Inventada há dois séculos, a homeopatia virou alvo de muitas críticas e questionamentos nos últimos anos. Em duas décadas, ela foi retirada da saúde pública do Reino Unido e é vendida com um alerta de ineficácia no rótulo nos Estados Unidos. No Brasil, apesar de ser reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina e estar no Sistema Único de Saúde, o SUS, a prática tem gerado debates.
Mas, afinal, o que é a homeopatia? Sou André Biernath, da BBC News Brasil em Londres, e neste vídeo explico em 5 pontos porque ela foi parar no olho do furacão das discussões sobre pseudociência. Para começar, vamos entender o que é a homeopatia.
As bases desse programa terapêutico foram desenvolvidas no final do século 18 pelo médico alemão Samuel Hahnemann. Segundo o site da Associação Médica Homeopática Brasileira, o sistema se baseia em duas premissas principais. Primeiro, “similar cura similar”.
A ideia é usar a mesma substância que provoca um sintoma no nosso corpo para tratar uma doença que gera esses mesmos sintomas. Por exemplo: para tratar alergia ao pólen, homeopatas usam Allium cepa, uma preparação de cebola, porque esse vegetal pode causar sintomas em um indivíduo saudável semelhantes ao da alergia, como olhos lacrimejantes e coriza. O segundo ponto tem a ver com a diluição.
No remédio homeopático, o princípio ativo é misturado com água ou álcool diversas vezes. Vamos a um exemplo: uma das formulações homeopáticas mais comuns usa a proporção 1 para 100 . Isso significa que uma parte de droga é diluída em 99 partes de água, ou algum outro solvente, como álcool ou açúcar.
Depois, a mistura é agitada ou dinamizada . E essas diluições e dinamizações se repetem por dezenas de vezes. Em alguns casos, essas etapas acontecem 12, 30, 200 ou até mil vezes.
Os homeopatas acreditam que o produto final guarda uma espécie de “memória” do princípio ativo que foi utilizado lá na origem. E os pacientes que defendem a eficácia da homeopatia nas suas próprias experiências? A ciência explica o conceito chamado de ‘efeito placebo’, algo que eu explico mais pra frente E vale lembrar aqui que homeopatia é diferente de outras terapias alternativas, como os florais de Bach, que trazem compostos extraídos de flores, e a fitoterapia, obtida por meio de plantas.
Mas aí vem o ponto dois: esses princípios fazem sentido? Num artigo publicado em 2012 no jornal britânico The Guardian, o médico alemão Edzard Ernst — ele próprio um ex-homeopata — diz que as premissas da homeopatia vão contra a ciência. Ernst aponta que o princípio “similar cura similar” é “cientificamente implausível”.
Ele também argumenta que as ultradiluições fazem com que a concentração do princípio ativo fique tão baixa que se torna indetectável. Para explicar isso, ele usa aquele exemplo da Allium cepa para tratar alergia ao pólen. Só que o remédio homeopático Allium cepa 30C, em que o processo de diluição ocorre 30 vezes consecutivas, não tem, na prática, nenhuma molécula de cebola, diz ele.
Isso acontece porque, segundo uma conta básica de matemática, a diluição 30C na proporção 1:100 traz uma parte do princípio ativo para 1 nonidecilhão de água Em outras palavras, nada do princípio ativo. Os defensores da homeopatia argumentam que, por causa do processo de dinamização, a água seria capaz de reter uma espécie de memória da droga — e isso explicaria o efeito terapêutico supostamente observado no consultório. Para fundamentar esse ponto, eles geralmente citam um artigo publicado em 1988 na prestigiada revista Nature, que sugere uma capacidade da água de preservar uma “memória” de materiais com os quais teve algum contato.
A microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, rebate esse argumento . Ela acabou de lançar, em parceria com o jornalista Carlos Orsi, o livro “Que bobagem! “Então esse estudo foi refutado por uma comissão da qual fazia parte o editor da Nature [.
. . ] Essa comissão foi investigar a suposta conclusão desse paper de que realmente eles conseguiram provar a memória da água e eles conseguiram então fazer um trabalho investigativo mostrando que era impossível replicar os resultados que tinham aparecido naquele laboratório” Ao longo da apuração para esta reportagem, a BBC News Brasil tentou contato com a Associação Médica Homeopática Brasileira para que ela pudesse se manifestar sobre o tema, mas não foram enviadas respostas até a publicação deste vídeo.
Em nota publicada em seu site oficial, a entidade classificou as campanhas contra a homeopatia como “frutos da desinformação”. Vamos ao ponto três: e se, mesmo diante da alegada “implausibilidade científica”, a homeopatia funcionasse e os pacientes melhorassem após tomarem os extratos e comprimidos? Segundo Pasternak, a homeopatia já foi avaliada “exaustivamente” por diferentes estudos ao redor do mundo.
Em 2002, Ernst publicou uma “revisão sistemática bem grande da homeopatia. Ele compilou todas as pesquisas científicas nessa área que já haviam sido publicadas. A conclusão do pesquisador foi: “Nenhum remédio homeopático teve efeitos clínicos convincentemente diferentes do placebo.
” Três anos depois, em agosto de 2005, o Lancet, outra importante publicação científica, fez um editorial com o título “O Fim da Homeopatia”. No texto, os autores defendem que “médicos precisam ser honestos com os pacientes sobre a falta de benefícios da homeopatia”. Uma investigação sobre estudos em homeopatia encomendada pelo Governo da Austrália em 2015, aponta que “não há nenhuma condição de saúde para a qual há evidência confiável de que a homeopatia é efetiva”.
“Pessoas que escolhem a homeopatia podem colocar a saúde em risco se rejeitarem ou atrasarem tratamentos para os quais há boa evidência de segurança e efetividade”, aponta o texto. Já na Inglaterra, o Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) deixou de oferecer tratamentos homeopáticos em 2017, alegando “falta de qualquer evidência da efetividade, o que não justifica o custo”. Nos Estados Unidos, desde 2016 os produtos homeopáticos vendidos em farmácias precisam conter um alerta no rótulo dizendo que “não há evidência científica de que funcionem” e que “as alegações de uso são baseadas apenas em teorias do século 18, que não são aceitas pela maioria dos especialistas da atualidade”.
Ponto quatro: e no Brasil, como está essa discussão? A homeopatia é reconhecida como uma especialidade médica no país desde 1980 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A homeopatia também é oferecida por alguns serviços do SUS.
Em 2017, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e a Associação Paulista de Homeopatia divulgaram um dossiê especial com o título “Evidências Científicas em Homeopatia”. Os autores dizem que o trabalho “suporta a eficácia e a segurança da terapêutica” homeopática. Três anos depois, em 2020, o Instituto Questão de Ciência, fundado por Natalia Pasternak, lançou um “contra dossiê” em resposta ao documento, em que classifica como “deplorável” a qualidade das evidências apresentadas para defender a homeopatia.
A BBC News Brasil tentou contato com Cremesp e Associação Paulista de Homeopatia para que elas pudessem se manifestar, mas não foram enviadas respostas. Já o Conselho Federal de Medicina enviou uma nota afirmando que “a homeopatia é praticada com rigor e ética, diariamente, por cerca de 2,8 mil médicos habilitados” “Trata-se de uma das 55 especialidades reconhecidas no país [. .
. ] Esses especialistas atendem milhares de pacientes, que reconhecem nessa linha de cuidados eficácia na prevenção e no tratamento de doenças”, defende o texto. Já o ginecologista Cesar Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira, me disse que a entidade “defende a legalidade”.
“Como a homeopatia é reconhecida legalmente como uma sociedade médica de especialidade, nós também a reconhecemos como tal. Portanto, ela merece continuar como parte de nossa sociedade. Essa não é essa discussão que vai levar a AMB a tomar qualquer medida que possa trazer danos aos homeopatas do Brasil” “Nós entendemos que a homeopatia tem lugar na assistência médica à população brasileira e continuaremos a respeitá-la”.
Para fechar, vamos falar um pouco sobre alguns dos argumentos usados nos debates sobre a homeopatia. Médicos e pacientes costumam usar experiências individuais para defender o uso dessas substâncias. Pasternak diz que não podemos nos esquecer do efeito placebo.
Então não é só uma questão de você acreditar, mas de você estar condicionado quando você toma um remédio ou faz um tratamento você se sente melhor, ele engloba também a questão do acolhimento, então é empatia o cuidado carinho Ainda de acordo com a avaliação da cientista, esse tipo de condicionamento acontece até mesmo com bebês e animais. Em segundo lugar, muitos produtos homeopáticos acabam indicados para tratar condições recorrentes e crônicas, como a dor, em que há picos e melhoras sucessivas. O indivíduo tende a ir ao médico quando está numa crise e toma uma substância dessas.
Daí ele se sente melhor pela própria curva natural da doença, mas credita o sucesso à homeopatia. E isso sem contar as doenças autolimitadas, como infecções respiratórias simples e até algumas alergias, que costumam melhorar naturalmente depois de alguns dias, independentemente de qualquer medicação. Outro argumento frequente sobre a homeopatia aponta que, mesmo que seja placebo, algumas pessoas se beneficiam das substâncias — e isso, por si só, já seria suficiente para tê-las à disposição.
“O Placebo, ele é inconsistente, ele não funciona do mesmo jeito para todas as pessoas ele funciona para sintomas e não para a doença. Então você não vai conseguir reduzir o tamanho de um tumor com Placebo. Você vai no máximo conseguir auxiliar a pessoa tem uma redução de dor então.
Você pode mascarar sintomas que podem atrasar diagnósticos de doenças graves. ” Bom, com isso eu fico por aqui e espero que você tenha gostado do vídeo. Não se esqueça de seguir a BBC News Brasil no YouTube e nas redes sociais pra ficar por dentro de tudo o que a gente publica.
Um abraço, se cuida e até a próxima.