A vida nas últimas aldeias indígenas de São Paulo

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DW Brasil
A região da cidade de São Paulo abriga aldeias indígenas espremidas entre estradas movimentadas e ár...
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Estamos em uma Terra Indígena. Mas o barulho dos carros não deixa  esquecer que a cidade está bem perto. E não é qualquer cidade.
É São Paulo. Muitas pessoas perguntam por que que fizemos a aldeia em meio à cidade. Uma grande cidade, não é?
Mas quando estávamos aqui, quando  chegou a minha avó, meu avô, não tinha nem a rodovia Bandeirantes, não  tinha rodovia Anhanguera, era só mata. Ara Dju é descendente direta  do casal indígena Guarani que nos anos 1960 fundou uma das oito aldeias  que hoje formam a Terra Indígena Jaraguá. A menor demarcada do Brasil.
Cerca de 750 pessoas vivem ali. A comunidade fica no noroeste de São Paulo, a  somente 15 km do centro da cidade, e espremida entre duas movimentadas rodovias, por onde  todos os dias passam cerca de 175 mil veículos. Algo que, segundo os moradores, é  incompatível com o modo de viver guarani.
A roça que meu avô tinha na época supria  a necessidade de todos os moradores, né? Aqui era um lugar que tinha toda  a natureza, tudo que precisava. Quando a minha avó chegou aqui, o rio, né.
. . das Lavras, ele era usado para  banhar, para cozinhar, para lavar as coisas, né?
Roupa, louça, essas coisas assim, hoje  a gente não pode nem usar dessa água. O território oficialmente  ocupa uma área de 1,7 ha, que é a parte já homologada  pelo Estado brasileiro. Um território quase 10 vezes menor que o Palácio  dos Bandeirantes, sede do governo paulista.
Mas os guarani mbya esperam uma  demarcação bem maior, de mais de 500 ha. A posse chegou a ser reconhecida  pelo governo Dilma Rousseff em 2015, mas foi revogada depois, no governo Michel Temer. O fato é que os guaranis mbya logo se apressaram  para se espalhar pela região.
A cultura guarani ela ensina que cada um tem  que morar um longe do outro. E aí a gente vê essa realidade dos  indígenas daqui, que não é assim. É como se fosse uma comunidade do não indígena, né, a tradicional favela.
Uma casa, um barraco do lado  do outro e a gente depara numa aldeia no meio de São Paulo com a questão de empreendimento, de construções de moradias, evoluindo e crescendo cada dia  mais aqui na grande São Paulo. Quem não quer comprar um apartamento  próximo ao pico do Jaraguá, não é? Na aldeia do século 21, celular e computador  convivem com o pau a pique e chão de barro, e o asfalto está a poucos passos das trilhas.
Diferentemente de outras comunidades  pobres de São Paulo, no entanto, não existe nas aldeias Guarani e comércios,  como bares, mercados ou semelhantes. Boa parte dos empregos está restrita  à escola, posto de saúde e o centro de cultura indígena educação infantil,  que juntos empregam dezenas de pessoas. Recentemente, o programa da  prefeitura de São Paulo vem empregando os jovens para a manutenção  de hortas e espaços comunitários.
Há anos a comunidade não é autossuficiente,  sem conseguir viver do que planta. E muito menos caçar, já que estão cercados  pela cidade e uma área de preservação. Ou seja, a comida vem de mercados ou por  meio de doações de cestas básicas, situação que leva muitos a  terem empregos comuns na cidade.
Então, as áreas que a gente utiliza para plantio mesmo são as áreas mais para o para o  alto do pico, para as costas do pico. Não é. .
. que tem espaço para fazer roça. Então a gente vem plantando o milho  tradicional guarani em algumas aldeias.
Enfim, planta mandioca, planta algumas outras. . . 
outros alimentos, mas isso é recente, né? E nós estamos rodeados pela  rodovia dos Bandeirantes. É uma homenagem aos nossos assassinos, né?
É, estamos rodeados pela rodovia  Anhanguera, que também carrega, né, aí uma homenagem a um grande assassino  de povos indígenas, povos negros. A 70 km dali, no outro extremo da cidade, os  guaranis mbya da região de Parelheiros vivem uma realidade diferente e uma paisagem  mais idílica, porém ainda desafiadora. Sem petinguã, não é guarani.
Agora está chegando também a cidade, que está  mais perto. Tem muito morador em volta da aldeia. E agora está muita coisa chegando também.
Muita coisa ruim, né. Tipo drogas, essas coisas aí também. Sim.
E tudo isso, né, que eu me fez pensar  que pra que me mudasse de lá, né. Estradas de lama ligam as aldeias que se  espalham às margens da represa billings. O conjunto das Terras Indígenas Tenonde  Porã, Barragem e Krukutu criou uma mosaico de proteção desde que foram ampliadas  em 2016, chegando até mesmo ao litoral, em cidades como Itanhaém, Praia Grande e Mongaguá.
Logo em seguida, foram criadas novas aldeias como  ferramenta para evitar a grilagem nessas terras. O aumento do território, no entanto, não  veio acompanhado de segurança alimentar. Assim como no Jaraguá, em Parelheiros, os moradores dependem do programa Bolsa  Família e cestas para alimentação básica.
Para as crianças, as merendas  das diferentes escolas, do ensino básico ao médio, reforçam alimentação. Antes tinham só duas aldeias, então  hoje a gente está com 14 aldeias. Então hoje a gente consegue  fazer os nossos plantios, né.
. . .
. . trazer as sementes tradicionais de volta.
Então a gente está super feliz com isso, né. A gente conseguiu a portaria declaratória, onde hoje a gente está com quase 16 mil  ha, mas a gente sofreu por mais de 30, 20 anos com o espaço onde tinham quase mil  pessoas, e tipo é uma área demarcada com 25 ha. Não está sendo fácil a luta pelas nossas  terras e cada vez mais a preocupação, né, de até quando que a gente vai ter esse espaço, né, para gente continuar com o ‘Nhanderecó’, que é o modo de ser guarani.
Então, muitas vezes, quando a gente  recebe aqui as visitas dentro da aldeia, muitos perguntam: cadê os os índios, né. Porque a gente usa roupas, chinelo, sapato. Então eles ficam procurando os índios.
Não é só porque usa roupa, usa tênis ou  tem celular que deixou de ser indígena. Então a gente também, tipo, sofre  essas transformações que vêm, né, das pessoas não indígenas. Então a gente, a gente come alimentos  que não é indígena, a gente usa, né, as coisas que não é indígena. 
Entre tradição e modernidade, o idioma guarani é elemento  central na manutenção da cultura. Até os seis anos de idade, eles frequentam  os centros de educação e cultura indígena, o Ceci, onde o único idioma falado é o guarani. Só depois, no ensino fundamental, é que passam a ter contato regular com o português,  ainda nas escolas, dentro das aldeias.
E com muitas disciplinas do idioma nativo. Nos últimos anos, fez parte desse modo de  vida guarani a luta contra o Marco Temporal. Aprovado pelo Senado, rejeitado pelo Supremo e  defendido pela bancada ruralista no Congresso, a tese que dá aos indígenas direitos apenas  sobre as terras que ocupavam em 1988, data da promulgação da Constituição federal, ameaça  cerca de 800 territórios ainda não demarcados.
E inclui aí a expansão das últimas  terras que sobraram para os povos originários da maior metrópole ao sul do Equador.
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