Caríssimos irmãos e irmãs, esta noite nos reunimos para sufragar os fiéis defuntos com as nossas orações, com os nossos sacrifícios e, sobretudo, com o oferecimento do sacrifício de Cristo, que é a Santa Missa. Desde os tempos apostólicos, a Igreja o faz, e nós vemos o testemunho disso em tantas necrópolis cristãs, aonde se encontram frases simples como "orate pro" ou "rezem por ele, rezem por ela". A Igreja, colhendo a Escritura, confessa a sua fé de que, terminada nossa vida terrena, nossa alma imortal recebe de Deus a justa remuneração pelos seus pecados e dentre aqueles que são eleitos para o céu, mas que ainda carregam o apego ao pecado, ainda carregam na alma a tendência desordenada.
Resta um tempo de purificação que, pelos méritos de Cristo, é eficaz para que a nossa alma se desenca do pecado. A este tempo de purificação, a Igreja chama de purgatório. Mas vemos os vislumbres dessa revelação já no Velho Testamento, quando, por exemplo, os macabeus oferecem sacrifícios pelos soldados que morreram, ou quando nosso Senhor diz que a alma não sairá de lá até pagar o último centavo, ou quando diz que a uns tocará receber um castigo de muitas chicotadas, há outros de poucas chicotadas e a outros, a exclusão do reino eterno; ou quando São Paulo diz que alguns se salvarão, mas passando pelo fogo.
Enfim, a realidade do purgatório é aquela com a qual abrimos, por assim dizer, esse mês de novembro, dedicado a pensarmos nas verdades eternas. E, para ilustrá-los, para ilustrar a fé da Igreja no purgatório, nós temos de recorrer ao testemunho dos santos, dos místicos, aqueles que receberam de Deus uma especial iluminação sobre o além. E hoje queria trazer o testemunho de uma princesa chamada princesa Eug Van Der Len, uma mulher nobre que, à vista disso, conversava com as almas do purgatório.
Ela nasceu em 1867, mas morreu em 1929. O seu diário, escrito por obediência ao seu confessor, foi publicado com autorização da Igreja e inclusive foi traduzido para o português pela Editora Ave Maria. O livro se chama "Conversando com as Almas do Purgatório".
Em outras línguas, chama-se simplesmente "Diário da Princesa Van Der Ley". Eu queria ler alguns relatos do diário dela. Ela conta que um dominicano lhe apareceu e ela diz: "Ele ficou comigo por muito tempo.
Comecei a falar: 'Por favor, diz-me, se imediatamente após a morte vemos o bom Deus? ' 'Sim', disse ele. 'A alma estremece em adoração e logo emerge na purificação.
' 'Não podes dizer mais? ' 'Um pouco. Quanto mais amares a Deus, tanto maior tua felicidade.
Procura orientar-te conforme essa realidade. Ainda demora muito para te purificar totalmente? ' Ela pergunta; ele responde: 'Não.
' Dia primeiro de outubro, daquele mesmo ano, aproxima-se algo de terrível; parece que é um animal. 'Sei que também isso vai passar, mas assim mesmo, tenho um medo indescritível. ' Sete de outubro, aquele animal horroroso vem agora; todas as noites é um grande macaco, semelhante àquele de tempos atrás.
Algumas almas apareciam para ela na sua fase inicial de ação, sobre formas monstruosas; ou seja, ela via o que o pecado produz na alma, o quanto ele nos deforma espiritualmente. E enquanto ela ia rezando, aquela forma animal ia se tornando humana até que a alma subia para o céu. Ela diz: "Por que sinto de novo esse horrendo pavor?
Não poderia acostumar-me nunca a essas aparições. " Ela diz: "Infelizmente, o dominicano não vem mais. Vem isso sim, aquele animal ediondo.
" Dia dez de outubro: "Passei uma noite medonha. Talvez essas visitas façam parte da necessária renúncia à minha vontade própria. Quero, pois, referir apenas os fatos e não quero lastimar.
O macaco tem o tamanho de uma porta, enraivece. Qual o louco enfurecido, parece nem escutar a minha oração. Entrou pela janela, o que para mim já tem uma conotação sinistra.
Seu bafo no meu rosto e bufa como um animal selvagem. Ele quis estrangular, mas eu coloquei depressa meu crucifixo de agonizantes no meu pescoço e aí me deixou. " Dia quatorze de outubro: "O macaco vem todos os dias, mas exatamente todas as noites.
Eu estranho que tenho couro molhado como se viesse da chuva, mas estou contente que essa alma apareça em forma de macaco e não de cobra, pois se fosse de cobra, seria demais para mim. " Dia dezessete de outubro: "Macaco insuportável. Seus olhos, quando me fixam, são qual carvões em brasa.
Reconheço que me tornei mais corajosa; há um ano eu teria perdido os sentidos. O macaco esteve comigo metade da noite, sempre bastante agitado, acocorado, geralmente num cantinho. De repente, avançou contra mim qual cachorro louco.
Gritei-lhe: 'Não podes fazer isso comigo! ' Caiu no chão, levantou-se de um salto, investiu de novo contra mim. Dei-lhe então um tapa.
'Ai, meu Deus! Jamais tornarei a fazê-lo! ' Gritou de dor e as lágrimas lhe borbulhavam nos olhos selvagens.
Escondeu-se choramingando num canto. Quanto me arrependi por ter sido tão cruel para com ele! " Dia vinte de outubro: "Este macaco ficou comigo quase a noite toda.
Seu rosto se torna mais humano, mas suas feições são repelentes. Rezei muito com ele; gosta que lhe dê água benta jogando no chão. Eu tenho visto também na campina que fica dentro da horta.
Vi de novo aquelas três mulheres na igreja; trajam como camponesas de outrora. " Dias vinte e quatro, vinte e cinco e vinte e seis de outubro: "Noites terríveis com o macaco, falta quase total de sono. Ele precisa de muita ajuda.
Parece bem, compreendo. Pois é tão miserável minha pobre oração. " Dia vinte e oito de outubro: "Nada de novo, o macaco continua me maltratando.
" Dia dois de novembro: "Como de costume, veio o dominicano. Cumprimentei dizendo: 'Hoje temos um dia bonito. ' Ele disse: 'O sangue de Cristo flutua torrencialmente.
' Eu lhe falei: 'Pensas nas muitas santas missas? ' Respondeu: 'Sim, esse sangue nos leva à Vida. Ela também a ti, ainda hoje.
' Ele: 'Vou bem. ' 'Ela deixarás de vir agora assiduamente? ' Ele: 'Tens razão.
' Veio o macaco e meu bom amigo desapareceu. Rezei com novo visitante. " O diário continua.
. . Pouco aqui, ele me olhava de modo tão comovedor que tive de acariciá-lo.
Ao tocar nele, senti a graxa suja de seu couro. "Ainda não consegues falar? " A resposta foi um soluço, e ele se encostou em mim.
"Eu te ordeno que te levantes e me digas: quem és? " Ele responde: "O puro! " "Ela, de bom grado, te ajudo.
De que precisas? " "Ele que te sacrifi. .
. " "Percebeste quanto se rezou no dia de hoje? " "Sim, devido a essas orações, consigo falar.
" "Por que estás nesse estado? " "Não há pecado que eu não tenha cometido. " "Ela diz: no entanto, tiveste fé.
" "Ele, até a hora da morte: 'Tenho o desprezado mais Sublime. ' E depois vi a compreensão, e assim escapei do inferno. " "Ela diz: queres missas?
" "Ele: delas não tiro proveito porque nelas não acreditava. " "Ela: teu castigo consiste nisso. " "Ele: é um dos meus.
" "Muito, muitos castigos sumiam pela janela fora. TR quase o dia todo macaco me perseguiu. Foi assim que tive de representar meu papel de alma, vivendo em Dois Mundos.
Meu íntimo está comovido até o extremo. 7 de novembro: o macaco esteve pior do que nunca, quase não posso olhar para ele. " "Perguntei: o que te aconteceu para te mostrares num estado tão repugnante?
" "Ele: terás de conhecer toda a minha vida. " 8 de outubro: "Esteve comigo quase o dia todo. Eu lhe disse: por que me bateste outro dia?
" "Ele respondeu: quis maltratar-te. " "Ela: mas se quero ajudar-te, tu me bates. Não é isso ingratidão?
" "Ele: no estado em que me encontro, a só a malícia. " "Ela: mas está salvo! Como pode ser mal?
" "Ele: aquilo está ainda grudado em mim. " "Por acaso não enxergas? " "Ela: vejo apenas que és um animal nojento.
" Aí, ele chegou-se a mim: "Meu Deus! Vi o que é simplesmente indescritível: seu corpo estava inteiramente como que esburacado. Em cada cavidade se mexiam milhares e milhares de vermes.
Tudo nele estava sendo roído por vermes e mais vermes. Acho que nunca em minha vida eu havia visto algo tão nojento. " "Ó meu Deus, que eu nunca mais tenha de ver algo tão ediondo!
" Pedi ao meu sinistro amigo: "Por favor, vai embora, não posso suportar. " "São eles símbolos de teus pecados pelos quais não pagaste ainda. " "Ele: são Deus, é infinitamente justo; meus, meus pecados bradam ao céu.
" Dei-lhe muita água benta, e então ele se foi. 27 de novembro: "Furioso, ele me agrediu. Não foi possível defender-me, pois não quis bater nele.
Eu senti os vermes no seu couro; foi um horror. Enfim, me soltou. Exclamei: por que voltas a fazer isso?
Quero que fales! " "Ele gritou: estou ardendo! O que posso fazer por ti?
" "Água benta. " "Dei muita água benta. " "Como já aconteceram, não se via nenhuma gota no chão.
Olhou-me cordialmente, começou a orar. " "Por favor, diz-me quem és. " "Ele respondeu: holf Von.
" "E o sobrenome? " "Então, vivias aqui? " "Aqui.
" "Vivi aqui, pecava. " E ele vai contando os seus pecados: "Que ele tinha cometido homicídio contra uma pessoa. " 18 de dezembro: "Nada mais escrevi porque não foi possível colóquio algum.
O macaco se transformou em fera furiosa. Se tenho feito por ele o que foi possível, isto se deu provavelmente devido à minha covardia e não ao meu pouco amor. " 21 de dezembro: "Ela lhe pergunta: por que me torturas tanto?
" "Ele diz: para aumentar o teu sacrifício. " "Ou seja, a alma fazia aquilo com ela para que, sacrificando-se, pudesse agir a Deus pela sua purificação. " 23 de dezembro: "Ficou comigo por muito tempo.
Já não preciso ter medo dele; apenas seu olhar é penetrante demais e bastante inquieto. " "Gostaria de saber como é possível que as almas apareçam sob diversas formas. " "Ele respondeu: é pela permissão de Deus.
Não podes ver a alma. " O relato continua, mas depois essa alma se transforma e é salva. Uns dias depois, aparece para ela uma freira.
"Furiosamente, o horror me assalta. Nunca ouvi barulho semelhante a esse. A situação foi tão horrenda que comecei a suar por todos os poros.
Todos os dias acontecia o mesmo barulho e pavor. " 18 de fevereiro: "Adoeci de pavor. " 19 de fevereiro: "No centro do fogo, acaba de formar-se uma indefinível massa escura, da qual sai o medonho estrépito.
As chamas não espalham calor. " "Enfraqueceu a tempestade inicial; gastei muita água benta. " 2 de fevereiro: "E aconteceu o pior que me poderia acontecer: aquela massa escura é uma cobra.
" "Quando dei por isso, fiquei como que paralisada de pavor; tenho um medo inominável, pois uma simples cobra cega me faz tremer de medo. " "Essa cobra me parece descomunal; talvez tenha uns 3 m de comprimento. Já estou tremendo de medo imaginando as noites que passarei.
Ainda não estou em condições de fazer sacrifícios. " 23 de fevereiro: "Só depois de uma noite, a cobra veio com um surdo 'B' que caiu no chão; estava estendida à minha frente. Pelas 3 da madrugada, entrou junto ao meu leito, na parede, passou para o quarto da criança que estava ao lado.
" 24 de fevereiro: "Aquele pobre animal tem olhos chamejantes, em que arde muita inquietação. " 25 de fevereiro: "Examinei-a bem; é de um cinza escuro com listras brancas. " "Ela pergunta: não há resposta?
" "Ela vai sendo atacada até que, no dia 4 de março, a cobra fala: eu lhe disse: mostra-te, enfim, do jeito que eras do mundo, pois já não te suporto mais! " "Então ela se revela como uma religiosa que mentia; por causa das mentiras, acabou assumindo como que a natureza de uma cobra. " "Ela diz: esta foi a imagem da minha vida.
Diz: 'Tu desprezaste o meu pecado. '" Dia 19 de março: "Ela ficou a noite toda comigo; era de fato Maria, fulana, religiosa francesa de Pi; morreu faz 5 anos em Marselha. " Perguntei-lhe: "Por que não te mostras em teu convento?
" "Ela: estou lá muitas vezes, mas não me enxergam. Podes explicar-me por que eu te vejo e elas, que são tão piedosas, não te percebem? " "Ela diz: o.
. . " Espírito delas ainda está preso.
Tu consegues libertar-te? Ela pede para que a princesa Fanda Meyer continue, e se mortificando por ela até que, depois, ela assume novamente as funções religiosas e sobe ao céu. Os relatos do diário são muitos.
Eu li apenas dois, mas são como que metáforas sobrenaturais para nós percebermos que o pecado não é uma coisa que nós fazemos fora de nós mesmos; ele nos deforma, ele se apega ao nosso ser, ele se torna uma natureza propensa a tudo que é mal. E se nós não praticamos nessa vida a penitência, não abraçamos os sacramentos, não vivemos a vida espiritual realmente, se nós desprezamos a graça divina, nós corremos sérios riscos de nos perdermos. Mas, mesmo que por misericórdia sejamos salvos, podemos sofrer terrivelmente por causa das deformações que o pecado produz em nós.
Queridos irmãos, nós não podemos brincar com isso! Quantas vezes nós somos levianos? Hoje, oferecemos as orações da Igreja pelas almas do purgatório, dentre as quais um dia nós poderemos estar.
Que Deus nos ajude com a sua infinita graça e que nós, de uma vez por todas, quebremos essa corrente que nos liga ao mal, para assim podermos verdadeiramente ter a nossa alma livre para voar na direção de Deus, para voar na direção do céu.