Jiddu Krishnamurti - A Arte de Escutar

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Corvo Seco
Citações e trechos do livro “A Arte de Viver”, de Jiddu Krishnamurti. Jiddu Krishnamurti (1895-1986...
Video Transcript:
As nossas relações com os seres humanos baseiam-se em um mecanismo de defesa, criador de imagens. Em todas as nossas relações, formamos imagens uns dos outros, e são essas imagens que estabelecem relação, e não os seres humanos. A esposa forma uma imagem do marido – muito caprichosa ou, talvez, irrefletidamente, inconscientemente; contudo, a imagem existe.
Ela cria uma imagem do marido e o marido sustenta uma imagem da esposa. Cada um abriga uma imagem da sua pátria bem como uma imagem de si próprio. A essas imagens vamos fazendo mais e mais acréscimos, a fim de fortalecê-las.
E, desse modo, por causa da formação de imagens, o verdadeiro estado de relação entre dois ou vários seres humanos cessa completamente. Cada um pode observar esse fato em si próprio; e, evidentemente, as relações baseadas em tais imagens jamais serão pacíficas, porque as imagens são fictícias e não se pode viver abstratamente. Todavia, é isso o que estamos fazendo; a viver na esfera das ideias, das teorias, dos símbolos – tais como nação, como as imagens que criamos a respeito de nós mesmos e de outros, as quais são puras abstrações, irrealidade.
Todas as nossas relações – com a propriedade, com as ideias, com as pessoas – baseiam-se essencialmente nessa formação de imagens e, por isso, sempre resulta conflito. Se enfrentarmos a vida com imagens, resulta inevitavelmente problemas. Espero que não estejam apenas ouvindo um amontoado de palavras, mas se sirvam do orador como um espelho no qual se possam olhar.
Afinal, esse é o intuito destas palestras, e não o de reunir uma quantidade de ideias e argumentos, não para replicar com habilidade, mas antes cada um observar-se a si próprio, e ao movimento de sua própria mente, do seu coração, de todo o seu ser, tal como realmente é, sem imagem nenhuma. Se assim fizerem, talvez possamos descobrir como viver completa e totalmente em paz conosco próprios e, por conseguinte, nas relações com o outro, com o mundo, e com tudo ao nosso redor. Essa é a arte de escutar.
Escutar é uma arte. Mas para podermos escutar, exige-se certos requisitos. Primeiro, a mente deve estar imóvel, caso contrário não pode escutar.
Se vossa mente estiver a tagarelar, a opor-se, a concordar ou discordar, nesse caso não estareis escutando. Mas se estiverdes quieto, se estiverdes em silêncio e se nesse silencio existir atenção, então, o ato de aprender terá lugar. Para todo aquele que deseja compreensão (que não é mera repetição daquilo que se diz), e resolver de verdade os vários problemas da vida, toda comunicação consiste em aprender e escutar.
A Arte de Escutar. Jiddu Krishnamurti. Convém definir de uma vez por todas o que entendemos por comunicação.
Nós – vós e eu – temos de compreender esta questão, porque comunicar-nos uns com os outros é uma das coisas mais difíceis. Em geral, não escutamos nada; temos naturalmente nossas ideias, opiniões, preconceitos, conclusões, as quais tornam-se uma barreira, impedindo-nos de escutar. Afinal, para escutar, a pessoa tem que estar atenta.
E não pode haver atenção se estamos ocupados com os nossos pensamentos, conclusões, opiniões e juízos; porque nesse caso toda a espécie de comunicação cessa. Isto é um fato óbvio; infelizmente porém, embora se trate de um fato, raramente temos consciência dele. A arte de escutar é uma coisa dificílima, porque estamos condicionados para aceitar ou rejeitar o que escutamos, para condená-lo ou compará-lo com o que já sabemos.
Quase não há escutar que não seja condicionado. Quando eu digo alguma coisa, a vossa reação natural, ou melhor, a vossa reação condicionada é aceitá-la ou rejeitá-la, o que quer dizer que já sabeis, ou que isso se acha em tal ou tal livro ou então que tal ou qual pessoa já disse. Por outras palavras, a vossa mente acha-se ocupada com a sua própria atividade; e enquanto essa atividade tiver continuidade, não escutareis.
Cumpre, pôr de lado todos os nossos pensamentos, conclusões e opiniões, para podermos escutar; só então a comunicação se tornará possível. Escutar o orador sem tentar ocupar-se em pensar se aquilo que diz é verdade ou não, escutando apenas, suspendendo a capacidade de julgar, de avaliar e de condenar. Desejamos conhecer o verdadeiro significado das coisas, conhecer a extraordinária complexidade da existência, porém não escutamos de verdade.
Só podemos escutar quando a nossa mente permanece silenciosa, quando deixa de reagir imediatamente e surge um intervalo entre a reação e o que se escuta. Nesse intervalo há, então, quietude e silêncio. E só nesse silêncio há compreensão, que não é compreensão intelectual.
Se existir um intervalo entre aquilo que é dito e a nossa reação ao que é dito, nesse intervalo – quer o prolonguemos por um período longo, quer por alguns segundos apenas – nesse intervalo – como poderemos observar – surge a clareza. Esse intervalo constitui o cérebro novo. A reação imediata representa o cérebro “velho”.
Só o novo é capaz de compreender, não o velho. Só quando esse cérebro velho se aquieta, se torna possível descobrir a existência de um movimento de qualidade completamente diferente, e é esse movimento que há de trazer clareza, porque só ele é clareza. Para podermos compreender essa vida, precisamos aprender, a cada minuto, a seu respeito; e jamais abeirarmos dela com o que já foi aprendido.
A mente tem de ter atenção por aquilo que a rodeia, ter consciência da tristeza e da sordidez como também da beleza da arvore ou da nuvem iluminada pelo sol – não só consciência externa como também interna, de modo a escutar todos os sussurros, todos os murmúrios, desejos secretos, tendências e impulsos – escutá-los sem nenhum julgamento mas tão só escutar, perceber o que é. Escutar, ouvir atentamente, é uma arte. Na verdade, escutar um som é uma arte extraordinária.
Ao escutarem sem julgar e sem interpretar verão como se tornam extraordinariamente sensíveis. A mente torna-se excepcionalmente desperta quando escutamos simplesmente – sem identificar nem traduzir aquilo que ouvimos, pois tudo isso nos impede de escutar de modo simples. Escutem o cantar dos passarinhos, não lhes deem nomes mas escutem simplesmente o som que fazem.
Escutem o movimento dos vossos pensamentos; não os controleis nem digam: “Isto é certo, isto é errado”. Movam-se junto com eles. Esse é o percebimento em que não há escolha, nem condenação, julgamento, comparação, interpretação mas simples observação.
Isso deixa a vossa mente sobremodo sensível. Nesse estado de percebimento há atenção, ao invés de controle e concentração. É estar atento de modo total e ilimitado, consciente e inconscientemente.
Se escutardes, sem resistência de espécie alguma, estou certo de que vos vereis um estado de revolução, dentro de vós mesmos – não operada por meio de uma compulsão qualquer de minha parte, mas de maneira completamente natural. O problema não é como efetuar a transformação, pois, se souberdes escutar corretamente, sem resistência nenhuma, a transformação se realizará independentemente de qualquer ato consciente. Escutar é uma arte.
Escutar não se exercita; escuta-se em tempo real, que é o instante. Esse escutar do instante dá origem a uma revelação extraordinária que transforma realmente toda a nossa existência. Se escutarmos os nossos pensamentos, as nossas exigências, o desespero em que podemos nos encontrar, veremos então, sem procurar fazer coisa alguma com relação a isso, quão a nossa mente se torna extraordinariamente lúcida.
Isso, por si só, pode originar uma extraordinária revolução psicológica.
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