“Como professor preciso me mover com clareza na minha prática. Preciso conhecer as diferentes dimensões que caracterizam a essência da prática, o que me pode tornar mais seguro no meu próprio desempenho. ” Segundo Paulo Freire, o aprendizado verdadeiramente pleno implica a habilidade de apreender substantivamente a realidade.
Então, assim como “adestramento” não é sinônimo de educação, a memorização, por si só, não é aprendizado. Nós vimos que o sentido da educação não é fazer com que os alunos decorem o mundo, se adaptem ao mundo Mas que se tornem capazes de recriar, intervir e transformar o conhecimento e o mundo, a partir do que eles aprendem. Quando a aula se restringe à memorização, o aluno pode até decorar momentaneamente aquele conteúdo – que em geral, a gente sabe disso, a gente já foi aluno, informação decorada só para a prova é a primeira a ser esquecida quando a gente deixa de precisar dela.
Então essa antipedagogia vai “ensinar” que o papel do aluno é se restringir à condição de paciente que recebe passivamente a transferência daquele conteúdo, em vez de provocar no aluno as habilidades para que ele mesmo, como sujeito curioso e crítico, aprenda a participar do raciocínio que construiu aquele conhecimento, até para que ele compreenda que é possível superar esses conhecimentos a partir de pesquisa científica, por exemplo. E mais: é justamente essa habilidade de apreender criativamente, participando da construção do conhecimento, é que protege o estudante de um mal aprendizado, daquele em que ele apenas abanou a cabeça e aceitou, ou foi induzido, na submissão passiva ao autoritarismo do professor, a assumir o seu papel de objeto nessa relação antipedagógica. Uma pedagogia que estimule um aluno criativo, por outro lado, tem condições de fazer com que ele se torne cada vez mais capaz de apreender, interpretar e até mesmo corrigir as informações erradas que eventualmente, por algum motivo, ele pode receber em sala de aula.
Por isso que aprender é muito mais do que apenas “repetir a lição”. É preciso sempre manter o espírito aberto para o risco da aventura intelectual. E isso para que a gente possa não apenas repetir o conhecimento, mas superá-lo.
Não há como aprender sem construir e reconstruir. Não basta apenas constatar como o mundo funciona. Para aprender mesmo, é preciso transformar.
Toda prática educativa implica na existência de sujeitos, que apesar de suas diferenças, ou melhor, justamente por causa de suas diferenças, ensinam e aprendem coisas diferentes um com o outro. A prática educativa implica também na existência de objetos, ou seja, os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; e envolve também o uso de um conjunto de métodos, técnicas e materiais necessários ao ensino. Mas um grande ponto, frequentemente negligenciado, é que a educação implica também em um objetivo.
Você aprende isso para quê? Para fazer o que com o que aprendeu? É justamente nesse ponto dessas quatro dimensões da relação educativa, que inclui sujeitos, objetos, métodos e objetivos.
É no objetivo que a gente deve investigar a função diretiva da educação. É aí que estão os ideais, os fins, os sentidos e mesmo os sonhos presentes na ação de educar. É é por isso que é aí que Paulo Freire identifica a dimensão política e ideológica da prática educativa.
E essa nem sempre é uma dimensão facilmente observável, justamente porque isso é pouco discutido. Muitos que não entendem de educação só conseguem enxergar a dimensão “conteúdo”. Acham que a única coisa que existe na pedagogia é o objeto, o conteúdo, a matéria em sala de aula.
Acham que basta mexer na grade curricular. Esse termo “grade” é bem sintomático. Mas por desconhecer as outras dimensões, acham que basta atuar em uma das quatro dimensões, que tudo estará resolvido.
Não são capazes nem de conceber que na educação, além do currículo, há também sujeitos, métodos e objetivos, que são elementos constituintes do processo educativo. Mas o problema é que quando essas dimensões são desconsideradas pelos professores, pelos gestores ou pelos poderes públicos, elas continuam lá, presentes na vida dos alunos, mas simplesmente não são trabalhadas. São ignoradas.
Não há reflexão e nem ação sobre elas. E por isso, sem reflexão, essas dimensões tendem apenas a reproduzir ideologias, sem perceber. Aí o pessoal imagina que tratando a grade curricular está tudo resolvido, o ensino está neutro, mas a relação entre os sujeitos fica ideologicamente autoritária; o método fica ideologicamente conservador, retrógrado, antiquado, desconectado da história; e o objetivo fica oculto, não-dito.
Não é que não há objetivo. Ele só não é claro, manifesto. Às vezes, os alunos percebem intuitivamente que os objetivos são mesquinhos.
É quando eles fazem a pergunta: professor, para quê que eu estou estudando isso? Qual o sentido de estudar isso? Nem sempre a escola tem uma resposta convincente, porque, às vezes, nem a escola parou para pensar sobre isso.
Estuda porque está no currículo. Estuda para passar de ano. Estuda porque tem que estudar.
É por isso que Paulo Freire observa que a educação nunca é neutra, justamente por esse caráter diretivo; porque permeando o conteúdo daquilo que se ensina, seja o conteúdo que for, permeando o método, permeando a natureza da relação entre os sujeitos é uma relação autoritária? É libertária? É conservadora?
É progressista? permeando essas relações, sempre há um objetivo, um fim implícito, às vezes na própria presença deste determinado conteúdo em sala de aula, mas também na própria ausência desses conteúdos. Por isso é que, como em toda e qualquer atividade humana, a educação também tem a sua dimensão política, assim como também tem uma dimensão ética, moral, artística, científica, ou seja, ela tem uma dimensão diretiva.
Por ser uma atividade humana, que conecta seres humanos, educar envolve aspirações, frustrações, medos, desejos. E tudo isso exige do professor uma competência especial intimamente ligada às especificidades de sua atividade. Nesse livro Paulo Freire insiste muito em um ponto de sua pedagogia que frequentemente é mal interpretado.
Para ele, o professor não se deve permitir a ingenuidade de se pensar igual ao educando. Não é isso. Eles são diferentes.
Agora, não é porque são diferentes que o papel do professor seria adestrar, limitar ou doutrinar o aluno para a sua visão de mundo. É o contrário. O papel da educação, na perspectiva freireana, é contribuir para que o aluno se torne cada vez mais autônomo no seu processo de aprendizagem.
Não é papel do professor fazer com que o aluno se torne um eterno dependente de um tutor que vai dizer a ele o que ele deve pensar. O papel do professor é justamente contribuir para que o aluno desenvolva a sua própria capacidade de reflexão. O professor não deve prejudicar a busca por autonomia dos alunos.
E isso implica no estímulo a uma responsabilidade crescente dos educandos. Então, mais uma vez, é o contrário de uma relação de dependência. E Paulo Freire alerta, nesse ponto, para uma questão crucial.
No que diz respeito a esse aspecto diretivo da educação, o professor deve ter idêntico respeito ao aluno que queira mudar e àquele que se recusa a mudar. O professor não deve nem negar ao aluno ou esconder do aluno a sua postura, as suas escolhas e as suas crenças, e nem desconhecer o direito que o aluno tem de rejeitar essas escolhas. E é justamente em nome do respeito que o professor deve aos alunos é que ele não precisa se omitir, ocultar a sua opção política, fingindo neutralidade.
Para Paulo Freire, essa omissão, sim, é um desrespeito ao aluno. Até porque, um dos papeis do professor é exatamente afirmar esse direito inalienável que todos têm de decidir, com liberdade e autonomia. Isso é pedagógico também.
E é por isso que Paulo Freire defende a liberdade do professor, que tem o direito de assumir as suas convicções, que está disposto a aprender mais, que se sente desafiado pela educação e pelo conhecimento, que não se permite burocratizar e que se sente à vontade para assumir as suas limitações – até porque não é preciso escondê-las, até em respeito ao alunos – ao mesmo tempo em que se esforça para superá-las. É por tudo isso que ensinar exige apreensão da realidade, considerando as mais diversas dimensões da prática educativa. Então, o que você pensa sobre esse capítulo de Pedagogia da Autonomia?
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