Em filmes como "Bicho de sete cabeças", "Um estranho no ninho" e "Garota, interrompida", vemos como a cultura popular retrata os manicômios. Infelizmente, muito do que aparece nesses filmes não é tão distante da realidade e aqui no Brasil, nós temos um histórico muito problemático envolvendo essas instituições. Eu sou o André, tenho um doutorado em psicologia e hoje vamos abordar um assunto que já foi pedido por muitos de vocês: a luta antimanicominal no Brasil.
Além de explicar o que ela é, vamos contar também o porquê as suas conquistas das últimas décadas andam sendo ameaçadas atualmente. Um dos principais objetivos da luta antimanicomial é garantir que pessoas com transtornos mentais ou vivenciando sofrimento psicológico tenham os seus direitos básicos respeitados pela sociedade e sejam tratadas de forma digna. Dentro dessa luta, vários esforços vêm sendo feitos nas últimas décadas para promover uma mudança cultural no modo como as pessoas enxergam os transtornos mentais e uma mudança nas práticas de assistência à quem está vivenciando sofrimento psicológico.
Em culturas como a nossa, pessoas passando por um sofrimento grave ou que se comportem de uma maneira muito diferente do que é esperado podem ser rotuladas como "loucas" e sofrerem discriminação, exclusão e diferentes formas de violência. Por muito tempo e até hoje em dia, essas pessoas foram parar em manicômios, também conhecidos como hospitais psiquiátricos ou hospícios, locais que suspostamente iriam ajudá-las, mas que muitas vezes pioravam a situação. Na prática, muitos manicômios acabaram funcionando como locais onde, ao invés de receberem um tratamento adequado, as pessoas eram isoladas do convívio com as suas famílias, torturadas, humilhadas e até mesmo mortas.
Muitas pessoas foram internadas nessas instituições sem que tivessem recebido qualquer diagnóstico previamente, e uma vez que estivessem lá dentro, podia ser bem difícil sair, mesmo que alguém quisesse muito. Ao longo das últimas décadas, fomos tomando conhecimento de várias situações nas quais as pessoas foram tratadas de forma completamente desumana e violenta em manicômios. O hospital Colônia que ficava em Barbarcena, no estado de Minas Gerais, foi o palco do que ficou conhecido como o holocausto brasileiro.
Em 1961, o hospital tinha cerca de 25 vezes mais pacientes do que a sua estrutura física suportava e entre 1930 e 1980, ocorreu um verdadeiro extermínio nesse local. Cerca de 60 mil pessoas morreram lá, sendo que em torno de 70% delas não haviam recebido nenhum diagnóstico antes de serem internadas. A maior parte das pessoas enviadas para lá eram negras, homoafetivas, em situação de rua, opositoras políticas, prostitutas ou quem era visto em sua família como "desajustado" de alguma forma.
Ou seja, muitos dos pacientes do hospital eram simplesmente pessoas rejeitadas ou discriminadas pela sociedade. Embora o objetivo inicial fosse oferecer tratamento a quem possuía algum transtorno mental, esse hospital acabou se transformando em um local de isolamento da sociedade e de extermínio daqueles que fugiam dos padrões da época. Se você quiser mais detalhes sobre o que ocorreu lá, assista o documentário "O holocausto brasileiro", mas só se você tiver estômago para isso.
Situações precárias foram constatadas em vários manicômios do Brasil e de outros países, o que motivou diversas pessoas ao redor do mundo a iniciarem o que é conhecido hoje como luta antimanicomial. Um dos pioneiros nessa luta foi o psiquiatra italiano Franco Basaglia, o qual chegou a visitar o hospital Colônia em Barbacena e o comparou aos campos de concentração nazista. Basaglia inspirou o fortalecimento da luta antimanicomial em vários países, inclusive no Brasil.
Ele contribuiu para que a Lei da Reforma Psiquiátrica Italiana fosse aprovada em 1978, a qual serviu como base para que, apenas em 2001, a lei número 10. 216, também conhecida como lei Paulo Delgado, fosse aprovada aqui no Brasil. De acordo com a lei, pessoas com transtornos mentais deveriam ter os seus direitos básicos respeitados, ter acesso a informações detalhadas sobre as suas condições, receber tratamentos adequados e serem protegidas de qualquer forma de violência, dentre outras coisas.
Outro avanço foi a decisão de fechar gradualmente os manicômios ou e substítuí-los por outras formas de assistência. Seguindo a lógica manicomial, pessoas em sofrimento psicológico devem ser segregadas da sociedade para melhorarem e os seus direitos são dispensáveis. Já seguindo a lógica antimanicomial, os direitos das pessoas devem sempre ser preservados, os seus relacionamentos devem ser fortalecidos, as internações só devem ser cogitadas em último caso, por tempo limitado e com o objetivo principal de facilitar a reinserção da pessoa na sociedade o quanto antes.
Ainda vamos falar algumas coisas bem importantes sobre a luta antimanicomial no vídeo de hoje, mas se gostou do assunto que estamos abordando, clique no joinha, comente aqui embaixo a sua opinião, inscreva-se no canal e siga a gente nas redes sociais! No lugar dos manicômios, ficou decidido que a Rede de Apoio Psicossocial deveria ser expandida em todo o território nacional para oferecer acolhimento e tratamento para pessoas vivenciando diferentes formas de sofrimento psicológico. Essa rede inclui os Centros de Atenção Psicossocial, mais conhecidos como CAPs, os Serviços Residenciais Terapêuticos, as Unidades de Acolhimento, os leitos de saúde mental em hospitais gerais e o programa de Volta para a Casa, por exemplo.
Por meio dessa rede, pessoas com transtornos mentais graves poderiam ter acesso gratuito a tratamentos mais humanizados e conduzidos por equipes multiprofissionais, incluindo aí médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, enfermeiros dentre outros profissionais. Em 2003, um avanço na reforma psiquiátrica foi a criação do programa "de Volta para Casa". O seu objetivo era ajudar quem estava internado há muito tempo em manicômios a resgatar os seus direitos, exercê-los livremente e a se reinserir na sociedade.
Para alcançar os seus objetivos, a luta antimanicomial depende não só do fechamento dos manicômios, mas também de uma mudança cultural a respeito de como pessoas com transtornos mentais são vistas e tratadas pela sociedade, já que sem essa mudança, os manicômios podem voltar a se proliferar e infelizmente parece que estamos caminhando nessa direção aqui no Brasil. O mito de que pessoas com transtornos mentais são violentas é bastante difundido. Essa ideia acaba fornecendo uma justificativa nada razoável para que uma pessoa em sofrimento psicológico seja internada, já que supostamente ela representaria um risco para a sociedade.
Essa é uma ideia bem popular ainda e podemos observar isso nas reações de muitas pessoas à notícia de que alguém cometeu um crime extremamente violento. Para muitos, é quase automático pensar que só uma pessoa louca seria capaz de fazer algo assim. Vários avanços importantes foram alcançados na assistência à saúde mental no Brasil graças a esforços como os da luta antimanicomial, mas, nos últimos anos, esses avanços vêm sendo progressivamente ameaçados.
Desde 2015, os recursos direcionados aos CAPs vem diminuindo e os direcionados às comunidades terapêuticas e aos manicômios vêm aumentando. A norma técnica número 11 de 2019 também estimulou o surgimento e a expansão de manicômios no Brasil. Uma das ameaças mais preocupantes surgiu no final de 2020, quando o Ministério da Saúde indicou a possibilidade de revogar várias portarias que garantem partes muito importantes da política pública de saúde mental que existe no Brasil.
Caso esse "revogaço" realmente ocorra, isso poderia se traduzir na suspensão da noite para o dia do financiamento de vários serviços, tais como do programa De Volta para Casa, do Serviço Residencial Terapêutico, do Consultório na Rua e da própria Rede de Apoio Psicossocial. Todos esses acontecimentos recentes vêm abrindo caminho para o surgimento e a expansão de manicômios no Brasil, o que representaria um grande retrocesso no nosso país e um risco para a saúde de milhares de brasileiros. Essas instituições recebem dinheiro do governo para existirem, então é do interesse de algumas pessoas que manicômios voltem a se popularizar no Brasil.
Hoje a única dica que vamos dar é que você pressione os políticos nos quais você votou nas últimas eleições para protegerem o SUS. O Sistema Único de Saúde no Brasil vêm sendo enfraquecido nos últimos anos e isso representa um grande risco para a saúde física e mental dos brasileiros, sendo que, como explicamos já em outro vídeo, a saúde mental do nosso povo já era uma das mais preocupantes do mundo antes da pandemia, imagine agora. A luta antimanicomial é uma luta pela democracia, pela saúde mental e pela dignidade do ser humano.
Cada vitória dela representa um pouco mais de proteção para todos nós, e não apenas para pessoas com transtornos mentais. Hoje te explicamos o que são manicômios e o que é a luta antimanicomial no Brasil. Descrevemos alguns dos principais avanços nas políticas públicas de saúde mental no Brasil alcançados nas últimas décadas e como eles estão em risco atualmente.
Nosso último vídeo foi sobre o transtornos de escoriação. Para muitos de vocês, pareceu que foi uma grande novidade esse termo: transtornos de escoriação. E de fato ele não é um dos trantornos mais famosos que existe.
Outrao padrão que eu percebi nos comentários foi o de pessoas mostrando mais ou menos o que elas vivem, perguntando se aquilo examente que elas vivem se encaixa ou não. O que eu vou pedir para vocês que fizeram esses comentários é que vocês assistam mais uma vez o vídeo, porque lá a gente detalha o que que se caracteriza como sintoma e o que que não se caracteriza. E claro, lembre-se sempre como a gente fala aqui no canal que você não é a pessoa mais indicada para concluir se você possui um transtorno mental ou não.
Obrigado vocês também que elogiaram o vídeo ou que elogiaram a esolha do tema. A gente tá sempre de olho nas sugestões que vocês mandam, então continuem fazendo isso. Vários temas aqui no canal já foram escolhidos porque uma galera pediu, e claro, nem sempre a gente consegue abordar todos os assuntos no tempo que vocês gostariam, mas dentro do possível, a gente vai inserindo sempre sugestões de vocês na programação do ano.
O que você achou do tema de hoje? Se gostou, clique no joinha, inscreva-se no canal, clique no sininho e assista também o vídeo em que contamos 9 fatos sobre transtornos mentais que ele vai ser um ótimo complemento para o vídeo de hoje.