Nós concluímos a leitura do Sermão da Planície segundo São Lucas nestes três Domingos. Nós lemos todo o conteúdo desse sermão e, no primeiro desses três Domingos, nós lemos as bem-aventuranças e ali comentava o quanto a posição do excluído, a posição de quem está colocado do lado de fora, é uma posição privilegiada, porque nos permite ter uma visão mais objetiva da realidade. Depois, no domingo passado, vimos como isso é importante para viver a caridade, porque é impossível viver o amor fraterno quando nós estamos por demais misturados nas dinâmicas de intercâmbio emocional.
Nós só podemos viver a superioridade do amor quando nós, de fato, nos colocamos realmente numa posição um pouco mais distante psicologicamente; aí nós conseguimos amar a todos, uma vez que não estamos implicados naquela troca radical de emoções. Hoje, o que nós lemos é a conclusão disso. O texto nos diz: "Jesus contou uma parábola, uma comparação, para os seus discípulos: pode um cego guiar outro cego?
Não cairão os dois num buraco? " Essas duas perguntas têm tudo a ver com o que nós meditamos anteriormente. Ou seja, quando estou muito misturado no meio dos conflitos, aquilo me cega; eu não consigo ter a posição objetiva de um bem-aventurado, que, justamente por estar fora da situação, a enxerga melhor.
Então, se eu estou cego, se as emoções nessa troca brutal que acontece entre nós conseguem me ofuscar o olhar, eu não posso conduzir ninguém. Eu não posso esquecer que Jesus está falando com seus discípulos e está formando os seus discípulos para serem mestres. Então, ele diz: "Um discípulo não é maior do que o mestre.
Todo discípulo bem formado será como um mestre. " É interessante que essa mesma frase aparece no Evangelho de São Mateus, no capítulo 10, com uma pequena variante, e aqui ela aparece num sentido totalmente diferente do que no Evangelho de São Mateus, porque Jesus, lá em São Mateus, está falando da cruz: "Um discípulo não é maior do que o mestre; portanto, se maltrataram o mestre, vão maltratar também o discípulo. " Aquele é o contexto.
Aqui, o contexto é totalmente diferente: Jesus diz: "Um discípulo não é maior do que o mestre. Todo discípulo bem formado será como o mestre. " Ou seja, ele está dizendo aos discípulos: "Vocês têm que ser melhores do que aqueles para quem vocês pregam.
Um discípulo tem que ser maior do que o mestre. " Aliás, "um discípulo não é maior do que o mestre; todo discípulo bem formado será como o mestre. " Então, se coloquem na mesma posição que eu, nessa posição de bem-aventurança, de pobre, faminto, de aflito, de perseguido, e assim vocês vão enxergar muito bem.
Vocês vão poder ser mestres dos outros. "Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão e não percebes a trave que há no teu próprio olho? " A imagem tem algo de cômico, porque imaginem o que é ter um galho de uma árvore dentro do olho.
Então, ele diz: "Como você quer retirar o cisco no olho do teu irmão se você não percebe que tem uma trave no teu olho? " Ou seja, você não está enxergando nada; você está mais cego do que ele. Você está pior do que ele.
Você, que deveria ser mestre, está pior do que aquele que é seu discípulo, aquele que deveria aprender de você. Então, tira primeiro a trave do teu olho, vai para aquela posição, distancie-se um pouco, enxergue melhor. Garanta que você está vendo tudo objetivamente; senão, você é um hipócrita.
Essa palavra "hipócrita" provavelmente é a tradução de uma palavra aramaica que significa "embusteiro", "mentiroso". A palavra "hipócrita" no grego tem um significado menos moral, um pouco mais artístico, cênico; "hipócrita" é o mascarado, é aquele que, num teatro, veste a aparência de outra pessoa. Mas, possivelmente, Jesus aqui está falando mesmo de quem é farsante.
Em outras palavras: pare de fingir. Você não está enxergando nada; você está tão enrolado nessa situação quanto qualquer outra pessoa. Não disfarça.
Nós vivemos um mundo de fingimento. O mundo moderno é um mundo em que as pessoas fingem mesmo. Elas fingem que são melhores, fingem que são mais santas, fingem que são mais virtuosas, fingem que são felizes, que estão bem.
"Tira primeiro a trave do teu olho, garante que você está enxergando bem. Então, poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão. " Não existe árvore boa que dê fruto ruim, nem árvore ruim que dê frutos bons.
Toda árvore é conhecida pelos seus frutos. Esse versículo também aparece em São Mateus, no capítulo 7, mas o contexto é um pouco diferente: "Não se colhem figos de espinheiros, nem uvas de plantas espinhosas. " O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração.
Essa frase aparece no Evangelho de São Mateus, no capítulo 13, no final do capítulo 13. Mas o homem mau tira coisas más do seu mal tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio. O contexto da relação entre fruto e árvore está aqui em São Lucas, na relação entre a palavra e o pensamento.
A palavra é o fruto do que eu penso. A palavra é o fruto daquilo que eu estou cultivando no meu coração. Então, vejam, o que Jesus está dizendo é: se as suas palavras são boas, isso é um indicativo de que o seu coração é bom.
Mas, se as suas palavras são más, isso é o indicativo de que o seu coração é mau. Ou seja, o homem que enxerga, o homem que vê, o homem que contempla verdadeiramente a realidade, ele fala justamente da realidade. Ele tem palavras acertadas.
Agora, aquele que tem o coração obscurecido, esse tem palavras desacertadas, palavras injustas, palavras mal postas. Nós precisamos vigiar as nossas palavras. Há um Salmo que diz: "Vigiarei minhas palavras a fim de não pecar contra a minha língua.
" Nós precisamos vigiar as nossas palavras, mas mais. Do que vigiar, eu diria: nós precisamos analisar as nossas palavras e os nossos pensamentos. Nós temos que pensar antes de falar e também pensar depois de falar.
Quantas vezes, por exemplo, as nossas palavras são ociosas, inúteis, não trazem edificação, são apenas comentários banais? Às vezes, eu me pergunto: por que as pessoas têm a iniciativa de falarem quando elas não são requeridas? Então, por exemplo, chega alguém e diz assim: "Ah, poxa vida, como é que tá essa situação?
Ah, olha, mas eu acho que, não sei, etc. " Coloca o seu tempero na panela dos outros. Por que as pessoas se permitem isso?
Justamente porque elas estão num jogo de interesses, que elas acabam se misturando com os interesses dos outros. Por exemplo, por que eu quero saber da vida alheia? O que isso acrescenta em mim?
Não acrescenta nada! Mas aquela pessoa que vive de especular, que está o tempo todo interessada em quem está namorando com quem, quem separou de quem, quem brigou com quem, em quem virou de fulano, e como é que estão as coisas, assim e assado. Essas pessoas, elas psicologicamente estão contaminadas, misturadas.
Elas se colocaram num angu humano sem necessidade nenhuma, porque nós não precisamos disso. Nós, queridos irmãos, temos tantas coisas para resolver, tantos problemas, tantas contas a pagar, tanta coisa para estudar, tanta situação para resolver, que, de fato, coloque-se um pouco fora do interesse por aquilo que não lhe compete; coloque-se fora do alcance daquilo que não lhe diz respeito. E, quando alguma informação chega a você, tenha a sabedoria de não dar atenção.
É importante focar no que interessa, no que importa. É importante focar na trave que está no nosso olho, ou seja, todo mundo tem defeito, todo mundo tem limitação. Ninguém é perfeito.
Não há por que transformar em manchete algo que todos nós vivemos o tempo todo. Nós temos que vigiar as nossas palavras, examinar aquilo que os nossos lábios dizem, porque revelam o nosso coração. Na sequência, Jesus vai concluir o seu sermão com aqueles ditos: "Nem todo que me diz 'Senhor, Senhor' entrará no Reino dos Céus.
Quem escuta essas minhas palavras é como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha. " Ele vai concluir o sermão nos encarecendo que nós construamos a nossa vida sobre o alicerce dessa palavra tão cheia de sabedoria. O discípulo precisa aprender a perceber, à parte, com o mestre, e assim nós cuidaremos do nosso olhar, que é uma das coisas mais importantes que todos nós temos.
Peçamos a Jesus que nos conceda essa atitude tão existencialmente enriquecedora de querermos ver com objetividade, sem sermos condicionados por afetos e paixões que nos cegam a vista. E assim, as nossas palavras serão muito mais cuidadosas, serão palavras de quem realmente não quer ser um frasco aberto que, em pouco tempo, perde o seu perfume. Serão palavras que edificam, que consolam, que santificam.