O relógio marcava 7:30 da manhã quando abri os olhos. O lado esquerdo da cama estava vazio, como de costume nos últimos meses. Ricardo, meu marido há 23 anos, já havia saído para trabalhar, ou pelo menos era o que ele dizia.
Sentei-me na beira da cama, meus pés tocando o piso frio de madeira. Nosso quarto, antes um refúgio acolhedor, agora parecia um espaço estranho e hostil. As paredes bege, que eu mesma escolhi para criar uma atmosfera tranquila, pareciam zombar da minha ingenuidade.
Levantei-me e caminhei até o banheiro, evitando olhar para o espelho. Aos 45 anos, eu não era mais a jovem de 22 que Ricardo conheceu na faculdade, mas também não era uma mulher acabada, longe disso. Tomei um banho rápido, tentando afastar os pensamentos que me atormentavam.
Desci as escadas, meus passos ecoando. Pazia Nocia umir Nobre Deão Paul, fruto de anos de uso, era espaçosa demais para um moribundo. Na minha mera habitação, fiz um par de torradas inteiras, sem vontade.
Meus olhos pousaram no celular de Ricardo, esquecido sobre o balcão. Ele nunca esquecia o celular. Com o coração acelerado, peguei o aparelho; a tela estava bloqueada, é claro.
Tentei a senha que usávamos em tudo, a data do nosso casamento, nada. Tentei a data de nascimento dele, nada também. Frustrada, larguei o celular de volta no balcão.
Foi nesse momento que notei algo diferente: um pequeno arranhão na parte de trás do aparelho, como se tivesse sido arrastado sobre uma superfície áspera. Franzi o senho, lembrando-me de todas as vezes que Ricardo se trancava no escritório, alegando trabalhar até tarde. Subi as escadas, duas a duas, em direção ao escritório.
A porta estava destrancada, o que era incomum. Entrei, sentindo-me uma intrusa em minha própria casa. O cômodo estava impecável, como sempre; Ricardo era metódico em sua organização.
Passei os dedos pela superfície lisa da escrivaninha, procurando o que exatamente, não sabia. Abri as gavetas uma a uma, vasculhando papéis, canetas, clipes, nada fora do comum, até que cheguei à última gaveta, trancada. Fiquei parada, encarando a gaveta por longos minutos.
Eu poderia simplesmente ignorá-la, voltar para minha rotina e fingir que nada estava errado, mas algo dentro de mim se rebelou contra essa ideia. Com determinação renovada, fui até nosso quarto e peguei o molho de chaves reserva. Voltei ao escritório, as mãos trêmulas enquanto testava cada chave na fechadura da gaveta.
Na quinta tentativa, ouvi o clique satisfatório. Respirei fundo antes de puxar a gaveta. O conteúdo era surpreendentemente comum: mais papéis, algumas pastas, mas no fundo, escondido sob uma pilha de documentos antigos, encontrei um caderno de capa preta.
Não reconheci o objeto. Com o coração martelando no peito, abri. A caligrafia de Ricardo preenchia as páginas: era um diário.
Comecei a ler, meus olhos percorrendo as linhas rapidamente. A princípio, eram anotações banais sobre o trabalho, algumas reflexões pessoais. Então, cerca de três meses atrás, o tom das entradas mudou: "Márcia me beijou hoje.
Não deveria ter acontecido, mas não consigo me arrepender. " Meu corpo ficou pesado, como se o chão estivesse prestes a ceder sob mim. Márcia, nossa vizinha, a mulher com quem trocávamos sorrisos educados nas reuniões do condomínio, a esposa de Carlos, um dos melhores amigos de Ricardo.
Continuei lendo, meus olhos ardendo com lágrimas não derramadas. As entradas se tornavam cada vez mais explícitas, detalhando encontros furtivos, beijos roubados, promessas sussurradas. A última entrada, datada de dois dias atrás, foi a gota d'água: "Fizemos amor na nossa cama hoje.
Marta estava viajando a trabalho. Nunca me senti tão vivo. " Fechei o diário com força, minhas mãos tremendo incontrolavelmente.
A náusea subiu pela minha garganta, e corri para o banheiro, chegando a tempo de vomitar o pouco que havia comido no café da manhã. Apoiei-me na pia, encarando meu reflexo no espelho. Meus olhos estavam vermelhos, o rosto pálido.
Quem era aquela mulher assustada me encarando? Não a reconheci. Voltei ao escritório como uma sonâmbula, guardando o diário exatamente onde o encontrei.
Tranquei a gaveta, devolvi a chave ao seu lugar. Mecanicamente, desci as escadas e sentei no sofá da sala. As horas passaram, o sol se pôs.
Ouvi o som da chave na porta e me forcei a levantar, compondo uma expressão neutra. Ricardo entrou sorrindo, como se nada estivesse errado. "Oi, amor," ele disse, depositando um beijo rápido em minha bochecha.
"Como foi seu dia? " Olhei para ele, para o homem que eu amava há mais de duas décadas, e vi um estranho. "Normal," respondi, minha voz surpreendentemente firme.
"E o seu? " "Cansativo," ele suspirou, afrouxando a gravata. "Vou tomar um banho antes do jantar.
" Fiquei observando-o subir as escadas. Assim que ouvi o som do chuveiro, peguei meu celular e disquei um número familiar. "Alô, papai," minha voz tremeu ligeiramente.
"Lembra daquelas câmeras de segurança que você me ofereceu no ano passado? Acho que estou pronta para instalá-las agora. " Nos dias que se seguiram, transformei-me em uma atriz digna de Oscar.
Sorria para Ricardo, preparava suas refeições favoritas, ouvia suas histórias sobre o trabalho. Por dentro, eu fervia de raiva e dor. As câmeras chegaram discretamente, entregues por um técnico que meu pai conhecia.
Instalei-as estrategicamente pela casa: uma no corredor, que dava para o nosso quarto, outra no escritório, uma terceira na sala de estar, pequenas, quase invisíveis. Elas seriam minhas testemunhas silenciosas. Uma semana depois, recebi um alerta no meu celular: movimento detectado no quarto principal.
Estava no supermercado, fazendo compras. Com as mãos trêmulas, abri o aplicativo conectado às câmeras. A imagem era nítida, impiedosa: Ricardo e Márcia entrelaçados em nossa cama, o mesmo lugar onde, por anos, compartilhamos nossos momentos mais íntimos.
Senti a bile subindo pela minha garganta, larguei o carrinho de compras no meio do corredor e saí correndo do supermercado. No estacionamento, entrei no carro e gritei, gritei até minha garganta doer, até as lágrimas secarem em meu rosto. Quando finalmente me acalmei, uma clareza gélida.
Tomou conta de mim. Não seria uma vítima chorosa; não imploraria pelo amor de um homem que não me respeitava. Não!
Eu me vingaria. Liguei o carro e dirigi até uma loja de eletrônicos, comprei um pen drive e voltei para casa. Ricardo ainda estaria no trabalho, ou pelo menos era o que ele dizia.
Subi direto para o escritório e copiei todas as gravações das câmeras para o dispositivo. Em seguida, peguei o diário de Ricardo com mãos firmes, fotografei cada página incriminadora e adicionei as fotos ao pen drive. Sentei-me à escrivaninha, encarando a tela do computador.
Criei um e-mail anônimo e anexei todo o conteúdo do pen drive; o cursor piscava, esperando que eu digitasse o endereço do destinatário. Hesitei por um momento. O que eu estava prestes a fazer mudaria vidas para sempre, destruiria famílias, amizades.
Mas então me lembrei da pressão das mãos de Ricardo enquanto traía nossos votos, e a ação se solidificou. Digitei o e-mail de Carlos, marido de Márcia, e cliquei em enviar, sem pensar duas vezes. A vingança estava em movimento; agora era apenas questão de tempo.
Naquela noite, Ricardo chegou tarde em casa. Seus olhos brilhavam de uma maneira que eu agora reconhecia: ele tinha estado com ela. “Desculpe o atraso, amor”, ele disse, beijando minha testa.
“O trabalho está uma loucura”. Forcei um sorriso. “Tudo bem.
O jantar está no micro-ondas. ” Enquanto ele comia, contando-me sobre seu dia fictício, eu o observava; cada sorriso, cada gesto, tudo agora parecia uma mentira. Como eu pude ser tão cega por tanto tempo?
“Algo errado? ” ele perguntou, notando meu silêncio. Balancei a cabeça.
“Só cansada. Acho que vou dormir mais cedo hoje. ” No quarto, deitei de costas para ele.
Senti o colchão afundar quando Ricardo se juntou a mim, seu braço envolvendo minha cintura. Reprimi o impulso de me afastar. “Boa noite, Marta”, ele murmurou, sua respiração quente em minha nuca.
Fechei os olhos, imaginando o caos que se instalaria em breve. “Boa noite, Ricardo. ” O amanhecer chegou com uma quietude perturbadora.
Abri os olhos antes do despertador tocar, o peso da noite anterior ainda preso em meu peito. Ricardo dormia profundamente ao meu lado, seu rosto sereno, alheio à tempestade que se formava. Levantei-me sem fazer barulho, os pés descalços contra o piso frio.
No banheiro, encarei meu reflexo no espelho, buscando sinais da mulher que eu costumava ser; encontrei apenas olheiras profundas e uma expressão que não reconheci. O chuveiro ligado abafou o som do meu celular vibrando: uma mensagem de Carlos. “Precisamos conversar urgente.
” Meu estômago se contorceu; era o início. Vesti-me mecanicamente, escolhendo uma blusa que Ricardo havia me dado de presente no Natal passado. A ironia não me escapou.
Na cozinha, preparei o café da manhã como sempre fazia. O aroma familiar do café recém-passado encheu o ambiente, trazendo uma falsa sensação de normalidade. Ricardo apareceu, ajustando a gravata.
“Bom dia, amor,” ele disse, beijando minha bochecha. Resisti ao impulso de me afastar. “Bom dia”, respondi, empurrando uma xícara em sua direção.
“Dormiu bem? ” Ele assentiu, sorvendo o café como um bebê. “E você?
” Dei de ombros, focando em minha própria xícara. “Mais ou menos. Tive alguns pesadelos.
” Ricardo franziu o senho; uma ruga de preocupação surgiu entre suas sobrancelhas. Por um momento, quase acreditei que era genuína. “Quer conversar sobre isso?
” Balancei a cabeça. “Não é nada, só trabalho, você sabe. ” Ele pareceu relaxar, voltando sua atenção para o celular.
“Falando em trabalho, tenho uma reunião importante hoje. Pode ser que eu chegue tarde. ” “Claro,” murmurei, imaginando se ‘reunião importante’ era o novo código para encontros com Márcia.
Ricardo terminou seu café, levantou-se e pegou sua pasta. Antes de sair, parou na porta da cozinha. “Ei, Marta.
” Olhei para ele, esperando. “Eu te amo”, ele disse, um sorriso nos lábios. As palavras, antes tão preciosas, agora soavam vazias.
“Também te amo”, respondi, automaticamente. Assim que a porta da frente se fechou, deixei escapar um suspiro longo, e o silêncio da casa vazia era ensurdecedor. Meu celular vibrou novamente; outra mensagem de Carlos: “Estou indo aí.
Precisamos conversar pessoalmente. ” O pânico subiu pela minha garganta. Não estava pronta para isso, não tão cedo, mas sabia que não tinha escolha.
Vinte minutos depois, a campainha tocou. Abri a porta para encontrar Carlos, seu rosto uma máscara de fúria e dor. “É verdade?
” ele perguntou, sem preâmbulos, entrando na sala. “Todo aquele material que você enviou. É verdade?
” Fechei a porta, encostando-se nela. “Carlos, eu não. .
. ” “Minta para mim, Marta! ” ele explodiu, suas mãos tremendo.
“Eu vi as fotos, os vídeos. Meu Deus! Eles na sua cama!
” Senti minhas pernas fraquejarem; caminhei até o sofá e me sentei, gesticulando para que Carlos fizesse o mesmo. Ele permaneceu de pé, seus olhos fixos em mim, exigindo respostas. “Sim,” sussurrei finalmente.
“É verdade. ” Carlos desabou na poltrona à minha frente, o rosto enterrado nas mãos. “Quanto tempo?
” ele perguntou, sua voz abafada. “Engoli em seco. Pelo que descobri, cerca de três meses.
” Ele ergueu a cabeça, seus olhos vermelhos e inchados. “Você sabia todo esse tempo? ” Balancei a cabeça.
“Não, eu descobri recentemente. As câmeras, eu as instalei há apenas uma semana. ” “Por quê?
” Carlos questionou, a dor evidente em sua voz. “Por que você não me contou imediatamente? ” Desviei o olhar, fixando-o na janela.
A rua lá fora parecia tão normal, tão alheia ao caos que se desenrolava dentro destas paredes. “Eu precisava ter certeza,” respondi, minha voz mais firme do que eu esperava. “E eu queria que você visse por si mesmo, que não houvesse dúvidas.
” Carlos se levantou abruptamente, andando de um lado para o outro na sala. “Eu vou matá-lo,” murmurou. “Juro por Deus, eu vou matar Ricardo!
” “Não! ” exclamei, levantando-me também. “Carlos, pense bem!
Isso não vai resolver nada! ” Ele parou, virando-se para mim com uma expressão incrédula. “Como você pode estar tão calma?
Eles nos traíram, Marta! Na sua própria casa! ” Senti uma onda de náusea me atingir, as imagens que eu tinha visto, os vídeos.
. . As entradas do diário.
Tudo voltou com força total. Cambaleei até a cozinha, Carlos me seguindo de perto. Marta, ele chamou, a preocupação substituindo momentaneamente a raiva em sua voz.
A minha pia, respirando fundo, eu não estou calma. Carlos disse entre dentes: "Estou me segurando para não desmoronar completamente. " Senti sua mão em meu ombro, um gesto hesitante de conforto.
— O que vamos fazer? — ele perguntou, sua voz agora mais suave. Virei-me para encará-lo.
— Eu tenho um plano — confessei —, mas preciso que você confie em mim e não faça nada precipitado. Carlos me olhou por um longo momento, como se me visse pela primeira vez. Então, lentamente, assentiu.
— Ok, qual é o plano? Passei a hora seguinte detalhando minha estratégia para Carlos. Ele ouviu atentamente, ocasionalmente fazendo perguntas ou sugestões.
À medida que falávamos, via a raiva em seus olhos sendo gradualmente substituída por uma determinação fria. — Você tem certeza disso? — ele perguntou quando terminei de explicar.
— Não a volta — depois que começarmos a. Senti uma calma estranha me envolver. — Eles merecem sentir cada grama da dor que nos causaram.
Carlos se levantou, checando o relógio. — Preciso ir. Marcia vai começar a suspeitar se eu ficar fora por muito tempo.
Acompanhei-o até à porta. Antes de sair, ele se virou para mim. — Marta, obrigado por me contar a verdade.
Forcei um sorriso que não alcançou meus olhos. — Nós estamos juntos nisso agora, Carlos. Depois que ele partiu, voltei para a sala e me sentei no sofá.
Exausta, o silêncio da casa parecia amplificar cada pensamento em minha mente. Peguei meu celular, os dedos pairando sobre o contato de Ricardo. Parte de mim queria ligar para ele, gritar, exigir explicações, mas não.
O momento ainda não havia chegado. Em vez disso, abri o aplicativo conectado às câmeras. A casa estava vazia, é claro, mas eu não conseguia parar de olhar para o quarto, nossa cama, o local onde meu casamento tinha morrido.
As horas se arrastaram, pedaços do meu plano começaram a se formar mais claramente em minha mente, cada detalhe, cada movimento calculado para causar o máximo de impacto. O som da chave na porta me arrancou de meus pensamentos. Ricardo entrou, parecendo cansado, mas com um brilho nos olhos que eu agora reconhecia muito bem.
— Oi, amor — ele disse, inclinando-se para me beijar. Virei o rosto sutilmente, seus lábios roçando minha bochecha. — Tudo bem?
— forcei um sorriso — Só cansada. Como foi a reunião? Ricardo hesitou por um instante, quase imperceptível.
— Produtiva — ele respondeu, afrouxando a gravata. — Conseguimos fechar aquele contrato que te falei. Assenti, fingindo interesse.
— Que bom. Deve ter sido estressante. — Um pouco — ele concordou, sentando-se ao meu lado no sofá.
— Mas valeu a pena. Observei-o atentamente, buscando sinais de culpa, de remorso. Não encontrei nada além da máscara de normalidade que ele havia aperfeiçoado.
— Ricardo — comecei, meu peito apertado — precisamos. . .
Ele se virou para mim, franzindo o senho. — Sobre o quê? Respirei fundo.
Era agora ou nunca. — Sobre nós, sobre nosso casamento. A expressão de Ricardo mudou, uma mistura de confusão e medo.
— Marta, o que está acontecendo? Levantei-me, incapaz de ficar sentada. — Eu tenho pensado muito ultimamente sobre nossa vida, nossos planos para o futuro.
Ricardo se levantou também, tentando pegar minha mão. Esquivei-me sutilmente. — Amor, você está me assustando.
O que houve? Encarei-o, buscando nos olhos do homem à minha frente vestígios do marido que eu amara por tanto tempo. — Acho que precisamos de um tempo, Ricardo.
Para pensar, para reavaliar nossa relação. Ele empalideceu visivelmente. — Um tempo?
Marta, por favor, se eu fiz algo errado. . .
Ergui a mão, interrompendo-o. — Não é sobre algo que você fez ou não fez. É sobre nós, sobre quem nos tornamos.
Ricardo passou a mão pelos cabelos, claramente agitado. — Isso é loucura. Nós estamos bem, sempre estivemos bem.
— Estamos mesmo? — perguntei, minha voz calma contrastando com a tempestade em meu interior. — Você tem certeza disso?
Ricardo abriu a boca para responder, mas nenhum som saiu. Por um momento, pensei ter visto um lampejo de culpa em seus olhos, mas tão rápido quanto apareceu, sumiu. — Eu te amo, Marta — ele disse finalmente, sua voz quase suplicante.
— O que quer que esteja acontecendo, podemos resolver juntos. Fechei os olhos por um instante, sentindo o peso de cada mentira, cada traição. Quando os abri novamente, minha decisão estava tomada.
— Vou ficar alguns dias na casa da minha irmã — anunciei. — Preciso desse tempo, Ricardo, por favor, respeite isso. Ele me olhou atordoado.
— Quanto? Quanto tempo? Dei de ombros.
— O quanto for necessário. Subi as escadas, ignorando seus chamados. No quarto, peguei uma mala e comecei a enchê-la com roupas e objetos pessoais.
Cada peça que colocava na mala era um passo em direção ao meu plano final. Quando desci, Ricardo estava parado no pé da escada, parecendo perdido. — Marta, por favor, não faça isso.
Passei por ele, sentindo seu perfume misturado ao outro que não era o meu. — Preciso ir, Ricardo. Nós falamos em breve.
Antes que ele dissesse mais, saí pela porta. O ar fresco da noite me atingiu, trazendo uma sensação de liberdade que eu não sentia há muito tempo. Entrei no carro, coloquei a mala no banco do passageiro e liguei o motor.
Pelo retrovisor, vi Ricardo parado na porta, me observando partir. Enquanto dirigia pela noite de São Paulo, senti uma mistura de emoções me dominando: dor, raiva, medo do desconhecido. Mas acima de tudo, uma determinação feroz.
O jogo estava apenas começando. O apartamento de minha irmã, Laura, era um refúgio temporário, um lugar para reagrupar meus pensamentos e fortalecer minha resolução. Ela não estava na cidade; uma viagem de negócios a manteria fora por pelo menos duas semanas, perfeito para meus planos.
Na primeira noite, deitada na cama de hóspedes, fiquei olhando para o teto, repassando cada detalhe do meu plano. O celular, silenciado, piscava incessantemente com mensagens de Ricardo. Não as li.
Os dias que se seguiram foram um exercício de paciência e autocontrole. Mantive contato mínimo com Ricardo, respondendo apenas o suficiente. Para não levantar suspeitas, Carlos e eu nos comunicávamos através de um aplicativo de mensagens criptografadas, refinando nossa estratégia.
No quarto dia de meu afastamento, recebi uma ligação de um número desconhecido. — Alô? — atendi, hesitante.
— Marta! — a voz de Márcia soou do outro lado da linha, hesitante e trêmula. — Precisamos conversar.
Senti o coração bater descompassado, como se estivesse lutando para acompanhar o que minha mente ainda processava, mas mantive a voz calma. — Márcia! Que surpresa!
Sobre o que exatamente precisamos conversar? Houve uma pausa, o som de uma respiração profunda. — Você sabe sobre o quê.
Por favor, podemos nos encontrar? Fechei os olhos, contando até 10 mentalmente. — Tudo bem.
Onde combinamos de nos encontrar? Em um parque próximo ao apartamento de Laura, um lugar público, neutro. Perfeito para o que eu tinha em mente.
Cheguei ao parque 15 minutos antes do horário combinado. Escolhi um banco com vista para o lago, observando os patos nadando tranquilamente, alheios ao drama humano que estava prestes a se desenrolar. Márcia chegou pontualmente, seus saltos altos ecoando no caminho de pedras.
Ela parecia nervosa, os olhos vermelhos e inchados, como se tivesse chorado recentemente. — Oi, Mara — ela disse, sentando-se ao meu lado, mantendo uma distância respeitosa. — Olá, Márcia — respondi, minha voz neutra.
— Sobre o que você queria conversar? Ela torceu as mãos no colo, evitando meu olhar. — Eu.
. . eu fiz algo terrível, Mara, algo imperdoável.
— Ari! — eu, fingindo surpresa. — Do que você está falando?
Márcia finalmente me olhou, lágrimas se formando em seus olhos. — Ricardo e eu. .
. nós tivemos um caso. O mundo ao nosso redor pareceu congelar por um momento; os sons do parque — crianças brincando, pássaros cantando — foram abafados pelo rugido do sangue em meus ouvidos.
— Um caso? — repeti, minha voz surpreendentemente calma. — Por quanto tempo?
— engoli em seco. — Meses. .
. mas eu juro, terminei tudo ontem. Fui lentamente processando a informação.
— E por que você está contando isso agora? Por que não pôs em sua. .
. isso? Um jorro.
— Você merece saber a verdade. — Porque? Porque eu sinto muito, muito mesmo.
Olhei para o lago, observando um pato mergulhar em busca de comida. — Você dormiu com meu marido na minha casa, na minha cama, e agora sente muito? — Márcia soluçou, cobrindo o rosto com as mãos.
— Eu sei que não há desculpa. Sei que nunca poderei me redimir, mas precisava que você soubesse. Que ouvisse de mim.
Virei-me para encará-la, meus olhos se estreitando. — E o que você espera que eu faça com essa informação? Que eu te perdoe?
Que agradeça por sua honestidade tardia? Ela balançou a cabeça, parecendo ainda menor. — Não espero nada.
. . só achei que você deveria saber.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, o peso das revelações pairando entre nós. Finalmente, levantei-me. — Obrigada por me contar, Márcia — disse, minha voz fria como gelo.
— Agora, se me der licença, tenho um casamento para terminar. Deixei-a sentada no banco, seus soluços me seguindo enquanto eu me afastava. Uma parte do plano estava concluída; agora era a hora do confronto final.
Dirigi de volta para casa com uma determinação renovada. O carro de Ricardo estava na garagem; ele tinha voltado mais cedo do trabalho, como eu esperava. Entrei em casa silenciosamente.
Ricardo estava na sala, andando de um lado para o outro, celular na mão. Quando me viu, seu rosto se iluminou com alívio. — Marta!
Graças a Deus você voltou! Eu estava tão preocupado! Ergui a mão, interrompendo.
— Sente-se, Ricardo. Precisamos conversar. Ele obedeceu, a expressão mudando de alívio para apreensão.
— Sentei-me na poltrona oposta, mantendo distância. Márcia me contou tudo — comecei, observando atentamente sua reação. Ricardo desceu, visivelmente chocado, seus olhos se arregalando em pânico.
— Marta, eu posso explicar! — Explicar o quê exatamente? — cortei, minha voz afiada como uma lâmina.
— Como você traiu nosso casamento por três meses? Como dormiu com ela na nossa cama? Ele se levantou abruptamente, passando as mãos pelos cabelos.
— Foi um erro! Um terrível erro! Não significou nada, eu juro!
Ri sem humor. — Não significou nada? Três meses de mentiras e traição e não significou nada?
Ricardo se ajoelhou na minha frente, tentando pegar minhas mãos. — Por favor, Marta, podemos superar isso! Eu não sei o que dizer!
Eu ainda te amo, eu acho! Encarei-o, buscando nos olhos do homem à minha frente vestígios do marido que eu amara por tanto tempo. Não encontrei nada além de medo e egoísmo.
— Amor? — repeti a palavra amarga em minha boca. — Você não sabe o significado dessa palavra!
Levantei-me, caminhando até a estante onde guardávamos nossos álbuns de família. Peguei um em particular, nosso álbum de casamento. — Lembra-se desse dia?
— perguntei, folheando as páginas. — Lembra-se dos votos que fizemos? Ricardo assentiu, lágrimas começando a se formar em seus olhos.
— Claro que lembro! Foi o dia mais feliz da minha vida! Fechei o álbum com força.
— Mentira! Tudo mentira! Caminhei até a escrivaninha e peguei uma pasta que havia preparado dias antes.
Joguei-a no colo de Ricardo. — O que é isso? — ele perguntou, abrindo-a hesitante.
— Papéis do divórcio — respondi friamente. — Já assinados por mim, só falta sua assinatura. Ricardo folheou os documentos, o choque evidente em seu rosto.
— Divórcio? Marta, não podemos nem tentar. .
. — Tentar o quê? — interrompi.
— Salvar algo que você destruiu? — Não, Ricardo. Acabou!
Ele se levantou, deixando os papéis caírem no chão. — Você não pode estar falando sério! 23 anos de casamento!
Você vai jogar tudo fora por causa de um erro? Senti a raiva borbulhar dentro de mim. — Eu vou jogar tudo fora!
Foi você quem jogou nosso casamento no lixo quando decidiu se deitar com ela! — Não! — Ricardo gritou, desesperado.
— Podemos conversar sobre isso! — Ricardo, não! — asei meu braço com força, encarando-o.
— Não me toque nunca mais! O desespero em seus olhos deu lugar a algo mais sombrio: raiva. — Você está sendo irracional!
Não pode jogar fora anos de história por um deslize! — Um deslize? — repeti, incrédula.
— Você chama três meses de traição de deslize? Ricardo passou a mão pelo rosto, frustrado. — Foi um erro, eu admito, mas não pode.
. . "Ser ou fim.
Pense em tudo que construímos juntos. Senti uma calma estranha me envolver. Eu pensei: 'Ricardo, pensei muito e cheguei à conclusão de que não quero mais viver uma mentira.
' Caminhei até a mesa de centro e peguei meu celular. Comuns toques, abri o aplicativo, conectei as câmeras. Quer saber como eu desabafei?
Pergunte, mostrando. CIC: eu vi, se contorceu, uma mistura de choque e horror. Você.
. . você nos espionou.
Dei debrido de que isso e eu. . .
eu vi o desabando, nus, eu e você. Destruí sua casa. Construímos isso juntos e você destruiu tudo.
Retruquei: não tem mais lugar para você aqui. Ricardo se levantou abruptamente, avançando em minha direção. Por um momento, senti uma tensão quase palpável.
Mas então ele parou, os punhos cerrados ao lado do corpo. 'Você vai se arrepender disso', ele sibilou. 'Vai perceber o erro que está cometendo.
' Mantive minha postura firme. 'O único erro que cometi foi confiar em você. Agora, saia.
' Observei enquanto ele pegava as chaves e a carteira. Antes de sair, Ricardo se virou uma última vez. 'Isso não acabou, Marta.
Você não pode simplesmente me expulsar assim. ' 'Já acabou', respondi, abrindo a porta. 'Adeus, Ricardo.
' Quando a porta se fechou atrás dele, senti como se um peso enorme tivesse sido tirado de meus ombros. Caminhei até a janela, observando-o entrar no carro e partir. Peguei meu celular e disquei um número familiar.
'Está feito', disse quando Carlos atendeu. 'Ele saiu. Como você está?
' A voz de Carlos soou preocupada do outro lado da linha. Suspirei, sentindo o cansaço de semanas de tensão finalmente me atingir. 'Exausta, mas aliviada.
' 'Quer que eu vá aí? ' Pensei por um momento. 'Não, preciso de um tempo sozinha agora para processar tudo.
' 'Entendo', ele respondeu. 'Se precisar de algo, qualquer coisa, me ligue. ' Agradeci e desliguei.
A casa, antes sufocante com segredos e mentiras, agora parecia estranhamente vazia. Subi as escadas lentamente, cada degrau um lembrete das memórias que havíamos construído nesta casa. No quarto, encarei a cama que uma vez compartilhamos.
Com determinação, comecei a tirar os lençóis, decidida a eliminar cada vestígio da traição de Ricardo. Enquanto trabalhava, as lágrimas que havia reprimido por tanto tempo finalmente vieram. Chorei pela perda da vida que eu pensava ter, pelo fim de um amor que acreditava ser eterno.
Mas, entre as lágrimas, senti algo mais nascendo: esperança, a promessa de um novo começo, de uma vida livre de mentiras e traições. O sol começava a se pôr quando terminei de limpar o quarto. Sentei-me na beira da cama recém-arrumada.
Exausta, mas em paz. Meu celular vibrou com uma mensagem de Laura: 'Cheguei em casa e não te encontrei. Está tudo bem?
' Sorri, digitando uma resposta: 'Sim, estou em casa, nossa casa. Te ligo mais tarde para explicar tudo. ' Olhei pela janela, observando as cores do céu mudarem.
Um novo dia estava chegando e, com ele, a chance de recomeçar. A jornada não seria fácil, eu sabia. Haveria dias difíceis pela frente, momentos de dúvida e tristeza.
Mas, pela primeira vez em muito tempo, senti que estava no controle de minha própria história. Ricardo, Márcia, o casamento que eu pensei que duraria para sempre. .
. tudo isso agora fazia parte do passado. O futuro, incerto, mas cheio de possibilidades, me aguardava.
Levantei-me, pronta para enfrentar o que quer que viesse a seguir. Afinal, eu havia sobrevivido ao pior e agora, mais forte e mais sábia, estava pronta para escrever o próximo capítulo de minha vida: sozinha, mas livre. Gostou do vídeo?
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