, já havia dito que a heresia da "empana", né? Era o nome que a Igreja dava, né? Aquela ideia de você reduzir o pão eucarístico a algo que depende de você, né? Se você acha que está, está; se você acha que não está, então não está. Aproveitando que o que o senhor falou da questão de sempre fazer uma comparação, tem uma história interessante quando eu... Cursava Direito. Meu primeiro ano, eu tive aula com um professor que se chama Pedro Sérgio. Ele
é, ele não sei se ainda é, mas ele era ícone na igreja ortodoxa e era professor de Direito Penal. Um professor fantástico! E aí, ao chegar lá, a gente tinha acabado de sair do ensino médio e ele falou: "Olha, vocês aprenderam tudo errado na escola. Vocês lembram que a Inisi foi professor de vocês que falou que a Inquisição matou não sei quantos milhões, etc.? Isso é tudo bobagem". Primeira aula de Direito Penal vai ser a comparação entre a Inquisição e o inquérito policial de hoje. E aí ele foi comparando. Eu não lembro agora, mas foi
ponto por ponto, ponto por ponto: Inquisição, inquérito. Todo mundo chegou a ele e chegou à conclusão de que o inquérito policial de hoje é muito mais severo do que a Inquisição foi. E ninguém falou nada. É porque a Inquisição tem casos de sentença, mesmo da Inquisição, em que o sujeito era culpado. Se o sujeito fosse culpado, ele tinha que pagar alguma coisa; ele teria que pagar. Mas se ele se arrependeu e se retratou, qual seria a pena dele? A pena penitencial. É daí que, inclusive, vem o termo "penitenciária", né, que a gente usa hoje em
dia para as prisões e tudo mais. Vem daí, da Idade Média, dessa lógica da Penitência: você deve algo a Deus e deve algo à sociedade, então você vai ter que cumprir uma penitência, mas você não vai ser condenado. Aí o que eles faziam? Um simulacro. Eles faziam um boneco, né? E nesse boneco eles colocavam o capirote, que é o chapéu cônico, e geralmente colocavam um babador escrito "condenado" ou, às vezes, o motivo da condenação. Amarravam esse boneco, e aí era feito o auto de fé. O auto de fé consistia numa pregação chamando as pessoas a
uma vida de virtude, a uma vida reta e tudo mais. Então havia ali o alto de fé, havia a leitura da sentença para que as pessoas conhecessem o que era o erro e o que seria o desejável, né, em termos de ação. E lia-se o nome do condenado, entre aspas, né, e queimava-se o boneco, né, lá com chapéu cônico e tudo mais. Então o boneco era queimado, e na pregação, geralmente, o pregador fazia essa alusão: "Nós estamos queimando boneco porque a igreja, como mãe, ela quer evitar que esse sujeito queime eternamente no inferno, onde não
vai ter solução. Então é melhor queimar o boneco nessa celebração penitencial do que...". Aí a igreja impunha uma penitência. Essa penitência podia ser um tempo de reclusão, podia ser um tempo de silêncio. Um tempo de silêncio foi o que Cristóvão Colombo, né, o Cristóvão Colombo, ele recebeu uma imposição, né, da Inquisição porque ele falou demais na Universidade de Salamanca, quando ele foi apresentar o projeto dele de navegar, né, a oeste. Achavam que ele falou demais, e aí veio a Inquisição e falou: "Olha, você está afirmando coisas de novo à igreja, você está afirmando como certo
aquilo que nós não sabemos, não tem como definir". Aí Colombo falou demais e recebeu o quê? Uma pena penitencial. Qual era a pena penitencial? Ele tinha que ficar algumas horas do dia deitado com os braços abertos em forma de cruz no piso de alguma igreja. Ele podia escolher a igreja, qualquer igreja. Então o Colombo ficava, né, durante algumas semanas, ele ficava lá 2, 3 horas deitado em cruz, com o rosto em terra, né, rezando dentro de uma igreja. E teve que ficar em silêncio durante um tempo, ele não podia falar com ninguém, nem com a
mulher, nem com os filhos, só por gesto. E Colombo cumpriu a penitência, ele cumpriu certinho, né? Ele não titubeou em momento algum, né. Então é o que é uma pena penitencial. Existiam penas penitenciais que eram do sujeito visitar um santuário a pé, amarrar correntes nos pés e andar durante a noite cantando Salmos penitenciais pelas ruas da cidade, cobrir a cabeça, e sair com uma disciplina, né, que é um chicotinho de cordas batendo nas costas, como uma norma, né, uma penitência pública pelo pecado cometido. Nós temos um resquício disso da Idade Média muito vivo ainda hoje
na Espanha, nas procissões de Semana Santa na Espanha, né? Sevilha, Málaga. Em Portugal tem um pouco menos, né? Mas ainda tem. Mas na Espanha isso é muito vivo. As vestes das irmandades são vestes penitenciais que remontam à Idade Média. Eles ainda usam aqueles capirotes, aqueles chapéus cônicos, que aí você não vê o rosto do penitente, ele vai descalço, ele carrega os andores descalços, machucando. É um resquício do que a Inquisição fazia. Então, quer dizer, é uma penitência. Uma penitência não tem a ver com tortura, etc. E tal. Agora, muita gente vai falar: "Ah, mas o
tribunal da Inquisição admitia tortura". Admitia. Isso é uma verdade: admitia. Mas quantos tribunais na Europa admitiam tortura? Todos, né? Todos admitiam. Então era uma questão cultural. Então não adianta a gente, hoje em dia, querer fazer um anacronismo de julgar a Idade Média com a mentalidade que a gente tem hoje. Esse é um absurdo assim primário no campo da história. E a gente vê gente que publica, que escreve livro de história e faz isso. Fica enxergando machismo, fica enxergando racismo. Gente, vamos lá, né? Vamos olhar qual é o contexto, quais eram as informações que aquelas pessoas
tinham. Não se pode julgar com a mentalidade de 2025 um sujeito que viveu 800 anos atrás. Não tem cabimento isso aí, né? Fora que era uma realidade muito mais dura. Então, obviamente, convém que as penas fossem mais duras, sim. Pessoas não viam com tanto estranhamento essa questão das penas, por exemplo. O Colombo, quando ele recebeu a imposição de silêncio da Inquisição, ele não reclamou. Ele não reclamou. Colombo era muito católico, era um pouco teimoso, era genial como Galileu. Então, ele tinha assim umas certezas, umas coisas, mas ele era obediente à Igreja, né? Muito interessante que
é um outro aspecto de Colombo que todo mundo exalta: o descobridor, o navegador e tudo mais, mas não se fala da catolicidade de Colombo. O diário de bordo de Colombo menciona muitas vezes a palavra “Cruz”, a palavra “evangelho”, a palavra “salvação”. Ele fala e deixa claro que estava indo no espírito de uma cruzada. As cruzadas tinham cessado na Idade Média, e agora os grandes navegadores enxergavam a navegação como uma nova cruzada. Nós vamos para o Oriente, nós vamos para a América, nós vamos aonde o evangelho não chegou, e nós vamos levar o evangelho. Os documentos
portugueses, se a gente olhar a carta de Pero Vaz de Caminha, são um testemunho de fé. Eu gosto muito de ler com os alunos, quando vou dar a história do Brasil. Eu falo para a molecada, que é aluna minha: “Esqueçam o livro! A gente vai começar estudando Brasil lendo a carta de Caminha.” Aí eles dizem: “Ah, mas isso é chato, não sei o quê.” Eu falo: “Não, vamos lá, vamos ler a carta de Caminha!” São 15 páginas, né? Folha A4 dá 15 páginas. Quando eles leem, é interessante isso. Faz anos que eu dou aula e
todo ano eu gosto de ver a surpresa na cara deles. Eles ficam perguntando: “Mas é verdade isso aqui mesmo?” Eu falo: “É um documento primário, meu querido! É um documento primário, é um testemunho da primeira hora!” Porque eles já vêm das séries anteriores com preconceito: “Ah, português veio aqui para roubar ouro, tirou tudo que era nosso, exterminou os índios.” E de repente ele vê a carta de Pero Vaz de Caminha e vai ver o Pero Vaz de Caminha falando para Dom Manuel a respeito dos indígenas: “Eles nos pareceram bons, são bons, são bonitos e de
bons rostos. Se Vossa Majestade quiser fazer algum bem a essa gente, faça vir muitos padres para que os batize, porque eles parecem muito abertos à nossa fé.” Olha a preocupação do Caminha dizendo ao rei: “Manda padres!” Ele fala que a maior riqueza da terra era o povo. Então, é por aí que se vê como essas histórias são todas construídas, são sobrepostas. O Colombo, por exemplo, o que fez insistir com a rainha Isabel? A fé de Colombo, não é exagero dizer isso, foi a fé de Colombo que o moveu a insistir mais uma vez. Ele apresentou
seu projeto a vários reis, só recebeu a porta na cara. Ele foi até a rainha Isabel de Castela no dia 2 de janeiro de 1492, o dia em que ela estava tomando a cidade de Granada, o último reduto muçulmano na Espanha. Foi o fim da reconquista católica da Espanha. Olha como isso é significativo! A reconquista católica começou lá no século VI na Península Ibérica, e a rainha Isabel concluiu essa reconquista no dia 2 de janeiro de 1492. No mesmo dia, chega Colombo para falar com ela, e ela não demonstra muito interesse. Então, Colombo, voltando a
Sevilha, entra na Catedral de Sevilha e se depara com a imagem grande de Nossa Senhora. Aqueles espanhóis colocam até brincos, colares, anéis, né? Colombo, olhando para aquela imagem de Nossa Senhora, viu que ela não tinha coroa. Olha que interessante a fé dele, uma fé pura, assim, quase infantil. E ele chega diante da imagem de Nossa Senhora e diz assim: “Eu já cansei de bater à porta dos Reis da Terra. Então agora eu vou bater à porta da Senhora, que é a rainha dos céus. Se a Senhora me conseguir a graça de que a rainha Isabel
me ouça uma segunda vez e patrocine esse meu empreendimento, eu prometo duas coisas: levar o evangelho às pessoas a quem nós encontrarmos e que o primeiro quinhão de ouro que eu encontrar eu vou mandar fazer uma coroa para colocar na cabeça dessa sua imagem aqui que não tem coroa.” Eu costumo brincar que Nossa Senhora não ia perder uma dessas, né? Que, aí, Nossa Senhora realmente deu a ele a graça de ser recebido novamente, e a rainha Isabel patrocina a vinda dele. E olha que curioso: que dia Colombo chega no continente americano? Dia 12 de outubro
de 1492! É o dia de Nossa Senhora do Pilar, a padroeira da Espanha. É dia de Nossa Senhora Aparecida também, que é nossa padroeira do Brasil, mas é dia de Nossa Senhora do Pilar. No dia da padroeira da Espanha, a Espanha chega até aqui. E, de fato, Colombo acha ouro e manda fazer a coroa, e manda colocar na cabeça de Nossa Senhora lá em Sevilha. Então, são coisas assim que... Ah, mas isso é acessório? Não, não é acessório! A fé dos portugueses não é uma coisa acessória. A fé dos espanhóis não é uma coisa acessória,
né? Entendeu? Então, negar isso é a própria completude da narrativa histórica. Você não pode varrer isso para baixo do tapete, né? Quando se fala de Inquisição na Idade Média, nem se fala. A ideia é apagar quase. Tudo, né? Só lembrando antes, professor, que a gente tá com livro para você que aprender sobre a Inquisição na campanha. Aproveite 40% de desconto no combo da Idade Média. O link tá na descrição. Pode falar, desculpa, agora vamos para as Cruzadas. Ah, as Cruzadas! Foi muita maldade contra os islâmicos. Jeito não dá para defender. Econômico era para abrir rota
comercial. Agora não dá para defender, então, aí quando a gente vai olhar, né, pras Cruzadas, é outra coisa. A conversão do Islã foi pacífica, foi pacífica, é lógico, é até hoje, né, bem tranquilo, né. É bom quando a gente vai olhar para essa coisa das Cruzadas, né, o pessoal fala: "ah, mas como pode?" Aí vem com esse argumento. Eu me lembro de uma professora minha de história, isso no colégio. Sei lá, eu devia estar na sétima série, sexta série, eu não me lembro direito, mas era uma professora católica, uma senhora assim, toda polida, assim, que
me deu aula. E eu me lembro dela falando exatamente o que o Marcelo falou. Ela falou: "olha, todos vocês sabem da minha posição, da minha religião, mas realmente agora nós vamos entrar num ponto que não dá para defender." Ela falou exatamente isso: "não dá para defender pelo seguinte: Jesus nos mandou amar, não matar. Como nós podemos endossar uma atitude que provocou uma guerra e que matou o nosso semelhante? Isso não está de acordo com o Evangelho, não está de acordo." E ela fez todo um discurso, e a gente, né, que era menino, a gente gostava
muito dela, e realmente era uma pessoa muito boa. E aí eu fui um dos, né, eu comecei a pensar. Eu falei: "é, não tem razão, né? Ela não ia mentir para mim" porque eu não estava analisando. Até porque uma criança não tem elemento para confrontar a história, e é por isso que essa questão de ideologizar a história é uma violência, né. E eu não tinha argumento ali, mas ela era uma pessoa tão boa que eu falei: "não, ela não ia mentir para mim." Falei: "eu acho que os outros até mentiram, mas ela, né, não ia
mentir." E eu fiquei com esse M na cabeça, né. Sou católico, gosto de tudo que é da Igreja, mas quando chega na Cruzada a coisa não vai. Mas isso aí caiu rapidinho, né, conforme eu fui crescendo. Eu tinha bastante interesse por história e gostava muito dessa coisa de guerra, né? Acho que todo moleque gosta muito desse negócio de guerra, tipo de armamento, não sei o quê. E aí, templários, essas coisas, eu fui me embrenhando nisso aí e eu comecei a ler umas obras de história de Cruzada e dava para ver que a pessoa que estava
escrevendo não era católica. Porque, né, tinha uma certa diferença ali na hora de falar da Igreja, mas havia uma citação de fontes históricas. Eu lembro que o primeiro livrinho de Cruzada que eu li foi um livro da Bárbara, uma historiadora italiana que tá longe de ser amiga da Igreja, mas ela é honesta na questão das fontes. Ela coloca as fontes direitinho. Assim, aí eu comecei a ler o livro da Bárbara e falei: "não, mas pera aí, ela colocou uns elementos aqui que eu não tinha pensado." E eram coisas que eu tinha estudado, mas eu não
tinha sido ensinado a fazer o quê? A comparar. A história, como que a gente aprende história na escola? Capítulo um, tal coisa. Capítulo dois, cai na prova um e dois, você e a Eoss. Então, nada, são recortes assim, e a gente começa a não vincular. E aí a Bárbara, num dos livros dela, ela começa a explicar a questão do Islã e o que o Islã fez com os católicos, o que o Islã fez com os territórios cristãos e o quanto os católicos demoraram para reagir. E aí eu falei: "é verdade, isso aqui. Puxa vida, não
tinha pensado." Aí começou a abrir um pouco mais a minha percepção. E aí o que que eu comecei a notar? Que realmente, né, o Maomé fundou o islamismo no ano 622 d.C., né? Em 622 ocorre a Hégira, né? A fuga de Meca para Medina, que é o que marca o ano zero ali do calendário islâmico. Nasceu o islamismo no ano de 632. Dez anos depois, Maomé faleceu. E aí os descendentes de Maomé começaram a espalhar, né, a fé islâmica em dois grupos principais, que depois foram se partindo em vários outros subgrupos, mas os dois grupos
principais, xiitas e sunitas. Né, os xiitas são aqueles que interpretam ao pé da letra, né, o Alcorão. Pegam o Alcorão, o que está dito é a letra pela letra, né? O xiita seria uma espécie de protestante islâmico, né? Ele pega o Alcorão ali e é literal. E o sunita, ele juntava ao Alcorão a tradição oral. Eram perguntas que alguns líderes tribais faziam a Maomé. Maomé dava ali uma solução prática e essas soluções práticas começaram a ser anotadas. Então, eles acreditam no Alcorão e acreditam que a Suna ajuda a interpretar, seriam os católicos aí, né, na
coisa. Tem uma espécie de tradição oral ali entre os dois. Bom, nesses dois grupos nós temos um grupo um pouco mais violento e um um pouco menos, mas todos eles tinham uma ideia de expansão da fé para todo canto. Então, quer dizer, ao cabo de 100 anos, 100 anos do ano 632 até o ano de 732, o Islã já tinha dominado quase todo o Oriente Médio e já tinha varrido praticamente o cristianismo do norte da África. E o cristianismo do norte da África é um cristianismo antiguíssimo, da era apostólica. Da era apostólica, é basta a
gente pensar que São Policarpo que evangelizou ali o norte da África. São Policarpo foi batizado por... São João Evangelista, então, nós temos santos ali que viveram no norte da África. Os primeiros mártires católicos, ali Tertuliano, que é um dos principais padres da Igreja, era tudo africano, e essa tradição cristã foi varrida. Eles foram invadindo, massacrando, profanando igrejas, cemitérios, e foram acabando com tudo que havia ali no Egito. Restaram os coptas, que, para os muçulmanos, era um pouco mais fácil de conviver. Mas os coptas não estavam em comunhão com Roma, então, para os muçulmanos, não era
uma ameaça tão grande; não era um problema, era mais um pequeno grupo ali dentro, era tolerável. Em 100 anos, em 100 anos, os muçulmanos invadiram a Península Ibérica. Eles entraram na Península Ibérica, no ano 711. Eles já estavam no norte da Espanha, na região das Astúrias, já tinham conseguido chegar lá; começaram a montar sultanatos no território de Portugal, no território da Espanha. Foram pontilhando a Península Ibérica com uma porção de califados e sultanatos. E aí foram para cima de quem? Da França. Só que, quando chegaram na França, eles pensaram que iam dominar o território francês.
E, de fato, a França tinha lá os monarcas que a história consagrou com um nome bem justo, que são chamados de "os monarcas indolentes", que eram da dinastia merovíngia. Quem estava no poder era o xerife Tero, que era um rei católico, mas muito frouxo e não reagiu a contento. E aí os militares, já preocupados com essa invasão muçulmana, com a ameaça em relação à fé, à vivência da fé dentro da França, se aglomeraram em torno de quem? De Carlos Martel, que era chamado de mordomo do passo. Mordomo do passo não era o mordomo que ficava
servindo água e vinho pro rei, não. Mordomo era um ministro, né, que despachava ali de dentro do Palácio Real, era major domo, na verdade. Aí eles usam esse termo "mordomo", parecendo que é um outro trabalho, mas não tem nada a ver com isso; era um ministro, né? Ele tinha, inclusive, alguns poderes, alguns privilégios. E aí Carlos Martel encabeça esse movimento e faz o quê? Ele vai expulsar os muçulmanos numa derrota vexaminosa. Essa derrota final se deu na batalha de Poitiers, em 732. E dali em diante, os reis da dinastia merovíngia já não eram respeitados nem
obedecidos. Tanto que Carlos Martel acaba adquirindo uma autoridade conquistada; não era uma autoridade herdada, mas conquistada. O xerife já praticamente não comandava. Tanto que, quando morre Carlos Martel, essa autoridade naturalmente os militares passam a obedecer ao filho de Carlos Martel, que é Pepino Breve. Pepino Breve tenta fazer um acordo com o Papa pra ver o que o Papa pensava disso porque os militares e o povo queriam aclamá-lo como rei, mas ele tinha um certo peso na consciência. E aí o Papa falou: "Não, meu filho, tá tudo certo; você está defendendo a Igreja, está defendendo o
povo, e quem não o faz está negando a coroa que recebeu." Então, o Papa concorda e dá um mandato pontifício pra coroação de Pepino Breve. Então, a dinastia merovíngia vai ruir e começa a dinastia carolíngia. Pepino Breve vai governar por um período, depois vem o filho dele, Carlos Magno, que é o pai da Europa, o grande pai da Europa. Então, por aí se vê esse espírito de bloquear. Só que os muçulmanos atacaram do século VI até o século X. Então, quer dizer, nós começamos esse ataque em 700, mais ou menos, e esse ataque vai se
estender até 1095. Em 1095, quer dizer, com 400 anos de atraso, a Igreja, através do Papa Urbano I, convoca os exércitos católicos para fazer frente aos muçulmanos. Então, todo mundo fala: "Ah, mas a Igreja foi lá, massacrou." Tá, mas a Igreja foi massacrada durante 400 anos. Católicos que iam peregrinar pra Terra Santa eram mortos, roubados, vendidos como escravos. As mulheres eram violentadas, as crianças eram vendidas. 400 anos com esse tipo de sofrimento, de assédio, até que o Beato Urbano I convoca a cruzada e encarrega São Bernardo de Claraval de sair pelas cidades europeias, pregando e
convocando os homens para se associarem à cruzada. A cruzada tinha um objetivo muito claro, que não era matar o inimigo, mas era garantir a vida daquelas populações cristãs, daquelas populações que tinham o direito de ir à Terra Santa. Então, o objetivo era ir até a Terra Santa, retomar os lugares santos, garantir a posse desses lugares onde nosso Senhor Jesus Cristo santificou com a sua presença. Esses lugares deveriam ser resguardados para que pudessem ser visitados. Essa era a lógica; a lógica não era matar muçulmanos, a lógica não era expulsar os judeus daquilo que era deles, de
modo algum. A lógica era preservar os direitos dos cristãos; a lógica era impedir que os muçulmanos invadissem territórios cristãos e fizessem o que estavam fazendo. Aí, agora, é claro, quando a gente vai olhar para as cruzadas, não foram flores do começo ao fim. Às vezes, houve algum interesse econômico, comercial, algum interesse desvirtuado. Mas o próprio Papa Urbano I, na bula de convocação da cruzada, dizia o seguinte: "Que Deus não permita que a cruzada se desvie do seu objetivo, e se a cruzada, em algum momento, se desviar, que Deus mesmo se encarregue de acabar com ela."
Então, o próprio Papa era muito claro nos objetivos da cruzada. Muito bom. As perguntas, uma, tá até uma parte interessante para… Fala com o Islã sobre ego, amor e tudo mais. Então, uma citação do Alcorão é: "Eu não sei falar, digamos, mas seria como se fosse 812, e de quando o Senhor revelou aos anjos: 'Estou convosco, firmeza', pois aos fiéis logo infundi o terror no coração dos incrédulos. Decapita-os e decapta-lhes os dedos." Ou seja, até o tipo de morte tão comum entre esses grupos ditos radicais, eles só estão levando o que está escrito no próprio
livro sagrado deles. É só para, antes de fazer as perguntas, fazermos a síntese aqui. A gente não comentou do principal mito, que é o da Idade das Trevas. Como você falou de forma bem bonita, o que a própria Idade Média deixou é impossível que ela fique como treva. É só olhar as catedrais e as universidades. Agradeço ao Kai e à Carol, que fizeram um trabalho muito bom nesse lançamento, que a gente fez essa campanha da Idade Média, mostrando as mentiras e colocando: "Ah, está aqui a obra dos ignorantes!" Aí tem uma catedral lá no Instagram
que é a obra dos gênios modernos; aí está Brasília. É que mais pode comentar sobre isso? Pois não é, em relação a isso, uma contradição em termos, né? Essa questão da Idade das Trevas, porque se tem uma coisa que a Idade Média não foi, é uma idade de obscurantismo e atraso. É uma questão assim, tão simples de perceber. E é engraçado como as pessoas se deixam levar pela argumentação sem pensar pela própria cabeça. Basta a gente olhar, por exemplo, em qualquer grande catedral na França, ou até em outro lugar, mas as catedrais francesas, a meu
ver, expressam melhor. Se a gente olhar, por exemplo, a portada de Amiens ou a portada de Notre-Dame em Paris, o que que você vê ali? Você vê figuras que têm um porte, uma elegância, e trazem quase que sempre, via de regra, um sorriso sutil no rosto. Na entrada da Catedral de Amiens e até na Catedral de Chartres, na França, que é um grande santuário mariano, você vê a Virgem Maria com o menino Jesus numa cena muito terna da mãe com o filho no colo. E o menino Jesus olha para a mãe, ele põe a mão
no rosto da mãe e sorri. Na portada de Amiens, tem também o Anjo sorridente. É um anjo, né? Esse não está em Amã. Esse não é em Amã, é em Hans. Hans Hames, né? Hans é... Ah, verdade, é o Anjo de HS, é verdade, né? É um anjo sorridente, então ele tem um sorriso sutil. É uma alegria contida, né? Não é aquela alegria da gargalhada, mas não seria um destempero; é o riso da virtude, né? É um riso temperado com a virtude, com a graça, né? Então, é muito curioso ver esse tipo de arte. E
existe um critério muito simples: quando você quer analisar a mentalidade de um povo de qualquer época, basta você olhar a arte produzida por aquela época. A arte reflete o interior das pessoas naquela época. Na Idade Média, o que que nós vemos? Ordem, beleza, um sorriso sutil, luz. Quando entramos nas catedrais, elas parecem um relicário, né? Onde a luz penetra e ilumina por todos os lados. Basta pensar na Sainte-Chapelle em Paris, perto da Notre-Dame. A Sainte-Chapelle parece literalmente um relicário. Aliás, São Luís IX concebeu aquela igreja para ser o relicário da coroa de espinhos de Cristo.
Então, o que que vemos ali? A beleza da luz que atravessa os vitrais e coloca a pessoa numa atmosfera de elevação. Agora, quando você olha a obra de arte... Não estou dizendo que ela é feia, mas quando a gente olha a obra de arte do Barroco, eu gosto, eu acho o Barroco bonito. Mas o Barroco tem um tom de desespero. No Barroco, a gente já vê os anjos e as imagens com os olhos arregalados, a boca aberta, um vento impetuoso. Isso é um certo desespero, é aquele desespero do Renascimento. É o homem que quer pecar,
mas a sua consciência pesa. Então, isso se reflete na arte, né? É uma arte que já demonstra um desespero. A Idade Média reflete o quê? Ordem, beleza, leveza, luz. Então, chamar a Idade Média de Idade das Trevas é não só uma ignorância, mas uma contradição em termos mesmo, né? Profundíssima. A PR, a gente fez uma postagem também bem interessante do ano de fundação das principais universidades da Europa, e tem uma coincidência: a maioria foi no período das "trevas". Pois é, pois é, pois é. Professor Marcel, aproveita e fala um pouco da economia dos impostos na
Idade Média. Acho que nós estamos com o tempo aí meio estourado; melhor a gente ir para as perguntas. Bom, verdade. Mas vai entrar só nesse detalhe que eu vou puxando aqui as perguntas. Enquanto isso, quer comentar alguma coisa? Dar preferência ao professor Tonon, que é nosso convidado. Quer comentar um pouco sobre a cavalaria? A cavalaria é um exemplo interessante, né? Eu colocaria até dois exemplos aqui: tem a cavalaria, que vai trabalhar a questão da honra, e nós temos as corporações de ofício, que vão trabalhar a questão da dignidade, né? Então, é uma sociedade baseada nisso:
honra e dignidade. São valores, são virtudes que fundam a sociedade. A cavalaria, por exemplo, todo mundo pensa: "Ah, o que é a cavalaria?" Ah, é um sujeito... Que ele queria fazer um treinamento militar, então ele entrava para a cavalaria. Não, né? A cavalaria tinha todo um ritual. O sujeito, para ser aceito como cavaleiro, ele tinha que ser provado e demonstrar virtude; tinha que demonstrar diversas capacidades humanas de elevação, inclusive, né, para fazer o quê? Para defender o mais vulnerável. Então, é uma sociedade que defende a viúva, que defende o órfão, que defende a mulher. Isso
é muito interessante. Os cavaleiros, o próprio juramento dos cavaleiros, falava-se muito da defesa da mulher, que é outra coisa. É um outro mito, que o pessoal fala: "Ah, na Idade Média, a mulher não tinha o seu..." Pelo contrário! Na Idade Média, nós temos grandes mulheres. Basta a gente pensar em Santa Hildegarda de Bingen, né, que era chamada de a Sibila do Reino do Reno. A Santa Hildegarda foi uma abadessa beneditina, uma mulher de uma cultura vastíssima, né? Como tantas outras mulheres que estudaram e tinham um conhecimento muito... Ela tinha um vinhedo, também produzia o Rizo,
né? Produzia vinho, produzia remédios, lá, as essências dela. Enfim, né? E é uma grande santa, né? E aí, depois, quando olhamos para as corporações de ofício, nós vemos a questão do quê? Da dignidade. A Idade Média tinha também essa preocupação de você não simplesmente ensinar uma profissão, a téchne, a técnica, o saber fazer. Não era mais importante você não precisa apenas saber fazer. Saber fazer qualquer um pode aprender, mas você precisa saber do sentido. É muito interessante: as corporações de ofício tinham regras muito bem estabelecidas. O segredo da produção de cada produto era conservado e
transmitido. A qualidade dos produtos tinha um controle muito rigoroso. Para você ser aceito numa corporação, você tinha que passar por essas provas todas. Cada corporação de ofício tinha o seu santo padroeiro. Eles tinham, inclusive, que festejar o seu santo anualmente. Então, era uma confraria de pessoas que trabalhavam com a mesma coisa, conservando a mesma qualidade e, de certa forma, fazendo circular entre eles segredos que melhoravam essa produção. Então, a questão da dignidade, né? A dignidade, a honra, né? Fazem parte, né, dessa mentalidade medieval. Ótimo! O Wesley Gabriel está perguntando quais autores recomendam para estudar a
Idade Média. Olha, tem vários. Bom, tem a coleção... Aqui vou deixar o Marcelo falar da coleção. Aqui, a coleção... Bom, da cavalaria, nós estamos lançando três títulos, né? Então, um sobre a cavalaria, outro sobre a Inquisição e outro sobre as Cruzadas. Nós estamos aí em promoção. Não perca a oportunidade de comprar com 40% de desconto agora. Há vários autores que você pode ler, inclusive os que são críticos, né? Por exemplo, Le Goff é bom. O Le Goff tem que ler. O Bloch tem que ler. Vê... Agora pode, pode, pode continuar. Então, a pergunta é: tem
a Régine Pernot, fantástica! Fuit. Essa já defende, já defende. Ela tem, por exemplo, uma biografia de Joana d'Arc que ela escreveu, que é muito boa. A Régine Pernot fala também da mulher na Idade Média; ela tem um livro só sobre o papel das mulheres na Idade Média, vale muito a pena ler. Bom, esses medievalistas, né, franceses, em geral, eu gosto de todos eles. Os medievalistas ingleses, eu já tenho um pouco de pé atrás, assim, né, porque eles já têm umas visões que eles ficam enchendo de anacronismos, assim, na análise deles. Mas os franceses, em geral,
têm uma visão mais justa da coisa. Também o Dom Bosco acabou de fazer uma campanha que eu imagino que deve ser boa. Conhece as obras, professor, que eles publicaram agora? Mas eu não conheço a obra. Não, ainda não! Tem que ler aquelas. Tinha uma pessoa perguntando aqui se o cisma e a peste negra... Eu perdi a pergunta. Você mandou um super chat? Foram fundamentais pra decadência da Idade Média? Ajudaram? Ajudaram, né? Na verdade, o cisma do Ocidente, né, que aconteceu ali, que é aquele período chamado de séculos de Ferro, ali, né? É um período bastante
complexo mesmo na história da Igreja, onde a Igreja chegou, por exemplo, a ter três papas reinantes ao mesmo tempo, e os católicos se confundiam, né? Inclusive, os santos que viveram na época se confundiram, né? Santa Catarina de Sena, ela defendia um papa e São Vicente Ferrer defendia outro. Então, até entre os santos, inclusive os místicos, né, tinha, assim, uma confusão gigantesca. São papas que se alternaram no poder com eleições ilegítimas e a coisa se arrastou por bastante tempo até que o Papa Nicolau V pôs fim a isso, né? E a peste negra também influenciou muito,
inclusive na mudança de mentalidade, né, das pessoas, né? Então, essa coisa da peste negra, né, onde as pessoas se sentiam muito vulneráveis, morria muito rápido, a peste se espalhava muito facilmente. Muita gente começou a ter uma visão muito inadequada, assim, até da própria fé. Começaram a se desesperar e a pensar que a vida tinha que ser uma vida de prazeres, mesmo porque, olha, eles rezaram e fizeram tudo aquilo ali e Deus permitiu que morresse. Então, é já um período de decadência, até de um certo desespero em relação à fé, né? Foi um período complicado pra
Igreja e foi um período complicado pro mundo, aliás. Santo Agostinho, na sua obra "A Cidade de Deus", ele já nos deu a chave de leitura da história em todos os tempos. Santo Agostinho dizia que, se a Igreja vai bem, o mundo vai bem; se a Igreja vai mal, o mundo vai mal. Já visto hoje! Em dia, né? É o que Santo Agostinho dizia, né? Ele fala que se a igreja estiver crescendo em santidade, né, e tudo mais, o mundo vai bem; do contrário, o mundo vai mal, né. O Batalhão Católico tá perguntando: é verdade que
os impostos eram altíssimos sobre o povo? Essa questão dos impostos. Quer comentar, Marcelo? Marcelo fala até mais do que eu! Disse não, não é verdade! Não é porque era uma estrutura muito diferente de hoje em dia, né? Então, falando que o trabalhador, né, o da guerra, pagava muito imposto, mas é que nessa conta a gente tem que ver que o senhor feudal o protegia nas batalhas, né? Então, o servo da guerra não ia para a guerra; quem ia era só o senhor. Quem ia dar o sangue era o senhor, eram os nobres, e não o
trabalhador da terra. Agora, variava muito de lugar para lugar e também tinha a questão dos fornos públicos, que era uma tradição romana que foi herdada em boa parte da Idade Média, mas tinha um aluguel sobre isso também. Mas variava demais! Na França, em algumas regiões, os impostos eram relativamente altos em relação a outras regiões da própria Idade Média. Mas, por exemplo, no sul da Alemanha, no Império Sacro Romano Germânico, os impostos eram baixíssimos, era próximo do tempo do Império Romano, ou seja, seria o equivalente a 5%, mais ou menos. Na França, era mais que o
dobro disso, mais de 10%, e encarecia, né, no tempo das guerras, que aí então tinha necessidade de financiamento. Então, varia, né? A mudança era muito durante o tempo: se era guerra, se era paz, se era época de carestia, se era época de prosperidade e também de regiões, né? Então, o sul da Alemanha, especialmente, era famoso por cobrar pouco imposto e isso dependia quase que de feudo para feudo, né? Feudo para feudo. É porque também dependia do senhor feudal. Às vezes morria um senhor feudal, ele era sucedido pelo filho, e o filho mudava o sistema de
cobrança do... Então não tem uma igualdade. Quando o pessoal vem e fala: "Ah, na Idade Média era assim", dizer que na Idade Média uma coisa é taxativamente de um jeito é quase impossível, porque se tem uma coisa que tinha na Idade Média é a verdadeira pluralidade. Hoje em dia se fala de pluralidade, mas o pessoal não imagina o que eram essas diferenças locais. Porque, na Idade Média, por exemplo, dentro de um mesmo país, na França, tinha mais de 10 dialetos diferentes. Então, nem a língua era a mesma, né? Os pesos e medidas eram diferentes, tudo
diferente! Então, quando você fala assim: como era na Idade Média?, a pergunta é: qual Idade Média? Qual Idade Média? Onde? Qual região da França? Na Itália, qual região da Itália? Só no Império Sacro Romano Germânico, dentro dele, chegou a haver 400 estados. Então é uma subdivisão de subdivisões; é complicado. O Evandro, do canal Medieval, que inclusive foi ele que escreveu o prefácio do livro da Cavalaria, olha só! É certo que pagamos muito mais impostos hoje para Brasília do que um camponês para seu senhor, muito mais! D. Nem fora o tempo de folga, né? Exato! A
gente até publicou que, na prática, um camponês trabalhava de 40% a 50% do ano, e hoje eles trabalham muito mais. Atualmente, você trabalha metade do ano só para pagar imposto, porque 43%, 44%, né? Então é... O mundo, acho que, é... Dickman, o professor Edmilson Cruz, disse que Galileu foi julgado por tentar adulterar um texto sagrado, o livro de Josué, por causa do heliocentrismo. Isso é verdade? Tem uma questão lá do heliocentrismo que Galileu, ele tem uma fala um pouco sarcástica em relação a Josué. Isso aí também, a Inquisição pegou, né? Então tem isso também, mas
não é o principal. O principal é a questão do heliocentrismo; ele afirmar o heliocentrismo como uma certeza, sendo que na época não se tinha condições ainda de provar. O núcleo do processo de Galileu foi esse, mas tem essa questão que ele fala de Josué, né? Que Josué pediu para Deus e Deus parou o sol, e aí ele questiona, né, como seria isso, né? E tal... O Wer Gabriel tá perguntando se é verdade que os santos padres entravam nas casas em cidades abandonadas por causa da peste, onde as portas ficavam abertas; nem os bandidos tinham coragem
de entrar. Na Idade Média, no tempo da peste, a Igreja esteve perto, e a Igreja não titubeou em ir até os doentes, em ungir, em dar comunhão. Na Idade Média, por exemplo, na época da peste negra, existiam até instrumentos que eles criaram, né? Que era uma espécie de pinça eucarística que era comprida. Colocava-se a sagrada forma e a pessoa abria a janela de casa e dava-se a comunhão na janela para que não houvesse o contágio do sacerdote. Mas os padres não deixaram de atender confissão. Por exemplo, durante a peste negra, tem um relato interessante na
França: os padres pediam para o pessoal se recolher e as pessoas das casas vinham até as janelas mais baixas. O padre ficava a uma certa distância e a pessoa se confessava. Então, por isso que ele pedia para todo mundo recolher, né? Justamente para isso, para poder atender. Então não houve uma interrupção, né, na celebração dos sacramentos, mesmo em tempo de peste. É muito parecido com o que houve em 2020, né? Igualzinho, igualzinho! Aproveito. Bom, falta só 4 minutos, então, para encerrar. Se der para falar a última, até aproveitando a questão das ordens hospitalares, falar um
pouco do hospital. As ordens é a, as também surgiu. Nesse contexto, são as ordens de Cavalaria que mesclam vida religiosa com obras concretas, né? Então, por exemplo, a ordem dos hospitalários surge com o objetivo de ser uma ordem de Cavalaria, mesmo que pudesse atuar militarmente, inclusive, mas também para abrir e fundar hospitais, porque é uma obra de Misericórdia você cuidar do corpo, cuidar das pessoas. Então, essa ordem era consagrada a São João, né? Então, eram os cavaleiros hospitalares. Assim também os templários: os templários eram uma ordem de Cavalaria para garantir a defesa dos cristãos que
iam para a Terra Santa, né? A ordem dos Cavaleiros do templo. Essas ordens mesclavam vida religiosa e vida militar. Por exemplo, apenas uns 20% dos templários atuavam diretamente na cavalaria; o restante ficava nos mosteiros, nas casas dos templários. Inclusive, entre os templários, muitos deles eram padres; tinha muito padre. E todos eles faziam votos. Então, eles eram religiosos, todos com os três votos: castidade, pobreza e obediência. Todo mundo pensa que templário é só soldado e tudo mais, né? Mas mesmo os que eram soldados faziam votos, né? Então, tem esse vínculo religioso. Os hospitalários, a mesma coisa,
né? Eles existiram até 1314, os templários, por conta de um cambalacho lá do Rei Felipe IV da França, né? O Felipe, o Belo, que queria herdar os bens dos templários. Ele inventou uma série de acusações falsas e induziu o Papa Clemente V a erro. O papa suprimiu a ordem dos templários; a ordem do hospital continuou existindo. Quando o papa suprimiu a ordem dos templários, Felipe o Belo, da França, pensou que seria o tutor dos bens da ordem. O Papa passou todos os bens para a ordem do hospital, né? Os cavaleiros hospitalários. E aí ele ficou
furioso com tudo isso, né? O único lugar onde a ordem dos templários seguiu foi na península ibérica, na Espanha. Ela sofreu algumas alterações; em Portugal, ela foi mais preservada. O Rei de Portugal, naquela época, era Dom Dinis, casado com Santa Isabel de Portugal. A Rainha Santa foi Dom Dinis que pediu ao Papa permissão para que os templários continuassem existindo em Portugal. O Papa deu a permissão, falou que tinha que trocar o nome da ordem e mudar a regra de vida. E aí ele destinou o Convento de Cristo, na cidade de Tomar, para que os templários
tivessem ali o seu quartel-general. E ali, então, começou a Ordem Milícia de Cristo, ou a ordem de Cristo, simplesmente. De onde vieram os grandes navegadores é daí que nasceu a escola de Sagres, os grandes navegadores, daí que vieram os fundadores do Brasil, né? Então, o Brasil tem uma conexão também com a Idade Média. Muito bom, muito obrigado, professor, por essa magnífica aula. Eu sei que o senhor veio de Campinas, né? Então, pegou viagem para vir até nós. Muito obrigado, eu agradeço muito. Aproveito aqui só para fazer uma propaganda rápida do meu canal no YouTube. O
canal é Rafael Tonon, Rafael com 'ph', só me procurar por lá, né? Então, lá vocês encontram as postagens que eu vou fazendo. Tem o Instagram também, que é Rafael Tonon, Rafael com 'ph', T-N-O, né? Me encontrem lá também pelo perfil. E na semana que vem, dias 17, 18 e 19 de fevereiro, eu faço a jornada da história da Igreja no Brasil, inclusive, né? Vou falar dessas conexões da Igreja do Brasil, a fundação da fé aqui no Brasil com Portugal, com a Idade Média e tudo mais, que é uma coisa que não se fala muito, e
os brasileiros andam um pouco batendo cabeça com isso, né? E não percebem a riqueza que existe na história da Igreja do Brasil. Então, fica aqui o meu convite para vocês, né? Para que se inscrevam nessa jornada e possam participar, aproveitar e, né, clarear um pouco as ideias a respeito dessa grandeza que nós temos aqui nesta Terra de Santa Cruz. Eu vou colocar o link na descrição. O senhor me manda, beleza? Mando! E aproveito para agradecer mais uma vez. A gente atingiu a meta da campanha e não deixa de participar. A Revolução Francesa, a gente conseguiu
praticamente 300.000. Agora vamos superar, vamos dobrar a meta, como diria nossa presidenta. Porque é muito melhor ler Idade Média, como vocês viram aqui, do que ler Revolução Francesa. Você fica mais um, você fica feliz, o outro você fica triste. Então, é isso, gente! Muito obrigado. E o professor Tonon tá convidado a voltar aqui sempre que quiser. Tô bem, obrigado, agradeço.