PL do aborto: o que pode mudar na lei se for aprovado projeto 1904, que iguala aborto a homicídio

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BBC News Brasil
Um projeto de lei assinado por 33 deputados pretende equiparar qualquer aborto realizado no Brasil a...
Video Transcript:
O projeto de lei que pretende aumentar  a pena para o aborto e criminalizar a interrupção da gravidez até em casos  de estupro tem mobilizado o país. Eu sou Mariana Schreiber, da BBC News Brasil em  Brasília, e neste vídeo eu detalho o PL 1904, chamado de PL do aborto, os impactos dessa  possível mudança e as reações até agora. A proposta, de autoria de 33 parlamentares, acrescenta novos parágrafos a quatro  artigos do Código Penal Brasileiro Segundo o projeto em tramitação na Câmara  dos Deputados, um aborto realizado com mais de 22 semanas de gestação seria  equiparado a um homicídio simples, que tem pena de 6 a 20 anos de prisão A nova punição valeria inclusive para casos  em que a gravidez for resultado de um estupro, situação em que o aborto é autorizado no país.
Aliás, hoje existem três situações em que as  mulheres podem interromper uma gestação no Brasil. Além de casos de estupro, o aborto é legal quando  há risco para a vida da mãe e quando o feto é anencéfalo, ou seja não tem o cérebro desenvolvido  adequadamente, o que impede a vida após o parto. Fora essas três situações, o aborto hoje  é proibido, independentemente do número de semanas da gestação.
As penas previstas são  de um a três anos de prisão para a mulher, e de um a quatro anos para outras  pessoas que participem do aborto. O projeto de lei em discussão no Congresso  tenta promover, então, duas mudanças principais: elevar a pena dos abortos já  proibidos no país para até 20 anos, nos casos em que forem  realizados acima de 22 semanas. E tornar proibida também a interrupção da gravidez  de vítimas de estupro, quando o procedimento for realizado acima das 22 semanas, sujeitando essa  gestante também a pena máxima de 20 anos.
Se a proposta for aprovada, seria mantida a  permissão de aborto, em qualquer momento da gravidez, quando existir risco de morte da  gestante. O projeto não menciona os casos de anencefalia, cujo aborto foi autorizado por uma  decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2012. O projeto de lei estabelece ainda que a nova  pena de até 20 anos poderia ser reduzida ou mesmo anulada, a critério de cada juiz, ao analisar  as circunstâncias da interrupção da gravidez.
Ou seja, a pessoa que praticar um aborto, mesmo  se vítima de um estupro, passaria por um processo criminal, podendo ou não ser punida, a  depender do entendimento do magistrado. Em sua justificativa, o projeto diz  que o Código Penal, elaborado em 1940, deixou de apontar um tempo-limite de gestação para abortos em casos de estupro. E cita a  necessidade de atualização da lei A proposta se insere no esforço de alguns  setores para restringir mais o acesso ao aborto no país.
Esses grupos entendem  que a vida começa na concepção e que, portanto, deve-se proteger o feto. Nós somos a casa do povo, é  aqui que se decidem as leis É aqui que se protege a vida, que se  criminaliza atos que podem levar à morte A deputada Julia Zanatta, outra signatária do projeto, afirmou que o PL é "equilibrado e moderado" e visa proteger a vida dos bebês Já os defensores do direito ao  aborto dizem que deve ser uma decisão da mulher e que sua proibição  fere direitos humanos da gestante. Esse grupo critica fortemente a proposta de punir com até 20 anos de prisão  o aborto após 22 semanas.
Esses críticos notam que o projeto penaliza  mais a mulher vítima de estupro do que o próprio estuprador. Isso porque a pena  para quem violenta sexualmente uma mulher adulta é de no máximo dez anos - podendo chegar  a 15 anos quando a vítima tiver menos de 14 anos. Esses críticos também dizem que a maioria  dos abortos são realizados antes das 22 semanas - e que as principais afetadas pela  proposta serão mulheres vítimas de estupro, em especial crianças e adolescentes.
Isso porque é nesses casos que a  gestação demora a ser descoberta, seja porque a menina vítima de  violência não entende que está grávida, seja porque ela tem medo ou  vergonha de avisar a família. Mais de 60% das vítimas de  estupro têm até 13 anos E, nesse grupo, 86% dos agressores são conhecidos, sendo que 64% são familiares – o  que dificulta ainda mais a denúncia. hoje, a maioria das estupradas, e que  chegam tardiamente aos serviços de saúde, são as pobres, as vulneráveis e as mais jovens E são meninas e adolescentes que são  estupradas na maioria das vezes pelo pai biológico, pelo padrasto ou alguém da família E são essas pessoas que vocês  estão criminalizando aqui Em oposição ao projeto de lei, um grupo de 18 entidades criou a  campanha “Criança Não É Mãe”.
Esse grupo diz que a aprovação do projeto,  abre aspas, "obrigará as meninas vítimas de violência a seguirem com a gestação",  o que representará um retrocesso "nos direitos sexuais e reprodutivos  garantidos por lei desde 1940" Depois da repercussão do caso, o principal autor  do projeto, o deputado Sóstenes Cavalcante, afirmou que vai propor também  o aumento da pena para estupro, mas ele manteve a defesa do projeto. O PL provocou uma onda de protestos  populares nos últimos dias. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se  manifestou dizendo que é contra o aborto, mas que a questão precisa ser tratada como um assunto de  saúde pública.
Ele disse também que seria, entre aspas, uma “insanidade” querer punir uma vítima de  estupro com uma pena maior que a do criminoso. Agora, por que os autores da proposta  escolheram esse marco de 22 semanas? Eles dizem que fetos com essa idade  gestacional já tem viabilidade fetal, ou seja, já podem sobreviver fora do útero.
De fato, é a partir de 23 semanas de  gestação que o feto começa a ter chances de sobreviver após o parto. Veja o que diz  o Colégio de Obstetras e Ginecologistas, associação dos Estados Unidos, abre aspas: Exceto casos muito raros, bebês  nascidos antes de 23 semanas de gestação não sobrevivem. Apesar de a taxa de  sobrevivência crescer entre 23 e 25 semanas, a maioria dos sobreviventes enfrenta  deficiências graves, muitas vezes permanentes.
Eu conversei com o ginecologista Olímpio Moraes, professor  da Universidade de Pernambuco e um dos poucos médicos que hoje realizam abortos legais  no país após as 22 semanas de gestação. Para ele, é uma violência obrigar uma mulher estuprada a ter um filho em  qualquer idade gestacional. Moraes nota que, embora seja legal  fazer um aborto em casos de estupro, poucas cidades do país oferecem o serviço. 
Segundo ele, a demora em encontrar o serviço é que leva alguns abortos a serem  realizados na fase mais avançada da gestação. Os dados mostram que apenas 7% das  mulheres estuprada no Brasil tem acesso a aborto previsto em lei. Quando você cai  essa (estatística) para adolescente, crianças, isso chega a 3,9%.
Ou seja, mais de 90% da  população brasileira, 96%, não tem acesso a abortamento previsto em lei. Por que não têm  acesso? Porque falta serviço, existe falta de informações adequadas, né?
Existem pessoas  que pensam igual a esses deputados que obstruem Direito, que não dão informação, que usa sua  objeção de consciência para tirar o direito das mulheres em relação aos seus direitos do aborto.  Então essa bancada que está aí dizendo que está a favor do feto, não sei o que, na verdade são essas  pessoas que tentam obstruir que a mulher tenha acesso de forma tempestiva a um serviço de aborto  previsto em lei. Eles trabalham obstruindo sempre.
Então, se eles colocarem uma idade gestacional,  eles vão ficar com muito mais força de promover e trabalhar para enclausurar as mulheres  para não ter acesso (ao aborto legal). Agora vou te explicar em que pé  estão as discussões no Congresso. Na noite de 12 de junho, a Câmara aprovou o  regime de urgência para tramitação do projeto, de lei numa discussão que durou apenas 24 segundos O regime de urgência, incluído na pauta  pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, significa que o projeto pode ser  votado diretamente pelo Plenário, sem a necessidade de debates  e pareceres nas comissões.
Com isso, em teoria o Plenário pode votar  sobre o projeto a qualquer momento. Mas é possível que essa votação ocorra  só depois do recesso da Câmara, em julho, ou mesmo depois das eleições  municipais de outubro. A forte reação contrária parece ter  segurado o andamento da proposta.
Diante das críticas, Lira afirmou que dará a  relatoria do projeto a uma deputada mulher que seja, entre aspas, "de centro, moderada, para dar  espaço a todas as correntes que pensam diferente". No Senado, o presidente Rodrigo Pacheco  afirmou que o texto, se aprovado na Câmara, será objeto de amplo debate nas comissões da  Casa e não irá direto ao Plenário para votação. Se for aprovado na Câmara e no  Senado, o texto iria depois para sanção ou veto de Lula – mas um eventual  veto poderia ser derrubado pelo Congresso.
O deputado Sóstenes Calvacante já disse  publicamente que isso será um teste para Lula. Mas, se o aumento das penas para o aborto  de fato entrar em vigor, é esperado que o caso seja levado ao STF, que analisaria se  a nova lei está de acordo com Constituição. Para juristas críticos da proposta, a mudança é inconstitucional ao ferir a dignidade  da mulher e estabelecer penas desproporcionais.
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Obrigada.
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