Por mais de uma década, a General Motors escondeu um segredo que abalaria a confiança até dos seus mais fiéis clientes. Uma tragédia que teria permanecido por baixo dos panos, não fosse a indignação de um grupo de vítimas e advogados. Desde a popularização do automóvel, defeitos nas peças ou problemas de montagens sempre existiram – o que é perfeitamente comum, especialmente nos modelos mais antigos, já que os carros, em sua essência, nada mais são do que uma máquina mecânica composta por um conjunto de peças interligadas – e essas peças podem sofrer de alguma imperfeição.
Os donos de carros, motos, e outros veículos, sabem que mesmo com a manutenção em dia, sempre estamos sujeitos a um defeito mecânico. Mas a disseminação dos automóveis também trouxe um outro problema: os acidentes. Hoje em dia, acidentes de trânsito fazem parte do cotidiano das cidades e das estradas, sejam por falha mecânica ou falha humana.
Mas é óbvio que ninguém quer se envolver em um, muito menos se for um acidente grave, com risco de vida. Mas o que fazer quando o fabricante do seu próprio veículo resolve esconder um problema no carro que pode te colocar num acidente fatal? Como se sentir ao perder um ente querido por negligência de uma montadora?
E que preço uma companhia deve pagar ao colocar seus clientes em risco? Hoje, a gente conta um dos capítulos mais sombrios da General Motors, uma história que, à primeira vista, parece não passar de uma simples falha mecânica, mas que no final revela uma imensa falha humana – um escândalo que já custou a vida de mais de uma centena de pessoas. O ano era 2014, a gigante automotiva norte-americana General Motors emitiu um aviso de recall em vários de seus modelos, afetando mais de 2 milhões e meio de veículos, que estavam sob suspeita de apresentar defeito em uma peça da ignição.
Supostamente, essa peça poderia a qualquer momento desligar o motor do carro e desativar o sistema de frenagem e airbags, o que poderia ser fatal. Esse pequeno componente pode ter custado a vida da jovem Brooke Melton: em 2010, a enfermeira norte-americana perdeu o controle de seu carro, um Chevrolet Cobalt ano 2005, enquanto dirigia numa rodovia de volta pra casa. Ela bateu de frente com outro veículo, e morreu na hora.
No relatório da polícia, a perícia citou que o acidente foi causado por excesso de velocidade. Mas pros pais de Brooke, algo parecia errado nessa história. Isso porque um dia antes, a jovem relatou que o carro estava lhe dando dores de cabeça quando “simplesmente parava de funcionar”.
Em 2011, insatisfeitos com o desfecho da história, os pais de Brooke relataram suas suspeitas sobre o carro a Lance Cooper, advogado especialista em acidentes automotivos graves, que topou iniciar uma investigação mais a fundo sobre o caso. Ele comprou o que restou do carro da seguradora de Brooke por 500 dólares e começou a investigar pra tentar entender o que poderia ter acontecido no momento em que ela conduzia o carro. Quando recebeu os dados da SDM — o equivalente a uma caixa preta de avião que registra os dados do veículo em funcionamento — Lance descobriu que poucos segundos antes do acidente em si, a velocidade do carro espontaneamente caiu de 90 quilômetros por hora pra zero de forma brusca, algo que simplesmente não fazia sentido.
Além disso, o carro mudou a configuração de rodagem para “acessório”, que é o modo pra alimentar apenas o rádio. Não satisfeito, Cooper decidiu ainda consultar um mecânico de sua confiança e ele constatou que a ignição do carro havia sido desligada cerca de 3 segundos antes do impacto, o que fez com que Brooke Melton perdesse totalmente o controle da direção e fosse pra fora da pista. O mecânico Charlie Miller também encontrou boletins emitidos pela General Motors anos antes, em 2005 e 2006, que alertavam pro problema da ignição do Cobalt, que poderia fazer com que o carro fosse desligado acidentalmente enquanto dirigia.
Mas apesar das evidências técnicas apontarem que a culpada pelo acidente era da General Motors pela falha no componente, por anos a montadora negou sua culpa ou qualquer outro indício de defeito de fabricação dos seus modelos. Mas as histórias apontavam cada vez mais pro fato de realmente haver algo errado com os modelos envolvidos em acidentes. Não por acaso, relatórios indicam que a GM, na verdade, não só sabia das falhas, como já sabia muito antes: em 2003, os engenheiros da companhia já tinham sido alertados do grave problema, que foi deixado de lado simplesmente pra não gerar custos adicionais à montadora – assumir um defeito e fazer recalls parecia caro demais pra GM, saía mais barato fingir que não sabia de nada – afinal, o que de pior poderia acontecer?
A General Motors poderia ter solucionado o caso assim que tomou ciência da existência dele, a peça era fácil de substituir e na verdade teria custado muito pouco à montadora — mais precisamente, menos de um dólar por automóvel. O problema na ignição dos carros era ocasionado por um interruptor, que estava sendo acionado de forma indevida — até o peso adicional de um chaveiro podia ser suficiente — desligando o motor do carro de maneira brusca, juntamente com o sistema de direção hidráulica e frenagem. Em 2005, após receberem novos relatórios de perda de potência dos modelos Chevrolet Cobalt, engenheiros da GM propuseram uma mudança no design da chave, pra que fosse possível pendurar objetos sem correr o risco de empurrá-la indevidamente.
A companhia inicialmente aprovou o novo projeto da chave, mas semanas depois, a proposta foi cancelada por significar um “alto custo”. No ano seguinte, a Delphi, empresa fabricante da peça propõe uma mudança no projeto da ignição, que passa a ser instalada nos carros a partir de 2007. Mas a substituição da peça não aconteceu da forma mais eficiente, já que o número do modelo não foi alterado, o que acabou gerando uma confusão na linha de montagem — então, alguns carros novos foram equipados com o componente redesenhado, enquanto outros não.
Além do Chevrolet Cobalt, os modelos G5 da marca Pontiac e o ION da Saturn, ambos fabricados pela GM, também apresentaram problemas nos airbags e na ignição, causando acidentes, inclusive com vítimas fatais. O tempo passou e a General Motors insistiu em fechar os olhos para o problema que, anos mais tarde, viria a se tornar o maior escândalo na história da companhia. O número contabilizado de vítimas de acidentes causados pela falha não é exato, mas em 2017, o jornal Detroit Free Press divulgou um relatório com uma estimativa de 124 vítimas fatais e mais de 250 feridos em decorrência do problema.
A diretora executiva da GM, Mary Barra, disse à imprensa e ao Congresso americano que a companhia falhou em tomar uma providência quanto ao grave erro, mesmo não sabendo explicar exatamente o porquê da negligência a um problema simples ter se arrastado por uma década. Segundo Barra, a cultura “difícil” da empresa foi o que mais atrapalhou pra que o erro fosse reconhecido e consertado o quanto antes. A General Motors tardou a tomar uma posição ativa frente às acusações, e os modelos defeituosos circulavam normalmente pelas ruas até o início de 2014 — quando finalmente a companhia anunciou um recall.
Mas pras vítimas e seus familiares, já era tarde demais. Em 2014, a GM anunciou um recall de segurança, que substituiria os interruptores de ignição defeituosos de mais de 2 milhões de seus veículos, além de oferecer um serviço de aluguel gratuito a seus clientes afetados, já que o reparo de todos esses carros poderia demorar meses. Até o anúncio do primeiro recall, foram reconhecidas pela companhia as mortes de 13 pessoas envolvidas em acidentes por causa dos interruptores — mas esse número aumentou substancialmente conforme o caso ganhou publicidade.
A Agência Nacional de Segurança no Tráfego do governo dos Estados Unidos, já havia notificado a General Motors em março de 2007, pela morte de Amber Rose, que também teve o motor de seu carro, um Cobalt, desligado por causa do problema na ignição, o que levou também à falha nos airbags na hora do acidente, que não dispararam. No entanto, nem a GM e nem a agência conduziram nenhuma investigação na época. Meses depois, a agência lançou uma investigação a respeito de outros 4 acidentes envolvendo vítimas fatais, mas sem sucesso em detectar o erro, já que em cada caso algo diferente parecia ter ocorrido.
Quando o escândalo chegou ao Congresso americano em abril de 2014, o chefe da Agência Nacional de Segurança no Tráfego, David Friedman, disse que a General Motors não colaborou com a investigação dos acidentes, o que dificultou pra que a agência adotasse uma abordagem mais resolutiva. Foi então que o advogado Lance Cooper conseguiu avançar com o processo judicial pela morte da jovem Brooke: ele convenceu um ex-engenheiro da GM a depor num pré-julgamento, o que foi crucial pra que a montadora finalmente revelasse o defeito — mas não sem antes a companhia ter oferecido 5 milhões de dólares à família pra que a ação fosse encerrada e todas as informações mantidas em segredo. A GM foi punida pela negligência com uma multa de 35 milhões de dólares aplicada pela Agência de Segurança, o valor máximo permitido pela lei americana.
No decreto de consentimento, a companhia assumiu que propositalmente ignorou a necessidade de recall dos veículos. Em resposta às acusações, a General Motors iniciou uma investigação interna e divulgou uma nota reconhecendo a responsabilidade pelos acidentes, mas afirmou que a negligência ocorreu não por um encobrimento do problema, e sim por um “mal-entendido” acerca de como os carros foram construídos. Além disso, a diretora Mary Barra demitiu 15 funcionários acusados pela falha, dentre eles, o engenheiro responsável por aprovar o interruptor, Raymond DeGiorgio.
Raymond foi um dos principais responsáveis por reter as informações do interruptor defeituoso. Segundo a investigação, ele se reuniu diversas vezes com engenheiros da Delphi que lhe cobravam uma solução, mas achou melhor simplesmente poupar os gastos que a companhia teria pra substituí-lo. Em maio de 2015, o advogado americano Kenneth Feinberg, conhecido por lidar com indenizações de vítimas de alto nível, foi contratado pela General Motors pra criar um fundo de compensação às famílias que foram atingidas, pra o qual a companhia reservou mais de 500 milhões de dólares.
Além do dinheiro gasto com o fundo, a GM também desembolsou mais de 1 bilhão e meio de dólares em forma de custo do recall. Além de pagar multa pela negligência em corrigir o defeito da peça, a GM também respondeu por não divulgar informações e manter segredo a respeito do problema. Um caso parecido aconteceu com a Toyota, quando a empresa teve que pagar mais de 1 bilhão de dólares por mentir aos consumidores sobre um problema de aceleração não intencional em seus veículos.
A General Motors também não é a primeira empresa a protagonizar um escândalo automotivo que resultou em mortes: a fabricante japonesa de peças e acessórios automotivos, Takata, foi à falência por causa de airbags defeituosos que já causaram mais de 30 mortes e centenas de ferimentos graves. A falha nos dispositivos de segurança ocorre no momento do acidente, onde o airbag pode lançar estilhaços de metal em alta velocidade contra os ocupantes do carro. A empresa foi acusada de vender mais de 100 milhões de airbags com defeito pro mundo inteiro, distribuídos entre mais de 10 marcas de carros.
Diferente da Takata, a General Motors conseguiu superar uma de suas maiores crises e voltar a crescer. Apesar de ter insistido durante tanto tempo que nenhum dos responsáveis pela gestão sabia do fatídico erro, a diretora executiva Mary Barra decidiu apostar num novo modelo de gestão, que segundo ela, é centrado no controle de qualidade — e não em controlar gastos, como antes. Grandes companhias estão suscetíveis a erros que podem gerar muita dor de cabeça aos seus clientes, mas a história da GM nos mostra que muitas vezes é melhor simplesmente admitir o erro e assumir o prejuízo, antes que seja tarde demais.
No caso da GM, além do imenso custo material decorrente da sua simples e pura negligência, a General Motors foi responsável também pela perda do bem mais precioso: vidas. E isso não é novidade só no caso da GM, outra grande empresa automotiva que passou por problemas foi a Toyota. Há décadas a Toyota é uma das principais fabricantes de automóveis do mundo.
Seus métodos de produção literalmente viraram referência nas universidades, e seus carros são conhecidos por serem extremamente versáteis e confiáveis. Durante a sua história, a Toyota teve que superar vários desafios pra sequer se manter viva na competição da indústria automobilística mundial. Durante a segunda guerra, suas fábricas foram bombardeadas e sua produção era voltada à máquina do império japonês.
Após a guerra, a companhia continuou passando dificuldades, principalmente com a economia bastante enfraquecida de um Japão derrotado, chegando à beira da falência em 1949. Mas assim como o povo japonês, a Toyota se reergueu e sobreviveu. Só que o vídeo de hoje na verdade não é sobre a crise da Toyota pós-guerra, e sim sobre outra crise da montadora, bem mais recente, e que apesar de não incluir guerras e bombardeios, também envolveu mortes.
Em 2009, uma suposta falha de segurança de um veículo Toyota durante um acidente fatal foi o estopim de uma grande crise que abalaria a confiança dos motoristas em seus carros. O problema parecia ter relação com um defeito que podia afetar milhões de carros da montadora, e foi o suficiente pra que a atenção do público se voltasse aos automóveis da Toyota com medo de que suas vidas pudessem estar em risco. Durante as investigações por volta de 2010, a mídia noticiou que mais de cem mortes poderiam ter sido provocadas por um defeito nos veículos da montadora, que parecia incapaz de garantir a segurança daqueles que dirigiam seus carros.
Mas a Toyota realmente deixou passar defeitos potencialmente fatais nos seus veículos, ou tudo não passou de um grande espetáculo midiático? Essa foi a Crise do Recall da Toyota, uma história sobre desconfiança, mídia e relações públicas estremecidas. Tudo começou em 2009.
Mark Saylor, um policial rodoviário americano, dirigia com sua família em uma estrada em San Diego, Califórnia. A família viajava em um Lexus, marca de luxo da Toyota, quando o policial notou algo estranho com o veículo alugado: de repente, o acelerador parecia preso e o carro não parava de acelerar. Um dos passageiros conseguiu ligar pros serviços de emergência e dizer pro operador que eles tinham perdido o controle do carro, que a essa altura passava dos 190 quilômetros por hora, e que os freios pareciam não funcionar.
Menos de um minuto depois, o carro descontrolado dos Saylors bateu em uma ribanceira, entrou em chamas, e tragicamente matou todos a bordo. As autoridades disseram acreditar que um tapete do carro poderia ter deixado o acelerador preso. Mas pouca gente engoliu essa versão, em especial a família das vítimas, afinal, se fosse algo tão simples, não teria sido fácil consertar muito antes de chegar a um acidente?
Outro ponto que deixou as pessoas com a pulga atrás da orelha foi o fato de que Mark, que dirigia o veículo, era um experiente policial rodoviário do estado da Califórnia, alguém preparado pra lidar com situações de emergência em estradas – o que significa que ele provavelmente tentou tudo o possível pra tentar parar o veículo, e mesmo assim falhou. A tragédia chocou as comunidades locais e os lares de todo os Estados Unidos, e foi manchete nos noticiários do país. Então, o que de fato causou o acidente?
Por que o carro não parava de jeito nenhum? Isso poderia acontecer com outras pessoas? Essas são perguntas que, mais na frente, acabariam recaindo no colo de um dos personagens principais dessa história: a Toyota.
O relatório da polícia de San Diego, após investigações, defende a hipótese de que um tapete errado pode ter provocado o acidente. Segundo o relatório, o tapete encontrado no carro que Mark Saylor usava era feito pra um outro modelo, uma SUV, e não deveria ser utilizado no ES 350 que o policial dirigia. Um dos investigadores recriou as condições, colocando um tapete idêntico em um carro do mesmo modelo que Mark conduzia, e descobriu que ao apertar fundo o acelerador, ele ficava preso no tapete.
Outro forte indício que suporta a hipótese é que o carro que Mark dirigia, havia sofrido do mesmo problema dias antes quando outro cliente utilizou o veículo. Esse cliente relatou o problema à concessionária, que foi prontamente ignorado, e disse também que foi extremamente difícil destravar o pedal, mesmo com o carro parado e desligado. No fim das contas, o problema parece ter sido mesmo o tapete inadequado, mas não é como se a Toyota não soubesse que isso podia acontecer.
Em 2007, a companhia já havia convocado um recall nos tapetes de alguns modelos, incluindo o Lexus ES 350, justamente pelos acidentes causados por pedais de acelerador presos – o que não justifica o fato da concessionária colocar um tapete errado no veículo, claro. Mas esse fato acabou sendo suficiente pra ligar a responsabilidade do acidente em San Diego à Toyota, ao menos em algum grau, e foi aí que a coisa começou a ficar feia pro lado da companhia japonesa. O acidente dos Saylor, apesar de não ter sido exatamente culpa da Toyota, demonstrou pro público, que acompanhava o caso atentamente, que os carros da Toyota poderiam não ter a qualidade impecável e a alta segurança que se pensava antes.
Com os olhos do mundo voltados à Toyota, uma série de falhas em modelos da marca pareciam surgir, evidenciando os erros que a companhia havia cometido ao longo dos anos, alguns deles fatais. A Toyota tentou administrar a pressão logo após o acidente com o Lexus, lançando um alerta de segurança que avisava aos motoristas os perigos de usar tapetes indevidos nos veículos, e também ensinava como parar o carro no caso do acelerador ficar preso. A companhia também lançou um recall de alguns modelos, que consistia em fazer uma diminuição no fundo do pedal do acelerador, aumentando o espaço entre o pedal e o assoalho, e reduzindo a chance de que o acelerador ficasse preso.
Mas pra Toyota, isso não era uma correção de um erro no carro, já que pra eles isso nem era um defeito. Eles lançaram uma nota afirmando que não existia qualquer defeito inerente ao veículo, e sim um risco quando condutores usam tapetes de outros carros. A NHTSA, agência de segurança rodoviária dos Estados Unidos, prontamente refutou essa afirmação, por considerar que o problema era sim um defeito fundamental, chamando o comunicado da Toyota de “impreciso” e “enganador”.
É claro que esse desentendimento elevou ainda mais os ânimos acerca dos acidentes causados por aceleração descontrolada, e aumentou a desconfiança dos consumidores americanos em relação à Toyota. Muitas pessoas ainda achavam muito difícil acreditar que um simples tapete poderia ter causado um acidente tão grave e trágico. Pra eles, toda essa preocupação da Toyota com algo tão simples quanto um tapete parecia ser uma espécie de cortina de fumaça pra esconder o fato de que os japoneses não faziam a menor ideia do que estava causando esses acidentes.
Parte do público e da imprensa acreditava haver algum defeito no controle eletrônico de aceleração e dispositivos relacionados, lançando uma série de especulações a respeito disso. Todo esse cenário foi ideal pra que as teorias contra a Toyota saíssem do controle. Após o assunto cair no conhecimento público, o número de relatos de defeitos parecidos em carros da marca disparou da noite pro dia – do acidente dos Saylor em agosto de 2009, a fevereiro de 2010, o número de queixas pulou de menos de 100, pra mais de 1300.
Foi só em 2011 que a Nasa divulgou os resultados de uma investigação cuidadosa sobre os veículos Toyota, onde concluiu de uma vez por todas que a eletrônica veicular dos carros não apresentava nenhum tipo de defeito de aceleração. O problema é que esse resultado demorou mais de 1 ano pra sair, e a essa altura as teorias já tinham corrido soltas, levando muita gente a tomar as supostas falhas da Toyota como crença – ignorando os engenheiros da Nasa, da Toyota, e da NHTSA. O estrago na opinião pública já tinha sido feito, e a reputação da Toyota como fabricante de carros de qualidade estava por um fio.
E num infeliz golpe de azar, em meio a esse cenário, foi descoberto que os próprios engenheiros da Toyota sabiam de um problema na construção dos pedais de alguns modelos, o que forçou os japoneses a convocar mais uma série de recalls. Era a faísca que faltava. Até mesmo antes do acidente fatídico com a família Saylor, a Toyota já havia detectado um defeito nos pedais de acelerador de alguns modelos, onde por conta dos materiais utilizados na fabricação, os pedais podiam ficar enrijecidos, dificultando a aceleração ou desaceleração, ou mesmo prendendo o pedal em alguma posição.
Mas a Toyota sofria de uma falta de comunicação adequada entre suas sedes no Japão e nos Estados Unidos. E o resultado é que enquanto os engenheiros japoneses trabalhavam sem muita preocupação na solução desse problema, alheios à realidade lá nos Estados Unidos, os executivos em solo americano sequer faziam ideia de que o problema nos pedais existia, e simplesmente rebatiam qualquer acusação de defeito nos veículos. Quando a bomba estourou após o acidente, e foi descoberto que isso tudo tava acontecendo simultaneamente, toda a história não pegou nada bem pra Toyota, que se viu num verdadeiro pesadelo de relações públicas.
Os executivos da marca no Japão e nos Estados Unidos também não conseguiam se entender. Enquanto os japoneses consideravam que o defeito não era de fato uma falha de segurança, e que não havia urgência em fazer um recall, os executivos americanos queriam fazer uma declaração pública detalhando os problemas, de forma a esclarecer tudo de uma vez por todas. Mas os recalls foram inevitáveis: entre 2009 e 2010, a Toyota fez o recall de mais de 8 milhões de veículos em todo o mundo por conta de problemas no acelerador e no assoalho – um número assustadoramente grande.
Na década de 2000 a 2010, a NHTSA recebeu mais de 6200 queixas de aceleração involuntária em carros Toyota, além de relatos de quase 100 mortes relacionadas ao problemas. Vale lembrar que os Estados Unidos era e ainda é o maior mercado da Toyota no mundo, e essa crise de confiança, pouco tempo após uma crise econômica que afetou o mundo inteiro, era um golpe duríssimo na montadora. Só no primeiro trimestre de 2010, os especialistas da montadora estimavam um gasto de 2 bilhões de dólares em reparos decorrentes dos recalls.
Enquanto isso, a concorrência aproveitava a má fase da japonesa pra promover suas próprias vendas. A Ford, Hyundai e a General Motors lançaram promoções pra que os americanos substituíssem seus toyotas por carros de suas marcas. Um dos executivos da GM chegou a dizer que a tese de que os carros japoneses têm melhor qualidade não parece tão verdade assim.
Apesar de tudo, a Toyota não tinha tanta culpa assim quanto a mídia atribuiu. Na verdade, mesmo a instalação de tapetes indevidos só foi apontada oficialmente como a causa de um único acidente – o acidente com o Lexus da família Saylor. Não houve nenhum registro comprovado de acidentes causados pelos pedais “enrijecidos”, os verdadeiros motivos da maior parte dos recalls.
A maioria dos acidentes foi atribuída à boa e velha falha humana. Ou seja, a Toyota nunca colocou de fato a vida dos motoristas em risco tanto quanto os noticiários e artigos divulgaram. O que ocorreu nesse episódio foi uma grande mistura de variáveis que criou o cenário perfeito pra que a Toyota virasse o alvo do público.
Primeiro, o acidente da família Saylor criou o clima de desconfiança. Segundo, a pobre comunicação interna da própria Toyota gerou situações entre seus diretores que parecia apontar pra um acobertamento da verdade. Terceiro, a mídia parece ter se aproveitado da crise, que era o assunto do momento, e publicou incessantes notícias que basicamente incriminavam a Toyota, quem sabe até com algum interesse de uma outra montadora por trás.
E por último, os sucessivos recalls feitos pela japonesa soaram pro público já desconfiado como uma espécie de carta de confissão, admitindo que os carros da marca de fato continham defeitos, o que alimentou todas as especulações sobre a falta de qualidade e segurança de seus carros. Em 2011, Jeffrey Liker, professor de engenharia industrial da Universidade de Michigan e especialista em Toyota, escreveu que as pessoas que mais ganharam com toda essa crise foram os jornalistas sensacionalistas, que receberam bastante atenção. Além da própria NHTSA, que passou a receber um orçamento maior e impor mais regras.
Mas a NHTSA deu um outro rumo para todo o processo, olhando por outro ângulo ao analisar objetivamente os dados da NASA, concluindo que não havia evidências de problemas eletrônicos nos veículos Toyota e mudando seu foco para os problemas reais de distração ao volante e uso incorreto do pedal. O professor ainda ressaltou que, apesar das perdas bilionárias, a Toyota saiu de certa forma fortalecida da crise, já que toda essa situação forçou a companhia a refletir sobre si mesma e sobre seus processos, fazendo mudanças pra que nada parecido ocorra novamente. E não para por aí os grandes escândalos de grandes empresas automotivas, a minha empresa favorita também não ficou de fora de decepcionar o mundo inteiro.
A indústria automobilística internacional sofreu um duro golpe no ano de 2015: um escândalo em uma de suas gigantes, digno de ser comparado com um dos maiores escândalos políticos da história dos Estados Unidos. O Dieselgate foi um divisor de águas na relação das montadoras de automóveis com as agências regulatórias de todo o mundo. O episódio, protagonizado pela Volkswagen, também acabou afetando outras grandes marcas de carros, como Mercedes Benz e Hyundai.
Tratava-se de um esquema fraudulento que algumas fabricantes empregavam nos seus veículos a diesel pra que eles passassem nos testes de emissão de gases poluentes, quando na verdade os automóveis eram extremamente poluentes, e em teoria não poderiam ser comercializados. O sufixo “gate” tem sido usado pra apelidar casos de escândalo ao redor do mundo nas últimas décadas, mas a origem do nome tá lá nos Estados Unidos, em um conjunto de prédios chamado Watergate, em Washington DC. Foi lá que, em 1972, foi descoberto um esquema onde a administração do então presidente Richard Nixon, buscava espionar a sede do partido democrata, seus principais rivais políticos, durante o período eleitoral.
Esse esquema ficou conhecido como Watergate. O Dieselgate não teve a ver com política, mas foi grave o suficiente pra receber um nome em referência ao famoso Watergate. Mas como exatamente as montadoras burlavam os sistemas de testagem?
Por que a Volkswagen foi o centro do escândalo? E como isso impactou a indústria automobilística de todo o mundo? O escândalo do Dieselgate começou a tomar forma em 2013, quando o baixo nível de emissões dos veículos de motor a diesel da Volkswagen atraiu os olhares de uma organização ambientalista independente dos Estados Unidos: o Conselho Internacional de Transportes Limpos.
Eles decidiram estudar o funcionamento por trás dos motores, numa parceria com a Universidade de West Virginia, a fim de mostrar como o diesel poderia ser um combustível considerado limpo, se aliado a uma tecnologia eficiente. Dois carros da alemã Volkswagen foram analisados, além de um modelo da BMW que também é fabricado pela companhia. No entanto, as análises revelaram uma descoberta um tanto quanto curiosa: nos carros da Volks, havia uma diferença considerável entre o nível de emissão do óxido de nitrogênio nos testes em laboratório e os estudos feitos nas ruas.
Mas de que forma o mesmo carro poderia apresentar resultados diferentes nos testes? Um software desenvolvido pela Bosch foi instalado em mais de meio milhão de carros movidos a diesel nos Estados Unidos, além de mais de 10 milhões no mundo inteiro. A Volkswagen encomendou o sistema à Bosch, grupo líder em fornecimento de tecnologia e serviços, que também tem sede na Alemanha.
No entanto, aos olhos das autoridades judiciárias, a empresa não foi vista como uma das principais culpadas da história, uma vez que a responsável pela distribuição dos veículos foi a Volkswagen. Esse software era instalado na central eletrônica dos veículos e analisava as condições em que o veículo estava operando — como a posição do volante e o tempo que o carro permanece ligado —, tudo isso pra identificar se o carro estaria passando por algum tipo de teste e mascarar a quantidade de poluentes emitida. Em condições normais, como o funcionamento numa rua ou estrada, os controles do escapamento do veículo eram desligados e ele emitia poluentes até 40 vezes acima do que era permitido.
Além dos carros da própria Volkswagen, a Porsche, marca de luxo pertencente ao mesmo grupo, também foi acusada de comercializar veículos que não seguiam as regras ambientais e condenada a pagar multa de mais de 500 milhões de euros. O esquema foi uma solução desesperada, pensada pra apoiar uma nova estratégia de marketing, já que os carros híbridos da Volkswagen estavam perdendo espaço no mercado, especialmente na Europa, onde as vendas seguiam em queda, devido ao fato dos carros a diesel serem poluentes ao meio ambiente. A solução veio rapidamente: anunciar a linha de veículos com tecnologia “TDI Clean Diesel”, que teoricamente além de emitir menos poluentes, também oferecia economia de combustível maior que alguns modelos à gasolina.
Aos olhos dos consumidores, a Volkswagen parecia ter encontrado a solução pra um problema que nenhuma outra companhia conseguiu solucionar anteriormente: uma tecnologia que lhe permitia oferecer carros de passeio com motores a diesel, ágeis, econômicos e, em tese, limpos. Mas na verdade, seus clientes estavam sendo vítimas de uma fraude que se transformaria numa grande dor de cabeça. O ex-CEO da montadora, Martin Winterkorn, foi acusado pela justiça dos Estados Unidos de ter conspirado ativamente junto aos outros responsáveis pela empresa pra enganar os órgãos regulatórios do país, violando as leis ambientais.
A Volkswagen havia se envolvido no maior escândalo da história da indústria automobilística mundial, enganando não somente os órgãos regulatórios, mas também sendo responsável por causar muitos transtornos pros seus clientes. Pessoas que, além de adquirirem carros altamente poluentes, se viram numa enrascada judicial que se estendeu durante anos na tentativa de recuperar o prejuízo. Não demorou muito até que os rumores começassem a se espalhar pela América do Norte e Europa: em 2015, a Agência de Proteção Ambiental emitiu um aviso global sobre a fraude envolvendo a Volkswagen, o que fez com que diversas agências reguladoras de outros países iniciassem suas próprias investigações, afetando drasticamente as ações da companhia.
Ainda no mesmo ano, o escândalo veio à tona no Salão do Automóvel na Alemanha, uma das maiores exposições de automóveis do mundo. A imagem da maior fabricante de automóveis do mundo, a Volks, agora estava associada a incertezas globais e discussões sobre o futuro do planeta e o uso de combustíveis fósseis — algo bem distante do que a companhia estava tentando vender através das suas campanhas de marketing. No Brasil, a Volkswagen admitiu que mais de 17 mil unidades da sua picape Amarok vendidas entre 2012 e 2015, foram equipadas com o software enganoso.
Além de poluir mais que o permitido, os veículos que foram fraudados também acarretam um alto custo de manutenção pros proprietários, uma vez que grande parte dos modelos tiveram problemas relacionados à válvula EGR — que é um dispositivo colocado no escape pra reduzir as emissões — e a correia dentada. Além dos consumidores que foram lesados, os acionistas da Volks também se manifestaram e encaminharam mais de 1600 pedidos de reparação pelo escândalo, que resultou num desastre financeiro da companhia. As ações da Volkswagen caíram em quase 40% após o esquema ter sido revelado pela Agência Ambiental de Proteção norte-americana.
Os impactos também foram grandes na economia alemã, país que tem como um dos pilares da sua economia justamente a indústria automotiva. Mais de 700 mil pessoas perderam seus postos de emprego devido ao escândalo do Dieselgate, algo que naturalmente preocupou as autoridades alemãs. Com o estouro do caso na mídia internacional, a assessoria de imprensa da companhia se encarregou de admitir os erros cometidos, na tentativa de reconquistar a confiança de seus consumidores.
O então presidente-executivo da Volks em 2015, Martin Winterkorn, divulgou nota lamentando a quebra de confiança do público na companhia. Após o ocorrido, ele renunciou ao cargo e se declarou inocente frente ao caso, afirmando não ter nenhum conhecimento da manipulação dos dados de emissões. Michael Horn, o presidente da Volkswagen dos Estados Unidos em 2015, assumiu a culpa da companhia no lançamento do modelo VW Passat, em Nova Iorque.
Ele também disse não ter ideia do que estava ocorrendo, ainda que nas investigações, tenham sido encontrados e-mails direcionados a ele, alertando o problema que estava prestes a estourar. Só que o grupo Volkswagen só admitiu oficialmente a culpa pelo escândalo em 2017, quando Oliver Schmidt, ex-diretor executivo da companhia, confessou que sabia que os veículos não atendiam aos padrões de regulamentação dos Estados Unidos. A Volks se comprometeu a pagar mais de 4 bilhões de dólares em multas no país norte americano, além de realizar o recall dos veículos.
Mas o preço dessa fraude sairia ainda mais caro pra Volkswagen, que enfrentou uma onda de ações judiciais em vários países ao redor do mundo. A Volkswagen sofreu diversas penalidades em todo o mundo, sendo condenada por fraude pelos mais de 11 milhões de veículos altamente poluentes que comercializou. Só na Alemanha, mais de 400 mil pessoas que foram lesadas pela companhia moveram uma ação coletiva Desde 2015, quando a fraude foi divulgada internacionalmente, a Volks já pagou mais de 30 bilhões de euros em multas — sendo a maior parte desse valor pro governo dos Estados Unidos.
Houve uma queda significativa no valor das ações da companhia, e isso repercutiu em pedidos incessantes pela reparação dos danos causados aos acionistas, o que gerou novas investigações além do Dieselgate. Os principais dirigentes da Volks foram punidos por falharem em repassar aos seus investidores os potenciais riscos causados pelas decisões da empresa. As provas também respingaram sobre a Bosch, uma das principais responsáveis pela fraude, que além de desenvolver o software usado no esquema, trabalhou ativamente pra que as autoridades americanas aprovassem os carros do Grupo Volkswagen.
A companhia evitou comentar o ocorrido e colaborou com as investigações, mas ainda saiu com uma multa de 90 milhões de euros. De certa forma, o Dieselgate se estendeu muito além dos muros da Volkswagen: na Europa, ainda que as leis de emissões fossem mais leves que os Estados Unidos, a repercussão da fraude levou as autoridades a investigarem outras gigantes da indústria automobilística. Montadoras como a Hyundai, Fiat, Volvo, Citroen, Mitsubishi, Honda e Mercedes Benz também apresentaram problemas com emissões indevidas de poluentes.
Além disso, na época, a Volkswagen foi forçada a interromper a comercialização de veículos com motores a diesel nos Estados Unidos e obrigada a reparar os danos ambientais causados por ela. Segundo o jornal The Guardian, os danos foram calculados em aproximadamente 1 milhão de toneladas de poluição no ar, o que pode ser comparado a todas as emissões do Reino Unido combinadas, de usinas, veículos, indústria e agricultura. A exposição a longo prazo a esses gases liberados pela queima do diesel, podem causar o aumento de mortes prematuras e doenças cardíacas.
O professor do King’s College London, Martin Williams, afirmou que somente no Reino Unido, mais de 5 mil pessoas morrem prematuramente em consequência da poluição do ar. O escândalo do Dieselgate colocou em pauta a questão ambiental e as práticas antiéticas envolvendo empresas como a Volkswagen, que tem uma história consolidada numa indústria tão grande. E ainda, tirando a questão ambiental, que já é grave por si só, o escândalo se trata também de uma multinacional enganando e mentindo para seus clientes.
Os veículos da mídia debatem se o escândalo da Volks pode acelerar a morte do diesel, já que produzir automóveis com a tecnologia necessária pra tornar esse combustível mais limpo parece ser muito custoso às montadoras, que convivem com esse dilema há décadas. Automóveis híbridos e elétricos aparecem como fortes concorrentes, e é nesse ramo que a Volkswagen vem tentando investir pra tentar consertar a mancha que marcou a trajetória da companhia. O ex-CEO da VW, Herbert Diess, afirmou que até 2030 a companhia pretende se adequar às exigências da União Europeia, tendo 50% das vendas de carros elétricos, mesmo que isso represente o desafio de repensar toda a estrutura das fábricas.
A esperança dos executivos é que essa nova promessa diminua os impactos negativos na reputação e confiabilidade da marca causadas pelo grande escândalo do Dieselgate. Já a esperança do mercado é que a Volkswagen tenha aprendido a lição de uma vez por todas a não mentir para os clientes e as agências, e que não tenhamos de assistir o desenrolar de mais um “gate” na indústria automotiva.