Este é um mapa que mostra toda a malha ferroviária do mundo. Se você perceber bem, países como os Estados Unidos, a China, a Índia, a Europa como um todo e o Japão tem espalhado por todo o seu território trilhos de trens. Em comparação, essa é a malha ferroviária do mundo há quase 70 anos, em 1957.
Agora, vamos comparar esses dois mapas. Perceba que poucas coisas mudaram no Brasil desde então. Você já deve ter notado que, no nosso país, não existe um sistema de ferrovias muito bem elaborado, enquanto as rodovias não param de crescer.
Mas e se eu te falar que o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a investir nessa tecnologia? Na década de 1930, as ferrovias brasileiras não paravam de crescer, mas devido a uma série de fatores, nosso país desistiu desse processo. Por que o Brasil não tem ferrovias?
Hoje, no investigando - Atlas. Oi, eu sou o Tinôco e para entendermos melhor essa questão, nós precisamos voltar para o ano de 1850. Nessa época, o maior produto brasileiro era o café.
Ele era tão insano que chegou a ser responsável por incríveis 10% do nosso PIB. Só como comparação para você entender, hoje ele representa apenas 2%. Mas, isso nem é necessariamente ruim.
Quando uma economia é dependente demais de um produto ela se torna instável. E era exatamente nessa situação que o Brasil se encontrava em 1850. Para manter esse número enorme de vendas de café, nós precisamos ter enormes plantações, e, por conta de seu tamanho, elas acabavam ficando afastadas dos grandes centros urbanos.
Por conta disso, começou a crescer o interesse mundial em uma nova tecnologia, que era capaz de derrubar drasticamente o tempo de viagem, e eu só poderia estar falando das ferrovias. Este foi o grande momento de desenvolvimento ao redor do mundo. A Inglaterra havia acabado de passar pela Primeira Revolução Industrial, introduzindo as máquinas à vapor no mercado de trabalho.
Com isso, durante o século XIX, houve um enorme crescimento nas linhas férreas, principalmente nas metrópoles, com as ferrovias se tornando uns dos principais símbolos de progresso e prosperidade. Em 1852, Dom Pedro II assinou o Decreto-Lei 641, concedendo vantagens a quem investisse no sistema ferroviário. E foi por conta disso que Irineu Evangelista, conhecido como Barão de Mauá, resolveu aproveitar a oportunidade para construir a primeira estrada de ferro do Brasil, ligando o Porto de Mauá até Fragoso no Rio de Janeiro, que era um importante centro de produção cafeeira na cidade que, até então, era a capital do Brasil.
Essa estrada de ferro foi extremamente importante para a galera perceber que realmente valia a pena investir nisso, já que ela apresentou resultados incríveis quanto à melhoria da velocidade e à qualidade das entregas. Uma década se passou e mais um decreto de lei foi assinado dando ainda mais incentivo para a implementação de estradas de ferro. O problema foi que o brasileiro começou a avacalhar!
No caso, o que ficou estabelecido foi que o governo daria um dinheiro a mais para cada quilômetro construído. E vendo isso, a galera simplesmente resolveu construir um monte de ferrovia cheia de curvas para ganhar cada vez mais dinheiro, o… o brasileiro… é… não tem como, não tem jeito. Como resultado, as estações ferroviárias foram ficando cada vez mais distantes do centro das cidades, aumentando desnecessariamente o trajeto.
A grande vantagem do trem era justamente eles fazerem o caminho mais rápido, mas agora, não estava nem valendo tanto a pena assim. E não parava por aí não. Os investidores começaram a perceber que financiar ferrovias em grandes centros urbanos era caro demais, então, eles começaram a injetar dinheiro para construção em áreas que ninguém usava, priorizando rotas que beneficiavam seus próprios negócios ao invés da acessibilidade da população como um todo.
E foi assim que o Brasil saiu de ter apenas 200 km de ferrovias construídas em 1860, para mais de 10 mil quilômetros em 1890. Este era somente o começo, afinal de contas, durante a Primeira República, este número cresceu para 29 mil quilômetros, sendo construídas em todo o território brasileiro. O objetivo era ligar os centros de produção do país, não apenas os de café.
No Sul, o estado do Paraná, por exemplo, exportava muita erva-mate e madeira. Santa Catarina trabalhava com carvão. E o Rio Grande do Sul com fumo, carne-seca e trigo.
Enquanto isso, no Nordeste, a Paraíba e o Pernambuco tinham um papel central na produção de algodão, enquanto a Bahia se destacava na produção de açúcar e cacau. No Norte, o ciclo da borracha estava no auge, fazendo com que seus principais produtores, no caso, o Amazonas e o Pará, desenvolvessem significativamente devido ao aumento da demanda mundial. Com tudo isso, as estradas de ferro seriam uma facilitadora para a comunicação e para o transporte entre todas essas regiões.
Além de contribuir com a criação de grandes centros urbanos como acontecia ao redor de todo o globo. Este foi o auge do nosso sistema ferroviário, pena que uma crise sem precedentes estava prestes a acontecer na maior economia do planeta. O ano de 1929 chegou e, com ele, os Estados Unidos entraram em uma crise sem precedentes.
- Inclusive, já teve vídeo novo aqui. - A essa altura, o sistema ferroviário americano já estava muito bem estabelecido, visto que a grande maioria de suas ferrovias foram construídas ainda no século XIX, na década de 1880. Por isso as ferrovias estadunidenses não sofreram grandes impactos pelo Crash da Bolsa.
O problema é que eles eram os maiores compradores do café brasileiro, o que fez com que a Grande Depressão também afetasse o Brasil. Nessa época, nós passávamos por um problema de superprodução. Estima-se que, poucos anos antes, em 1906, 20 milhões de sacas de café foram produzidas no mundo e, dentre elas, 16 milhões eram brasileiras.
O problema disso é que, com o tempo, a oferta começou a ser maior do que a demanda, ou seja, nós estávamos produzindo mais café do que o mundo era capaz de consumir. Isso fez o preço do produto despencar. A saca de café que valia cerca de 200 mil réis, passou a valer 20 mil.
O problema é que, nesse período da quebra da bolsa, em outubro, 70% das exportações brasileiras eram apenas de café, então você pode imaginar o B. O. que deu quando os preços começaram a cair.
E para piorar ainda mais a situação, o Brasil estava passando por uma crise política inacreditável - quer dizer, na verdade… é bem acreditável. O que acontece é que nessa época nós estávamos vivendo sob a Política do Café com Leite, que você já deve ter ouvido na escola mas com certeza não prestou atenção e agora você está tendo que ver um vídeo aí no youtube de um cara levemente depressivo ensinando uma coisa que seu professor te falou há 7 anos atrás, olha como que você é! Enfim, essa política, basicamente, controlava quem seria o próximo presidente do Brasil.
Com Minas Gerais e São Paulo encabeçando esse esquematozoide. E é exatamente daí que vem o nome Polícia do Café com Leite, porque São Paulo era o maior produtor de café e Minas o de leite. Assim, esses dois estados viviam apoiando candidatos entre si para a presidência.
Não é à toa que de 1889 a 1930, dos 11 presidentes que o Brasil teve, 7 nasceram ou em Minas ou em São Paulo. Esse último aqui é Washington Luís, que foi o presidente durante a Grande Crise. Ele, vendo tudo isso que estava acontecendo, começou a ter cada vez mais apreço pelas rodovias, tanto que foi nessa época que ele disse uma de suas frases mais icônicas: “Governar é abrir estradas”.
Isso vem desde a época em que ele era governador do estado de São Paulo, quando ele tinha como objetivo povoar o interior dessa região e via o investimento em estradas como a melhor maneira de fazer isso. Já como presidente, Washington criou o Fundo Especial para Construção e Conservação de Estradas de Rodagens Federais com o intuito de financiar o desenvolvimento rodoviário do Brasil, desviando ainda mais o foco das estradas de ferro para as rodovias. Beleza, mas agora o seu mandato acabou, assim Minas e São Paulo tem que se juntar para apoiar outro presidente, pelo menos… era o que os mineiros estavam esperando.
São Paulo resolveu ignorar por completo essa parada de café com leite aí, ele queria café puro! Isso porque, eles não quiseram apoiar um candidato mineiro. Ao invés disso, quiseram colocar outro paulista na presidência.
Isso deixou os mineiros muito bolados, o que deve ser uma coisa bem difícil de se fazer. Assim, Minas Gerais se junta à chamada Aliança Geral, junto da Paraíba e do Rio Grande do Sul, para apoiar um nome que você já deve ter ouvido falar: Getúlio Vargas, mas… não deu certo, ele perdeu de todo jeito. Júlio Prestes, apoiado por São Paulo, foi eleito, mas ele acabou sendo acusado de fraudar as eleições e, somado a isso, ainda rolou o assassinato do João Pessoa, vice do Getúlio, e por conta disso rolou um levante militar que fez com que ele nem assumisse a presidência.
Assim, entra no poder um Governo Provisório que durou por 4 anos até a posse de Getúlio. Tá vendo? !
A política brasileira é coisa simples. Mesmo com a mudança de presidente, o discurso sobre rodovias continuou o mesmo. Durante todo esse período, os principais investidores no sistema de trens eram empresas estrangeiras, mas como agora a economia mundial estava em colapso, isso passou a ser mais difícil.
Com isso, o governo federal viu uma oportunidade de iniciar um processo de nacionalização dessas ferrovias, tomando para si o controle das empresas que estavam em crise, para fazer com que elas continuassem funcionando. O objetivo era impulsionar as indústrias do nosso próprio país, que passariam a produzir aquilo que consumimos para gente não ter que ficar importando de outro país. Assim, em 1940, o país voltou a se industrializar, fazendo com que as ferrovias voltassem a ganhar destaque.
Foi nessa época inclusive, ainda durante o mandato de Getúlio Vargas, que rolou o mais próximo que nós tivemos do Velho Oeste brasileiro. Começou a ser implementadas diversas políticas de incentivo de migração e colonização do Centro-Oeste e da Amazônia. Para isso, foi necessário a construção de mais estradas e ferrovias para o avanço dessas comunidades.
O problema é que o mundo estava passando por um momento assim… complicado né… Não sei se você sabe, mas tinha um cara com um bigodinho na Alemanha que estava querendo destruir geral! Assim, a falta de recursos em um período entre guerras e de crise econômica, fez com que parte da rede ferroviária precisasse ser erradicada para cortar gastos. Então, nós chegamos ao que, possivelmente, é o ponto central de toda essa história: o governo de Juscelino Kubitschek.
Em 1955, JK foi eleito o presidente do Brasil. Nessa época, nós ainda éramos altamente dependentes das exportações de café. Com isso, JK deu continuidade à política de industrialização iniciada por Vargas, com objetivo de diversificar a economia do país, mas ele fez isso com uma abordagem diferente: abrindo o Brasil para o capital estrangeiro das multinacionais.
Ele tinha um plano chamado “Plano de Metas”, que tinha como grande objetivo acelerar o desenvolvimento do país através de uma expansão industrial. Para isso, seria necessário uma integração entre todas as regiões do Brasil e foi por isso que ele resolveu transferir a nossa capital para o centro do território brasileiro, iniciando assim a construção de Brasília. Segundo JK, ele iria desenvolver o Brasil “50 anos em 5”.
Dessa forma, durante o seu governo, ocorreu uma expressiva entrada de investimentos estrangeiros privados no país, principalmente nos setores de construção naval, químico-farmacêutico e automobilístico! Agora, as pessoas do nosso país estavam começando a ter acesso aos carros. Diminuindo assim, a necessidade de ferrovias para o transporte.
Isso fez com que Juscelino impulsionasse o desenvolvimento da indústria automobilística no território nacional, já que esse setor era capaz de empregar um grande número de pessoas com mão de obra qualificada. O que se somou ao fato de que construir rodovias era muito mais barato do que construir ferrovias. Só para você ter noção, a construção de 1 km de ferrovias equivale a R$6 milhões.
Enquanto a construção de 1 km de rodovias equivale a R$1. 5 milhões. Por conta disso, durante o governo de Juscelino Kubitschek, a malha rodoviária triplicou de tamanho, saindo de 2,9 mil quilômetros para 9,5 mil.
Visando o transporte de carga, os caminhões começaram a ser cada vez mais usados, já que, além deles serem mais baratos, eles também faziam entrega diretamente na porta da indústria. E já para o transporte de pessoas, os ônibus foram a alternativa mais aceita, já que eles também deixavam as pessoas próximas de suas casas e trabalho. Com todas essas transformações, o sistema ferroviário brasileiro ficou obsoleto e acumulou muitas dívidas devido à má gestão.
Diante dessa situação, o governo requisitou uma série de estudos sobre a situação. Como resultado, foi criada, em 1957, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), com o objetivo de reduzir os déficits, padronizar os procedimentos, modernizar a operação e aumentar a produção. Obviamente, isso não foi o suficiente e durante os anos 1960 e 1970, diversas ferrovias acabaram sendo desativadas por causa do baixo retorno.
Desde então, foram feitas uma série de iniciativas para arrecadar dinheiro para o sistema ferroviário, mas a falta de continuidade dos investimentos para modernização e ampliação da malha levou a cada vez mais falhas de segurança. Hoje em dia, a maior parte das ferrovias brasileiras atua no transporte do minério de ferro e de soja, sendo gerenciadas pela Rumo Logística e pela Vale. Pouca coisa mudou, de fato, desde os anos 1800.
Como eu disse, naquela época, era estimado que nosso território tivesse mais de 29 mil quilômetros de ferrovias, sendo que hoje, a estimativa é de pouco mais de 30 mil. Em contrapartida, as rodovias se multiplicaram em quase 30 vezes o seu tamanho desde o governo JK, somando, hoje, mais de 300 mil quilômetros. Isso só mostra que, diferente dos outros países, o Brasil resolveu investir tudo em uma coisa só.
Atualmente existem diversos planos de reconstrução das linhas férreas, mas tudo isso é impossibilitado pela dificuldade de uma planejamento a longo prazo, já que com cada troca de governo, o país muda de estratégia. Um exemplo disso foi a construção da Ferrovia Norte-Sul, basicamente a espinha dorsal do sistema ferroviário brasileiro. Ela corta o nosso país inteiro, ligando as 5 regiões aos principais portos que temos por aqui.
E que demorou mais de 36 anos para ser construída. Outra dificuldade diz respeito ao vasto território que o Brasil possui. Se você compara, por exemplo, com a Europa, uma viagem entre a Espanha e a França é o mesmo que ir de São Paulo até Mato Grosso do Sul.
A forte integração socioeconômica entre os países da Zona do Euro facilitou o desenvolvimento de linhas férreas entre esses países, que têm um incentivo muito maior para a construção de ferrovias. Além disso, obviamente, a topografia do nosso país é completamente aleatória! Tem estado que é todo plano, tem estado que é cheio de morro.
Você já andou em Minas Gerais? Uma pessoa comum aqui tem a panturrilha do Roberto Carlos. E agora, você pode estar se perguntando: Beleza, mas os EUA também não têm uma diversidade topográfica grande?
Então por que eles tem uma malha ferroviária insana e a gente não? Bom, o que acontece é que os norte-americanos, em 1850, tinham uma diversidade econômica muito maior. Enquanto o Brasil vivia da produção e exportação do café, os Estados Unidos tinham uma maior variedade, indo desde o setor agrícola com o algodão, tabaco, trigo e milho, até as indústrias com o setor têxtil.
Isso potencializou o crescimento industrial e das malhas ferroviárias. Assim, enquanto o Brasil estava chegando a 10 mil quilômetros construídos em 1890, os EUA já tinham mais de 260 mil. E bom, é por conta de tudo isso que falamos até aqui que o nosso país parou no tempo quando o assunto é ferrovias.
Bom, esse foi o vídeo, eu espero que você tenha gostado. Se você gostou, deixe o seu like, se inscreva no canal aqui embaixo, me siga nas redes sociais @tinocandotv e clica no primeiro link aqui da descrição para você conferir os moletons e camisetas do canal TinocandoTV. Tem muita coisa muito maneira, eu tenho certeza que você vai gostar.
Assista esse vídeo aqui onde eu falo porque a cidade de São Paulo cresceu tanto, ou você pode assistir o vídeo sobre a Crise de 1929 que fizemos aqui no canal, que está tudo bem explicadinho para você. Enfim, é isso, muito obrigado pelo seu acesso e até o próximo vídeo. Valeu, falou, um grande abraço do Tinôco e lembre-se: a existência é passageira.
Tchau!