Durante as perseguições romanas aos cristãos, é óbvio que eles não podiam discutir a questão das relações entre o poder temporal (o estado) e o poder espiritual (a igreja). Apenas, no entanto, Constantino deu liberdade à igreja, e, sobretudo, depois que Teodósio cristianizou efetivamente o Império Romano, começaram os Papas e os teólogos, como Santo Ambrósio e, depois, sobretudo, Santo Agostinho, a teorizar sobre tais relações. A coisa se foi acumulando, acumulando, e, no âmbito da Idade Média, onde se alcançou o que de melhor houve na história humana quanto a estas relações entre o poder temporal e o poder espiritual, os Papas insistiram cada vez mais na chamada doutrina das duas espadas ou dois gládios.
É a mesma doutrina de Cristo Rei; são vários os nomes que ela tem: doutrina de Cristo Rei, a doutrina dos dois gládios ou duas espadas, a doutrina tomista da ordenação essencial do poder temporal ao espiritual. No entanto, no século XI, a economia voltou a circular, riqueza surgiu e uma nova classe social, a burguesia, não se mostrou disposta a tolerar as normas da igreja para a economia, a saber, a proibição da usura e a imposição do chamado preço justo. Ao lado desta revolta da burguesia contra a igreja, revoltam-se também os reis, que também estavam enriquecendo e começavam a tornar-se reis absolutistas, de modo que a aliança entre burguesia e reis se consolida, em particular, no século X.
E no século X mesmo o magistério da igreja, através do Papa Bonifácio VI, emite um documento, a bula Unam Sanctam, em que adota, de modo extraordinário e infalível, a doutrina das duas espadas. Não se fez tardar a reação dos reis; da burguesia, Filipe, o Belo, rei de França, manda prender a Bonifácio VI, que morre em consequência desta prisão, não na prisão, mas em consequência dela, sem dúvida. Depois, passa a ser um dos mais caluniados papas de todos os tempos, ele que foi um dos maiores de todos os tempos e caluniado no âmbito da própria igreja, entre católicos.
Mas o fato é que o magistério da igreja ainda voltaria a insistir, no século XIV, com o Papa João XXII, o mesmo que canonizou Santo Tomás. Voltaria a insistir nesta doutrina, na doutrina da ordenação essencial do poder temporal ao poder espiritual, mas foi o último. Diante da ofensiva crescente dos reis absolutistas e da burguesia, o magistério da igreja deixou de falar nesta doutrina.
Não a contrariou, claro, até porque é doutrina extraordinária e infalível; mas deixou de falar. A revolta da burguesia foi mais longe que a dos reis absolutistas e, cansada, a burguesia desse aliado, os reis absolutistas, promove a Revolução Francesa. A igreja aumentará ainda mais, no meio deste mesmo cerco, na Encíclica Immortale Leo I.
Voltará, depois de séculos, a falar da doutrina que tinha sido calada. Diz ele, na Immortale: "o estado se ordena à igreja como o corpo à alma no composto humano". Não fazia senão repetir Santo Tomás.
Além disso, ele instituiu o Cardeal Pio de Potier. Este Cardeal, Pio de Potier, depois de derivas entre os teólogos, que acabaram aderindo à doutrina ruim de Francisco Soares contra a política, o Cardeal Pio de Potier volta com toda a força a defendê-la. É o defensor, por excelência, da realeza social de Cristo.
Era um cardeal de Leão XIII. Mais que isso, houve um homem que seria imensamente influenciado por ele quanto a isto mesmo, quanto à doutrina da realeza social de Cristo. E este homem é ninguém menos que o futuro São Pio X, cujo lema é "Instaurar ou Restaurar tudo em Cristo", que é um lema da doutrina da realeza social de Cristo e é caudatário do pensamento do Cardeal Pio de Potier.
Depois, Pio XI escreverá aquela que é a Carta Magna da cristandade, curiosamente quando já não havia cristandade: a Encíclica Pascendi, também ela devedora e caudatária do pensamento do Cardeal Pio. Então, contra moinhos e ventos, defendeu no século XX, em meio ao cerco imposto à igreja pela revolução, esta doutrina de sempre. Eu tive a sorte de cair sobre meus olhos, na década de 2000; eu nem morava no Brasil, morava no Uruguai.
Então, as obras completas caíram, diante dos meus olhos, em três grossos volumes do Cardeal Pio. Não são exatamente livros; são discursos, sermões, etc. Todos, no entanto, fabulosos.
Pude ler com avidez estes três grossos volumes em francês do Cardeal Pio de Potier. Desde então, assimilei a doutrina da realeza social de Cristo, antes até que o Padre Álvaro Caldeira voltasse com esta doutrina, num grau de aprofundamento até então inaudito. Ele volta a Santo Tomás e ainda o aprofunda, mas antes disto mesmo, alguns anos antes, cinco anos antes, creio, eu já havia assimilado do Cardeal Pio esta doutrina que me marcou profundamente.
É uma lástima que, até hoje, nenhuma editora tenha se lançado a publicar as obras completas do Cardeal Pio. É uma pena, uma lástima, porque poucos brasileiros hoje em dia leem francês. Mas há um site, Verbo Fideles, que é de Leonildo Júnior, um católico que, à par da tradução de numerosos outros textos, começou a traduzir textos do Cardeal Pio.
Então, eu deixo aqui o endereço: quem se interessar, visite o site Verbo Fideles de Leonildo Júnior, que traz já alguns textos magníficos do Cardeal Pio, além de outros. Mas relembrar, hoje, o Cardeal Pio de Potier é insistir num ponto fulcral, central de sua doutrina: a saber, católicos não se deixem engabelar, não se deixem seduzir pelo canto da sereia de nenhuma forma de liberalismo, seja liberalismo radical, seja liberalismo conservador, seja o que for; nem muito menos, claro, não se deixem seduzir, enfeitiçar pelo canto de sereia da esquerda. Nem esquerda, nem direita, nem comunismo, nem liberalismo.
Recomendo-lhes, aliás, a leitura de um documento de Pio XII chamado "Mente Nostre, Mentees Nostre", onde ele condena por igual o sistema capitalista e o sistema comunista. Atenção: não é uma condenação da relação salário, de assalariamento, de capital e trabalho. Não, não é isto.
O sistema capitalista, com tudo quanto ele implica, isto sim. E ali ele exorta os católicos a seguir a doutrina social da Igreja. E o que é a doutrina social da Igreja senão reflexão, no âmbito do econômico-social, da teoria política do próprio magistério quanto à Realeza social de Cristo, relembrada tão magnificamente pelo Cardeal Pidpa no século X?
Então, este é o recado principal que nos vem de quase dois séculos. Não se deixem, católicos, enfeitiçar, seduzir por nenhum canto de sereia. Ah, mas os tempos são difíceis, a Igreja já não tem influência política, né?
Hoje é preciso aliar-se a certas correntes liberal-conservadoras para isto ou aquilo, para evitar o comunismo e isto e aquilo. É o canto da sereia. Vejam, é claro que, numa eleição, vota-se no mal menor, embora depois tomemos uma cartela inteira de anti-enjoativo, de algum remédio para evitar náuseas e vômitos.
Mas vota-se. Mas uma coisa é votar, outra é apoiar. E o Cialp tem um discurso que parece feito para os católicos de hoje.
Eu lerei e terminarei aqui este vídeo com esta leitura. Pois bem, diz ele em um de seus mais brilhantes discursos: "Lutemos com esperança contra a Esperança mesma", pois quero falar a esses cristãos pusilânimes, a esses cristãos que se fazem escravos da popularidade, adoradores do sucesso, e que são desconcertados pelo menor progresso do mal. Ah, está próxima ou está distante, ninguém o sabe.
Mas o certo é que, à medida que o mundo se aproxime de seu termo, de seu fim, os maus e os sedutores terão cada vez mais vantagem. Já quase não se encontrará a fé sobre a face da terra, ou seja, ela terá desaparecido quase completamente de todas as instituições terrestres. Não é o que nós, os próprios crentes, mal ousamos fazer uma profissão pública e social de nossas crenças?
A cisão, a separação, o divórcio das sociedades com Deus, o que é dado por São Paulo como sinal precursor do fim, vai se consumando dia após dia. A Igreja, sociedade sem dúvida sempre visível, será cada vez mais reduzida a proporções simplesmente individuais e domésticas. Ela que dizia em seus começos: "O lugar me é estreito, abre-me um espaço em que eu possa habitar", ela se verá disputar o terreno palmo a palmo.
Ela será cercada, encerrada por todos os lados, tanto quanto os séculos a tinham feito grande; tanto se aplicarão, muito agora, a restringi-la. Enfim, haverá para a Igreja da terra uma como verdadeira derrota e será dado à besta do Apocalipse mover guerra contra os santos e vencê-los. A insolência do mal atingirá o ápice.
Ora, nesse extremo das coisas, nesse estado desesperado, neste globo entregue ao triunfo do mal e que logo será invadido pelas chamas, no fim dos tempos, o que deverão fazer todos os verdadeiros cristãos? Todos os bons, todos os santos, todos os homens de fé e de coragem, aferrando-se a uma impossibilidade mais palpável que nunca, eles dirão com energia redobrada, e tanto pelo ardor de suas preces como pela atividade de suas obras e pela intrepidez de suas lutas: "Ó Deus Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o vosso nome, assim na terra como no céu. Venha a nós o vosso reino, assim na terra como no céu.
Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. " Eles, os cristãos, os verdadeiros, murmuraram ainda estas palavras e a terra tremerá sob seus pés. E assim como outrora, em seguida a um todo desastre, se viu todo o Senado de Roma e todas as ordens do Estado ir ao encontro do CSUL vencido e felicitá-lo por não se ter desesperado da República, assim também o Senado dos céus, todos os coros dos anjos, todas as ordens dos bem-aventurados virão ter com generosos atletas que tiverem sustentado o combate até o fim, esperando contra a esperança mesma, em latim: "Contra spem, in spem".
E então, este ideal impossível que todos os eleitos de todos os séculos tinham obstinadamente perseguido se tornará enfim realidade. Neste segundo e derradeiro advento, o Filho entregará o Reino deste mundo a Deus, seu Pai, e o poder do Mal terá sido evacuado para sempre, para o fundo dos abismos. Todo aquele que não tiver querido assimilar-se, incorporar-se a Deus por Jesus Cristo, pela fé, pelo amor, pela observância da Lei, será relegado à cloaca das imundícies eternas.
E Deus viverá e reinará plenamente e eternamente, não apenas na unidade de sua natureza e na sociedade das três pessoas divinas, mas na plenitude do corpo Místico de seu Filho encarnado e na consumação dos Santos. Muito obrigado pela atenção e até nosso próximo vídeo.