Mais uma vez, retorna ao tema da oração e aquilo que o Senhor diz no evangelho. O exemplo disso nos é apresentado na primeira leitura e é uma das chaves para entendermos a importância da perseverança na oração: "pedi, e vos será dado; procurai, e achareis; batei, e a porta vos será aberta". Por que nós devemos pedir?
Veja que, quando Jesus ensina o Pai Nosso, num capítulo anterior ao capítulo sétimo, que é aquele em que nós estamos, ele diz: "não utilize muitas palavras, porque o vosso Pai sabe do que precisais". Me lembro que um teólogo escreveu um livro muito inovador sobre a questão da criação, e um amigo sacerdote leu esse livro e ficou incapaz de fazer uma oração de súplica. Não conseguia mais pedir nada, porque o autor foi invalidando de tal modo a oração de súplica que parecia que a oração de súplica era uma falta de fé em Deus.
Pois, se Deus sabe que eu preciso, para que eu vou pedir? Então, tenho que só agradecer. Só que Jesus diz no evangelho, e foi o que eu disse para ele na época: "pedi e recebereis".
Ou seja, o Senhor nos mandou pedir. E por que o Senhor nos mandou pedir? Por várias razões.
A primeira delas é porque nós somos cristãos, ou seja, nós sabemos que dependemos da graça de Deus. E como é que nós obtemos a graça de Deus? Nós obtemos pela fé.
O exercício da fé é a ação. Um cristão que não reza é um cristão que caiu numa heresia chamada pelagianismo, ou seja, ele acha que tudo depende do seu esforço humano, e não é assim. Nós dependemos inteiramente da graça de Deus.
Dou um testemunho a vocês, muito recente. Eu estava com muita dificuldade para fazer dieta, muita, muita mesmo—um desânimo, uma falta de coragem moral. Não era uma coisa simplesmente fácil de se resolver.
Então, nos dias antes da Quaresma, eu fiquei pedindo: "Deus, me faça fazer, Jesus, por favor, me consegue essa graça. Eu preciso fazer, eu não consigo por mim mesmo, me ajuda". Quando foi na Quarta-feira de Cinzas, de manhã, conversando com um amigo, algo mudou aqui dentro e aí eu comecei.
E estou tranquilamente, pelo menos até agora, peço que, pela graça de Deus, eu continue. Mas vejam: se a gente não pede, a gente não recebe. Inclusive, nós temos que pedir para orar, ainda que isso seja um pouco redundante e que pareça estranho rezar para rezar.
Mas é isso: quantos impedimentos nós temos na vida para rezar! Quando você se decide a fazer um tempo de oração, o inferno inteiro se levanta. É gente que liga, é gente que grita, é acidente na frente de casa, é criança que cai, que se rala, é desgraça que acontece na televisão.
É um negócio inacreditável! Se você não pedir a Deus: "Senhor, me dá o dom da oração, me concede a graça de rezar", você não vai rezar, porque rezar é uma luta. Para você ter vida de oração, você vai ter que lutar contra aquela tentação de adiar: "Ah, depois eu rezo.
Depois, não, não, agora tenho que ver uma coisa, chamar outro aqui. . .
Outro não, esse terço vai ficar a hora da noite; esse terço ainda não saiu". Aí vai a pessoa rezar o terço às 11 horas da noite, morta de cansaço, né? E é horrível, porque a pessoa começa a rezar o terço e aí vai dormindo, e aquele terço não termina nunca, e fica aquela agonia: "Uau, eu preciso rezar para rezar!
". Deus me ajuda a rezar já logo cedo, na hora que eu me acordo: "Senhor, te ofereço meu dia, me ajuda a cumprir as minhas práticas de oração. Eu não vou conseguir por mim mesmo, eu sei que eu não consigo por mim mesmo; eu dependo inteiramente da tua graça, da obra de Jesus no Calvário".
Quem não faz isso não consegue ser fiel à sua vida de oração. Nós precisamos perseverar na oração, porque muitas coisas demandam da parte de Deus persistência. Por que o Senhor não dá as coisas de uma maneira fácil?
Não é assim: você faz uma oração e pronto, recebeu. Porque, de fato, a nossa dependência dele tem que ser total. Então, a oração não funciona como as coisas humanas.
As coisas humanas são assim: então você quer uma comida agora, você manda um iFood, pede um iFood, ele vem e traz em pequenos instantes. Em meia hora, você está comendo. Deus não é assim que funciona!
Você semeia, aí vai cultivando na oração e vai. . .
aquilo demora. E aquilo demora! Às vezes não vem.
Aí você começa a pensar: "Mas o que está acontecendo? O que está errado comigo? Ah, eu estou com ressentimento".
Aí você começa a perdoar aquela pessoa. Você percebe que o seu ressentimento está atrapalhando você a receber a graça. Você percebe que tem um pecado atrapalhando você a receber a graça e que tem uma murmuração impedindo você de receber a graça.
A oração vai te transformando. Se você sabe orar, se você ora em confronto com a palavra de Deus, você vai mudando aqui por dentro. Deus vai te limpando até o momento em que você está pronto.
Muitas coisas são assim: você reza, reza, reza, reza, e aí chega uma hora que você esquece. Você não sabe como, mas você não se lembra mais daquilo e, depois de um tempo, a coisa se materializa, acontece. Você olha para trás e diz: "Nossa, isso aqui foi porque eu rezei lá atrás".
A oração funciona assim, porque a oração é um exercício da fé. É como você ir fazendo uma nuvem. .
. vai fazendo uma nuvem, uma nuvem, uma nuvem, uma nuvem. Quando a graça vai chover, fica tudo escuro, começa a trovejar, você fica com medo e acha que não vai acontecer.
E é justamente o que está para acontecer. A oração é assim: ela demanda tempo. Nós temos que, muitas vezes, orar por uma situação durante muitos anos.
A gente olha na história o que acontece: quanta coisa ruim precisa acontecer para que uma coisa imensamente boa aconteça! Se vocês pararem para pensar, vocês vão entender quando algo grande acontece. Olha a historia daquilo: é feita de humilhação, é feita de desafio, de perseguição, de contradição.
É tremendo! Nós precisamos perseverar na oração, porque sem isso nós não vamos crescer espiritualmente. Então, por que as pessoas não conseguem perseverar na oração?
Porque, na medida em que você vai, é como se resistências fossem quebrando na sua alma. Veja, quando você se converte, Deus te dá uma graça de entusiasmo que é maravilhosa; parece que Cristo vai aparecer na sua frente. Você sente o céu na terra, aí de repente, do nada, Deus tira a consolação.
Aí você vai ter que lutar contra os seus pecados, vai ter que enfrentar os seus defeitos. Não vai ter vontade de orar, vai ter que orar; não vai ter vontade de ler as Escrituras, vai ter que ler; não vai ter vontade de rezar o terço, vai ter que rezar. Ou seja, você começa a exercitar a fé.
Só que, mesmo assim, parece que Deus está muito longe. Você tem que perseverar muito até que algo dentro de você comece a germinar: uma palavra, um afeto, uma inspiração. São coisas muito pequenas que começam a mexer em você até que você começa a prestar atenção naquilo.
O nome disso é meditação e, aos poucos, você vai aprendendo a amar. Amar de uma maneira intensa, e esse amor vai ficando mais simples, menos flamejante, como um fogo em labaredas, e mais como uma chama simples de amor que vai subindo até o céu. E aí Jesus começa a se desmanchar; mais uma vez, Ele tira todas as graças de consolação.
Você fica naquele deserto e começa a ter um certo desgosto com as coisas de Deus, e os seus defeitos parecem que se levantam e ficam mais fortes. Aí o seu nível de arrependimento aumenta, porque Deus te faz ter arrependimentos rompantes. E, junto com isso, quando você está completamente desfeito, Ele vem e te pega e te eleva a um novo tipo de vida espiritual, que é totalmente guiado por Ele.
Mas esse processo demanda anos e começa com oração perseverante. E o que significa também? Ele demanda uma transformação interior, porque o que acontece quando você tem uma vida de oração verdadeira?
O resultado dessa vida de oração são virtudes sobrenaturais. Deus te faz mais humilde. Aí você vai descer lá pros abismos da humildade.
Os seus pecados vão ficar claros: você vai percebendo toda a sua ruindade. Aí Deus te dá uma grande misericórdia para com as pessoas. Isso te leva a uma pureza interior tremenda.
Você, que antes tinha tanta sensualidade, começa a ficar cada vez mais inocente, como se a própria inocência do Menino Jesus começasse a perfumar a sua alma. E aí vem uma caridade que é arrebatadora: você é capaz de abraçar um mendigo e dar a comida que você tem para uma pessoa que tem fome como se fosse uma festa. E você obedece e procura alguém que mande em você, porque isso é importante para mim.
Os dois grandes fundamentos da santidade são esses: humildade e obediência. Se você contraria o fulaninho um pouquinho, ele já começa a se defender. Tal não tem humildade, acabou!
Pode rezar o quanto quiser, não está rezando direito. Segundo, obediência: quem é que manda em você? Ninguém?
Sou bicho solto? Então não tem santidade. As virtudes florescendo em nossa alma são sinal de que a vida de oração está alicerçada na graça de Deus.
É Ele que vai produzindo e é Ele que vai realizando em nós. Portanto, entendamos de uma vez por todas nessa Quaresma que a vida de oração exige de nós tudo. Eu tenho que organizar a minha vida para ter uma vida de oração.
Eu tenho que acordar num horário determinado, dormir num horário determinado. Eu tenho que separar tempos para isso. Isso às vezes custa, porque eu tenho que deixar de fazer coisas que eu gosto para ocupar aquilo com oração.
Eu preciso me dedicar à oração. A oração demanda de nós dedicação. Aí o cristão acorda atrasado de manhã, sai correndo, esbaforido pra rua, vai trabalhar o dia inteiro no meio de gente louca, volta para casa cansado, estafado, endemoniado, sei lá o quê.
Chega, vai assistir televisão: demônio, demônio, demônio, demônio na mente. Aí de noite quer rezar e reclama porque não consegue rezar, porque não consegue lutar contra o pecado, porque não consegue ter a sua rotina bem organizada, e Deus distante. Reclama, mas reclama porque ele não começou fazendo a primeira lição de casa, que é: vai rezar e pedir a Deus a graça de rezar.
Vai rezar e pedir a Deus o dom da oração. Aprender a rezar é entrar numa exigência um pouco maior. Veja, o fulaninho que se contenta lá com um terço mal rezado, com o evangelho do dia mal lido, refletido, assim como quem, como se fosse um pardal que vem, come uma semente e sai voando, é natural que ele seja um derrotado, um fracassado espiritual, um desgraçado que passa a vida inteira claudicando na mesma poça de imundície.
É natural, é óbvio, vai ser assim para sempre! Não reza, não tem vida de oração. Ninguém consegue viver a penitência se não rezar, se não pedir a Deus, pedir humildemente a Jesus: "Não consigo acordar cedo, Jesus, me ajuda a acordar cedo, por favor, me dá graça.
" Senhor Jesus, eu sou preguiçoso, me ajuda a mortificar minha preguiça! Eu não consigo por mim mesmo, eu não tenho força para isso! Ajuda-me, ajuda-me, ajuda-me, ajuda!
Bate, bate, bate, bate, bate! De repente, as coisas começam. Sim, que você saiba muito como as coisas começam a mudar.
É assim que funciona. Vamos pedir ao Senhor a graça de sermos um pouco mais persistentes na oração, para que assim a nossa vida seja transformada pelo Poder vivificante da Graça de Deus.