Duas superpotências estão recalibrando suas estratégias para influenciar um continente cada vez mais cobiçado: a África. E se antes o interesse se limitava aos recursos naturais africanos, agora a aposta vai muito além. Eu sou Paula Adamo Idoeta da BBC News Brasil e neste vídeo vou explicar como – e por quê - a China e a Rússia estão voltando ainda mais suas atenções aos países africanos.
Começando pela China. Recentemente, Pequim sediou o Fórum de Cooperação China-África, com mais de 50 países africanos. Foi o maior evento diplomático chinês nos últimos anos e serviu pra ressaltar a relevância populacional e econômica de ambos.
Além disso, o presidente chinês anunciou um plano de dez etapas para a cooperação China-África. Xi prometeu criar 1 milhão de empregos no continente africano e anunciou o equivalente a 50 bilhões de dólares em linhas de crédito e em investimentos diretos na África. Ainda não está claro qual o destino exato desses investimentos, mas o plano de dez etapas promete cooperação em áreas como comércio, indústria, agricultura, conectividade, desenvolvimento e intercâmbio cultural.
O analista Paul Melly explica que alguns interesses e estratégias da China permanecem iguais: -a demanda por matérias-primas africanas para alimentar sua potente indústria, -o investimento em grandes obras de infraestrutura na África, - e a concessão de volumosos empréstimos para governos africanos – uma prática que, aliás, rende críticas a Pequim, porque resultou no alto endividamento dos países do continente. Mas Paul Melly nota que o Fórum de Cooperação entre China e África foi além desses interesses tradicionais - e propôs aos líderes africanos parcerias em polos de alta tecnologia e em transição para energia renovável - por exemplo, com possível instalação de fábricas de veículos elétricos ou investimentos em energia nuclear. A escala desses projetos ainda é incerta, e nem se sabe ao certo se muitos deles sairão do papel.
Mas muitos analistas acham que isso já configura uma nova abordagem perante a África. Diz o Paul Melly: “(O fórum) é importante em termos práticos e simbólicos, para um continente que notadamente ficou muito atrás da Ásia no desenvolvimento de indústrias mais sofisticadas” E tem mais um aspecto importante nas relações entre China e África. Xi Jinping faz um esforço para se apresentar como integrante do sul global e tenta falar quase como “de igual para igual” com líderes africanos.
Isso reverbera em um continente onde ainda é tão forte o ressentimento com o colonialismo europeu e contra o que muitos veem como pressão exercida pelos Estados Unidos. Nas palavras do acadêmico Macharia Munene, o governo chinês sabe “apelar à vaidade dos líderes africanos” e tenta mostrar a eles que está, entre aspas, no “mesmo barco, como vítima do imperialismo ocidental” Outra diferença relevante no caso da China é que o país negocia igualmente tanto com governos civis africanos quanto com os autoritários. Em contrapartida, os países ocidentais costumam condicionar seus investimentos e parcerias a cobranças para que haja transição democrática em países sob golpe militar, por exemplo.
Mesmo que controversas, as estratégias chinesas já têm dado resultado. A China já é o maior parceiro comercial da África e recebe um quinto de todas as exportações africanas – principalmente minérios e combustível. E o modelo favorece largamente a China, que em troca das commodities exporta para a África bens manufaturados e maquinários.
Esse desequilíbrio na balança comercial, aliás, foi uma das cobranças dos países africanos no Fórum em Pequim. Resta saber se isso vai mudar com o novo plano chinês na África. E quanto à Rússia?
Moscou também tem novas estratégias para ganhar espaço no continente. E o foco é menos econômico, e mais a influência geopolítica. A principal novidade é a Iniciativa África, uma recém-criada organização midiática russa com elos com os serviços de segurança de Moscou.
Uma investigação da BBC mostra que a Iniciativa África tem servido tanto pra promover interesses russos quanto para espalhar desinformação. O foco principal é em Mali, Níger e Burkina Faso. Desde que se tornaram regimes militares, esses três países têm se distanciado do Ocidente e se aproximado da Rússia.
A Rússia tem patrocinado ali desde torneios de futebol - em que o hino russo é tocado antes de cada partida - até festivais de grafite, programas de TVU, limpeza urbana e palestras. A Iniciativa África engloba também vídeos no Facebook e cinco canais no Telegram. Essa estrutura midiática tem sido usada para difundir propaganda anti-Estados Unidos, muitas vezes com informações falsas - por exemplo, a teoria da conspiração de que o Pentágono estaria construindo laboratórios biológicos na África para fazer testes em humanos.
A Rússia também promovido sua agenda geopolítica no contexto da guerra da Ucrânia. Recentemente, influencers e blogueiros africanos foram convidados pelas tropas russas para uma espécie de tour em territórios ucranianos ocupados pela Rússia. A analista Beverly Ochieng afirmou à BBC que isso é parte de, entre aspas, “uma campanha mais ampla para promover a Rússia sob uma ótica positiva”.
Uma das reportagens feitas pelos participantes do tour descreve a cidade ucraniana de Zaporizhzhia (ZAPORIJIA) como parte do território russo. A BBC entrou em contato com a Iniciativa África, que respondeu dizendo que promove “atividades humanitárias” nos países africanos. Afirmou também que a reportagem da BBC sobre as atividades do órgão é, entre aspas, “enganosa”, embora não tenha dado evidências de o que seria considerado enganoso.
Bom, vale lembrar que, em paralelo, a Rússia continua provendo serviços de segurança para regimes africanos contestados ou alvo de instabilidade. É um modelo de negócios capitaneado pelo que sobrou do grupo mercenário Wagner – grupo que, desde a morte de seu líder, Yevgeny Prigozhin, em agosto de 2023, está sob o controle direto do Kremlin. Em países como Mali, Níger, Líbia, Burkina Faso, Sudão e República Centro–Africana, os mercenários sob comando russo treinam tropas e protegem lucrativas operações em minas de ouro e diamantes, poços de petróleo e extração de madeira, por exemplo, em troca de acesso a parte desses recursos.
O Wagner tem oferecido também uma espécie de pacote de sobrevivência para líderes africanos que tentam permanecer no poder em meio a insurgências e conflitos internos. Na prática, os mercenários dão ajuda militar e operacional a esses governos. Agora, parte da estrutura do grupo Wagner também está servindo para sustentar esse esforço midiático - por exemplo, canais de Telegram do Wagner foram redirecionados para promover a Iniciativa África.
E pra concluir este vídeo: por que superpotências consideram importante influenciar a África ou ganhar espaço no continente? O continente é cada vez mais cobiçado num momento de grande polarização entre Ocidente e Oriente, em que todos – China, Rússia, Estados Unidos e Europa - tentam ampliar suas esferas de influência. Além disso, a África vai abrigar, até 2050, mais de um quarto da população mundial, com uma mão de obra jovem e uma grande reserva de recursos naturais.
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