Veneza é uma cidade curiosa. Essa ilha aqui é o que a maioria de nós conhece da cidade, mas ela é muito maior do que isso. A parte do continente é uma cidade comum como qualquer outra, e é inclusive onde a maioria da população mora, em torno de 200 mil habitantes.
Na ilha moram cerca de 50 mil habitantes e ao longo das últimas décadas as pessoas tem optado por deixar de morar por lá. Vários fatores contribuem para essa tendência, incluindo o aumento do custo de vida, a falta de oportunidades de emprego, as inundações frequentes e os desafios relacionados à manutenção das estruturas da cidade. Muitos moradores têm enfrentado dificuldades devido ao turismo em massa, que, embora seja uma importante fonte de receita para a cidade, também pode criar pressões sobre a infraestrutura e o custo de vida.
A prova disso é que mais de 20 milhões de turistas passam todo ano pela cidade. Pra se ter uma noção, isso é em torno de 60 mil turistas por dia. Mas o que acontece quando essa quantidade gigantesca de estrangeiros ocupa uma cidade de apenas 260 mil habitantes?
O que acontece com a economia local, com os moradores de longa data, com as oportunidades de emprego, e com a própria essência da cidade? Veneza está morrendo. Lentamente, mas está.
E se você tá pensando em ser um dos milhões que passam pela cidade, talvez seja hora de saber que a Veneza que você imagina, pode acabar sendo bem diferente da Veneza que você vai encontrar em um futuro próximo. Mas o que, de fato, está matando Veneza? Por que a cidade pode acabar se tornando um destino fantasma?
Ainda existe algo que se possa fazer, ou será o fim de Veneza como imaginamos? A história de Veneza tem tudo a ver com o que está acontecendo agora na cidade. Ela foi fundada há mais de 1500 anos por habitantes do nordeste italiano que iam pra aquele lugar fugindo das invasões bárbaras que derrotaram Roma.
A posição geográfica de Veneza fez com que a cidade crescesse em número de habitantes e se tornasse uma das maiores potências comerciais do mundo, já que está localizada na rota de comércio entre oriente e ocidente. Além do posicionamento estratégico, sua beleza arquitetônica também conquistou viajantes de todo o mundo ao passar dos séculos, e desde então, a cidade é associada ao seu fascínio turístico e romântico. As encantadoras pontes e os edifícios históricos, como a Basílica de São Marcos e o Palácio Ducal, são destinos irresistíveis pra milhares de visitantes a cada mês.
Além disso, a culinária local e as atrações artísticas também marcam os turistas que exploram a cidade. Mas justamente por causa dessa intensa ocupação dos turistas, a cidade de Veneza vem enfrentando dificuldades relacionadas à preservação de seu patrimônio histórico. A quantidade enorme de visitantes tem sobrecarregado a infraestrutura local, gerando preocupações em relação à conservação dos monumentos e das estruturas históricas.
Além disso, nos últimos tempos, a presença de turistas mudou drasticamente a paisagem de Veneza, que costumava ser calma. Agora, grandes navios de cruzeiro contrastam com a arquitetura local, despejando mais e mais visitantes – uma entrega não tão desejada pelos habitantes locais. Veneza se destaca como um dos destinos mais populares do país, superando ainda mais a tendência de crescimento do turismo global.
Os desembarques de navios turísticos, em particular, aumentaram mais de 250%, entre os anos de 1997 a 2010. Em 2021 a cidade foi uma das primeiras a banir cruzeiros com mais de 25. 000 pessoas a atracar na cidade, consolidando os cruzeiros como uma das principais portas de entrada pra o turismo na cidade.
E esse turismo desenfreado tem gerado uma série de desafios pros habitantes locais, que simplesmente já não suportam mais conviver com tantos estrangeiros. Enquanto turistas se espremem pelas ruas, moradores e famílias locais encaram o encarecimento dos imóveis, a descaracterização dos bairros devido às demandas turísticas e até mesmo dificuldades no acesso a serviços básicos, todos problemas causados pelo turismo. Enquanto moradores encontram dificuldades, o governo investe recursos para atender às necessidades dos visitantes.
Então, estaria a invasão dos novos “bárbaros” tomando conta de Veneza? Nos últimos anos, Veneza tornou-se altamente dependente do turismo pra sua subsistência. Descontentes com o turismo em excesso, muitos residentes de Veneza estão considerando deixar a cidade definitivamente.
A atmosfera local está cada vez mais moldada pelas demandas dos turistas, perdendo a identidade dos habitantes que contribuíram historicamente pra sua essência tão atrativa. Para muitos, a sensação é de que a cidade está se tornando mais um destino turístico do que um lar. Forçados a enfrentar multidões em praticamente todos os lugares, os moradores de Veneza estão impossibilitados de viver uma vida normal e cotidiana na cidade.
As mudanças são notáveis em diversos aspectos: desde a cena gastronômica e os bares até o mercado local, todos agora adaptados às preferências dos turistas. Além de influenciarem o entretenimento e a dinâmica comercial, os turistas também exercem um impacto considerável no mercado imobiliário local. A crescente demanda por alojamento temporário resultou no aumento dos preços dos imóveis, e consequentemente, na instabilidade nesse tipo de mercado.
Na prática, os residentes locais estão gradualmente sendo “forçados” a deixarem seus lares devido ao repentino aumento dos valores do aluguel, que acontece graças à alta rotatividade de turistas. Em matéria publicada no The Guardian, a história de Simonetta Boni chama atenção: com 52 anos, nativa e habitante de longa data de Veneza, se viu obrigada a deixar a casa que ocupava como inquilina. O motivo foi o abrupto aumento do aluguel de 800 para 1.
500 euros, uma pressão financeira que a forçou a buscar uma nova moradia. Ao todo, somente a ilha principal já perdeu mais de 120 mil habitantes desde o início dos anos 50, e hoje possui menos de 50 mil moradores. Além disso, pela primeira vez na história, o número de leitos turísticos em hotéis e casas pra locação já ultrapassou o número de moradores.
Além do aumento nos valores de aluguel, alguns proprietários de imóveis preferem desalojar inquilinos antigos pra investir em negócios como o Airbnb. Outros chegam até mesmo a transformar residências em lanchonetes e pequenos mercados, atendendo assim às demandas específicas dos turistas. Em um local onde o turismo é praticamente o único meio de ganhar dinheiro, estaria tão errado assim o dono do imóvel em querer lucrar mais com isso?
Vendo pela ótica de quem mora há anos no mesmo local e do nada vê que seu custo de moradia praticamente dobra, certamente é um fardo ter que se mudar para longe, mas seria o dono do imóvel o grande culpado? Existe também a problemática dos jovens adultos, que acabam saindo da cidade por conta da escassez de ofertas de trabalho fora do turismo. Além disso, a alta taxa de impostos também sufoca os rendimentos de quem tá tentando construir uma carreira.
A falta de diversificação econômica, restringe as opções de emprego pra os residentes locais, tornando a cidade pouco atrativa pra quem está começando uma vida profissional – em outras palavras: quer trabalhar? Trabalhe pro turismo, responsável por fazer subir o preço do seu aluguel e de outros custos. Diante disso, as pessoas têm optado por focar em rendimentos provenientes dos aluguéis de suas casas, mas quem não tem propriedades, acaba com as mãos atadas.
A realidade é que Veneza parece estar longe de encontrar uma solução sustentável pra lidar com os problemas causados pelo excesso de turismo: a cidade corre o risco de se tornar mais um local voltado exclusivamente para visitações, perdendo sua essência histórica e cultural pra se transformar em um mero parque temático turístico. Mas o que está sendo feito para amenizar esses problemas? Equilibrar o intenso fluxo de turistas e a vida cotidiana dos habitantes locais tem sido um desafio que os governantes de Veneza enfrentam, ano após ano.
A falta de diálogo entre autoridades locais, moradores e setor privado tem impactado diretamente na elaboração de estratégias que podem amenizar os efeitos do turismo. O mercado voltado pra atividade turística leva a cidade a tomar características de um grande museu, que está preparado pra contar a história daquele local, mas não pode nem mesmo atender a seus habitantes, que acabam preferindo buscar outras alternativas. Até mesmo os produtos essenciais estão se tornando escassos, refletindo a perda dos estabelecimentos que tradicionalmente atendiam às necessidades cotidianas, como farmácias, mercados de bairro e bancas de jornais.
Esses locais foram apagados da paisagem urbana, cedendo lugar a uma proliferação de bares, restaurantes e lojas que oferecem uma variedade diversificada de produtos, porém com preços frequentemente elevados. Algumas medidas foram tomadas pra tentar barrar esse processo, como o bloqueio de algumas vias urbanas com a instalação de grandes portões que fecham em determinados horários, principalmente os considerados de pico. Mas mesmo assim, o problema está no número de visitantes diários.
De acordo com um estudo da Universidade de Veneza, pra que o turismo volte a ser uma atividade sustentável pra cidade, o número de visitantes tem que cair de 77 mil para 55 mil visitantes por dia. Esse ainda é um número expressivo, e isso não significa que a cidade estaria a salvo, mas é o primeiro passo pra soluções mais complexas que priorizem o bem-estar dos habitantes locais. A prefeitura local também estabeleceu que a partir de abril de 2024, será cobrada uma taxa de turistas que pretendem passar apenas um dia na cidade, em busca de reduzir o número de visitantes rotativos.
No entanto, alguns residentes temem que a iniciativa transforme Veneza em um parque temático em vez de um lugar onde as pessoas queiram viver e trabalhar. Isso só seria respondido na prática, enquanto isso as vielas estreitas de Veneza geram uma espécie de engarrafamento humano, provocando transtornos tanto pra mobilidade dos residentes quanto pra quem quer ir de um ponto turístico a outro. A partir de junho de 2024, grupos que visitam a cidade serão limitados a 25 pessoas, aproximadamente metade da capacidade de um ônibus turístico.
O uso de alto-falantes, popular entre grupos turísticos que pode gerar confusão e perturbações, será proibido na cidade e nas ilhas próximas. Além da superlotação e da crise imobiliária, o turismo excessivo também contribuiu pro aumento de problemas ambientais. A cidade já estava ameaçada pela elevação do nível do mar, mas a entrada de navios de cruzeiro nos canais internos também havia se tornado um problema pro ecossistema da lagoa central, devido às grandes proporções das embarcações.
O governo também proibiu esse acesso de navios maiores, e agora os cruzeiros são obrigados a atracar no porto comercial mais próximo. O lixo plástico também é outro problema ambiental trazido pelos turistas: todos os dias, milhares de garrafinhas são descartadas em Veneza, e muitas acabam em locais inadequados. Dependendo da época do ano, o turismo é responsável por mais de 40% da produção de resíduos da cidade.
Pensando em amenizar esses impactos, a prefeitura local implantou mais de 126 torneiras de água potável espalhadas pela cidade, além de promover campanhas pra que turistas prefiram usar esses pontos do que comprar água em estabelecimentos. Turistas de um dia só, que pouco contribuem pro comércio local e não geram impacto financeiro na cidade são o maior desafio pra Veneza, que luta pra preservar sua riqueza cultural e histórica, que pode estar severamente ameaçada por um turismo predatório, que pouco tem a ver com a identidade autêntica da cidade. No fim das contas, a procura descontrolada pela visitação de uma cidade com tamanho valor histórico e cultural, é justamente o que pode fazer com que a próxima leva de turistas encontre, na verdade, uma cidade fantasma.
Para que isso não aconteça, as medidas que mencionamos estão sendo implantadas aos poucos, e terão sua viabilidade estudada nos próximos meses e anos. E você concorda com essas medidas? Acha que elas vão melhorar a vida dos moradores locais?
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