Imagine que você está na seguinte situação. Você está deitado em uma cadeira reclinável, e um médico se aproxima de você, segurando o que parece muito com uma chave de fenda. Esse aparelho vai ser introduzido na sua órbita ocular.
Ou seja, ele vai entrar por baixo da pálpebra, na parte de cima do seu olho. E em seguida, o médico vai empurrar esse aparelho para o alto, em direção ao seu cérebro. E ele vai fazer isso com força várias e várias vezes seguidas.
A operação, é claro, é muito arriscada. Existe a chance real de você sofrer um dano permanente no cérebro. Quem sabe perder a fala, ou então os movimentos, ou quem sabe até a vida.
E pior, causar dano permanente é o objetivo desse procedimento. Há ideia que romper certas conexões no cérebro pode minimizar os sintomas de transtornos mentais. Você está prestes a passar por uma lobotomia, a pior cirurgia da história.
E eu sinto muito. Mas é muito tarde para desistir agora. Entender o porquê de nós termos criado um procedimento tão cruel também é entender a história de como a nossa noção de medicina, cérebro e transtornos mentais mudou com o tempo.
A palavra lobotomia vem do grego. Lobos pode ter vários significados, incluindo uma parte de um corpo ou partes de um órgão. Etomia significa cortar ou partir.
Ou seja, a ideia da lobotomia é de fazer uma incisão em um órgão do corpo, que nesse caso é o cérebro. Ela surgiu nos anos 1930, numa época em que a medicina era bem diferente do que a gente conhece atualmente. O cérebro humano, que mesmo hoje em dia é cercado de mistérios, ainda era um verdadeiro enigma pra todo mundo.
E falando em mistério, nós estamos em 2025. Então se você ainda acha que o mundo tech é um verdadeiro enigma e não tem ideia de o que fazer ou por onde começar, eu recomendo a Alura. A Alura é minha parceira há muito tempo e eles sempre topam apoiar as ideias de vídeos malucos que eu faço, tipo esse daqui de hoje.
E além de ser a maior escola de tecnologia online do Brasil, a Alura conta com uma comunidade no Discord de mais de 120 mil alunos que se ajudam, trocam experiências e fazem networking. Caso fique alguma dúvida do curso ou se você está tendo dificuldades com algum curso, a partir do Plano Pro, a Luri que é a IA da Alura te ajuda com o conteúdo que você está estudando com dicas personalizadas. Então se você está querendo adquirir alguma habilidade nova ou ingressar no mundo tech, eu recomendo a Alura.
Usando o meu cupom CIÊNCIATODODIA você tem 15% de desconto. É só clicar aqui no link da descrição ou do comentário fixado. E agora, de volta ao vídeo.
Como é que um procedimento bizarro como a lobotomia ficou comum antigamente? Lembre que a gente está falando de quase um século atrás. A tomografia, por exemplo, só seria inventada décadas depois.
Ou seja, era extremamente difícil examinar e entender o que se passava dentro da cabeça de uma pessoa. Os mecanismos do nosso cérebro e o funcionamento dos nossos hormônios, por exemplo, desafiavam a compreensão até dos melhores profissionais da época. E com isso, pessoas que sofriam de problemas psicológicos ou psiquiátricos não recebiam os mesmos diagnósticos que a gente conhece agora.
E os tratamentos que esses pacientes têm acesso no presente ainda não tinham nem sequer sido inventados. Os primeiros remédios usados para tratar a depressão, por exemplo, não chegariam às farmácias até o começo dos anos 60. Ou seja, os profissionais daquele tempo ainda buscavam maneiras de tratar esse tipo de problema.
E isso acontecia, de certa forma, na base da tentativa e erro. E além disso, existiam duas grandes correntes de pensamento sobre o tratamento de transtornos mentais. Uma delas era defendida pelo famoso Freud, de terapia e possivelmente internação.
Mas com o avanço das práticas cirúrgicas e a invenção da neurocirurgia, uma nova escola de pensamento surgiu. Talvez doenças mentais fossem um tipo de problema no cérebro que poderia ser tratado realizando uma cirurgia. E essa era a ideia da psicocirurgia, o tratamento de problemas psicológicos através da cirurgia.
Foi aí que surgiu a figura de um médico português bastante inovador, Antônio Egas Moniz. Por volta de 1920, ele já tinha criado um outro procedimento revolucionário, a angiografia cerebral. Esse procedimento consistia na injeção de um contraste, ou seja, uma substância visível no raio-x, em uma artéria que irriga o cérebro.
E desse jeito era possível descobrir o padrão de fluxo do sangue no cérebro. Isso permitia o diagnóstico, por exemplo, de tumores cerebrais. Mas na década seguinte, Egas Moniz viria com uma ideia ainda mais impressionante.
Uma cirurgia supostamente capaz de curar uma série de problemas de saúde, como a esquizofrenia, a depressão e até a maldade é histórica. Mas assim como no clássico do Stanley Kubrick, as coisas não são tão simples na vida real. Nesse caso, a tal cirurgia promissora era a leucotomia pré-frontal, também conhecida como lobotomia.
Que era uma ideia tão revolucionária que rendeu ao português Egas Moniz um prêmio Nobel de Medicina nos anos 1940. Originalmente a ideia era que apenas pacientes com um estado grave que oferecessem risco a si mesmo ou a terceiros fossem submetidos a esse tipo de procedimento. O Moniz acreditava na ideia de que esse tipo de pensamento obsessivo circulava dentro do cérebro do paciente, então cortar um tipo de circuito poderia ajudar a resolver esse tipo de pensamento.
E pra colocar essas ideias em prática, ele desenvolveu uma série de procedimentos ao longo do tempo. No início, a lobotomia era feita através de um furo na lateral do crânio. E, em seguida, era injetado etanol pra tentar destruir as fibras que conectam o lobo frontal ao restante do cérebro, como por exemplo o planejamento de decisões, o raciocínio lógico e a própria personalidade dos seres humanos.
A primeira paciente que passou por esse procedimento foi considerada curada pelo médico, depois de uma suposta redução dos sintomas de depressão. Somente oito pessoas foram operadas com esse método. que a injeção de etanol era eficaz o bastante pra romper as tais fibras cerebrais.
Foi aí que ele decidiu dar um passo adiante. E ele desenvolveu um método pra conseguir cortar, e eu digo isso literalmente, essas ligações do cérebro. Ele criou um instrumento cirúrgico chamado leucótomo, que parecia muito com uma chave de fenda.
O médico então ficava movendo o instrumento de um lado pro outro pra cortar as tais conexões do lobo frontal. Só que não era o Moniz que realizava o procedimento. Ele tinha uma doença que reduzia a destreza das mãos dele, a precisão que ele tinha nas mãos.
Então ele orquestrava cirurgia de longe e quem botava a mão na massa cinzenta era outro médico. Com essa nova técnica foram feitas inicialmente 20 cirurgias. Eram pacientes depressivos, esquizofrênicos ou com síndromes cômodo-pânico.
E de acordo com a equipe do Moniz, dos 20 pacientes, 7 tiveram melhora significativa. Outros 7, uma melhora sutil. E os outros 6 não tiveram mudança nenhuma.
O problema é que os pacientes apresentaram efeitos colaterais. Alguns mais leves, como febre, vômito e diarreia, e outros, no entanto, passaram a se sentir desorientados, letárgicos, até apáticos. Uma amostra de quais poderiam ser as consequências de longo prazo para os pacientes lobotomizados.
Só que ao mesmo tempo, a equipe minimizava esses danos colaterais e dizia que eles eram só passageiros. Só que o tempo diria o contrário. Vários médicos do mundo inteiro começaram a se interessar por esse tipo de procedimento.
Inclusive, vários deles ao redor do mundo começaram a colocar em prática. Um deles foi o neuropsiquiatra americano Walter Freeman. Freeman não era um cirurgial.
Então, na verdade, quem realizava o procedimento era o seu parceiro, o Dr Watts. E quando o Watts ainda era parte da equipe, as lobotomias eram realizadas apenas em pacientes que estavam completamente debilitados por problemas psicológicos. E se um único membro da família do paciente se sentisse desconfortável com a ideia, ele se recusava a operar.
Mas a história fica horripilante quando o Freeman começa a assumir uma posição de destaque no mundo da lobotomia. Só que o Freeman tinha uma certa preguiça da burocracia e dos procedimentos envolvidos em fatiar o cérebro de seus pacientes. Então, enquanto o Dr Watts não estava por perto, era ele mesmo quem realizava os procedimentos e cirurgias.
O sonho dele era criar uma versão da lobotomia que poderia ser usada amplamente em todos os centros de tratamento de transtornos mentais, sem a necessidade de salas cirúrgicas ou equipamentos elaborados. Uma lobotomia tão simples que até pessoas sem treinamento cirúrgico poderiam realizar sem grandes problemas. E o resultado foi a técnica que eu descrevi no começo desse vídeo.
Ela é chamada de lobotomia transorbital, e é feita atravessando o globo ocular. O paciente ficava anestesiado enquanto um equipamento mantinha o olho aberto. O leucótomo era inserido e o procedimento começava.
Isso permitiu que lobotomias fossem feitas com muito mais praticidade e sem a necessidade de instalações cirúrgicas complexas. E vocês lembram que eu disse que a ideia original era que essa cirurgia fosse feita somente em casos extremos de pacientes de situação mais grave? Pois então.
O Freeman deixou isso de lado. E ele passou a fazer essas operações em pessoas com qualquer tipo de problema de saúde, desde dores de cabeças crônicas até casos simples como insônia. O Freeman inclusive se convenceu de que era melhor fazer a lobotomia antes de um transtorno mental progredir.
E esse é o ponto do vídeo em que você provavelmente está se perguntando, como é que ninguém na história percebeu que esse procedimento era extremamente bizarro e cruel. A verdade é que a lobotomia já era um procedimento polêmico na época, e a comunidade médica estava dividida sobre a prática. Muitos hospitais nem aceitavam o procedimento, e por isso ele era mais comum na prática privada.
O sucesso da lobotomia era muito questionado em convenções médicas. Ou, como disse Nolan Lewis, um psiquiatra do Estado de Nova York, silenciar um paciente é curá-lo? Talvez tudo o que a lobotomia realiza é tornar as coisas mais convenientes para as pessoas que precisam cuidar do doente.
Eu acho que nós devemos parar antes de dementar uma parcela muito grande da população. Mas até por ser polêmico, aqueles que praticavam lobotomia tinham um interesse investido em provar que ela funcionava. Então, talvez por interesse financeiro, ou simplesmente por terem se amarrado demais ao procedimento, os lobotomistas não avaliavam objetivamente o resultado das lobotomias.
Não existia nenhum método objetivo para determinar se um paciente melhorou, muito menos para determinar de maneira objetiva o quão efetiva a lobotomia era. O procedimento era defendido na base dos relatos dos melhores resultados, enquanto os piores eram discretamente ignorados. O Freeman estava basicamente se iludindo, e nós sabemos isso hoje porque nós podemos comparar os extensivos diários que ele escreveu com os relatos dos pacientes.
O Freeman sempre tinha uma visão otimista e positiva, independente do que acontecia de fato. E inclusive, não era incomum que pacientes que melhoraram atribuíssem a melhora a outros fatores, como por exemplo, terapia, e não a lobotomia. Ou seja, não só a lobotomia era um procedimento polêmico, os médicos envolvidos nem sequer fizeram um bom trabalho em avaliar o quão efetivo o procedimento era.
Muita gente morria depois desses procedimentos. O Freeman alegava que a taxa de sucesso dele era de 85%. Mas o que isso queria dizer, na verdade, é que os outros 15% acabavam morrendo.
E mesmo entre os sobreviventes, um terço deles apresentava uma piora significativa com o passar do tempo. Ou seja, as lobotomias, que surgiram como uma suposta solução para a saúde pública, acabaram se tornando um problema de saúde pública. Ainda mais quando a gente pensa na quantidade de cirurgias que aconteceram.
A estimativa é que, só nos Estados Unidos, cerca de 40 mil lobotomias tenham sido feitas ao todo. No Reino Unido, cerca de 17 mil. E nos países nórdicos, que têm uma população bem menor, foram quase 10 mil operações desse tipo.
E o Brasil também entrou na rota da lobotomia. A maioria delas aconteceu no Hospital Psiquiátrico do Juqueri, em São Paulo. Bem de lá, inclusive, uma estatística que chama a atenção.
Cerca de 95% dos prontuários eram de mulheres, apesar de elas serem menos de 40% das pacientes. Ou seja, os médicos praticavam a lobotomia numa proporção muito maior em mulheres do que em homens. Em muitos casos, os médicos submetiam as pacientes mulheres à lobotomia por considerar que o comportamento delas era inadequado.
Por exemplo, jovens tidas como agressivas, desobedientes ou com uma sexualidade supostamente anormal. Ou que se envolviam em casos extraconjugais. Tudo isso podia fazer com que elas acabassem sendo lobotomizadas à força.
Qualquer comportamento visto como imoral era o suficiente para submeter a mulher a esse tipo de cirurgia, mesmo quando não havia indicação médica. Inclusive, uma das pacientes de lobotomia mais famosas da história era uma mulher. E o nome dela era Rosemary Kennedy, e ela era a irmã do futuro ex-presidente americano John Kennedy.
O parto dela teve complicações e ela cresceu com dificuldade de aprendizado. Rosemary também tinha ataques de raiva e foi internada em um convento, mas nada parecia suficiente para mudar a personalidade dela. Foi aí que o pai da jovem e do futuro presidente Kennedy entrou em contato com Walter Freeman.
Rosemary passou pela cirurgia e nunca mais voltou a ser quem era. Ela perdeu a fala e não conseguiu mais andar. Ela chegou a viver uma vida longa, mas completamente limitada, e morreu em 2005, aos 86 anos de idade.
Outro paciente famoso de Walter Freeman foi um homem chamado Howard Dooley. Mas, no caso, ele só ficou conhecido décadas depois de passar pela cirurgia. Isso porque ele se tornou escritor, e lançou um livro de memória chamado My Lobotomy, ou Minha Lobotomia em português.
Nesse livro, o Dully relata como a vida dele mudou depois que ele passou pela cirurgia aos 12 anos de idade. Ele foi lobotomizado por ser considerado uma criança raivosa pela madrasta, com quem ele tinha uma relação conturbada. E ele explica por que ele decidiu escrever o livro.
A minha família pagou 200 dólares no hospital, e eu nunca entendi o porquê. Eu não era uma criança violenta. Eu nunca tinha machucado ninguém.
Eu não estava indo mal na escola. Será que eu fiz algo tão horrível que eu merecesse uma lobotomia? Eu me fiz essa pergunta por mais de 40 anos.
E então, quando eu completei 55, eu decidi procurar a resposta. De acordo com ele Ele perdeu a concentração e a capacidade de reter informações, tornando-se um homem isolado e frustrado. E numa frase que resume bem essa situação, ele escreveu, A cirurgia me ajudou a controlar minha raiva, mas levou embora minha alma.
E aqui vale notar, a madrasta do Dully tinha passado por seis terapeutas que informaram que ele era um garoto perfeitamente normal. Nenhum desses médicos sugeriu que ele tivesse algum problema comportamental, mas o Freeman, após ter encontrado com ele apenas uma única vez, concluiu que ele era esquizofrênico e sugeriu uma lobotomia. Até mesmo os colegas que apoiavam o Freeman ficaram assustados por ele ter realizado o procedimento em um garoto de 12 anos.
Casos como o de Rosemary Kennedy e Howard Dooley ajudaram a mostrar para o mundo inteiro os horrores da lobotomia. E também ajudam a gente a entender por que o procedimento começou a ser banido no mundo inteiro em 1950. Foi mais ou menos nessa época que vários dos remédios que a gente tem acesso hoje para tratar transtornos mentais começaram a atingir as farmácias.
E também existiu um fator externo que, a princípio, parece não ter nada a ver com essa história, mas que contribuiu pro fim das lobotomias. O término da Segunda Guerra Mundial. Isso porque o Código de Nuremberg de 1947 regulamentou as experiências médicas em seres humanos.
O objetivo era evitar que se repetissem as atrocidades que foram cometidas durante a guerra. Todos esses fatores fizeram com que, na metade do século passado, a opinião da sociedade mudasse em relação à lobotomia. A prática perdeu adeptos, e nenhum país permite que cirurgias nesses moldes sejam feitas hoje em dia.
Existe um consenso de que a prática é desumana e que não deve mais ser utilizada em nenhuma hipótese. A história da lobotomia é a história de um dos maiores erros da medicina moderna, se não o maior. Mas eu acho que nós podemos tirar uma lição ainda maior dessa história.
O grande problema da história da lobotomia é o quão rápido um procedimento extremamente perigoso passou a ser usado de maneira irresponsável para calar pessoas que não se encaixavam num padrão esperado pela sociedade, sendo que originalmente ela era usada para tratar só casos graves. O procedimento da lobotomia era extremamente cruel. Mas o que é cruel de verdade nessa história é que isso só mostra algo que já estava na sociedade, que era o desejo de silenciar e apaziguar pessoas que não se encaixavam no que era esperado.
Na minha opinião, o que torna o procedimento da lobotomia algo tão cruel e horrendo não é a ideia de um procedimento que fatia partes do cérebro de uma pessoa, e sim a ideia de que existem pessoas que merecem ter o seu cérebro fatiado. Que a história da lobotomia seja para sempre um lembrete do que acontece quando a gente procura respostas rápidas e eficientes para problemas que, na verdade, são muito mais complexos do que a gente quer acreditar.