A ideia mais POLÊMICA da ciência

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Ciência Todo Dia
Quando você pensa em grandes polêmicas da ciência, o que vem na sua cabeça? A origem de buracos negr...
Video Transcript:
Por que o Universo parece ser tão perfeitamente calibrado para a vida? No começo do século XX, nós descobrimos que o Universo teve um começo, está tendo um meio e um dia vai ter um fim. E os detalhes dessa história dependem de uma série de constantes físicas fundamentais, como o ritmo de expansão do Universo ou como a razão entre a massa do elétron e dos prótons, que são as partículas que formam os átomos.
E não demorou muito tempo para algumas pessoas notarem que esses valores fundamentais do universo pareciam estranhamente calibrados para que a vida pudesse existir? Ou, de forma menos ousada, se os parâmetros que determinam a história do universo fossem um pouco diferentes, estruturas complexas como galáxias, sistemas solares e vida não existiriam? Essa é a pergunta levantada no livro Cosmologia, do astrônomo Hermann Bondi.
Nesse livro, ele apelidou isso de coincidências com números grandes. Os números grandes a que ele se refere são a idade e o ritmo de expansão do universo. Décadas depois, o astrônomo Brandon Carter leu o livro e ficou motivado a lançar um dos artigos mais polêmicos da história da física.
Coincidências com grandes números e o princípio antrópico da cosmologia. Nesse artigo, Brandon fez o impensável e desafiou o princípio mais básico e antigo da ciência moderna, o princípio copernicano. O princípio copernicano nem sempre teve esse nome, mas a ideia está incrustada na ciência desde Isaac Newton.
O princípio diz que a Terra não é especial, nós não somos o centro do universo, e não tem nada de tão especial sobre a Terra, sobre o Sol ou sobre nós seres humanos. Talvez a maior vitória dessa ideia foi a unificação da astronomia e do estudo do movimento, graças à lei da gravitação universal de Isaac Newton. Newton mostrou que as leis que regem o movimento dos planetas e das estrelas são as mesmas leis que regem uma maçã caindo na Terra.
E todo o avanço da ciência até a metade do século XX apontava para unificações similares. O Sol não é uma estrela especial, nem a nossa galáxia é muito diferente das outras. A humanidade poderia ter surgido em qualquer outro ponto do universo, e tudo pareceria basicamente igual para nós.
Toda a física desenvolvida depois de Newton parecia concordar com o princípio copernicano, a ideia de que nós não somos especiais. E mesmo assim, a cosmologia apresenta uma pergunta incômoda. Se nós não somos especiais, por que o universo parece ser tão perfeitamente calibrado para a vida?
Será que isso tem algum significado? Ou será que isso tudo é uma grande coincidência? Nós vamos chamar esse problema de problema da calibração que o Brandon propôs as primeiras versões do princípio antrópico.
Antes mesmo de explicar o que é o princípio antrópico eu já tenho que explicar algumas polêmicas sobre ele. Eu disse que essa era a ideia mais polêmica da ciência e não foi à toa. A primeira crítica óbvia e imediata que eu preciso tirar do caminho é o nome.
Princípio antrópico. Péssimo! O termo antrópico significa em relação ao ser humano, só que nas suas formulações mais úteis, o princípio não tem nada a ver com humanos especificamente.
E, na verdade, interpretar ele como sendo associado só com humanos não leva às versões mais interessantes do princípio antrópico. O princípio antrópico valeria igualmente para alienígenas. Ele não se restringe apenas a humanos.
Então, o princípio é mais sobre por que o universo tem estruturas complexas, como galáxias e seres vivos, do que sobre humanos especificamente. Ok, agora que tiramos isso do caminho, o que é o princípio antrópico? Depende.
E se você acha que eu estou sacaneando tentando fazer o vídeo ficar mais longo de propósito, eu juro que não. Se eu quisesse ficar fazendo vocês perderem tempo, era só eu começar a tocar Radiohead. O filósofo Nick Bostrom fez um trabalho extenso sobre o princípio antrópico, e ele encontrou mais de 30 versões do princípio na literatura, e muitas que não tinham nada em comum entre si.
A ideia original do princípio antrópico de Carter gerou dezenas de princípios novos baseados na ideia inicial, mas que levam a discussões em direções completamente diferentes. E mesmo levando para discussões diferentes, a maior parte manteve o péssimo nome do princípio antrópico. Então o que nós vamos fazer nesse vídeo é ver quatro versões bem diferentes do princípio antrópico, o que elas significam e como elas podem ser usadas para lidar com o problema de calibração.
E se você quiser vestir o universo junto comigo, essas camisetas da Luz estão com 15% de desconto. Tudo o que você precisa fazer é clicar no link da descrição e usar o cupom CIENCIATODODIA E agora, algumas versões do princípio antrópico. A primeira versão do princípio antrópico parece até uma verdade óbvia e ela meio que é.
Esse é o princípio antrópico fraco e ele afirma o seguinte as leis e constantes físicas do universo tem que ser consistentes com o fato de que a vida inteligente existe. Ou, invertendo um pouco a lógica, nós sabemos que nós existimos. Logo, isso significa que o universo é compatível com a nossa existência.
É óbvio que todas as constantes físicas têm os valores que são consistentes com a vida, porque se esse não fosse o caso, a vida não existiria para medir essas constantes. Essa lógica vale, inclusive, para leis da física, ainda nem descobertas. Não importa o que nós vamos descobrir no futuro da ciência, nenhuma descoberta vai invalidar a existência de vida, porque nós sabemos que a vida existe.
O princípio antrópico fraco é basicamente usar a nossa própria existência no universo para limitar que tipo de fenômenos físicos nós podemos observar. Um exemplo é a idade do universo. No universo primordial, ele era muito quente e dominado por radiação.
Estruturas como galáxias, planetas e vida não podiam se formar nessa situação. E num futuro distante, o universo vai ficar sem estrelas capazes de abrigar planetas com vida. Então, sem fazer nenhum experimento ou tocar em um telescópio, nós podemos saber que a idade do universo está entre esses dois extremos.
Seres vivos não seriam capazes de observar um universo em um período inadequado à existência desses mesmos seres vivos. O que quando você para pra pensar é meio óbvio, e é mesmo! A afirmação do princípio antrópico fraco é verdade.
O problema dele é quais conclusões nós podemos obter dessa afirmação verdadeira. Vamos voltar para o problema da calibração universal, o fato de que parece que o universo é calibrado para a vida. E aí nós vamos aplicar o princípio antrópico fraco nesse problema.
A razão pela qual o universo parece perfeitamente calibrado para a vida é que se ele não fosse, não existiriam seres vivos para observar o universo. Qualquer universo que abrigar seres vivos vai parecer perfeitamente calibrado para esses seres vivos. Isso é o esperado.
O que seria estranho é a vida existir contra as leis da física no universo. Colocando isso de outra forma, se um ser vivo for capaz de observar o universo surgir, ele sempre vai achar que existe uma grande coincidência cósmica por trás da sua existência, porque não tem como ser de outro jeito. Então, o universo parecer calibrado para humanos não deveria ser tão chocante assim, e talvez nem precise de uma explicação mais profunda.
E é assim que o princípio antrópico fraco resolve o problema. O universo parece calibrado porque não podia ser de outra forma. Assim, o problema de calibração nem chega a ser um problema e não precisa de uma resposta.
A ideia de desistir de explicar um tópico tão interessante quanto a aparente calibração do universo desagrada muito os cientistas. E é em parte por isso que alguns físicos tentam levar o princípio antrópico ainda mais longe. Ao invés de parar onde o princípio antrópico fraco para, como uma justificativa para coincidências não explicadas, o princípio antrópico forte dá um passo além e usa a existência de vida no universo como uma evidência a favor de certas teorias físicas.
O princípio antrópico forte afirma que o fato de humanos existirem no universo implica em certos fatos sobre o universo. E a conclusão mais comum da versão forte do princípio é que a existência de humanos é uma evidência para a existência de um multiverso. Sim, o pulo é bem alto.
A ideia é a seguinte, se existem múltiplos universos e em cada universo as leis da física são diferentes, vão existir alguns universos adequados à vida inteligente, mesmo que a maioria não sejam. Naturalmente a vida inteligente só vai existir nesses universos que parecem calibrados para sua existência, e como vida inteligente existe, as teorias que incluem o multiverso são mais prováveis do que teorias que não têm um multiverso. Nesse raciocínio, o princípio antrópico foi usado como uma evidência a favor da existência do multiverso.
A nossa própria existência é usada como uma evidência científica, como um experimento válido. E a ideia de usar a nossa existência dessa forma parece violar diretamente o princípio copernicano. Pensar dessa forma nos coloca em um lugar especial no universo, como um ponto de evidência central para uma explicação de como tudo funciona.
E esse é o conflito que torna o princípio antrópico tão polêmico. De um lado, a ideia copernicana, que quer manter a ciência pura e usar só experimentos diretos e indiretos para entender e explicar a natureza do universo. E por outro lado, o princípio antrópico forte oferece soluções para problemas difíceis, apelando para algo de especial na nossa existência.
Esses dois extremos são só didáticos. Na verdade, a maior parte dos livros e artigos sobre o princípio antrópico incluem todo tipo de argumento a favor e contra o princípio e as suas variações. E já que nós estamos falando de extremos didáticos, existem mais duas versões interessantes do princípio antrópico em cantos completamente opostos à discussão.
A primeira é a versão mais forte já imaginada do princípio antrópico, tanto é que é chamada de princípio antrópico final. No começo dos anos 90, o físico John Wheeler, que é uma das mentes mais criativas da história da física, apresentou uma ideia curiosa. Talvez o universo não seja feito de matéria ou energia, e sim de informação.
A ideia do Wheeler é que a descrição mais completa do universo vai partir do fato de que informação existe e se conserva, e a partir disso deduzir o resto das coisas à física. Essa é a ideia por trás da frase "it from bits", matéria através da informação. Uma das formas de interpretar essa ideia é de que o universo é, de alguma forma, um grande computador, que tem como objetivo maximizar o processamento de informação.
Todos os acontecimentos materiais no universo seriam apenas um tipo elaborado de computação. E seres vivos inteligentes são especialmente bons em processar informação. Alguns mais do que outros.
Então se o objetivo do universo é processar informação, faz sentido que o universo dê um jeito de criar seres vivos só pra isso. De forma mais direta, seres vivos são uma parte fundamental do universo. As leis da física devem garantir que a vida inteligente vai surgir.
Esse é o princípio antrópico final. A ideia de que vida inteligente não é uma coincidência ou uma evidência, e sim um pedaço fundamental do próprio universo. Existem mais formulações possíveis dessa que eu estou chamando de princípio antrópico final, mas todas elas tentam tornar a vida algo essencial para a existência do universo.
Essa é a versão mais forte possível do princípio antrópico, e ela é tão forte que ela termina sendo fraca, porque ela tem uns buracos meio que óbvios. Segundo o problema de calibração, humanos existem e isso é estranho porque achamos que o universo não precisa criar vida. Mas se o universo precisa de vida para fazer sentido, por que o universo parece tão ruim em criar vida inteligente?
Vida inteligente só existe em um de oito planetas do nosso sistema solar, e nós ainda não achamos nenhum sinal de vida inteligente fora da Terra. E não só isso, vida como nós concebemos só consegue existir na superfície de planetas, que é uma porção ínfima do verdadeiro tamanho do universo. Se nós acreditamos no princípio antrópico final, o problema da calibração vira de ponta cabeça, e agora parece estranho que o universo não é ainda mais amigável para a vida.
Talvez o principal uso do princípio antrópico final seja justamente defender o princípio copernicana, mostrando o quão estranho fica pensar no universo quando nós colocamos vida em um patamar especial em relação ao resto do universo. Por outro lado, o princípio antrópico fraco continua sendo verdade. Eu não sou um pedaço aleatório de matéria no universo.
Eu sou um pedaço bem específico de matéria, estruturado de uma forma organizada e capaz de pensar. E as leis do universo precisam ser compatíveis com o fato de que eu existo nessa configuração de átomos e moléculas. Mas, ao mesmo tempo, eu não acho uma boa ideia usar o fato de que eu existo como um elemento crucial de uma teoria científica.
Eu não sou tão importante assim. E isso levanta a pergunta. Tem como conciliar o princípio copernicano com a ideia de que o universo é estranhamente calibrado para a vida?
É isso que Nick Bostrom tentou fazer com a sua versão do princípio antrópico, que ele chama de hipótese da autoamostragem. A ideia do Bostrom é uma combinação do princípio copernicano e do princípio antrópico. Aplicada a cosmologia, a hipótese de auto-amostragem apresenta a seguinte ideia.
A classe de seres vivos inteligentes é sim de alguma forma especial, porque ela representa um tipo bem único de coisa que existe no universo, mas humanos em si não são especiais dentro dessa classe de possíveis seres vivos inteligentes. Por exemplo, imaginem um mundo hipotético no qual seres humanos evoluíram a partir de insetos, e outro no qual seres humanos evoluíram a partir de pássaros. Eu realmente espero que a gente voe nesse mundo.
Ou ainda um outro universo no qual seres humanos só surgiram 10 bilhões de anos no futuro em relação à nossa linha do tempo. Do ponto de vista mais filosófico, todos esses mundos são basicamente a mesma coisa, um lampejo de inteligência no meio do universo para entender o que está acontecendo ao seu redor. Humanos são uma das possibilidades, e o que é mais importante é o fato de que nós entendemos que nós existimos, que nós podemos ver a nós mesmos e entender o quão estranho é existir.
Por isso, essa versão é conhecida como auto-amostragem. Nós estamos tentando usar nós mesmos como uma fonte de informação sobre o universo. Então, enquanto nós estamos pensando sobre resultados de experimentos, é importante lembrar que, sim, a nossa existência implica em certos fatos sobre o universo.
O Bostrom inclusive até inclui uma fórmula matemática para avaliar como a nossa existência deve afetar a confiança que nós temos em certas hipóteses sobre o universo, como a hipótese de multiverso. Mas também é importante lembrar que um universo com humanos é só um de muitos possíveis universos hipotéticos com vida, e não podemos atribuir uma importância exagerada ao fato de nós existirmos. Mas precisamos achar esse equilíbrio entre entender as implicações da nossa existência sem atribuir importância demais a ela.
A ideia do Bostrom não é dar uma resposta definitiva para o problema da calibração, e sim desenvolver uma forma mais séria e estruturada de pensar no princípio antrópico. E nisso, Bostrom captura o porquê do princípio antrópico ser tão polêmico. Porque dependendo do que você já acredita, você chega a conclusões diferentes do que o princípio antrópico significa.
O princípio antrópico é uma discussão em aberto sobre as implicações da nossa existência, e não uma solução para um problema científico específico. Um passo importante em avançar o conhecimento humano, muitas vezes, é desistir de uma resposta imediata, dar um passo para trás e pensar exatamente sobre o que nós estamos conversando. Mas para você, por que nós existimos?
Qual é o significado da vida para você? Eu adoraria saber aqui nos comentários. Muito obrigado e até a próxima!
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