Caríssimas, hoje falaremos de um tema que é universal, e dele trataram, entre muitos outros, três gênios que eu trago aqui para dar o testemunho: que são Santo Agostinho, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino. Nós sabemos, nós que temos lido a Ética a Nicômaco de Aristóteles, que a virtude da veracidade é uma virtude social; ou seja, disto decorre uma máxima: desta verdade decorre uma máxima que devemos ter em mente: a mentira é um ato de injustiça, porque nós, todos, do ponto de vista social, devemos a verdade uns aos outros. Não por outro motivo, o falso
testemunho, que é, digamos assim, um crime moral, indicado já nos 10 Mandamentos, nas tábuas dos 10 Mandamentos, ele se espraiou para os planos civis. Em muitos países, prestar um falso testemunho, por exemplo, num julgamento, é crime, crime gravíssimo. Em alguns lugares, inclusive, ainda se jura sobre a Bíblia, né? Você jura dizer a verdade, nada além da verdade. Então estamos aqui no contexto de um tema que é universal. Eu começo aqui as nossas... a nossa palinha com um trechinho do meu "Cosmogonia da Desordem", que é sobre Maquiavel, um artigo longo em vários subtópicos, com vários subtópicos.
Maquiavel em chave teológica, num dos subtópicos, que é o número 6.2, que tem o título de "A Mentira: Ato Contrário ao Movimento Natural da Inteligência". Digo eu e vou citar Santo Agostinho já aqui; depois nós vamos aprofundar ao tratarmos da mentira política, da qual Maquiavel é o arquétipo a pairar sobre o mundo contemporâneo. Julgamos conveniente sondar o que diz Santo Agostinho sobre a mentira em sentido geral, pois o Bispo de Hipona foi o primeiro, na história da filosofia, a tratar criteriosamente o tema. Nos livros "Sobre a Mentira" e "Contra a Mentira" (de Mendacio e Contra
Mendacium), o primeiro era uma investigação a respeito da natureza da mentira; vou ler aqui um trechinho dele, e o segundo, escrito 25 anos depois por um Agostinho já maduro, já não é apenas uma investigação, e sim uma espécie de demonstração cabal acerca do caráter nefasto da mentira. Comecemos por estabelecer que a inteligência humana, ao expandir-se, procura naturalmente a verdade. Este é o seu moto próprio, identificável até em crianças de tenra idade, que ao serem inquiridas pelos pais ou por familiares próximos tendem a dizer a verdade sobre as coisas à sua volta. Mas não nos restrinjam
à infância; o senso comum nos aponta que ninguém inventa um teorema para provar que é falso, ninguém estabelece princípios filosóficos para demonstrar que são errôneos, ninguém propõe uma teoria política dizendo de antemão ser ela insustentável do ponto de vista racional. De certo, quem cria teorias com o único objetivo de enganar estão aí os nossos demagogos contemporâneos: ideólogos que não nos deixam mentir, dominar, manipular, mas a isto chegaremos adiante. Por ora, e para não perdermos o fio da meada, estabeleçamos as premissas de que partimos. Primeira: a mentira é um dito contra a natureza da mente. Começa
Agostinho a sua inquirição sobre o caráter da mentira, assentando o seguinte: nem toda pessoa que diz uma coisa falsa mente; isso está lá no "De Mendacio", sobretudo se julga sinceramente que o que diz é verdadeiro. Existe, pois, entre o erro e a mentira uma diferença de gênero. Então, não é uma diferença de grau; são coisas de gêneros distintos, pois o sujeito que diz algo errado sem querer não age contra a mente, contra a natureza da mente, ao passo que o mentiroso é justamente aquele que impertiga a alma de forma canhestra, colocando um freio ao movimento
natural da inteligência, que é o de buscar a verdade. Segundo, mentir é, portanto, ir na contramão do objeto formal da inteligência. Qual é o objeto formal da inteligência? A verdade. Todos os nossos raciocínios, todas as nossas tentativas de intelecção, ou seja, de conhecimento objetivo, são acerca de algo que se presume verdadeiro, razão pela qual podemos dizer, com segurança, que a genuína mentira nunca é espontânea. Então, isso aqui é um corolário que eu extraí: se o movimento da inteligência natural é de buscar a verdade e de repousar quando depara com ela, nenhuma mentira será espontânea. O
mentiroso, sempre que elabora suas mentiras, tem três jeitos mentais que, muitas vezes, são perceptíveis até corporativamente; um bom psicólogo há de entender isso com facilidade. Pois, como fraude que é, sempre elabora com o fito de enganar. Assim, mesmo as mentiras contadas por alguém, como se diz em latim, "pro domo sua" (em proveito próprio ou em favor de terceiros), possuem esta característica: são calculadas, medidas, elaboradas para afirmar o contrário do que se sabe ser verdadeiro e, ainda que não atinjam a nenhuma pessoa específica, são lesivas à verdade, que, como vemos acima, é o vetor principal da
vida humana. Então, vou desenvolvendo aqui; nós vamos citar Aristóteles, lembrando que reitero que a virtude da veracidade é um dos pomos da concórdia, "napis"; é aquilo que estabelece uma coesão social profunda. Se as pessoas fossem habitualmente verazes, até mesmo as questões que são levadas a tribunais diminuiriam. Quando a verdade reina nos corações, é claro que as discórdias diminuem. Na prática, é possível afirmar algo errôneo sem mentir, assim como é possível dizer uma verdade mentindo. Eu vou trazer, daqui a pouco, o trecho de Agostinho que ele lindamente demonstra isso. E aqui posso fazer uma alusão ao
que seria, em tese — em tese, não na prática — a estratégia demoníaca: mentir com a verdade. A verdade não é algo isolado na nossa mente; no homem, a verdade é uma certa adequação entre a sua inteligência e o ser da coisa. Como as coisas estão todas postas diante de nós, segundo uma certa ordem, segundo uma certa hierarquia, segundo uma certa estrutura, a verdade será em nós a estruturação dessas coisas percebidas. Portanto, em sentido amplo, é possível sim dizer uma verdade pinçada do seu contexto para enganar. O demônio seria aquele que mente com a verdade,
ou, digamos assim, exagerando um dos seus aspectos ou apagando outros. O exemplo clássico é, perdão, o da Tentação dos nossos primeiros pais no Paraíso: o mandato Divino dizia para que não comessem o fruto proibido. Ora, quando a serpente aproxima-se de Eva, a resposta — não vou citar o texto bíblico ipsis verbes, mas vai neste sentido — é: "Se nós comermos deste fruto, morreremos"; e o demônio, encarnado na serpente, diz: "Não morrereis, sereis como deuses pelo conhecimento do bem e do mal." Esta resposta "não morrereis" é uma meia-verdade. O demônio sabe que a alma humana é
imortal; na morte, o que morre em nós é o corpo, e a alma racional sobrevive. Então, é possível dizer mentiras com verdades claras postas fora do seu lugar devido, num contexto, ou então exagerando aqui ou escondendo ali o que não convém, porque a intenção é enganar. E o demônio é chamado pelos grandes teólogos latinos de "Pater mendax", o pai da mentira. Com ele, não há negócio. É por isso que o doutor da Graça, Santo Agostinho, estabelece um critério útil para nos situarmos em tão dificultoso tema: não se identificam os homens verazes e os mentirosos pelas
verdades ou falsidades que dizem, mas pela intenção reta ou tortuosa de suas mentes. Então, no caso do mentiroso, eu só o qualifico no plano se eu conseguir identificar a reta — a intenção de desviar terceiros da verdade. E aqui nós vamos ver as espécies, os elementos com Santo Tomás. Por aí se vê o quão difícil é identificar os mentirosos, os mentirosos inteligentes, diga-se. Pois a mentira não é uma espécie de decalque que é fixado à testa de um homem, mas isso aqui, às vezes, eu gosto de fazer um estilo, né? O lobrego segredo de uma
alma desordenada, o qual pode ser salpicado de verdades convenientes ao intuito fraudulento. E mais: o talento de um mentiroso pode ser medido pelos mecanismos criados por ele para manipular a verdade, que, de objeto formal próprio da inteligência, transforma-se em mero instrumento de enganos. Já em seu tempo, Agostinho denunciava a existência de gente que diz a verdade para enganar, ou seja, diz a verdade apenas para que acreditem nele, levando várias pessoas a não crerem nela. O diabólico, nesses casos, é que o mentiroso posa como o mais verdadeiro e sincero dos homens, ao colocar-se como único a
dizer a verdade quando ninguém estava, entre aspas, capacitado a aceitá-la ou mesmo a vê-la. Assim, após mentir para induzir ao erro, fazendo uso de verdades que davam aparência verossímil a seu discurso, o sujeito proclama aos quatro ventos que avisa a todos a respeito de uma série de coisas. Alguns que hoje falam sobre política no Ocidente têm fontes quentes, digamos assim, lá do quinto dos infernos. Eles prevêem certos acontecimentos porque já sabem de antemão que as coisas vão acontecer assim ou assado e dizem que elas vão acontecer, já sabendo de antemão que a maioria não vai
acreditar neles. Ou seja, depois vão poder acusar com maior vigor: "Olha, eu avisei." Assim, não há nenhum intuito veraz nisso. Disto se pode deduzir uma lição: a mentira sempre precisa da verdade, ou então da aparência dela. É simples: sem apoiar-se, ao menos, na aparência de verdade, a mentira não pode alcançar o fim mal a que visa. Se alguém dissesse assim: "Olha, meu caro, siga aqui o meu protocolo que você vai para o quinto dos infernos, vai sofrer eternamente, inclusive dores corpóreas", claro que ninguém vai fazer aquilo. A sedução consiste exatamente neste jogo de sombra e
luz que o mentiroso é capaz de fazer, e por meio desses truques retóricos e semânticos, enganar uma pessoa, ou desenganá-la. Porque chega um ponto que a pessoa começa a criar uma confiança para com o mentiroso. Charlatães, os grandes demagogos são isso; eles vão seduzindo com essas pequenas verdades ao ponto de que o que dizem, a certa altura, vira quase uma coisa encantada. O Yor Ken Fest, parêntese, biógrafo de Hitler, um judeu, escreveu uma das grandes biografias de Hitler. Ele conta que, quando os aliados chegam a Berlim e, depois que o Führer está morto, começam a
anunciar em megafones que ele está morto, as pessoas começam a sair. Muitas pessoas que estavam ali, naquela Berlim completamente destruída pela guerra, começam a sair como espectros que estivessem voltando à luz. E ele diz: "É como se um país inteiro estivesse encantado." Ou seja, foi uma ideologia que fez boa parte dos alemães ficarem completamente cegos do ponto de vista moral. Isto é possível; por aí se aquilata a maldade: uma maldade é tanto mais maldosa quando não só eu prejudico alguém, mas quando, o que é pior, eu induzo a pessoa a fazer o mal, levando-a a
isto só com certas sugestões ou insinuações. Não vou ler o artigo todo. O requinte maior de qualquer trapaceiro consiste em formular um sistema de mentiras quase inteiramente feito de verdade. Neste caso, o ardil consiste em forjar discursos verazes entrecortados de mentiras avulsas, que, dispostas de determinada maneira, ganhem o feitio de verdade fundamental, à qual é necessário aderir com urgência, mas que efetivamente ocultam uma monstruosa mentira. Os revolucionários de todos os tempos aprenderam de cor esta lição. E aqui eu vou citar; cito aqui no artigo, mas depois eu vou pegar o trecho de Agostinho. Em tal
horizonte brilha a distinção feita por Agostinho no "De mendacio" sobre a mentira entre o simples embusteiro — que ele chama de "menens" — e o mentiroso cabal — que ele chama de "mendax". Mendaz, inclusive, é uma palavra da língua portuguesa, que, quase infelizmente, cada vez mais. Pessoas conhecem menos do que elas estão sofrendo no Brasil de inanição vocabular, né? É o embusteiro que mente na maioria das vezes por fraqueza, ao passo que o mentiroso, como se disse alhures, chafurda na mentira com o prazer interior, ao ponto de sofisticar mais e mais. O final do caminho
desse tipo de mentiroso é a renúncia formal à verdade, o que em geral se verifica em almas que se vendem para obter sucesso, honrarias, prazeres, dinheiros ou benesses políticas. Maquiavel está aqui perfeitamente tipificado. Então, Maquiavel diz para o príncipe: "não tenha fé em Deus, minta; diga que tem só para enganar o povo", né? Então, a mentira vira, digamos assim, um ponto de trampolim para que a pessoa se mantenha no prazer a qualquer custo. O que é a política contemporânea? Maquiavelismo aplicado. Só que Agostinho, nós vamos ver daqui a pouco, ele vai classificando as mentiras até
chegar à conclusão de que, quanto maior ou mais sublime é o bem que a mentira contraria, mais grave é essa mentira. Então, de todas as mentiras, a pior é a religiosa, a dos fundadores de falsas religiões, aqueles que vão desencaminhar as pessoas, não apenas neste mundo, mas eternamente. Então, tenhamos em vista isto no nosso horizonte de considerações. Pois muito bem, eu vou pegar Santo Tomás. Santo Tomás, na Suma Teológica, na Secunda Secunda, ele trata da mentira e dá algumas definições. Aqui, o que eu pego é extraído lá da questão 93 da Secunda Secunda, artigo primeiro
e segundo também, né? Então vamos às definições. Diz Tomás que mentira é o enunciado de uma coisa falsa com intenção de enganar. Bem na linha de Santo Agostinho, né? A intenção é que define o caráter do mentiroso. Então, intenção é um dos 12 movimentos da vontade. A intenção é o movimento da vontade que se refere aos fins da ação humana; a escolha se refere aos meios. Vou dar um exemplo que todo mundo entende: eu tenho intenção de estudar Platão nos próximos 15 anos. Ora, vou escolher estes e aqueles professores. Então, a escolha sempre diz respeito
aos meios, a intenção aos fins. Os dois movimentos são da vontade. Então, a intenção, neste caso aqui, é a finalidade má contrária ao movimento natural da inteligência de enganar. Outra definição: essa, jamais, e, digamos assim, valendo-se de uma formulação mais tópica, mentir é contradizer com sinais externos, gestos ou palavras, a verdade. Então, a mentira precisa manifestar-se de alguma maneira; em geral, ela manifesta-se por meio de palavras. Agora, há um sem-número de gestos, e eu posso induzir alguém ao erro, se alguém que eu conheço, até com um piscar de olhos. Muitos dos engenheiros sociais contemporâneos se
valem de técnicas de lavagem cerebral. O sujeito está comprando um produto quase como um robô, e nem imagina. E por aí nós vamos vendo... (parêntese que vale abrir e fechar rapidamente) como as pessoas que estão preocupadas hoje com a inteligência artificial o quanto elas estão enganadas, né? A inteligência artificial é mero cálculo de algoritmos. A inteligência humana, ela, além de referir-se a coisas externas que podem ser, entre aspas, "matematizadas", diz respeito ao que é interior, ou seja, aquilo que em nós interpreta os dados da realidade, aquilo que escolhe, que tensiona, etc. Por fim, outra coisa
que Tomás diz aqui, que eu afirmei há pouco: a injustiça é a mentira; é uma injustiça com o próximo. Então, elementos da mentira, segundo Santo Tomás. O primeiro: dictum falsum. A mentira é um dito falso, é um dizer falso. Aqui valeria, né? Só que não vou abrir esse parêntese que seria grande demais falar sobre a tabela, a tábua de proposições de Aristóteles, que é a base da lógica clássica, que mostra como as proposições podem ser ditas verdadeiras ou falsas. Quem não é capaz de enunciar uma proposição não é capaz de nem sequer passar perto disso
que estamos falando, ou seja, a pessoa reage instintivamente aos dados da realidade, e o que é pior, ela não é capaz de raciocinar. Raciocinar é uma coisa, e entender é outra. Uma pessoa pode raciocinar relativamente bem, mas concluir mal, porque as premissas, ou porque a premissa fundamental estava equivocada. Então, o sistema baseia-se num erro, ou porque ela não soube ordenar os silogismos direito. Então, o primeiro elemento da mentira é que ela é um dito falso. Di Santo Tomás: dictum falsum, né? Segundo: voluntas falsificandi. É a vontade de enunciar a falsidade. Então, como enunciar é um
dos produtos do intelecto, dar, definir e enunciar são dois produtos do intelecto humano. O intelecto humano, depois de abstrair os dados da realidade, produz enunciados, ou seja, o modo de proposições, e ele também define, dar definições das coisas, é algo bastante humano. Santo Alberto Magno diz que o nome já é uma implícita definição; cada nome, porque cada nome tem uma intenção semântica. Então, recapitulando, elementos da mentira: dito falso; segundo, vontade de enunciar a falsidade; e a intenção de enganar, voluntas de mendaci. Ou seja, enganar é levar terceiros ao erro. Nós vamos ver aqui que isso
que parece ser uma bobagem, porque as coisas parecem que Santo Tomás está falando a mesma coisa, mas há matizes a considerar. E ele vai dizer que há três gêneros de mentira também aqui na Secunda Secunda, questão 110: a mentira danosa, a mentira jocosa e a mentira oficiosa. Eu vou dizer com as minhas palavras, depois explico os conceitos, né? A mentira danosa é aquela que prejudica a outrem, a terceiros; a mentira jocosa é aquela que diverte, uma piada, né? Eu posso exagerar, fazer uma caricatura de uma situação, dizendo uma coisa que não... Corresponde à verdade, mas
com clara intenção de fazer as pessoas rirem. E a oficiosa é aquela que a pessoa diz em benefício próprio, com graus distintos de culpa. É claro que uma coisa é alguém dizer para seu patrão, no final do expediente, que vai precisar sair 40 minutos antes porque vai levar o pai ao médico, mas na verdade vai fazer outra coisa. Mas tá tudo feito, é mentira; não é lícita, não é boa, mas a matéria é leve e aquilo que está em jogo na mente de quem faz isso geralmente é: “Olha só, se eu disser a verdade, vou
criar um problema para mim, vou abrir um precedente.” Então, essa é a oficiosa, que pode ter graus de culpabilidade. É claro que Santo Tomás diz: seja como for, aqui, Suma Teológica, secunda secunda, questão 110, artigo 2, na mentira há sempre uma desordem. Então, toda mentira, sem nenhuma exceção, será pecado. O pecado venial, aquele que não retira a graça em sentido teológico, é aquele que segundo Santo Agostinho até é retirado da nossa alma por uma oração do Pai Nosso bem rezada, até o pecado mortal, que é aquele que realmente, por ferir a reta ordem das coisas
que nós somos chamados a apreciar, porque fomos criados à imagem e semelhança de Deus, o que significa dizer que temos inteligência e vontade. É o que demarca a nossa semelhança. Então, se a coisa é grave, será pecado grave. E aqui eu pus, na minha colinha temática, uma frase de um filósofo neoplatônico, Próculo, muito importante, que mostra um pouco dessa importância da veracidade para o indivíduo e para a sociedade. A frase é magnífica: "Nem Deus pode dar, nem o homem pode receber. Nada melhor do que a verdade, né? Que beleza, né? A verdade é o supremo
bem, né? Nada é mais excelente que a verdade." Portanto, quando nós entendemos isto, nós, todos, que em algum grau, em várias circunstâncias, contamos pequenas mentiras ou até mentiras mais ou menos grandes, mas quando nós entendemos a grandeza do valor da verdade, é claro que pelo menos começamos a refletir a respeito da nossa própria vida, a ponto de começar a contar a verdade sobre nós mesmos, diante do espelho da nossa consciência. As pessoas, em geral, mentem para si mesmas de uma maneira neurótica. Adler foi um psicólogo que tinha, né, uma certa formação filosófica; ele diz que
o neurótico conta uma mentira, mas não é uma mentira qualquer; ele erige a sua vida prática, ou seja, constrói a sua vida cotidiana sobre uma mentira fundamental, na qual ele finge crer até acabar crendo nela, com culpa. Então, nós vimos aqui com Aristóteles, né? Então, Próculo, essa frase é maravilhosa: "Nem Deus pode dar, nem o homem pode receber. Nada melhor, nada mais excelente que a verdade." E aqui eu estou com a Ética Nicomaco, uma edição da Gredos espanhola. A Gredos é uma grande editora; acho que ainda existe, né? Então, é um livro, e no livro
quatro, Santo Tomás também comentou a Ética Nicômaco. Eu vou ler o trechinho aqui em que Aristóteles nos ensina que há várias maneiras de alguém apartar-se dessa virtude social da veracidade, ou por excesso ou por falta, né? E aqui ele começa falando da veracidade, dando-lhe o nome de sinceridade, mas daqui a pouco nós vamos esclarecer os termos. A sinceridade é o termo médio entre a jactância e a ironia. Tem como objeto fazer as mesmas coisas. Analisaremos também esses modos de ser, pois conheceremos melhor o referente ao caráter; se discutirmos cada caso, estaremos mais convencidos de que
as virtudes são modos de ser intermédios. Uma virtude é estar no centro entre dois vícios contrários: um por excesso e outro por falta. Depois de haver visto que é assim em todos os casos, já falamos dos que tratam as pessoas para agradar ou desagradar, ou seja, o adulador ou o antipático. Vamos falar agora igualmente dos que são verdadeiros ou falsos, tanto em palavras como em ações e pretensões. Aristóteles, gênio absoluto do Ocidente! Pois bem, o jactancioso se crê que é o que pretende; ele se crê que é o que pretende, reputação em coisas que não
lhe pertencem. Ele quer ter, ser bem reputado. Vou construir a frase, eu traduzi mal aqui na minha leitura: o jactancioso é aquele que quer ter boa reputação sem merecer. É o gabarolas, como se diz em Portugal; fulano que se gaba muito é o gabarolas, né? Ao passo que o irônico nega o que lhe pertence, né? O termo médio contempla a situação tal qual é; parece ser o homem sincero, tanto em sua vida como em palavras. E ele vai seguir o texto; eu vou ao ponto que quero para situar a nossa aula: comecemos pelo homem veraz.
Não nos referimos ao homem que é verdadeiro em seus contratos nem nas coisas que acrescentam a justiça ou injustiça, né? Pois isso seria próprio de outra virtude. Senão, aquele homem que, quando nada disto está em jogo: interesses etc., é verdadeiro em suas palavras, em sua vida, simplesmente porque tem bom caráter. Então, não se está falando aqui da veracidade em coisas como os negócios; isto, aliás, é o pressuposto. Aliás, o próprio contrato não é nada, nada mais, nada menos do que a firma do trato, e o trato indica que duas pessoas concordam em determinados pontos. Então,
ele está dizendo que não é disso que se trata e sim de uma sinceridade fundante, interior, né? Pois o que ama a verdade a diz. Quando daria no mesmo dizê-la ou não, a dirá ainda, eh evitará. A falsidade como algo vergonhoso, uma coisa a ser evitável por si mesma, tal homem merece ser elogiado. Então, é a veracidade. Como eu disse, assim ela é uma virtude social. Aristóteles faz várias outras considerações e, assim, uma vida veraz seria uma vida, digamos assim, pautada por um conjunto de verdades, mais ou menos teóricas, todas, mas de caráter prático para
a nossa vida. Porque se nós nem sequer pensamos se o que fazemos, o que dizemos, ou seja, a maneira como nos comportamos e como nós expressamos as coisas socialmente no nosso dia a dia, se isso tudo não passa na nossa cabeça, nós, daqui a pouco, estamos afogados na superfície, na superfície de nós mesmos. E aí teremos, em alguma ocasião, algum grau de um coração dúplice, duplo, né? Uma língua bífida, digamos assim. Eu peguei aqui, aliás, a propósito da importância da veracidade, o comentário de Santo Tomás aos 10 mandamentos. O oitavo mandamento é: "Não dirás falso
testemunho contra o teu próximo". E Tomás, olha só, é tão importante! Eu disse aqui ainda há pouco do falso testemunho e vou agora trazer Santo Tomás à baila para mostrar a importância social, espiritual, moral e individual desta virtude da veracidade. Primeiro, diz Tomás comentando os 10 mandamentos: "Proibiu o Senhor que ninguém prejudicasse o próximo em atos; agora manda que não o façamos com palavras". Abre aspas: "Não dirás falso testemunho contra o teu próximo". As tábuas da lei, vale lembrar, são duas, né? Três estão no primeiro lado e dizem respeito a deveres do homem para com
Deus; sete estão do outro lado e dizem respeito aos deveres do homem para com o próximo. Então, não dirás falso testemunho contra o teu próximo. E, volta a Tomás, isso pode dar-se de dois modos: em juízo e nas conversas corriqueiras, ou seja, perante um juiz ou no blá blá blá da Candinha. Eu me lembro que, quando eu era garoto, a minha avó cantarolava uma música; a Candinha vivia a falar de mim. Assim, a Candinha era uma amiga da janela, uma fofoqueira. Conto mais. Em juízo, dá-se de três modos, de acordo com as três pessoas que
podem pecar contra este preceito. A primeira pessoa é aquela que acusa falsamente. Aí ele pega a citação do Levítico: "Não serás um acusador nem um maldizente entre o povo" (Levítico 19:16). Note-se que, assim como não deves falar a mentira, também não deves calar a verdade. Santo Tomás vai, e ele sabia de cor a Sagrada Escritura; isso aqui foi numa catequese. Abre aspas: "Mateus 18:15: Se teu irmão pecar contra ti, vai, corrige entre ti e ele só". Fecha aspas. Também se dá quando aquele que presta testemunho mente. "Provérbios 19:9" – abre aspas: "A testemunha falsa não
ficará impune". Então, para além de ser uma virtude moral, para além de ser uma virtude social, Tomás está dizendo que é uma virtude espiritual, que, se não for levada a cabo, se a pessoa não deixar que ela deite raízes na alma, ela vai se perder eternamente. Esse preceito inclui todos os precedentes de Tomás, pois a testemunha falsa às vezes acusa de homicídio, às vezes de roubo, etc. Ora, a testemunha falsa deve receber a seguinte pena, segundo a Escritura. Ele vai citar aqui o livro do Deuteronômio: "Quando, estes, ou seja, sacerdotes e juízes, depois de um
diligente exame, conhecerem que a testemunha falsa disse uma mentira contra o seu irmão, farão o que ele tinha intenção de fazer ao seu irmão. Não terás compaixão dele, mas exigirá vida por vida, olho por olho, dente por dente". Então, é a lei antiga, a lei de talião, que Cristo revoga. Ou seja, a lei antiga está para a nova assim como o imperfeito está para o perfeitíssimo. Cristo nos ensina a oferecer a outra face, o que só é possível se a pessoa o tiver no horizonte. Humanamente, nós tendemos a fazer isso: olho por olho, dente por
dente. Então, e mais, assim como é pecado, é culpado o que atira Provérbios 25, setas e dardos que matam, assim o é aquele homem que, usando da fraude, prejudica o seu amigo. Então, ele cita sempre conveniente a Sagrada Escritura, o Antigo Testamento, para mostrar-nos a moral natural; cita o Novo Testamento para mostrarmos a moral sobrenatural, ou seja, a natural, a moral que é influenciada pela força da graça. O Evangelho é a lei da graça, não é a lei civil. Damos a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. E
o que é de Deus, sobretudo, é o nosso coração. E por isso diz São Francisco de Sales que, se eu entregar a minha vontade a Deus, entreguei tudo. Se eu não, se eu entregar qualquer outra coisa, não entreguei nada. Por fim, se dá também quando a pessoa do juiz condena injustamente. Vou até beber um suco agora para comentar, né? Os nossos juízes, aí, das cortes ínfimas ou supremas, às vezes tomam decisões, né? Que parecem atentar francamente contra a justiça e contra a verdade. "Não farás o que é iníquo; Deus os condena. Nem julgarás injustamente. Não
atendas a pessoa do pobre, nem tenhas respeito à face do poderoso; julga o teu próximo com justiça" (Levítico 19:15). Isso nos juízos. Nas conversas corriqueiras, pecam contra este preceito cinco tipos de homens. Aí, a gente vê o tamanho de Santo Tomás. Como devia ser uma catequese deliciosa, uma conversa entre amigos. Ou seja, com relação aos juízos, o falso testemunho está tipificado aqui em sentido geral. E agora, na nossa vidinha ordinária, cinco tipos de homens pecam contra a virtude da veracidade: primeiro, os detratores. E ele vai citar Romanos, carta de São Paulo aos Romanos 1:30: "detratores,
odiados por Deus". Fecha aspas. " Aspas, o apóstolo diz que são odiados por Deus, pois não há nada mais caro ao homem do que a boa reputação. Isto é um princípio muito presente em Santo Tomás, até o pecador tem o direito à boa reputação, a zelar pelo seu nome, a menos que ele tenha feito algo tão grave que mereça ser denunciado. E aí realmente manter o bom nome será ruim para a polis, né? Ele vai citar aqui o Eclesiástico: 'É melhor o bom nome do que os bálsamos preciosos', né? Provérbios, de novo: 'Mais vale um
bom nome do que muitas riquezas.' Volta a Tomás: 'Os detratores mancham a reputação alheia.' De novo, citação do Antigo Testamento: 'Se uma serpente morde em silêncio, não é pior que o detrator oculto.' Então, o primeiro tipo de homem que peca contra a virtude da veracidade, dando falso testemunho, é o detrator, diz Tomás. Portanto, se não repararem a reputação alheia, não poderão salvar-se. Segundo tipo de homem, ou de homens, são os que dão ouvidos aos detratores. E novamente no livro do Eclesiástico: 'Cera os teus ouvidos com espinhos, não queiras ouvir a língua má, e põe na
tua boca uma porta e fechadura.' Fecha aspas. Que maravilha! 28, 28, diz Tomás: 'Não devemos ouvir de bom grado os detratores; antes, devemos exigir exibir perante eles um semblante triste e contrariado.' É o pudor diante de um detrator. Se eu não posso contrariá-lo por alguma convenção ou circunstância, eu também não devo incentivá-lo de maneira nenhuma, e muito menos ficar curioso para saber mais do que não me cabe saber. Provérbios 25:23, 'Agora, o vento do aguilhão dissipa as chuvas, e o rosto triste a língua maldizente.' Terceiro tipo de homens que pecam contra este preceito da veracidade
são os fofoqueiros. Olha que passam adiante tudo o que ouvem! Santo Tomás aqui, quem diria, né? O grande filósofo, né? Por isso que é bom ver e ler essas catequeses, né? Que a gente quebra aquele estigma de ser um cara apenas cerebrino que está preocupado com silogismos. Aqui temos um coração quente falando a língua popular, né? Os fofoqueiros que passam adiante tudo o que ouvem. E cita de novo o Antigo Testamento: 'Seis são as coisas que o Senhor abomina e a sua alma detesta; uma sétima, o que semeia discórdias entre irmãos.' O mexeriqueiro e o
homem de duas línguas são malditos porque perturbam muitos que viviam em paz. E aí segue: quarto tipo de homens que contrariam a veracidade. Recapitulando: detratores, os que dão ouvidos aos detratores, fofoqueiros, e agora os bajuladores, né? Ou seja, o adulador. Ele vai citar o Salmo 9, versículo 24: 'Porque o pecador é louvado em meio aos desejos da sua alma, e o iníquo é elogiado.' E agora outra citação, agora de Isaías: 'Povo meu, os que te chamam bem-aventurado, esses mesmos te enganam e destroem o caminho que deves seguir.' Provérbios 3:12, Salmo 140. 'Agora, corrija-me o justo,
e advirta-se com misericórdia. O azeite, porém, do pecador, não chegue a ungir a minha cabeça.' Salmo 140, número cinco. Por fim, os murmuradores, em latim 'sussuro', né? Os que estão ali nos sussurros de pé de ouvido. A murmuração é mais comum entre os súditos, aqui os cidadãos, né? Não murmureis. 1 Coríntios 10:10, né? E agora, livro da sabedoria: 'Abstende-vos pois da murmuração que nada aproveita.' Sabedoria 1:11. Outra citação de Provérbios: 'O príncipe se aplaca pela paciência, e a língua doce quebranta a dureza.' Provérbios 25:15. Mais uma situação: 'Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.'
Este mandamento proíbe a mentira, né? Então, nosso tema: 'Não queiras proferir mentira alguma, porque o acostumar-se a isso é mal.' Eclesiástico 7:1. Então a mentira é má por quatro razões. Primeira, porque nos torna semelhantes ao diabo. 'Quem mente se faz filho do diabo', diz Santo Tomás. Com efeito, sabemos a região ou país de alguém pela maneira como fala. 'Teu modo de falar te dá a conhecer', como diz a Escritura, Mateus 26:73. Nesse sentido, alguns homens são da família do diabo e são chamados filhos do diabo, uma vez que mentem, sendo o diabo mentiroso e pai
da mentira. O Pai, Mate. Como diz a Escritura, com efeito, ele mentiu quando disse: 'Poxa, exatamente o que eu falei; juro que eu não tinha lido: não morrereis.' Gênesis 3:4. Outros homens são filhos de Deus porque falam a verdade, porque Deus é caridade. Melhor, Deus é caridade, mas Deus é verdade. Então, primeiro, nos torna semelhantes ao demônio; segundo, dissolve os laços de confiança. Não devemos mentir porque, daqui a pouco, não só ninguém confiará em nós, e, em geral, é muito comum que o mentiroso também não confie em ninguém. Isto, do ponto de vista social, é
uma desgraça. Os homens vivem em comunidade, diz Santo Tomás, e isso não seria possível se não dissessem a verdade uns aos outros. Carta aos Efésios 4:25, 'Renunciando à mentira, fale cada um ao seu próximo a verdade, pois somos membros uns dos outros.' Terceiro, pela perda da reputação alheia, né? Não devemos... Vamos mentir? Quem se habitua à mentira, ninguém mais lhe dá crédito, mesmo que diga a verdade. Ele vai citar o livro do Eclesiástico: 'Que coisa será limpa por um imundo? E por um mentiroso, que verdade será dita?' Por fim, em quarto lugar, não se deve
mentir porque a mentira faz perder a alma. O mentiroso mata a própria alma. Livro da Sabedoria, a mente: '1:11, que mente, a boca que mente mata a alma.' Outra citação agora: Salmo 5, 'Perderás todos os que dizes a mentira.' Daí que seja pecado mortal. E Santo Tomás, aqui também, como na Suma, mas aqui de uma maneira diferente, que era uma catequese." Por cometê-lo, é a pior espécie de mentira, e não, ele está sendo exatamente como coxinha, aqui que eu mencionei, que condena a mentira religiosa como a mais grave. Haverá entre vós falsos doutores que introduzirão
seitas de perdição. (Dois Pedro, Carta de Pedro, São Pedro 2:1). Alguns mentem nesses assuntos para parecer que sabem alguma coisa; então, o que ele está nos dizendo aqui é que a vaidade pode levar à mentira. Uma pessoa, para jactar-se, pode acabar mentindo para enaltecer-se. De quem fazeis escárnio? Contra quem abris a boca e deitais a língua de fora? Porventura não sois uns filhos de pecado, uma geração mentirosa? (Isaías 57:4). Outro tipo de mentira é aquela que visa prejudicar o próximo, que é a dolosa, danosa, que eu mencionei: "Não mentais uns aos outros." (Colossenses 3:9). Esses
tipos de mentiras são sempre pecado mortal; porém, às vezes a pessoa pode mentir apenas para se beneficiar. Foi a mentira que eu classifiquei aqui de acordo com o critério da soma: em oficiosa, e por diversas razões, às vezes se faz até por humildade. Isso ocorre muito nas confissões. Sobre isso, diz Agostinho: “Assim como o penitente não deve calar o que fez, tampouco deve confessar o que não fez." Então, ele está falando das consciências tão delicadas que omitem a virtude e acabam não dizendo a verdade inteira por uma espécie de pudor. Aí tudo bem, não será
pecado, até porque a intenção é reta. Mas não será um pecado grave, porque o tribunal da penitência é gravíssimo. Uma coisa é esquecermos dos nossos pecados; outra coisa é acharmos que Deus é qualquer um para quem estamos despejando os nossos conceitos confusos. Porventura, necessita Deus das vossas mentiras? (Livro de Jó 13:7). E volta à outra citação do Eclesiástico: “A quem se humilha maldosamente, mas o seu coração está cheio de dolo.” (Livro do Eclesiástico 19). Olha, até na auto-humilhação pode haver mentira por vaidade. Então, por aí vamos vendo que julgar os atos humanos não é um
julgamento de algoritmo, né? O sujeito passou, o pardal piscou, e eu fui mandado, né? No trânsito, às vezes se faz por vergonha de se corrigir. Por exemplo, quando alguém diz uma mentira pensando dizer a verdade e, quando se dá conta, tem vergonha de se retratar, né? E ele cita o Eclesiástico: “Não contradigas de modo alguma a palavra da verdade, mas confunde-te da mentira em que tenhas caído por ignorância.” Então, às vezes, nós... por isso, quem muito fala corre o risco de mentir até sem querer. É bom sempre termos o cuidado com o nosso próprio discurso.
Às vezes se faz por alguma utilidade, para alcançar algum bem ou fugir a um incômodo. Fizemos da mentira um abrigo e da fraude um refúgio (Isaías 28:15). Quem se dedica à mentira apenta ventos. Olha que maravilha: a mentira é vão, né? Uma das maneiras em que uma coisa pode ser dita é quando não cumpre a finalidade a que se destina. Os esforços de um médico que estava numa cirurgia tentando salvar um paciente foram vãos, se ele não conseguiu salvar. Ora, quando não dizemos a verdade, a nossa vida é vã porque não cumprimos o fim que
Deus quer para nós. Às vezes se faz para procurar o bem temporal do próximo, para livrá-lo da morte, do perigo ou do dano, mas também isto deve ser evitado, como adverte Santo Agostinho. Demanda-se, né? Ele cita aqui: “Não faça acepções de pessoas com prejuízo teu, nem minas à custa da tua alma.” Santo Agostinho, no livro “Contra a Mentira”, diz que não devemos mentir nem para salvar a vida de alguém, nem para evitar que alguém vá para o inferno. Olha que coisa grave! É muito grave o compromisso com a verdade. E nós somos defraudadores da verdade.
Se nós tivermos a consciência disso, teremos dado um passo para, pelo menos, um autoexame melhor, porque muitas vezes é por fraqueza que não dizemos a verdade. Já outros mentem por diversão. É a mentira jocosa. Tudo isso aqui no comentário dos 10 mandamentos, e devemos tomar cuidado com esse hábito para que não nos conduza ao pecado mortal. Vai citar o livro da Sabedoria: “A fascinação do vício escurece o bem na mente.” Então, é claro que ter bom humor, distorcer certas coisas com o intuito de estar num ambiente agradável, as pessoas sorrirem, é a virtude da eutrapelia,
que é o saber jogar, saber brincar, uma virtude que sempre foi querida pelos grandes filósofos morais e pelos teólogos. De qualquer maneira, o que Santo Tomás nos adverte aqui é que, no caso dessa expressão de algo que não é verdadeiro, com o intuito de fazer rir, o risco é a pessoa descambar no escárnio, na galhofa. Eu tenho um amigo que já faleceu, né? Que às vezes era um senhor, e nos ambientes, assim, quando as pessoas estavam reunidas, ele sempre à mesa, na cabeceira, né? E as brincadeiras ultrapassavam certo padrão. Ele sempre repetia a frase: “Cuidado
para não cairmos no terreno perigoso da galhofa.” E então, assim, a sobriedade é um compromisso moral, e a veracidade é um compromisso moral ainda mais grave. Agora, é claro, podemos brincar, até devemos brincar, porque uma vida sem o lúdico é uma tragédia. Mas, pela aqui, pelo que eu já expus, vou encerrar citando Santo Agostinho, lendo um trechinho desses dois livros. Nós temos uma ideia do quão importante é, temos o hábito da verdade. O que está em jogo aqui não são ditos verdadeiros isolados; é ter o hábito da verdade, a virtude da veracidade, que é um
hábito, ou seja, ele está ali numa espécie de cume entre vários excessos e várias faltas. Então, é isso que... Uma pessoa que vai tentar falar sobre isto, um tema tão grave, ela deve ter em mente o que disseram todos os grandes pensadores do passado. Agora, vou achar aqui; eu marquei, mas o demônio deve ter desmarcado. Estou aqui com um dos volumes; eu tenho a coleção completa de Santo Agostinho da antiga biblioteca de autores cristãos. Este aqui é o volume 12. Para vocês terem ideia, como ele já está velhinho, vou só dar uma olhada na data
dele aqui. Vamos ver a data do bichinho, né? É 1949, né? Ou seja, já é um senhor de provecta idade, né? Pelo menos em termos de papel, porque o papel já está amarelecido. Vou ler só um trechinho. Já que eu perdi a marcação, mas eu tenho na minha cabeça o capítulo terceiro da primeira parte do livro, que é uma investigação sobre a natureza da mentira. Está aqui no texto latino; isso aqui é edição bilíngue. A definição que é a mentira: para isto, temos que saber o que é a mentira. Para isso, ele está se referindo
ao que disse anteriormente. Não, não todos que dizem uma coisa falsa mentem exatamente. O que eu mencionei aqui, "piririm pororom", é que algumas frases são exatamente do meu artigo. Quem expressa o que crê ou opina interiormente, aquilo em que crê ou opina interiormente, embora seja isto um erro, não mente. Crê que é assim o que enuncia e, levado por essa crença, o expressa, assim como sente. No entanto, não estará imune de falta, embora não minta. Se o que crê não é o que devia crer, então, assim como alguém que bebe inadvertidamente uma bebida que tem
uma droga sem saber, vai sofrer os efeitos da droga; não terá culpa em ter bebido. Assim também quem diz uma coisa falsa sem saber não está imune de falta por completo, porque cedo ou tarde a verdade cobra o seu preço. Por conseguinte, dirá mentira quem, tendo uma coisa na mente, expressa outra distinta com palavras ou signos quaisquer. Por isso se diz que o mentiroso tem o coração duplo; quer dizer, duplo pensamento. E um, porque o que sabe e opina é contrário àquilo que diz. Pode-se dizer um erro sem mentir; porém, não é disso que estamos
tratando aqui. Então Agostinho, assim claro que Aristóteles e outros pensadores, isso é um tema tão universal que não esperamos que um filósofo o aborde para que entendamos a gravidade dele. Mas o que ele diz aqui foi o primeiro a fazer de uma maneira mais criteriosa, porque ele escreveu um livro sobre a mentira. É claro que há livros, até Aristóteles mesmo em seus analíticos, ele fala da argumentação sofística que se baseia em mentiras ou enganos. Mas aqui estamos falando de algo no plano moral, e não no plano lógico. Uma coisa é alguém raciocinar sofisticadamente; até porque
não consegue concatenar as ideias de maneira devida, outra coisa é alguém torcer a verdade de uma maneira canhestra. E agora, para encerrarmos, eu vou citar o livro "Contra a Mentira", que foi escrito 25 anos depois. Agostinho já tem uma conversão e começa a produzir um monte de tratados importantes, mas conforme vai caminhando para o final da vida, ele vai escrevendo coisas com maior profundidade. E ao final, ele escreve uma obra chamada "Retratações", em que ele faz o balanço de vários livros. Por exemplo, quando ele se refere ao livro sobre a mentira, ele diz que aquilo
era uma investigação e, portanto, caberia que se fizesse uma correção aqui e ali. No "Contra a Mentira", ele já diz que o manteria incólume. E eu vou só para o capítulo final, que acho que é o capítulo 21, só para encerrar com o que ele diz. Aqui, ó, capítulo 20 do "Contra a Mentira": não se pode mentir nem sequer para salvar o homem do castigo eterno. E Santo Agostinho, e eu não vou me perder aqui na leitura, senão daqui a pouco isso aqui descamba. Indico, assim, quem puder, compre. Já está traduzido, já tem tradução para
o português dessas duas obras, e Santo Agostinho é um retórico extraordinário. As frases, a maneira de dizer, "piririm pororom". Conclusão e recapitulação geral: o tradutor aqui, nessa altura, os tradutores presumiam que o leitor culto sabia latim. Então, eles não tinham uma preocupação de uma tradução tão técnica, hoje em dia, no caso do português, como a maioria está babando na gravata até para compor uma frase com sujeito, verbo e predicado na própria língua. Impõe-se uma tradução mais rigorosa e, às vezes, infelizmente para nós, já que o tradutor tem que conhecer não apenas a língua que traduz,
mas aquela para a qual traduz. Muitas vezes, as traduções de Santo Tomás de Agostinho, letras tão ruins ou mesmo de autores do inglês ou do francês, porque o cara não sabe português, ele não consegue encontrar correspondentes na própria língua do que se diz na outra e acha que a nossa língua é pobre. Coitado, idiota de estrita observância. Aqui está no texto latino: epílogos e o sujeito PIS, conclusão e recapitulação geral, tudo bem no título. Concluo: ou se evitam as mentiras, obrando retamente, ou é preciso confessá-las, fazendo penitência. E, por desgraça, então olhem só: ou se
evitam, ou se confessam. É óbvio que um ateu, talvez, veja este vídeo, não tem nem a quem confessar, nem a Deus diretamente em oração, muito menos a um sacerdote. O que significa o seguinte: é mais difícil para ele sair desse estado, porque ele não tem uma instância superior a que recorrer. E, por desgraça, já abundam fartamente em nossa vida os mentirosos. Não vamos aumentar esta multidão, ensinando mentiras. E, quando alguém julga que tem que decidir-se por alguma mentira para socorrer a um homem em trânsito de desgraça temporal ou eterna, consigamos ao menos convencê-los de que
o perjúrio ou queix não são coisas de menor importância. Ó, o que está dizendo é que, numa hierarquizada, hoje em dia, nós só damos gravidade a coisas que nos atingem financeiramente, fisicamente, e àquilo que nasce no coração, que, aliás, é onde nascem todos os homicídios, todas as fraudes. Nós tratamos como se fosse coisa de menor importância. Por isso, cada vez mais, a lei civil, como ela se aparta dos valores universais, só julga. Estamos virando a sociedade dos algoritmos, né? Ela não alcança a dimensão inteira da pessoa humana. E o que é uma tragédia? Então, quando
nós estamos falando aqui de mentira e de verdade, isto alcança todo o perímetro da existência humana individual, as fases da vida. O nosso compromisso com a veracidade se dá num percurso da nossa vida. Quem vai construindo uma vida com mentiras acaba inviabilizando, lá na velhice, aquela realidade psicológica que predispõe ao arrependimento. As pessoas costumam obstinar-se por uma vida de engano, de mentira, que fecha a pessoa para os valores profundos, os valores humanos genuínos e, sobretudo, do ponto de vista espiritual, aquilo que em nós é a imagem de Deus, né? E aí ele cita as mulheres
impudicas, né? Que, às vezes, o marido desconfiava que elas o tivessem traído, então, para ter a certeza, eles pediam que elas jurassem por Deus, com a mão na Bíblia. Santo Agostinho, homens inseguros, gantan, né? Até havia um ditado: a paternidade é um fato, a maternidade é um fato; a paternidade é uma presunção. Não havia exame de DNA. E ele diz que isso aí não é o... porque jurar é trazer a Deus por testemunha de um ato. Então, esses maridos, ao fazerem isso, as mulheres geralmente se extraiam. Elas diziam a verdade sobre o juramento. Uma sociedade
que não tem Deus é a sociedade de perjurados, de blasfemadores. Ou seja, a verdade já não cabe em nenhuma instância, né? Piririn poró para acabar, né? Ele vai dizendo os modos de descobrir a verdade, né? Por exemplo, assim como não é lícito descobrir os adúlteros por meio de adultérios, nem os homicidas por meio de homicídios, nem os feiticeiros mediante feitiçaria, tão pouco pode ser descobrir os mentirosos por meio de mentiras e descobrir os blasfemos por meio de blasfemas. Tudo fica amplamente provado ao largo deste escrito, em cuja discussão tanto nos demoramos. Ó, ele próprio está
elogiando a sua obra, né? Que já criei, já mentalizei que não chegava o momento de lhe pôr um fim. Então, assim, a verdade é compromisso absoluto. Agora, digo por mim: sou a pior pessoa disparadamente que eu conheço. Conheço bem. Tantas vezes não consegui dizer a verdade. Todos nós, se somos minimamente honestos, sabemos, ou pelo menos procuramos saber, quando não caminhamos neste trilho de luz e de verdade. É difícil. Há respeitos humanos. Às vezes não temos força para dizer certas verdades, ou porque nos envergonham, ou porque são inconvenientes para terceiros, etc. Mas o simples fato de
termos na mente que se trata de um valor inegociável, pelo menos nos serve de bússola, do Norte. Dá o norte da nossa bússola. Então, olha, aquilo ali é o ideal. Se eu não conseguir, pelo menos eu vou ver que meios eu posso tomar, que medidas eu posso tomar para, pelo menos, minimizar os males acarretados pelas minhas falhas e ter uma vida mais ou menos feliz. Agostinho diz, na outra altura deste livro aqui contra a mentira, que não há felicidade numa vida de mentiras, né? Por mais que possa haver prazeres. Então, encerro aqui o vídeo. Esta
obra eu vou subir lá no curso Assuma Teológica, em Vitrage, que eu cito aqui a parte da suma, porque o tema da mentira é universal. Acho que eu não tinha tratado e neste curso já tem mais de 130 horas gravadas, mas eu vou subir também no YouTube, até para estimular algumas pessoas que me vêm para que participem da plataforma. Contra impin Anes não é meu propósito. Eu não sou coach, eu não sou influenciador digital nem analógico. Eu não estou preocupado em oferecer, vender gato por lebre. Mas digo que sempre será útil nós conhecermos algumas coisinhas
mais com Santo Tomás de Aquino, que é o reitor de toda essa iniciativa pedagógica. Então, meus caros, rezemos uns pelos outros e rezemos para sermos mais verazes nas nossas vidinhas ordinárias. Bom abraço!