Black Mirror 7x02 - Bête Noire | Análise

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PH Santos
Black Mirror S07E02 - Bête Noire (Netflix, 2025) Maria, uma executiva de alto nível em uma empresa ...
Video Transcript:
Uma jovem a destaque em uma empresa de doces, até que a sua ex-colega dos tempos de escola entra na mesma empresa. E a partir daí a realidade dessa jovem, ela começa assim a se desmanchar completamente. Essa é a sinopse bem simples, inclusive do segundo episódio da sétima temporada de Black Mirror.
É o episódio mais fraco da temporada, mas ainda assim eu acho que ele consegue trazer boas reflexões, consegue sugerir boas reflexões. A direção é de Toby Haynes, o mesmo de USS Cister, né? tanto do anterior como do próximo, né, do sexto episódio.
E também é diretor de Demon 79, que foi para mim um dos melhores episódios da temporada passada, a sexta temporada. Aqui a gente tem um episódio abertamente pessimista sobre tecnologia e que faz uma pergunta bem direta: quem você seria se tivesse todo o poder nas suas mãos? De quebra ainda conversa sobre fake news e sobre essa sociedade da manipulação na qual estamos mergulhados.
Vou falar sobre tudo isso, mas antes só fica o aviso de que na descrição desse vídeo tem o link para os vídeos de todos os episódios de Black Mirror. Exatamente. Todos.
Aproveita, se inscreve no canal, deixa seu like e agora sim, vamos lá. O que [Música] interessa. Diferente do episódio anterior a esse, né, o primeiro episódio, aqui a tecnologia demora a aparecer.
Isso serve para nos mostrar que a gente já vive nessa realidade onde as informações elas são moldadas à vontade de alguém ou melhor ao prazer de alguns poucos. A premissa tecnológica, que é o aparelhinho de acessar o multiverso, um controle remoto de multiverso que a Verit inventou, poderia gerar paz mundial, cura de doenças, mas toma um rumo muito mais pessoal, né? Muito mais próprio, digamos assim.
Ela usa a tecnologia para se vingar de valentões da escola, porque como Charlie Brooker já afirmou várias vezes, o problema nunca é a tecnologia e sim quem as utiliza, né? Nunca são as tecnologias, mas quem as utiliza. E mais uma vez o autor constrói uma narrativa que encarna esse princípio de que invenções revolucionárias são apenas extensões do ego de quem as cria.
Isso aconteceu em USS Cister. Portanto, o próprio diretor aqui vem, né, esse mesmo diretor vem assumir. A questão é que nada nasce do nada.
E pro Charlie Brook, esse episódio deixa bem claro, tudo é resposta a uma dor, a um trauma, a uma frustração. Por isso é é muito importante a gente ter cuidado com aquilo que a gente venera cegamente, ainda mais quando ganha o poder de nos ouvir, de nos ver, de interpretar os nossos pensamentos e até de nos levar a conclusões novas que a gente nem sabia que poderia chegar nelas. Entendeu o meu ponto?
Verit não quer dominar o universo. As suas motivações são íntimas, subjetivas, viscerais e é isso que nos move, né? Sempre foi e sempre será isso.
Portanto, o uso da tecnologia, sobretudo o domínio dela por alguns, ele se torna perigoso quando a gente não entende que tem um sujeito agindo através dela, através das tecnologias. Verity não busca justiça, ela busca alívio. E o alívio quando vem do ego, eh, quase sempre contamina todas as demais ações daquele sujeito.
A garota começa a reconfigurar a realidade como quem reorganiza arquivos para moldar uma narrativa pessoal. Em outras palavras, ela planta versões dos fatos, como quem cria fake news, mas se apresenta como vítima, como se estivesse apenas corrigindo injustiça. E aí, claro, surge a pergunta: você vai ficar contra alguém que sofreu bullying?
Sério? Você vai fazer isso? É nesse ponto que o episódio se conecta diretamente com a nossa realidade.
Porque mesmo sem um aparelho como esse aqui apresentado, a gente já vive cercado por versões editadas da realidade, da verdade. A gente já vive em um uma realidade moldada em nome do ego de alguiens, né, de algumas pessoas ou de algum grupo. O episódio aponta para algo que está no centro da sociedade atual, a disputa pelas histórias.
Cada acontecimento gera múltiplas versões, gera múltiplas defesas com unhas e dentes pelos lados opostos e os vários lados que vão surgindo da mesma coisa. Quem domina a narrativa domina o presente, domina também o futuro. Não é muito diferente do que faz a nossa personagem aqui, né?
No que faz a Verity. Ela reconstrói eventos em fragmentos, ela cria novas versões, reorganiza os sentidos e se torna perigosa, não por conta da tecnologia, mas por usá-la como espelho da nossa lógica contemporânea. A gente vive na era do gas lighting coletivo.
Gasliting é uma manipulação psicológica. É uma manipulação que você distorce a opinião do outro a ponto a nem a opinião, a visão do outro a ponto de parecer inclusive para o outro que ele está errado, né? Então, a gente vive essa manipulação psicológica como regra e coletiva.
Distorce-se tanta realidade de quem está certo que nos faz parecer errado. Quem está errado parece mais errado ainda. E quem tá certo demais aí vai se tornando intocável, invencível.
É assim que surgem os novos ídolos. E não tem mais nada contemporâneo do que isso tudo que eu tô falando. Se você acha que eu tô falando sobre o episódio, você não tá prestando atenção.
O episódio ele vai aos poucos perguntando se Maria e Verit são tão diferentes assim. Até deixar claro que não são só no final, mas durante todo o episódio vai perguntando, vai nos questionando. Ao longo da trama, a gente vê Maria, mesmo sem o controle em mãos, tentando reescrever coisas a seu favor, de maneira mais sutil, é verdade, mas ainda assim manipulando a realidade.
Maria está acostumada a estar sempre certa e também a dar certo. Ela vem dando certo, né? Ela tá tão confortável com essa posição que propõe que ela cria o Ediondo doce de missor.
Gente, que realidade é essa que a gente vai comer um doce de missor? Mas Maria tá, ó, no topo, né? E acha que isso daí até isso ela pode fazer as pessoas a a gostar.
Quando conta pro Kai uma versão suavizada dos seus dias de escola, ela também tá reconfigurando a narrativa tanto quanto a Verd e ainda sem o controle. Ela reformula os acontecimentos para parecer vítima ou que não seja vítima, tá? Mas uma figura irrelevante no cenário do bullying.
Mas será que também não fazemos o mesmo o tempo inteiro? Será que a gente não tá mais alinhado com Maria e, portanto, com Verity também? Se tivéssemos o controle de Verit, talvez agíssemos como Maria.
Moldaríamos nossas experiências, minimizaríamos nossas vilanias, tentaríamos reescrever a memória a nosso favor. Ei, não me engane não. A gente já, ei, você faz isso.
Não me engane não. Voltando ao doce de Missô, Maria acredita tanto na própria visão de mundo que se torna incapaz de perceber o absurdo que ela tá propondo. Ela confia demais em si mesma.
Em outros momentos, essa obsessão, por estar certa, aparece em gestos bem triviais. Corrige o namorado sobre a localização de uma rua, insiste que o nome correto não é marshmallow, é Malva. e corrigem até o chefe.
E tudo com esse tom arrogante, uma arrogância sutil de quem precisa mostrar que sabe mais, a famosa pedância. O episódio nos conduz com cuidado a torcer por ela ao vê-la com a mocinha em perigo, porque, enfim, ela tá sendo vítima da Verity, mas Maria também é fruto de um sistema obsecado por controle. Se tivesse o poder nas mãos, como a gente vai ver que vai ter, seria tão perigosa quanto aí a sua vilã, digamos assim, a sua antagonista.
E mesmo assim, aí é que a gente tem que olhar pra gente, mesmo assim a gente costuma dar crédito para Marias com a mesma facilidade com que tiramos os créditos de verit. No final das contas, nenhuma merece crédito. Esse é o ponto.
Se entendermos que muitas dessas pessoas que só querem validação do próprio ego, se a gente entender e deixá-las de colocá-las em pedestais, a gente também vai deixar de nos espantar quando as verdades forem descobertas, quando as verdades desmoronarem. O episódio nos faz simpatizar com Maria, mas também nos obriga a refletir sobre quantas outras mocinhas estão a um passo de se tornarem tão nocivas quanto aquilo que criticam. A diferença entre vítima e vilã aqui nesse nosso mundo é só o acesso ao poder e no episódio também.
Maria é produto de um mundo que manipula gostos, opiniões, sensações. Ela é marketing. Eu jamais gostaria de viver em um mundo onde doce admissor.
Mas veja bem, a gente já vive nesse mundo, cara. O marketing nos diz o que é bom, o que devemos consumir, quem devemos admirar. Seguimos dentro dessa sociedade do gasl, ou seja, da sociedade da manipulação, uma manipulação tão forte ou um condicionamento tão forte que tudo é reorganizado, distorcido e dramatizado para caber na visão pessoal de alguém que quer manter o próprio poder, que quer vender mais ou seja lá o que for.
Isso é grave, tá? A gente vive em bolhas moldadas de tal forma que quando o pano cai e a realidade se apresenta, a gente não consegue mais aceitá-la como ela é. Porque assim como Maria, estamos presos à necessidade de que o mundo valide o nosso ponto de vista o tempo inteiro.
E aí quando o mundo não valida, a gente enlouquece. E o pior é que esse controle é exercido por sistemas que a gente nem consegue nomear direito. As inteligências artificiais, por exemplo, estão mudando a internet como um território de ruído, de desinformação, igual a Verity.
E aí no fim a verdade importa muito menos para quem é vítima. A verdade para de se importar. Tu entende isso?
Eu falei das, mas os políticos também. A verdade ela ela derrete. A verdade importa muito menos do que engajamento hoje em dia.
O que vale é gerar lucro. Atenção, domínio para os donos da máquina, a máquina das IAS, a máquina da sociedade. A verdadeira inteligência da artificial não é artificial, é orgânica, é de quem lucra por ela.
Entenda isso de uma vez por todas.
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