Comunidades tradicionais e a preservação do meio ambiente | Recorte

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Drauzio Varella
Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, e outras comunidades tradicionais, dependem quase que exclusiva...
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Ribeirinhos, quilombolas, indígenas, sertanejos, caiçaras. Provavelmente você já ouviu falar deles, não? Eles são chamados de povos e comunidades tradicionais e têm um papel importante na preservação do meio ambiente.
Mas e a saúde desses povos? Já parou para pensar como anda? Vem comigo que eu te explico.
Sigam-me os bons! Os povos e as comunidades tradicionais são compostos por cerca de cinco milhões de brasileiros. Eles dependem do meio ambiente para tirar a sua subsistência — seja para o próprio consumo ou para o comércio de alimentos e artesanatos.
Para que isso aconteça de forma equilibrada, mais do que preservar, é preciso respeitar a natureza. Natureza, né? Sagrada, né?
O conhecimento passado de geração em geração faz com que essas comunidades conheçam cada espécie da natureza, e reconheçam que a biodiversidade é muito importante para a manutenção da fauna e da flora. Ou seja, sabem para quê serve cada semente, fruto ou planta. Planta faz isso, ‘véi’?
Planta faz isso? Um exemplo dessas comunidades são os quilombolas do Vale do Ribeira. Nesta região vivem cerca de 88 comunidades que seguem o modo de plantio tradicional, chamado roça de coivara.
E como funciona? Em um espaço de um hectare, no máximo, as árvores são retiradas e a terra é preparada para receber o plantio. Eles trabalham nesse local cultivando e colhendo em pequena escala por três anos — milho, arroz, feijão, mandioca, inhame, batata doce e abóbora são alguns exemplos.
Passado esse período, eles param o cultivo nessa área e a natureza se encarrega de fazer voltar a vegetação naquele espaço. Esse tipo de cultivo é tão importante para o meio ambiente, que o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) o reconheceu como patrimônio cultural brasileiro. Sabe por que ele é extremamente sustentável?
Porque esse tipo de cultivo respeita um ciclo de desenvolvimento sem precisar da utilização de agrotóxicos. Olhando para o mapa da Amazônia. .
. Este é o Marcelo Salazar, Assessor Técnico do Instituto Socioambiental, o ISA. .
. . A gente vê que onde tem população tradicional, tem floresta — e onde tem floresta, tem vida —, então, a gente precisa criar uma imagem, na nossa cabeça, de futuro, não da Amazônia sendo desmatada, mas da Amazônia crescendo sobre as áreas desmatadas.
Eu acho que esta é uma imagem de futuro que a gente precisa criar junto, e a partir daí, criar as condições para que essa imagem se torne realidade. No sistema tradicional, dos povos tradicionais da floresta, principalmente dos povos da Amazônia, é um sistema que não só conserva a floresta, como produz biodiversidade. Então, a criação de terra preta, a domesticação de várias espécies que a gente conhece hoje, são fruto deste manejo feito por milhares de anos por povos ancestrais.
No caso do modelo focado na monocultura, do agronegócio, precisa destruir a floresta para conseguir produzirem — e no geral, com muitos efeitos colaterais. Nos últimos 50 anos mais ou menos, 20% da Amazônia no chão, e outros 20%, mais ou menos, que já foram degradados pela extração de madeira — a maioria extração ilegal. Minha casa!
Ela foi roubada! Demolida! Arrasada!
Essa perda de floresta tem mudanças no microclima e mudanças climáticas globais, que afetam o regime de chuvas, o regime de cheias dos rios, tem perdas de região e isso mexe na segurança alimentar, mexe na dinâmica de vida dessas populações. As condições de saneamento variam bastante de acordo com a comunidade, com a região. .
. E essa é a Erika Pelegrino, Médica Psiquiatra e Coordenadora do projeto Health in Harmony Brasil. .
. . Em geral, essas condições são precárias, no sentido de falta de uma política pública de água tratada, de tratamento de esgoto.
E aí cada comunidade encontra as suas maneiras tradicionais de lidar, por exemplo, com o lixo, com os dejetos. Mas, a gente tem outras realidades, por exemplo, no Tapajós, no Amazonas, em que o tipo de política pública de oferecer, por exemplo, escola, posto de saúde em alguma localidades — e forçar que essas comunidade se aglomerem e vivam numa ocupação que não era o modo tradicional delas — faz com que tenha mais patologias, como as parasitoses, doenças de pele. No caso do garimpo, são as doenças ocasionadas por conta do mercúrio; no caso do desmatamento e queimadas, doenças pulmonares, por conta da fumaça.
Sem contar com a invasão dessas áreas por pessoas que não compartilham dos mesmos princípios e do mesmo modo de vida dessas comunidades. Então, isso gera uma série de desorganizações sociais que podem ocasionar sofrimentos diversos. O garimpo geralmente é uma área de invasão, que leva ao esfacelamento dos laços sociais que existiam lá tem uma entrada de dinheiro na comunidade de uma forma que não existia antes — essa entrada de origem ilegal, em grandes quantidades —, tem o aumento do índice de violência, de abuso sexual de mulheres, de exploração de crianças.
E mais recentemente tem se apontado muito para essa questão da invasão dos territórios relacionado com o avanço dos casos das contaminações de Covid-19 — o que é algo histórico para os povos indígenas, né, o garimpo sendo um vetor de disseminação de doenças infectocontagiosas. Além do garimpo e do desmatamento, em 2020 veio a pandemia do coronavírus, e junto, muito mais dificuldades. Cuidado com a Cuca, que a Cuca te pega.
E pega daqui, e pega de lá. A política do governo foi uma política que não ajudou no combate da pandemia, então a gente está numa região em que a disseminação das fake news tem sido um desafio enorme, colocando a vacinação em dúvida, colocando o uso de máscara em dúvida, campanhas pró-comércio, pró-aglomeração, que causaram índices altíssimos de mortes. A gente tem, por exemplo, o governo bloqueando o acesso à água potável, à segurança alimentar, em populações que estavam vulneráveis, que estavam em locais distantes e de difícil acesso no momento da pandemia.
Quando a gente vai até lá é uma grande logística, em termos de custos, em termos de tempo que essas equipes precisam estar em área. Quando a gente pensa numa comunidade que a pessoa leva três, quatro dias para chegar, ou ela vai ter um custo muito alto para voltar para a comunidade dela e vai gastar muito tempo na viagem, ou ela vai ficar na cidade. E ela tem um custo com hospedagem, com alimentação — que ela não teria quando estava no território dela, e ela tem [ainda o que deixa de ganhar, porque não consegue trabalhar nesse período.
Essas questões todas de acesso, esses custos ocultos da saúde precisam ser considerados na saúde rural como um todo na saúde ribeirinha, na saúde indígena. É mais que um fato: devemos preservar o meio ambiente, e para que isso aconteça, é essencial também preservar a vida daqueles que estão diretamente ligados à sua proteção. Os povos e as comunidades tradicionais fazem esse tipo de cultivo desde os seus primórdios.
É um patrimônio histórico e cultural do Brasil. Precisa de mais argumentos para reconhecer a importância desses povos?
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