[Música] Olá, tudo bem? Sejam todos bem-vindos! Eu sou Bruna Torlai, professora de filosofia, e queria aproveitar a oportunidade, o ensejo causado pelo sucesso estrondoso do último filme do Walter Salles, chamado "Ainda Estou Aqui".
A reação, um pouco previsível e, bom, quase sempre boba e inconsistente de grande parte da nova direita ao filme, e mesmo a premiação da Fernanda Torres, e também o fato de que hoje é dia 8 de janeiro, né, e faz dois anos que aquelas pessoas se envolveram em atos ligados a uma mentalidade revolucionária liderada por figurões do Exército Brasileiro, né? Uma ala do exército brasileiro, não dá pra gente colocar a instituição como um todo, mas conforme as informações do inquérito, os áudios que a gente tem ouvido, que pelo menos o que tá vazando pra imprensa, é muito. .
. você precisa fazer muito jogo de cena pra não reconhecer que havia, sim, pessoas tentando manipular um cenário e manipular um bando de coitados que foram, boa parte dos quais foram presos no 8 de janeiro, para gerar algum tipo de clima de falsa impressão de "calmaria social" que justificasse um ato, enfim, um ato revolucionário. É muito curioso, porque a gente precisa falar de humanização e desumanização da oposição.
Então, eu vou aproveitar o filme. A história do filme não é para ser motivo de chacota, é um assunto para ser levado a sério. É a história de uma família que é destruída pelo Estado, então a gente tem que conseguir falar de forma humana de um assunto quando ele é profundamente humano, né?
E não é preciso ser muito inteligente pra perceber que o objetivo do filme não é, assim, não é dizer "ai, se torne comunista". Não! É simplesmente mostrar a dor e o desencanto de uma família que, por uma série de razões, é tratada de forma violenta pelo próprio Estado.
É curioso, porque a história dos familiares do 8 de janeiro é muito parecida, e eu não consigo ver por parte da esquerda, que tá feliz com o filme "Ainda Estou Aqui" e o prêmio da Fernanda Torres, que recebeu a ligação do Lula, etc. , eu não consigo ver uma humanidade por parte dessas pessoas, mesmo que eles tenham passado tudo que passaram nos anos 70. Quer dizer, os caras apanharam, perderam familiares, foram desonrados.
Sabe, a nova direita me dá vergonha, porque ela não se digna a ler a entrevista do Marcelo Rubens Paiva e dos irmãos quanto ao que eles passaram naquele momento, em especial a menina que foi levada junto com a mãe pro DOI-Codi, né? Aquilo foi muito humilhante e muito abusivo, né? Os militares tinham uma maneira abusiva de lidar com os seus adversários políticos.
O que eles fizeram com Rubens Paiva foi falar: "Pô, esse cara é um articulador, pai do Marcelo Rubens Paiva. Esse cara é um articulador importante, já tinha sido deputado, era um agente político importante pra esquerda. " Falaram: "Esse aqui a gente tem que eliminar.
" Claramente! Não é preciso ser muito gênio pra perceber que eles viram ali um agente político importante e quiseram eliminar pra facilitar o serviço. Pelo menos é a impressão que a história deixa, né?
Não a história do "Ainda Estou Aqui", mas a história do Brasil recente. Por quê? Porque é assim que os braços políticos têm agido uns com os outros, né?
Então se desumaniza, e aí você mata como animal, né? Que é um pouco a história da política no século XX. E eu fico pensando: pô, o pessoal esquerdista que tá feliz com a volta triunfal da esquerda depois do governo Bolsonaro, que teve vários problemas e perdeu.
. . aquele foi eleito em 2018 pra trazer, certo, respiro.
Aí Bolsonaro tem uma atitude muito fraca enquanto líder político. Ele não consegue ser um líder à altura do que esperavam dele. Não consegue, essa é a verdade, né?
Tanto que a sua atitude hoje de ficar colado na barra do PL. . .
Essa é aquela história, né? Hoje ele vive da esmola dos seus inimigos, né, como Olavo de Carvalho havia previsto. Não era muito previsto no primeiro ano, né, porque leu coisa séria, tem estrada, viu o que aconteceu nos anos 70, né?
Viveu. Você sabe como é a política no Brasil, né? Então, e aí a esquerda, obviamente, conseguiu sua volta triunfal com Lula, etc.
, né? Mas mesmo eles tendo passado todos os horrores que passaram nos anos 70, eu tô falando dos familiares das pessoas que tinham atividades revolucionárias, ah, então vistas entendidas pela lei, pela ordem vigente, como subversivas. Essas pessoas tiveram familiares humilhados e mortos.
Quer dizer, muitos dos que fizeram o serviço sujo ali pro governo militar não davam nem a chance de a pessoa ficar na cadeia esperando o regime acabar. Não deram essa chance pro Rubens Paiva de dizer: "Ah, tudo bem, se você se envolveu com atividades subversivas, você vai ficar aqui na cadeia". Não!
É porque ele poderia ter esperado o regime terminar e retomar a sua vida, né? A família não precisava ter passado pelo trauma que passou. Aquilo foi injusto, foi errado.
É por isso que o filme comove as pessoas que assistem, porque é o problema humano que interessa, né? E eu não vou aqui entrar nessas discussões idiotas, né, da direita, nem no triunfalismo da esquerda, menos ainda. Porque veja, o Walter Salles é um bom diretor, ele tem filmes bons, é um quinto diretor mais rico do mundo, né?
Tem a grana necessária pra fazer o melhor filme possível, e cinema precisa de grana. Mas ele sabe. .
. Também tem uma certa sensibilidade, e a Fernanda Torres é uma excelente atriz. Então, assim, não é para espantar que o filme comova, né?
Agora, tem pessoas suficientemente capazes para fazer um filme bom nesse aspecto. Mas o que importa dizer é que, cara, é o drama humano que está ali, o que está comovendo as pessoas ao redor do mundo. Não é porque é panfleto político, não é porque "ah, vamos fazer uma ode ao esquerdismo", não, não é isso.
Eu acho que o pessoal que é progressista, eu acho que eles estão errados de A até Z, eles estão errados em todo o ideário político deles; eu considero tudo errado. Mas, cara, humanamente, pensa: o que é humanamente? Um belo dia, seu pai é levado de casa, nunca mais volta.
Você vê sua mãe comprar uma cama de viúva quando vocês mudam de cidade; depois, fazer Direito e se tornar uma ativista, porque o que restou a ela foi exigir do Estado, pelo menos, que ele admitisse o que fez, que foi matar injustamente seu marido. Por que matar injustamente? Porque ele estava em atividades subversivas.
Está bom que ficasse preso se fosse o caso, mas não foi isso que fizeram. Foi uma coação e outra, levar ela para depor, ficar 12 horas fazendo o que fizeram com uma das filhas. Leiam, procurem saber o que foi feito; é desonroso.
Os militares hoje não se envolvem. Tem um escalão mais baixo que ainda quer se meter a besta, né, mais revolucionário, mas tem um alto escalão que procura não se meter, porque reconhece que o que foi feito nos anos 70 foi brutal. O Estado brutalizou a população; foi isso que aconteceu.
Eu tive professores de esquerda que chegaram a ser presos, muitos jovens na ditadura, e eram pessoas boas. Ah, mas esquerdista não é bom? Você está errado, cara!
Não desumaniza! Você está querendo saber mais que Deus. Veja só: nós, enquanto seres humanos, temos uma dignidade humana.
Porque você está certo ou errado no seu ideário político, isso te torna menos humano? Ô meu Deus do céu! Que ponto a gente está chegando?
Então, eu me lembro muito de um professor meu dizendo que, quando ele foi preso, viu um amigo seu ser espancado no DOPS, um cara que nunca tinha apanhado do pai em casa, e era um estudante, entendeu? Nem como pessoa do Rio de Janeiro. Muita gente foi igual a tonto naquela leva; meus pais contam.
Minha mãe e minhas tias contam, sobretudo a minha mãe e minha tia mais velha. Sempre contam a gente. Elas dizem o seguinte: "Nós achávamos uma bobagem aquela história de luta armada.
" Elas viveram esse período; a gente achava uma bobagem. Ah, mas tinha um pessoal que ia na bobagem, ia na loucura. Tipo, cara, minha mãe e minha tia, elas eram.
. . gostavam de rock and roll, gostavam de música e tal, e roupas dos anos 70 e Beatles.
Era o lado mais novo, e achavam uma bobagem esse negócio de comunismo e luta armada, etc. Mas elas diziam claramente: "Ah, o pessoal ia meio na ingenuidade, não tinha ideia do que estavam fazendo. " Então, imagina as pessoas indo na ingenuidade, achando que estavam fazendo uma grande coisa pro país e apanhand.
. . do Estado daquela forma.
E muitos, inclusive, perdendo parentes, gente desaparecendo. Então, foi uma coisa de Estado brutalizando a população. Os métodos dos militares provocaram um trauma, tá?
E aí a gente observa que, mesmo assim, com todo esforço, com o negócio da Anistia, finalmente as forças armadas reconheceram que erraram, erraram duas vezes, né? Primeiro, por não terem ficado dois anos no poder; terem ficado 20 foi um erro. E segundo, erraram por terem partido pro extermínio do adversário, pra desumanização do adversário.
E é curioso que essas pessoas que passaram por tudo isso, inclusive Marcelo Rubens, eu me impressiono, tá? Essas pessoas. .
. ah, não tenho compaixão dos presos do 8 de janeiro, não tenho compaixão. Ah, mas você tem que prender; prender, pelo menos, é democrático.
É. Mas vocês já viram as penas, o tipo de condenados? Porque eu vou falar uma coisa de verdade pra vocês: o pessoal que articulou o 8 de janeiro, eu quero que todos passem pela cadeia mesmo.
Todos eles deveriam ir; a CID e a turma toda deviam amargar. Os caras que criaram aquilo, criaram aquela psicose coletiva, devem responder mesmo, devem responder. Porque, ah, foi artificial aquilo, entendeu?
Foi totalmente artificial. Mas o pessoal que foi levado, arrastado como trouxa, como trouxas, e que estão pagando pelo pessoal que articulou aquilo, sendo que eles mal entendiam o que estavam fazendo. .
. Vocês vão desumanizar essas pessoas depois de tudo que vocês, as famílias de vocês, passaram nos anos 70? Depois de tudo que vocês viveram nos anos 80?
Ah, depois do quanto que vocês esperaram para poder exprimir os ideais progressistas, socialistas, comunistas, o que for de vocês, tranquilamente em partidos, poderem votar? Depois de tudo isso, vocês não conseguem agir de forma humana com o pessoal do 8 de janeiro? Olha, eu vou falar pra vocês assim: eu acho que até o.
. . eu gosto de cinema, né?
Até o trailer do filme comove. Você vê ali os poucos flashes da Fernanda Torres, você fala: "Nossa, caramba! Pô, eles conseguiram tratar com humanidade o drama que o pessoal comunista viveu mesmo nos anos 70".
Que negócio bonito! Eu pensei: "Pô, que negócio bonito trataram com humanidade. " E olha que o Marcelo Rubens, eu acho ele chato como escritor, mas.
. . Acho ele chato.
Tem gente que gosta, eu, como eu leio coisas muito, muito boas, eu tenho um grau de exigência mais alto, né? Eu tenho um grau de exigência mais alto, então eu acho que ele é um escritor menor, tem uma pegada de jornalista, tá? Não é por ser de esquerda, é porque é um jornalista.
Mas o filme, a atitude do filme é muito legal, sim, porque você trata do problema humano, entendeu? Aí é panfletário. Pô, será?
É o problema humano. Faz o seguinte: você que é de direita e não está conseguindo enxergar a coisa como ela pode ser enxergada, pensa no pessoal, nas famílias do pessoal do 8 de janeiro, nas crianças que não têm a mãe em casa, cara, as crianças que estão em casa e não sabem por que a mãe está presa ou não entendem muito bem por que ela vai ter que ficar presa tanto tempo e perder toda a sua vida por ter sido feita de trouxa numa operação psicológica, entendeu? Pensa, porque foi isso que esse pessoal de esquerda viveu nos anos 70, sabe?
As famílias, os filhos, as viúvas. Foi difícil, pô. E eu acho que a nova direita tem um erro, um erro que me faz me afastar dela cada vez mais, não por razões políticas, porque eu sou claramente conservadora politicamente.
Estado comal, que é centralizador, errado. A maneira como a gente lida com a subsidiariedade, fingindo que distribuindo poder em instituições é democrático, é errado. Veja, de todo modo, todo o governo brasileiro, que tem um caráter muito herdado ainda do getulismo, para mim é errado do começo ao fim.
Constituição de 88, horrível, péssima, porque ela não sabe para que lado ir. Ela quer ser tudo ao mesmo tempo; ela quer ser um pouco liberal, ela quer ser um pouco do bem-estar social. E aí o que acontece?
Ela é um Frankenstein em plena transformação, que acaba servindo a quem está. Então, ass, ela não é um instrumento de Estado que permite a estabilidade da continuidade do nosso Estado brasileiro. Estado que eu falo é dessa ordem política, que é o Brasil.
Ela não funciona como um símbolo de estabilidade, não. Ela funciona como um instrumento da disputa partidária. Entenderam?
Por isso que ela é ruim. Os fundamentos são. .
. e os fundamentos estão todos errados, tá? Os fundamentos estão todos errados.
A própria ideia de soberania popular é um fundamento estúpido. É um fundamento estúpido porque, se você achar que o que legitima alguém no poder é a escolha da maioria e não a sua qualidade moral, você abre espaço pro povo todo se empolgar com Pablo Marcial, que é um aproveitador, e um dia ele virá presidente, entendeu? É isso que você está defendendo.
Se você acha que a soberania popular é a coisa mais linda que já inventaram, é porque você não compreende que política e lideranças políticas decentes são aqueles que estão prontos a se sacrificar pelo seu país. Estar disposto ao sacrifício e ser capaz de amar o próximo depende de virtude, cara. Então, assim, eu acho o Brasil tudo errado, todo errado, mas veja, a gente tem que entender que o maior problema é a incapacidade que nós temos.
Nosso maior problema político atual é a incapacidade que nós temos de nos olhar como seres humanos uns aos outros. A gente não se olha mais como seres humanos. Então a esquerda tá comemorando 8 de janeiro, hoje é 8 de janeiro, e eles estão batendo.
Ah, é isso aí, Estado, mete a velhinha 20 anos de cadeia nela, tira a mãe de perto dos filhos. Mesmo, quer dizer, a gente vê pessoas de esquerda, pô, e mesmo com esse filme, pra mostrar pra eles que é um Estado brutalizado a população, mesmo com um filme desse que conseguiu mostrar uma mente que coisa horrenda que é o Estado moderno, que se coloca, se atribui o poder de destruir uma pessoa. Ah, você é meu adversário político, e você é bom, eu vou te destruir, eu vou destruir sua família também, eu vou fazer o maior estrago possível, vou desestabilizar pra eu me manter no poder.
Ô meu Deus do céu, é isso que vocês estão aplaudindo dos dois lados, sabe? É muito esquisito. É muito esquisito.
É muito esquisito a incapacidade de olhar pro próximo como ser humano, né? E a parte do pessoal da esquerda, quer dizer, como é que você aplaude um filme como "Ainda Estou Aqui", que fala do problema humano, pô, entre um grupo de pessoas, de indivíduos, de pessoas que têm a sua dignidade violada pelo Estado por causa de uma dissensão política, né? Você tem por lá, e essas pessoas não se sensibilizam com o pessoal feito de trouxa pelos próprios militares no 8 de janeiro.
Eu não consigo, entendeu? Eu não consigo entender. Até eu não sei, tá, eu não vi a opinião do Marcelo Rens Paiva sobre o pessoal do 8 de janeiro, mas eu gostaria de ouvir o que ele tem a dizer, porque aquele pessoal foi feito de trouxa, foi feito de gaiato e tá pagando pelo pessoal que deve, que articulou aquilo.
E esse pessoal que articulou aquilo, eu não sei se eles vão pagar. Um ou outro pode ser pego aí pra dar uma satisfação pro sistema, mas será que é justo do que tá acontecendo? Pegar aqueles bois de piranha, tirar-lhes das famílias, desestruturar tudo, fazer com que as crianças chorem todo dia a falta que as suas mães fazem em casa.
Pra quê? Pra que os agentes da nova direita, por piores que vocês acham que eles sejam, e muitos são da pior espécie mesmo, sejam desarticulados? Será que vale a pena destruir pessoas para desarticular o poder dos seus adversários?
Essa. . .
É uma pergunta que eu faço para vocês de esquerda, sempre que tenho a chance de ver esse filme bonito, sensível, humano. E, ao mesmo tempo, hoje, dia 8 de janeiro, estão comemorando pessoas presas por terem sido levadas ao engano por agentes políticos. Que, enfim, eu, pessoalmente, não gosto nem eu, eu deploro o espírito revolucionário de vocês e eu deploro o espírito revolucionário deles porque, antes de mais nada, o espírito revolucionário como componente político é nocivo, é destruidor e é destruidor da nossa própria alma, porque faz com que cada um de vocês, o pessoal da nova direita revolucionária e o pessoal da esquerda revolucionária, desumanizem uns aos outros.
Porque, se você precisa matar o cara que está do lado de lá, se você precisa aniquilá-los, como nós, e não tem dignidade como nós, senão o ser humano não consegue. . .
O ser humano não é pura malícia. Nós temos o livre-arbítrio. O livre-arbítrio faz com que a nossa consciência opere, né?
A gente tem uma consciência. Então, para a gente estar convencido de que aquele cara merece morrer, é primeiro necessário que a gente tenha nos convencido de que ele não é humano. Cara, esse é o ponto!
E o que mostra. . .
Eu nunca vi isso tão bem representado como num filme que relata o que foi a Trégua de Natal da Primeira Guerra entre escoceses, franceses e alemães. Esse filme está na Netflix; foi o filme que eu assisti no Natal. Um filme comovente, maravilhoso, que conta a história real.
A história real foi a seguinte: tinha, na trincheira alemã, um grande cantor da época, muito apaixonado pela mulher. E a mulher dá um jeito de vê-lo na noite de Natal; ela inventa uma audição na casa do Kaiser para vê-lo, para conseguir vê-lo naquela noite tal. Chanceler, já não me lembro.
E aí, só que ele, depois de cantar pra direção, como ele era um soldado comum, soldado raso que estava sofrendo na trincheira, ele quer voltar pra trincheira cantar na noite de Natal pros seus colegas, porque ele fala: "Pô, esse pessoal aqui tomando champanhe enquanto a gente se ferra na trincheira! Eu vou lá na trincheira cantar pros caras que estão se ferrando comigo lá". Mas a mulher é muito apaixonada por ele; ela vai junto.
E aí eles começam a cantar. Só que, ao mesmo tempo, na trincheira escocesa, que era coisa de 100 metros a diferença, a distância de uma para outra, 100 metros. .
. Imagina você matar alguém que está a 100 metros de você na outra trincheira! Ali, a gente tinha um padre escocês que insistiu em ir junto com os seus paroquianos para a guerra, para não deixá-lo sozinho.
E naquele dia, que era o dia de Natal, eles estavam tocando gaita de foles. Então, eles estão tocando gaita de foles e os alemães ouvem eles fazendo música da sua trincheira. E aí, esse tenor começa a cantar e ele canta e ele canta e ele canta.
Quando ele termina de cantar, ele ouve os escoceses aplaudindo — eram inimigos, os alemães aplausos do lado de lá, aplaudindo. E aí, sabe o que ele faz? Ele começa a cantar outra música, cantar outra música.
E aí, ele se levanta, ele levanta da trincheira e ele vai em direção aos escoceses, cantando a música. E quando ele chega lá, está lá o padre e os outros soldados que estavam com uma gaita de foles na mão. E se cumprimentam e se cumprimentam por meio da música, que é realmente a arte, né?
Primacial é aquela forma que une todos os corações, independentemente do idioma que falemos. A música é aquilo que todos nós entendemos. As artes têm esse papel; as artes atravessam as fronteiras geopolíticas.
Naquele momento, gerou uma paz que durou. E aí, eles começam inclusive a se prestar pequenos favores juntos, trocar um, dar chocolate; outro, champanhe. Os franceses entram nesse acordo.
E aí, muitas coisas curiosas o filme revela, como, por exemplo, o general do lado alemão era casado com uma francesa e ele fica muito amigo, justamente, do sargento francês. E esse sargento francês sofre porque ele é levado à guerra no momento que sua mulher estava tendo um filho e ele não soube até então se era menino ou menina. E aí, o general alemão, porque a gente está naquele momento que a França está ocupada, busca notícias e consegue dizer pra ele, um dia depois, que é o menino.
Então, assim, a gente começa a ver aqueles homens de três trincheiras restabelecendo os laços humanos. Assim, é um filme maravilhoso! E o que vocês acham que aconteceu?
Porque todo mundo adora falar: "Ai, puxa, a Trégua de Natal da Primeira Guerra foi em 14, no primeiro ano da Primeira Guerra Mundial". É verdade, mas você sabe o que aconteceu? Foram todos punidos.
Aquele padre foi mandado para casa, o escocês, porque o padre do escocês. . .
Depois, eles enterram os mortos em comum; é um negócio lindo que acontece. Todas aquelas tropas são trocadas; aquele grupo de alemães é mandado para um fronte lá perto da Rússia, se eu não me engano. Ou seja, são todos punidos.
Por que eles são punidos? Porque os superiores, que não estão lá na trincheira sofrendo, sabem muito bem que, para que os homens possam matar-se uns aos outros, consigam realizar essa tarefa de renda, eles precisam, antes, desumanizar uns aos outros. Por isso que o filme começa.
. . O filme é maravilhoso!
O filme começa com as crianças nas escolas: uma escola na Inglaterra, uma escola. . .
Não sei se na Inglaterra ou na Escócia, mas tanto faz, né? Uma na Inglaterra, uma na França e uma na Alemanha. E deles.
. . Falando uns dos outros, o que são os alemães?
O que são os ingleses? O que são os franceses? Da criança alemã falando: "Ah, e quer dizer, eles estavam educando as crianças a odiar o próximo.
" E aí eu penso: pô, a esquerda fica falando que a nova direita é o ódio. Mas, ó, a chance que eles têm, então, para mostrar aqui que eles são humanos e conseguem ver a humanidade, pessoal, que tá no 8 de janeiro. Eu entendo você, tudo bem, ah, mas as pessoas.
. . Aram e tal, tudo bem.
Eh, mas vamos medir a coisa: foi correto que o Rubens Paiva tenha sido tratado como ele foi? O ex-deputado, pai do Marcelo Rubens Paiva? Foi errado.
Foi completamente errado. Por isso que tem, sim, a história da viúva; é uma história digna, digna de virar filme. É digna de virar filme, tá?
Agora vamos pensar o seguinte: será que é justo você pegar uma manícu lá que escreveu de batom uma palavra subversiva contra o atual regime? Muita gente não gosta da maneira como o Brasil tá politicamente. As pessoas não têm direito de não gostar?
As pessoas não têm direito de não acreditar na nossa Constituição? As pessoas não têm direito de pensar a nossa Constituição e perceber o quão ela é equivocada nos seus princípios? Não tem?
Ah, mas vocês tinham em 70 e essas pessoas não? Não, elas têm, mas elas não podem fazer atentado porque elas vão presas. Tá bom, mas elas têm que ficar 20 anos lá?
Elas têm que ficar 20 anos lá porque elas participaram de um grupo que fez uma baderna? Porque muitas não participaram daqueles atos de quebradeira; algumas realmente fizeram, outras não estavam de gaiatos. Vocês acham que não tem que ter anistia para eles também?
É isso? É isso que vocês têm que aprender com o filme que celebra o quanto vocês sofreram. Olha, eu precisava dizer isso, tá?
Eu não queria nem comentar esse assunto porque eu tô cansada da nova direita que desumaniza vocês da esquerda e eu tô cansada de ver, depois de tudo que vocês sofreram, vocês insistindo na desumanização de pessoas, de famílias de pessoas que são humanas, entendeu? E assim, enquanto esses grupinhos revolucionários da direita, por um lado, e da esquerda, por outro, não conseguirem agir da maneira decente como aqueles homens no primeiro Natal da Primeira Guerra Mundial, ah, a gente vai continuar aqui retroalimentando um ao outro. E aí não adianta um lado falar de democracia e o outro lado falar de falsa democracia, porque a verdade é que vocês estão todos contaminados por um mesmo vírus, que é o de falta absoluta de humanidade e de esquecimento de que a dignidade humana deve vir antes de tudo, sobretudo antes de uma disputa política e de uma variação de quem exerce o poder num estado.
Sobretudo porque nós somos muito mais do que o Estado. O Estado é provisório, a alma humana é eterna. Então eu realmente espero que, agora que vocês têm esse filme para celebrar e o prêmio da Fernanda Torres para dizer que é um prêmio para a democracia, essas coisas todas com telefonema de Lula, por que que vocês não pensam de verdade e pensam realmente no que tá sendo feito com os trouxas, com o pessoal bobo, com o pessoal que realmente não é um perigo para a nação, mas que tá lá amargando por causa dos atos do 8 de janeiro?
Quem sabe esse filme não ajuda vocês a recuperarem uma humanidade que, infelizmente, em vocês também tá perdida? Pelo que eu ouço, pelo que eu vejo: jornais, revistas, redes sociais, vocês também tão perdidos, aliás, bastante perdidos. Era isso que eu tinha para conversar com vocês.
De resto, eh, muito obrigada pela companhia. Se você não entendeu meu posicionamento, assista meus vídeos mais longos, tá? Eu quis fazer isso aqui mais curto para alcançar mais pessoas.
Se você não entende, antes de ficar aqui dizendo que eu sou isso ou aquilo, tenta me compreender. Eu dou bastante oportunidade aqui; tem cursos de 100, 200 horas de duração em que eu analiso os maiores clássicos da filosofia política, os maiores clássicos da ética. Ah, tenho muitas horas de reflexão, muitas horas de meditação, e muitas horas de exame de consciência, e mais, muitas horas de me colocar à prova diante desse cenário de desumanização e de abrir mão de estar nele antes de ter proferido essas palavras.
Tá bom? Não me tomem pela mediocridade da alma de vocês. De resto, obrigada pela companhia e até a próxima.