k [Música] como a literatura pode nos ajudar a compreender melhor o presente o escritor Ítalo Calvino enumera diversas razões em sua famosa obra por ler os clássicos para ele Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer esta série do Café Filosófico revisitou grandes obras literárias do século X ao XX para refletir sobre nossas relações crenças e descrenças pensar a ética a história o mundo da política e as mudanças sociais que vem ocorrendo ao longo do tempo a possíveis leitores este livro é como um livro qualquer mas eu ficaria
contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada aquelas que sabem que a aproximação do que quer que seja se faz gradualmente e penosamente atravessando inclusive o oposto daquilo que se vai aproximar aquelas pessoas que só elas entenderão bem devagar que este livro nada tira de ninguém a mim por exemplo o personagem GH foi dando Pouco a Pouco uma alegria difícil mas chama-se alegria uma das mais conhecidas escritoras brasileiras é Clarice Lispector autora de diversos contos crônicas e romances em universo fantasiosos e reflexões do cotidiano ela nasceu na Ucrânia em 1920 em 22
veio pro Brasil passou a infância em Recife e em 37 mudou-se para o Rio de Janeiro onde se formou em Direito mas antes disso muito jovem ainda ela ingressou na literatura publicando contos que já lhe trouxeram notoriedade naturalizada brasileira e dizendo-se Pernambucana Clarice colocava-se sempre como uma eterna eu resolvi falar sobre um aspecto que eu considero muito importante fundamental na obra dela que é o estranhamento e mais particularmente o estranhamento no livro a legião estrangeira bom estranhamento estranho são palavras que a gente usa muito coloquialmente muito cotidianamente são palavras que fazem parte do Nosso repertório
mais eh diário né a gente sempre se refere a alguém que a gente não entende né cujas atitudes a gente não considera normais entre aspas como estranho mas o que que é estranho Da onde vem a palavra estranho e a ideia de estranhamento né Por incrível que pareça Acho que muita gente não sabe disso estranho tem a mesma etimologia do que a palavra extra extra com x né Extra significa o quê fora estranho é exatamente isso é aquele que é de for aquele que não pertence o estrangeiro estrangeiro e estranho Na verdade são palavras sinônimas
tá estranho é aquele que não pertence a um grupo não pertence a uma determinada comunidade que se autodenominou grupo por alguma razão por algum hábito comum que esse grupo compartilha Então quem não compartilha desse hábito que esse grupo mantém é considerado estranho em relação à aquele grupo então ninguém é estranho em si mesmo todo mundo é estranho em relação a alguma coisa algum hábito partilhado por uma determinada comunidade que estabeleceu esse hábito como determinante desse grupo então estranho é o de fora o que não pertence por causa dessa ideia de não pertencimento né daquele que
não pertence a um determinado grupo é que com o tempo com a história foi evoluindo a noção de de Fora para aquele que que é esquisito como hoje a gente concebe a ideia de estranho a gente chama alguém de estranho ou alguma coisa de estranha quando a gente não entende né como ela funciona eh eh Quais são os hábitos dessa pessoa ou qual é o comportamento dessa pessoa quando a gente não consegue encaixar né o comportamento as atitudes dessa pessoa a gente diz que ela é estranha é importante pra gente começar a na obra da
clariss Lispector que a gente compreenda estranho e estranhamento como isso como algo que é de fora que não pertence a alguém pode ser considerado estranho por um grupo Como eu disse que partilha determinados hábitos ou também pode se considerar estranho em relação a vários grupos ou a algum grupo na Europa a gente conhece muitos casos de xenofobia né de pessoas que são de um determinado país de uma nacionalidade e vê Imigrantes de outros lugares que querem pertencer à aquele país mas não são aceitos tá então eles são considerad estranhos por um grupo x ou a
própria pessoa pode se considerar estranha se colocar como estranha ela pode até querer ser aceita por um determinado grupo mas ainda assim se considerar estranha em relação à aquele grupo no no caso da Clarice Lispector eu posso dizer para vocês que ela sofria de ambas as coisas né tanto ela era considerada estranha pelos grupos por onde ela passou com quem ela conviveu né é muito comum pessoas que a conheceram ou mesmo se vocês virem entrevistas né com a Clarice falando que os outros que a maioria das pessoas diga não ela é genial ela é fant
ela é Bárbara a literatura dela é maravilhosa mas ela é meio estranha vocês consideram uma escritora Popular não por Qual razão não me chama até de hermética como é que posso ser popular sendo hermética eu me compreendo de modo que eu não sou hermética para mim bom tem um conto meu que que eu não compreendo muito bem o ovo e a galinha que é um mistério para mim mas a obra dela também dizem tem alguma coisa muito estranha ali até um estranhamento fascinante porque o estranhamento ele não só repele ele também fascina aliás por causa
do Fascínio que o estranhamento exerce ele também gera repulsa porque a gente muitas vezes rejeita aquilo que nos fascina né pelo medo de que aquilo que nos fascina possa nos envolver excessivamente a gente tem certo medo disso né Desse envolvimento muito eh fatal muito arrebatador e eu também posso dizer que ela mesma também se sentia muito estranha em relação a todos os mundos que ela habitou né ela foi mulher de diplomata Ela morou em vários países ela eh veio da Ucrânia aos 2 anos de idade foi pro Recife então além de ser estranha nesse sentido
que eu tô querendo dizer para vocês ela era Principalmente uma estrangeira né estranha e estrangeira são sinônimos como eu já disse e ela era uma estrangeira que se Manteve estrangeira durante toda vida estrangeira no sentido fundamental da palavra como se ela não pertencesse aos mundos que ela habitou né ela não conseguia se adequar aos lugares que ela habitava e à funções que ela exercia e eu acho que isso explica em grande parte o tipo de literatura que ela produziu clor t muitos amigos com quem trocava correspondências entre eles diversos escritores e artistas rubben Braga Fernando
Sabino Hélio Pelegrino Paulo Mendes Campos oto Lara Rezende Fernanda Montenegro um deles João Cabral de Melo Neto revela um pouco sobre ela no poema contam de clariss Lispector Bom dia clariss Lispector intercambios 10.000 anedotas de morte e do que tem de sério e circo nisso chegam outros amigos vindos do último futebol comentando o jogo recontando refazendo de gol a gol quando o futebol esmorece abre a boca um silêncio enorme e ouve-se a voz de Clarice vamos voltar a falar na morte ela eh virava as coisas do Avesso ela torcia a compreensão do real e eu
acabei de lembrar de uma outra anedota que contam sobre e a Clarice que uma vez pediram para ela Clarice Por que que você não escreve uma história normal com começo meio e fim como todo mundo escreve ela disse Tá bom eu vou tentar aí ela aí ela começa com aquele né início bem convencional era uma vez um pássaro meu Deus tá então foi isso que ela conseguiu fazer com o era uma vez né ela não tinha esse repertório esse Cabedal que muita gente tem de conseguir falar uma frase com começo meio e fim isso para
ela era como se fosse um atentado contra a língua essa normalidade essa linearidade da língua no próximo bloco quando comunico com criança é fácil porque sou muito [Música] Maternal mais do que descrever situações e personagens Clarissa Elis Spector nos convida através de suas palavras a rever o mundo Ou melhor voltar a vê-lo com o mesmo Encanto EC que uma criança vê algo pela primeira vez quando eu me comunico com criança é fácil porque eu sou muito Maternal Quando Eu comunico com adulto Na verdade tô me comunicando com mais secreto de mim mesma o adulto é
triste e Solitário a criança tem a fantasia solta eu quero falar um pouco para você sobre o histórico da noção de estranhamento que já é uma noção antiga na teoria da literatura então no começo do século XX houve um grupo de estudiosos da literatura na Rússia chamados os formalistas russos talvez vocês já tenam ouvido falar de um ou outro desses teóricos mas um deles chamado Victor shklovsky um nome bem complicado escreveu um livro chamado a arte como procedimento e nesse livro ele falou sobre um conceito que depois rendeu muito para o estudo da literatura que
foi eh muito polêmico também chamado ostranenie em russo cuja tradução pro português é justamente estranhamento e ele dizia que o estranhamento o ostranenie era um procedimento fundamental pra criação artí que era um procedimento de singularização né de você singularizar particularizar individualizar determinado objeto ou cena ou pessoa e a partir desse procedimento de particularização de singularização desf familiarizar a compreensão que se tem dessa coisa desse objeto dessa cena dessa pessoa o shklovsky dizia isso que é pelo processo de singularização que você cria uma desf familiarização uma desbanalização né uma desautomatizar de fora não pertencer e também
ver as coisas pela primeira vez isso também é um efeito de estanhamento que tem muito a ver com a Clarissa Elis Spector ela tinha nas obras dela a capacidade de ver as coisas como uma criança como se elas como se ela as estivesse vendo pela primeira vez e ao fazer isso ela faz com que nós também leitores consigamos ver aquelas coisas como pela primeira vez na própria cidade que a gente em que a gente mora nos próprios lugares que a gente frequenta de repente adquiri um olhar estrangeiro em relação a ele é tão gostoso né
a mesma o mesmo olhar que a gente tem quando a gente viaja para um lugar que a gente não conhece e às vezes a gente consegue pela singularização pela desf familiarização também v o nosso lugar como estrangeiro né é adquirir mudar alguma coisa na sintonia mental na sintonia Dos sentidos para conseguir ver as coisas pela primeira vez e a Clarice conseguia fazer isso né na obra dela e eu acho que tenho certeza de que isso tem muito a ver com esse olhar de Fora que tem a ver com essa percepção inaugural infantil da realidade esse
olhar inaugural esse olhar estrangeiro esse olhar de estranhamento em relação à realidade em relação ao mundo é também o olhar do Espanto uma coisa que eu escrevi sobre um bandido sobre um um criminoso chamado mineirinho que morreu com 13 balas quando uma Só bastava e que era devoto de São Jorge e tinha uma namorada que me deu uma revolta enorme qualquer coisa assim como o primeiro tiro me espanta o segundo tiro não sei que o terceiro coisa o 12º me atinge o 13º sou eu eu era me transformei no minerinho massacrado pela polícia qualquer que
tivesse sido o crime dele uma bala bastava o resto era vontade de matar era prepotência Esta é a lei Mas alguma coisa que se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança no terceiro me deixa alerta no quarto desassossegada o quinto e o sexto me cobrem de vergonha o sétimo e o oitavo eu ouço com um coração batendo de horror no nono e no 10º Minha boca está trêmula no 11º digo em espanto o nome de Deus no 12º eu chamo meu irmão o 13º tiro me assassina porque eu
sou o outro porque eu quero ser o outro Essa justiça que vela meu sono eu a repudio humilhada por precisar dela enquanto isso eu durmo e falsamente me salvo nós os sonsos essenciais o próprio Platão num dos diálogos dele mais conhecidos chamado teeteto falava da origem da Filosofia numa experiência de maravilhamento né e muitos outros estudiosos poderi acrescentar que essa também é a origem da poesia a origem da arte e até da ciência né quando é que um filósofo se dispõe a filosofar ou quando é que um artista se dispõe a criar ou quando é
que um cientista se dispõe a pensar sobre a realidade quando ele estranha a realidade quando ele se espanta com a realidade né e um filósofo pergunta mas o que é a vida ou para onde é que nós vamos Será que Deus existe por que existe a morte qual é a origem do mundo Essas são as mesmas perguntas que os poetas também se fazem também as são as perguntas que as crianças fazem né infelizmente depois que a gente começa a virar adulto e precisa fazer as coisas certinhas do jeito certo na hora certa no lugar certo
a gente para de fazer essas perguntas né a gente para de se espantar cada vez mais com a realidade mas da daí surge uma Clarice Lispector que fala não pera aí essas perguntas ainda estão aí e a gente ainda não sabe responder e a gente precisa voltar a se espantar com essas coisas todas mas não só com essas coisas misteriosas que ninguém sabe responder também com as coisas do dia a dia né o Modesto caroni que é um escritor um estudioso da obra do cafca de quem eu gosto muito ele diz o espantoso é que
o espantoso não espanta mais né as coisas que deveriam nos espantar já não nos espantam mais porque tá tudo tão banalizado né as coisas mais absurdas a gente passa por elas como se elas não existissem eis que para devolver a sensação de vida para sentir os objetos para provar que pedra é pedra existe o que se chama arte a finalidade da arte é dar uma sensação do objeto como visão e não como reconhecimento o processo da arte é o processo de singularização ostranenie dos objetos e o processo que consiste em obscurecer a forma em aumentar
a dificuldade e a duração da percepção o ato de percepção em arte é um fim em si e deve ser prolongado a arte é um meio de sentir o Devir do objeto aquilo que já se tornou não interessa a arte uma coisa já fechada acabada concluída completa né decidida não interessa ao olhar artístico o que interessa são as coisas em estado de nascimento em estado de transformação em estado de tornar-se como se elas estivessem nascendo naquele momento como se as palavras estivessem acabando de nascer como se a gente estivesse vendo a linguagem brotar e as
coisas de que as palavras falam também brotando a partir do momento em que elas são pronunciadas é isso que a clariss faz que é esse olhar infantil inaugural em relação ao mundo e através do uso que ela faz das palavras que não são só as coisas que brotam pelas palavras que ela usa mas as próprias palavras brotam a partir do uso que a Clarice faz dela eu não sou uma profissional eu só escrevo quando eu quero eu sou uma amadura e faço questão de continuar ser amadura profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesma
consigo mesmo de escrever ou então com o outro em relação ao outro agora eu faço questão de não ser um profissional para manter minha liberdade sempre mantém esse lugar Extra Fora esse lugar fora do lugar e uma coisa que se fala muito sobre a obra da Clarice não sei se vocês já ouviram falar desse conceito é a epifania e o que que é a epifania epifania ela vem é uma palavra que vem da tradição grega depois ela passa pela tradição Cristã e ela significa tanto na Grécia antiga como no cristianismo Revelação eh só que a
literatura a partir do James Joyce se apropriou desse conceito de Revelação Religiosa e passou a conceber epifania como uma revelação banal uma revelação cotidiana que é uma transformação pela qual alguém passa desencadeada por uma coisa banal por uma coisa súbita repentina e coloquial sem uma importância aparente né E essa esse efeito de epifania ele é individual ele não é coletivo então a mesma coisa que para mim pode gerar uma epifania para você pode não gerar dependendo do estado em que eu me encontro do lugar em que eu me encontro do momento em que eu me
encontro esse copo pode gerar no meu comportamento uma revelação uma transformação que eu não podia prever né ah sei lá eu olhando como o prust comendo a Madeleine rememora toda a infância dele e ele não podia esperar que ao morder aquela Madeleine toda a infância dele sobreviesse né ao presente dele a mesma coisa pode acontecer comigo agora quando eu senti o gosto dessa água por exemplo ou quando eu olho para essa transparência o efeito dessa Transparência sobre a mesa isso pode gerar em mim algum algum tipo de epifania que eu não esperava Mas acontece né
alguma transformação súbita em mim isso acontece demais nos contos da clariss Lispector Nos romances da Clarissa Lispector vocês vão ver que quase sempre tem um personagem que diante de uma visão banal cotidiana passa por uma transformação de repente Olha o ovo na cozinha e vejo nele a comida não reconheço e meu coração bate a metamorfose está se fazendo em mim começo a não poder mais enxergar o ovo fora de cada ovo particular fora de cada ovo que se come o ovo não existe já não consigo mais crer num ovo estou cada vez mais sem força
de acreditar estou morrendo Adeus olhei demais um ovo e ele me foi adormecendo ela é sim uma mulher à frente do tempo ela nunca deixou de ser dona de casa ela gostava de ser dona de casa Ela escrevia enquanto ela cuidava da casa esse é para mim completamente maluco que ela ficava conversando com os filhos com a empregada atendendo o telefone e batendo a máquina na na nos joelhos né mesmo com os filhos pequenos e tal ela gostava de cozinhar gostava de cuidar da casa então ela não abriu mão disso mas ao mesmo tempo ela
trabalhava muito né não quis deixar de trabalhar e eu acho que ela ajudou muitas mulheres a se assumirem como como pessoas que não tão satisfeitas em Serem donas de casa em Serem esposas em Serem mães né e por isso eu acho que essa personagem essa Muler de classe média dona de casa obediente supostamente satisfeita com o destino que a sociedade armou para ela essa mulher é a personagem principal da clariss Lispector é essa mulher que fica aterrorizada por matar baratas né Por obedecer por chinelos de noite né Por fritar um ovo de manhã é uma
mulher que estranha a condição que foi ada pelo mundo para ela então eu acho que ela ajuda muitas mulheres até hoje mesmo a terem epifanias em relação à própria vida no próximo bloco muitas vezes o amor é [Música] sufocante a legião estrangeira é o título do livro de Clarissa Lispector onde ela reúne 13 contos em nenhum deles ela fala de Mercenários e nem mesmo de Legião ou de estrangeiros os personagens variam entre mulheres de classe média adolescentes crianças animais como galinha por exemplo os temas tratam do cotidiano da família da infância da Solidão do tédio
há em todos eles uma atensão no Encontro do eu com outro e daí surge uma epifania Mas onde estaria então a razão do título dado ao livro no conto legião estrangeira que é o último conto do livro não não há nenhuma referência a essas palavras legião estrangeira é sobre uma mulher que compra um pintinho né E tem uma garotinha fica lá enchendo o saco dela até que a menina vê esse pintinho E aí ela tem uma epifania com esse pintinho mas não se fala de Legião nem de estrangeira nada nesse conto então a gente precisa
interpretar o motivo do livro se chamar a legião estrangeira que que ela faz ela estranha esse termo legião estrangeira e ela compreende legião estrangeira não nesse sentido de Mercenários né de quem é pago para guerrear mas no sentido literal Legião milhões de pessoas né Multidões de pessoas todas estrangeiras né a legião estrangeira quem são essas pessoas que não pertencem E aí a gente vai ver os personagens do livro a legião estrangeira que são é uma legião de estrangeiros Quem são os estrangeiros no nosso mundo as crianças né As crianças que toda hora quando elas querem
falar a gente fala fica quieto menino você não é adulto ainda os velhos são estrangeiros também eles também não têm direito de participar a gente trata os velhos como se eles fossem crianças né a gente não fala sai daqui você é velho mas a gente pensa isso e a gente os trata dessa forma os loucos são estrangeiros os adolescentes são estrangeiros e os Animais são estrangeiros né tanto no sentido de que que eles não pertencem como também no sentido de que eles são o outro de nós né e a Clarice tem muito essa capacidade de
fazer pelo estranhamento com que a gente veja o outro esse outro que a gente não quer ver que são as pessoas diferentes de nós né Eh pessoas que pertencem a minorias quaisquer e mesmo os animais a Clarice faz com que a gente veja as coisas da perspectiva desse outro e a partir dessa visão diferente a partir do ponto de vista do outro a gente começa a reconhecer e dar mais valor ao outro né a ampliar a nossa capacidade de eh trazer o outro trazer o fora para dentro e trazer e levar o dentro para fora
né da gente também ser o fora da gente deixar de ser partícipe deixar de ser normal e ver em nós mesmos a capacidade de nós sermos estranhos porque todos nós somos estranhos a gente só não quer reconhecer né a gente fica abafando Mas nós somos também eu quero introduzir um outro conceito muito importante na Clarice que tem a ver com tudo que eu já falei até agora que é um conceito eh uma palavra que já existia em alemão mas que o Freud se apropriou dela para eh eh inserir no pensamento psicanalítico que é o unheimlich
unheimlich vem do Alemão e significa o estranho familiar heim É Casa Lar né família un é de fora então de fora do Lar de fora da família e o unheimlich o o Freud eh criou esse conceito a partir de um conto do Hoffman chamado homem de areia que ele viu H nesse conto que esse homem que tinha visões né fantasmáticas assombrosas ele confundia a ficção com a realidade e o Freud diz que essa confusão entre ficção e realidade aí em toda a teoria psicanalítica em pessoas que têm problemas com recalque é esse unheimlich que é
aquilo que é familiar mas que a gente recalca isso na psicanálise né e eu não sou psicanalista não entendo disso mas tô só falando bem de uma forma bem geral a gente recalca aquilo que é familiar mas com o qual a gente não quer ter contato porque nos assusta mas em função de alguma coisa que surge alguma imagem o recalcado volta né então Aquilo é familiar mas ao mesmo tempo nos é estranho e a gente não sabe mais eh distinguir os limites entre o real e o imaginário na Clarissa isso acontece muito muito mesmo né
que coisas que a gente já conhece de repente ressurgem de uma forma que a gente não conhece e a gente passa a desconhecer aquilo e por isso aquilo nos assusta ao mesmo tempo que nos encanta como eu já falei também nos assusta e é claro que o que é familiar nos assusta muito mais do que o que é completamente distante de nós o distante a gente fala tudo bem fica lá mas quando é familiar aí você fala não pera aí tá dentro de mim isso aí eu conheço quando você adquire essa possibilidade de ver as
coisas com esse olhar inaugural né E de ter uma epifania em relação às coisas normais do dia a dia o que você adquire de verdade é um alargamento do teu Horizonte interno para levar em consideração o outro né para entender melhor aquilo que é diferente de você né na vida o que a gente quer é se abrir pro outro né e ter os olhos para aceitar todas as diferenças e diminuir os entraves que separam um grupo do outro nunca saberei o que eu entendo o que quer que eu tenha entendido no parque foi com um
choque de doçura entendido pela minha ignorância ignorança que ali em pé numa solidão sem dor não menor que a das Árvores eu recuperava inteira a ignorância e a sua verdade incompreensível ali estava eu a menina esperta demais e Eis que tudo que em mim não prestava servia a Deus e aos homens tudo que em mim não prestava era o meu tesouro são 13 contos todos os contos eu fiz questão de ver são narrados no pretérito imperfeito né que é eh estava falava fazia caminhava andava que é um tempo verbal que dá muito uma sensação nostálgica
melancólica né de rememoração pro que tá sendo narrado que é muito a sensação que a gente tem ao ler os contos da Clarice Lispector A maioria dos contos não todos mas a maioria na maioria dos contos os personagens não tem nome tá então cria-se uma espécie de generalização representativa como se aqueles personagens fossem todos os personagens quaisquer personagens né aquela velha de quem ele tá falando pode ser qualquer velha aquela criança pode ser qualquer criança o pretérito imperfeito também dá essa sensação de alguma coisa que aconteceu com aqueles personagens mas também pode ter acontecido com
todo mundo M porque todos os os contos T essa sensação de uma fábula uma parábola como se ela tivesse contando uma história meio bíblica uma história que não pertence a tempo nenhum e portanto pertence a todos os tempos as histórias praticamente não TM Trama tá então você pergunta o que que acontece num conto da clariss Lispector nada não acontece nada uma mulher Acorda vai fazer café da manhã e vê um ovo é isso que acontece tá nos contos não tem aquelas aventuras são enredo vários personagens que passam por muitas coisas não tem o tempo ia
passando nenhuma ideia se trocava e nunca nunca eles se compreendiam com perfeição como na primeira vez em que ela dissera que sentia angústia e por milagre também ele dissera que sentia e formava-se o pactor ível e nunca nunca acontecia alguma coisa que enfim arrematar a cegueira com que estendiam as mãos e que os tornasse prontos pro destino que impaciente os esperava e os fizesse enfim dizer para sempre Adeus talvez estivessem tão prontos para se soltarem um do outro como uma gota d'água quase a cair e apenas esperassem algo que simbolizasse a plenitude da angústia Para
poderem se separar você não não vai ter a resposta no conto a resposta você vai encontrar em você mesmo se você encontrar e se você conseguir S imbuir desse sentido de estranhamento em relação ao mundo a Clarice ela trata do sentimentos que normalmente a gente entende como só exclusivamente positivos como uma coisa estranha muitas vezes negativa por exemplo o amor né o amor pras pessoas pra nossa vida normal é o sentimento Mais Positivo né sentimento mais humano mais solidário mais construtivo que pode existir né paraa Clarice muitas vezes o amor é sufocante é excessivo é
destruidor é arrasador a esperança né que também a gente entende como algo que nos redime que nos salva né alguma coisa em que a gente pode se apoiar quando tudo tá ruim pra Clarice é um tipo de maldição e a quantidade de vezes que ela usa o verbo ver e as variações do verbo ver é impressionante no livro porque ela vê as coisas ela não olha ela vê a outra coisa muito bonita nos contos da Clarice é o eito que tem muito a ver com estranhamento e com epifania que é o efeito de gratuidade que
é fazer as coisas sem saber por nem para quem nem Qual é a consequência dessa coisa simplesmente fazer porque eu quero fazer porque é bom fazer porque aquilo me dá prazer por alguma razão que eu não sei explicar né é a gratuidade tem a ver com graça que é como algo que jorra que Brota sem motivo nenhum sem razão nenhuma não faço as coisas porque eu quero com aquilo obter alguma coisa em troca mas simplesmente pela graça de fazer né como receber as graças digamos assim embora até hoje não saiba ao certo o que vi
mas sei que vi vi tão fundo quanto numa boca de chofre eu via O Abismo do mundo o que eu vi eu vi tão de perto que não sei o que vi como se meu olho curioso tivesse colado ao buraco de uma fechadura e em choque deparasse do outro lado com um olho colado me olhando eu vi dentro de um olho o que era tão incompreensível como um olho essa ideia de você olhar a coisa de uma forma tão singular tão particularizada que você passa a desolar a coisa e no momento em que você des
Olha a coisa é que você vê a coisa no próximo bloco eu acho que enquando não escrevo eu tô [Música] morta tem período de produz intensamente e tem períodos e atos em que a vida fica intolerável é muito duro período entre um trabalho e outro e ao mesmo tempo é necessário para ha um uma espécie de esvaziamento da da da cabeça para poder nascer alguma outra coisa se nascer é tudo tão incerto eu acho que en quando não escrevo eu tô morta ela associa muito o nascimento à dor porque o nascimento é claro que dói
né Tanto para quem eh pare como para quem tá nascendo mas é é o nascimento das coisas e o nascimento das palavras na obra da Clarice também sangra né porque você vê aquela coisa ao mesmo tempo em que ela floresce e aparece ela passa por algum tipo de morte né pra gente poder ver as coisas é preciso primeiro que elas morram que a gente desconheça as coisas do jeito como Elas costumam ser a ideia aqui é de que o grande outro de quem a Clarissa L Spector fala esse estranho né que a gente não conhece
sou eu mesma somos nós mesmos e o grande outro a quem a gente deve dar o nosso olhar que a gente deve ver é cada um de nós né Que deve Morrer para poder fazer o próprio parto de uma maneira Renovada inaugural né como se a gente tivesse sempre nascendo de novo né e vendo as coisas pela primeira vez era cedo demais PR eu ver como nasce a vida vida nascendo era tão mais sangrento do que morrer morrer é ininterrupto mas ver a matéria inerte lentamente tentando se erguer como um grande morto vivo ver a
esperança me aterrorizava ver a vida me embrulhava o estômago estavam pedindo demais da minha coragem só porque eu era corajosa pediam minha força só porque eu era forte desses contos aqui da legião estrangeira cujos personagens não TM quase nomes o tempo verbal no pretérito imperfeito ausência de Trama essa atemporalidade das histórias faz com que os personagens da Clarice sejam além de serem individuais de eles terem uma consistência particular eles também são Gerais os adolescentes que que não tem nome nesse caso esses adolescentes Apaixonados Pela angústia são todos os adolescentes né a menina Sofia que Desafia
o professor ela é todas as crianças espertas né que Tão tentando se encontrar em algum lugar então eu acho que por causa dessa representatividade mais geral dos personagens você vai reencontrar esses personagens em várias obras da Clarice e e são também como eu tinha falado personagens todos que não encontram o seu lugar né dentro de um eh dentro de um círculo estabelecido qualquer eu acabei a novela Que novela é essa clariss só de uma de uma moça tão Poa que só comia com cachorro quente a história não é isso só não a história é de
uma Inocência pisada uma miséria anônima o cenário dessa novela é in é Rio de Janeiro mas o personagem é nordestino é de Alagoas onde que você foi buscar dentro de si mesma Eu morei em Recife Eu morei no Nordeste eu me criei no Nordeste e depois no Rio de Janeiro tem uma feira dos nordestinos no campo São cristov e uma vez eu fui lá e peguei o ardo meio perdido do destino no Rio de Janeiro então a macabé né Ela é uma nordestina que é nos anos 70 que é quando o livro se passa quer
alguma coisa mais estrangeira do que ser uma nordestina pobre no Rio de Janeiro né pior quase igual ser uma ucraniana pobre em Recife quando a Clarice chegou aqui né até pior ainda e essa a macabea é uma mulher completamente sem lugar né E ela tenta ser o máximo que ela pode pensar em ser é uma datilógrafa e nem isso ela consegue porque ela mancha todos os papéis né onde ela datilografa ela erra tudo né ela não absolutamente uma mulher sem lugar Ô macab desse jeito não dá olha aqui tudo sujo cheio de furo gordura para
todo lado desse jeito nós vamos ter que despedir você seu raimund o senhor me desculpe aborrecimento Clarissa Lispector escreveu um romance angustiante e ao mesmo tempo intrigante a paixão segundo GH uma personagem que se encontra mergulhada em reflexões já no início do livro Ela diz estou procurando estou tentando entender estou procurando estou procurando estou tentando entender tentando dar alguém O que Vivi não sei a quem mas não quem ficar como que Vivi não sei o que fazer do que vivi tenho medo dessa desorganização profunda não confio no que me aconteceu aconteceu-me alguma coisa que eu
pelo fato de não a saber como viver Vivi uma outra essa mulher da paixão segundo GH essa que é a dona de casa que vai no quarto da empregada e lá ela vê uma barata e ela fica diante da barata é esse outro não tem nada mais outro em relação a nós do que uma barata como se fosse a o outro radicalizado né a estrangeiridade em estado puro e o que a a a GH que é uma mulher sem nome né faz em relação a esse outro puro o outro Total absoluto Ela come né Depois
de muito tempo ela tem o risco ela assume o risco de comer a barata que ela incorpora o máximo de outra idade possível para dentro dela e só a partir desse reconhecimento do outro do do mais obscuro possível do mais distante possível é que ela consegue se encontrar que é de novo a história de Morrer para nascer né ela só consegue nascer como mulher aquela dona de casa tão morna quando ela engole uma barata bom agora eu morri vamos ver se eu renasço de novo por enquanto eu tô morta tô falando de meu túmulo Clarice
veio de um mistério e Partiu para outro ficamos sem saber a essência do Mistério ou o mistério não era essencial era Clarice viajando nele era Clarice polindo no fundo mais fundo onde a palavra parece encontrar sua razão de ser e retratar o homem o nosso Café Filosófico fica por aqui mas tem muito mais no site da CPFL Cultura [Música] o que eu percebi é que ela era muito fofa Porque se ela não queria despertar ISO nas pessoas porque só uma pessoa muito fofa para poder reparar no ovo numa barata fazer as pessoas refletirem sobre isso
Será que essa estranheza da Clarice não é um pouquinho o fato dela ser uma mulher à frente da época dela Us [Música]