Protejam-se. São 17h20. Parece que são 20h.
Calor intenso, secas extremas, inundações, estações confusas. O clima está fora do lugar. E não tem melhora significativa à vista.
No ritmo do aquecimento global, é daí para pior. O que significa que não tem outro jeito. Além de combater, frear, ganhar tempo, precisamos nos adaptar a essa crise, e ao que ainda está por vir.
Mas será que a gente vai dar conta? Mesmo que a gente zere as emissões agora, nesse momento, nos próximos 10 anos a gente não vai retornar para a temperatura média global do início da medição. Com esse aumento extremo de calor, a própria capacidade mesmo do corpo de fazer a regulação, a autorregulação da temperatura vai se perdendo.
E um ponto também extremamente importante é a própria educação da população sobre os riscos associados à mudança do clima que, porventura, pode salvar milhares de vidas. Nós conversamos com especialistas para discutir as perspectivas em torno de uma pergunta que talvez já tenha passado pela sua cabeça: quais os limites e desafios da nossa espécie para lidar com as mudanças climáticas provocadas pelo ser humano? Não importa onde você esteja.
Se com calor ou frio. Por menor que você se sinta na crise climática, ela é uma realidade sua. De todos.
De tanto sustentar a vida no desmate, queima de petróleo, gás e carvão, o ser humano acabou interferindo nas dinâmicas naturais do planeta. Não de forma igual, claro, já que a responsabilidade dos países ricos é muito maior. Só que o resultado está aí para todo mundo: por causa desse nosso papel como uma força geológica, a temperatura média da Terra está aumentando de forma acelerada.
Até o fim do século, era para gente poluir menos e segurar esse aumento em 1,5 °C na comparação com os níveis pré-industriais (sobe gráfico 1850 – 1900). Uma espécie de margem de segurança para não haver colapso de ecossistemas e o nosso planeta continuar habitável. Mas já passamos disso antes desta década terminar.
Embora o Observatório do Clima esclareça que pode ser uma condição temporária associada ao El Niño. 2023, por exemplo, foi o ano mais quente já registrado. O mês de julho de 2024 também.
O décimo quarto mês seguido com recordes de temperatura. Quanto mais cruzamos dia após dia fronteiras perigosas, mais próximas ficam as ameaças das quais só ouvíamos falar. A tragédia no Rio Grande do Sul tem sido usada por especialistas como exemplo.
Uma enchente daquelas proporções seria esperada em Porto Alegre a cada 370 anos. Ela aconteceu num intervalo bem menor. A última tinha sido em 1941.
Ou seja, 83 anos atrás. O Brasil estava, sim, sob os efeitos do El Niño, o aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico. O que, por si só, podia afetar o regime de chuvas no sul do país.
Mas este estudo constatou que as alterações no clima deram potência ao fenômeno. E lembra da seca extrema na Amazônia em 2023? Cientistas climáticos também acreditam que o desajuste na atmosfera do planeta induzido por nós, combinado à destruição criminosa da floresta, levou àquele enfraquecimento chocante do bioma.
Que dá sinais de que vai se repetir em proporções maiores ou parecidas. Vou dar mais um exemplo. Ano passado, o Brasil sofreu com ondas de calor, não foi?
Teve dia no Rio de Janeiro em que a sensação térmica beirou os 60 graus. Pois é. Um estudo realizado a pedido do governo brasileiro constatou que o número de dias quentes severos assim passou de 7 para 52 em 30 anos.
E tudo isso num contexto em que a Terra aqueceu o que era, digamos, seguro. Independentemente se é só uma fase. Sabemos que a probablidade é de o cenário piorar.
Já se cogita um aquecimento médio entre 1,8 °C e 4 °C. Para os mais céticos, eu preciso reforçar que o ritmo das mudanças está acelerado mesmo se desconsiderarmos a influência de fatores da natureza, como erupções vulcânicas e variações na radiação solar. Este gráfico mostra como a taxa de aquecimento quase dobrou desde 1970, embora seja incerto dizer que essa tendência se manteria tão veloz assim até 2050.
Há várias projeções. Bom, esse é o resumo do grande dilema do nosso tempo. E não temos escolha a não ser enfrentá-lo.
Esse é justamente o ponto central do nosso vídeo. O caos está aí, já temos provas mais que suficientes que a sáude da Terra não vai bem. Vamos conseguir nos adaptar?
Nas discussões da crise climática, a adaptação sempre foi mencionada como uma das ferramentas de enfrentamento ao problema. Só que no debate público, ela acabou se tornando mais rara. Bem pontual.
Tem uma razão para isso. Historicamente, falamos mais em mitigação, porque em algum momento fomos levados a acreditar que os compromissos ambientais dos países mundo afora bastariam para controlar as emissões de gases poluentes. Um aparente engano.
Quem vai explicar melhor a diferença entre uma coisa e outra é o Lincoln Alves, pesquisador do Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Quando a gente fala de mitigação, em geral, estamos falando de reduzir as emissões dos gases de efeito estufa, ou seja, as atividades que de alguma maneira contribuem para esse aumento dos gases de efeito estufa, seja ele, por exemplo, o uso de combustíveis fósseis, as queimadas, desmatamento. Quando a gente fala de adaptação, a gente já está considerando que o mundo já está em transformação, já existe a mudança do clima, e que a gente precisa se adaptar a essa nova realidade.
Então a gente está falando de medidas e ações que venham a preparar, aumentar a resiliência, seja do setor, seja das pessoas, seja das cidades, frente a essas mudanças que já estão ocorrendo, ou que venham a ficar mais intensas nos próximos anos. A resiliência da qual o pesquisador fala é a força que um lugar tem para resistir e se recuperar de desastres naturais, como inundações. Esta reportagem, publicada na página da DW Brasil, apresenta um tipo de solução ou adaptação: as chamadas cidades-esponja.
Já existem modelos no Brasil. São basicamente localidades com áreas verdes criadas para escape da água. Elas são alagáveis e fazem uma drenagem das chuvas, evitando que as águas cheguem até zonas residenciais.
O exemplo da foto é o Parque Barigui, o maior e um dos mais populares de Curitiba, no Paraná. O conceito é chinês, mas já é bem difundido na Europa. E parece promissor no Brasil.
Especialmente depois do que ocorreu no Rio Grande do Sul. Telhados verdes para amenizar o calor também são medidas de adaptação climática. Assim como construções flutuantes e barreiras de contenção do mar.
O que eu estou falando soa esperançoso na teoria, no debate. Na prática, a história é outra. Desvia uma minoria do precipício.
A ONU estima que as necessidades de financiamento dos países mais pobres para adaptação são de 10 a 18 vezes maiores do que a ajuda disponível. Ironicamente, são eles os que mais sofrem as consequências do aquecimento global – e os que menos contribuíram para a mudança do clima. Tem até um nome para isso: desigualdade climática.
O Brasil, por ser um país bastante continental, ele está bastante exposto. Os próprios eventos recentes demonstraram o quanto vulnerável o Brasil está, principalmente as cidades onde se concentra uma grande parte da população brasileira. E importante que, diante desse cenário de vulnerabilidade e de exposição, ações de adaptação e mitigação sejam tratadas em uma agenda como prioridade.
Adaptação também diz respeito a segurança alimentar. Esta reportagem da ONG WWF fala das hortas urbanas como um instrumento que fortalece a relisiência climática nas cidades. O Rio de Janeiro tem uma.
(print) Uma outra lição, de Bangladesh, é citada neste estudo sobre os desafios de conciliar a nossa sobrevivência com as incertezas do clima. Para garantir a disponibilidade de ovos e carne, produtores rurais do país vêm substituindo galinhas por patos. Porque eles conseguem nadar nas cheias, cada vez mais intensas por lá.
Bangladesh já é mais propenso a inundações, só que as chuvas estariam irregulares por consequência das mudanças climáticas. Sem contar o derretimento de gelo no Himalaia, que pode perder 75% do seu volume até 2100. (tenta mostrar no mapa) A preocupação é tanta que se popularizaram em Bangladesh essas casas antienchente.
Elas têm dois andares, são móveis, e permitem que as águas passem pelo andar de baixo. Tudo isso mostra que não adianta pensar em uma estratégia única. Cada local tem a sua.
E ela tem que levar em consideração o máximo de aspectos para manter um determinado estilo de vida. No Brasil, o que serve para o Norte e Nordeste, onde o problema é o prolongamento da estiagem e as temperaturas cada vez mais altas, pode não servir para o Sul. A reflexão é da Renata Gracie, vice-coordenadora do Laboratório de Informações em Saúde da Fiocruz.
De fato, os impactos eles vão ser diferentes. Alguns lugares, como, por exemplo, a Amazônia, ela sofre de vários desses eventos. A Amazônia Legal, ela sofre com ondas de calor.
A gente fez um trabalho em que a gente trabalhou com a identificação das ondas de calor e os excessos de óbitos. E a gente conseguiu identificar que a gente tem mais excessos de óbitos nos períodos de ondas de calor. A gente tem esse aumento.
E a região Norte e a região Nordeste são as regiões que sofrem mais com esses eventos de ondas de calor. Com maior intensidade. A fala da Renata é mais um sinal de como o nosso ajuste a esses tempos de clima volátil não é nada simples.
Permite também ampliar a discussão para um elemento essencial da adaptação climática para nós: a saúde humana. O nosso corpo tem limites, como explica o Ricardo Souza, professor do departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Sem dúvida, um efeito direto provocado pelas ondas de calor está associado a um aumento tanto de morbidade, mas também de própria mortalidade.
A gente tem uma capacidade de regulação térmica. Com o calor extremo, com esse aumento extremo de calor, a própria nossa capacidade mesmo do corpo de fazer a regulação, a autorregulação da temperatura vai se perdendo. O especialista disse que, quando a temperatura externa ultrapassa os 42 °C, o corpo entra em algum nível de estresse térmico.
Não consegue fazer direito a termorregulação, que é a troca de calor com o ambiente. Mas esse é um número variável, porque existem fatores que pioram ou melhoram essa dinâmica. Por exemplo, ventos, radiação solar e o principal talvez: a umidade.
Um estudo feito pela ONG Carbon Plan em parceria com o jornal americano “The Washington Post” estimou o seguinte ano passado: 32 °C já pode ser uma fronteira de perigo, num local bem úmido. O que equivaleria a 48 °C num espaço mais seco, de deserto. Afinal, existem populações vivendo em lugares de secura.
Aí vem a questão. A crise climática não só pode colocar mai s pressão sobre quem está nas áreas desérticas, como deve sufocar também quem está nos trópicos, onde a umidade costuma ser farta. Se o calor é agressivo e o ar está úmido demais, o mecanismo de resfriamento do organismo em temperaturas elevadas, que é o suor, não dá conta.
E o calor extremo já é reconhecido como uma epidemia, que pode se agravar nos próximos anos. A Carbon Plan citou inclusive Belém do Pará como um dos centros urbanos mais quentes do planeta até 2050. E aí?
Vamos suportar? As evidências mostram um aumento das doenças cardiovasculares, infarto agudo e miocárdio, em períodos de maior calor, assim como acidente vascular cerebral, assim como também a gente está falando de possíveis internações por desidratação, principalmente do público mais idoso e de crianças. Assim também como a gente tem um período de maior internação por doenças diarreicas, que são doenças de veiculação hídrica, no caso das inundações, que vão se tornar, que já estão mais presentes no nosso dia a dia, e agora vão se tornar cada vez mais frequentes.
O Brasil, o país da América do Sul onde as pessoas mais se deslocam por desastres naturais, aprovou um plano de adaptação climática. Rodeado de críticas, mas que prevê a criação de políticas públicas de olho em riscos ambientais. Um planejamento delicado de ser feito.
Porque é difícil equilibrar a nossa contínua evolução enquanto sociedade a ajustes a uma crise imersa em inúmeras variáveis. Qualquer esforço mal pensado, na opinião de especialistas, pode ser uma grande perda de tempo e dinheiro. E, claro, a gente ainda tem que fazer isso sem perder de vista que estamos correndo atrás do prejuízo.
Volta Renata A gente já sabe também, pelo relatório do IPCC, que, mesmo que a gente zere as emissões agora, nesse momento, nos próximos 10 anos a gente não vai retornar para a temperatura média global do início da medição. Antes de encerrar este vídeo, eu preciso dizer que as notícias boas existem. Estão aí para gente recuperar o fôlego.
Mas sem tirar os pés do chão. A velocidade das mudanças climáticas tem sido maior que a nossa adaptação. Há quem considere a necessidade inclusive de pesquisarmos mais a chance de extinção da nossa espécie pelo aquecimento global.
Enquanto estamos aqui, o que podemos fazer, acima de tudo, é nos moldar, ter cuidado. Até onde for possível. E principalmente uns com os outros.
A gente tem que lembrar também das pessoas que vivem em situação de maior vulnerabilidade econômica e social, que muitas vezes não têm nem condições de se proteger. São os bolsões de pobreza, que precisam também ser olhados enquanto políticas públicas. E um ponto também extremamente importante é a própria educação da população sobre os riscos associados à mudança do clima que, porventura, pode salvar milhares de vidas.
A gente está atrasado. A gente ficou atrasado. Mas a gente tem, sim, que fazer alguma coisa.
Ou tudo o que a gente fizer, tudo o que a gente puder fazer, o mais rápido possível, é melhor.