Bem-vindos ao nosso canal no youtube com o Falando Daquilo de hoje com uma apresentação de um dos casos mais importantes elaborados e por Freud, que é o caso Schreber. Na verdade, um paciente que o Freud não viu. Um paciente que ele estuda a partir das memórias, que esse paciente deixou, que tem uma tradução em português.
Memórias de um Doente dos Nervos, Daniel Paul Schreber. A história que ele apresenta então primeira pessoa como uma peça de argumentação jurídica, para que ele possa deixar o asilo, o sanatório, o manicômio, onde ele se encontra. A história desse sujeito é que ele vem de uma família de pedagogos de educadores e o pai dele inventou vários instrumentos, para que a criança pudesse manter a postura, não se masturbar, ter uma atitude corporal compatível com o estado de atenção que ele queria obter, ou seja, o pai do Schreber, de certa forma, teve uma atitude excessivamente pedagógico e professoral com os filhos.
Isso, quando a gente encontra na clínica, é sempre uma dificuldade e, de fato um dos irmãos do presidente Schreber veio cometer suicídio e, apesar disso, dessas dificuldades, de origem, vamos dizer assim, ele se forma no curso de direito e se torna um eminente jurista. Faz uma carreira rápida. Progride bastante na vida ao ponto de abrir suas memórias dizendo: "eu não posso me queixar de nada.
A vida foi generosa comigo. Apenas não tive filhos. Nisso, bom, Deus não não colaborou comigo nessa pretensão.
Schreber caminha nessa direção até que ele recebe a nomeação para a corte de apelação da Baixa Saxônia, que é um cargo assim mais elevado. E nesse momento, começam a fluir nele determinadas ideias. Ideias que se impõem uma primeira vez a partir de um momento, em que ele está assim entre o sono e a vigília.
Quando está acordando, ele pensa: "ah, como seria bom ser copulado como uma mulher". Esse pensamento aparece a ele como um pensamento intrusivo, como um pensamento que ele não consegue reconhecer como próprio, um pensamento que , diante do qual, ele se surpreende e ele faz uma pergunta assim: "como é que eu pude pensar isso? Quem é que pôs esse pensamento em mim?
O que está acontecendo comigo? Eu estou ficando doente. " Então ele passa por uma primeira internação, onde é cuidado por um psiquiatra e neurologista, chamado Flechsig, que tem uma teoria muito peculiar sobre o funcionamento dos neurônios e está desenvolvendo o nascimento da teoria psiquiátrica, ligada ao funcionamento cerebral e, de fato, o Schreber vem então a melhorar e, depois de um período de internação nesse hospital, que se chamava justamente Sonnenstein, volta às suas atividades.
Mas, em seguida, tem uma segunda recaída. E é sobre essa segunda recaída, no contexto dessa segunda recaída, em que ele escreve esse livro, tentando argumentar o seguinte: o que aconteceu é algo assim muito inusitado; é algo que não acontece com muitas pessoas, mas que não impede o meu funcionamento cognitivo pleno e que, portanto, eu devo ser readmitido no trabalho. O que teria acontecido com o Schreber e que ele narra para nós em detalhes?
Ele teria evocado, por certas peculiaridades do seu corpo e da sua forma de pensar, a volúpia de Deus. Deus é um personagem, que tem dificuldades para aprender. Deus é um personagem meio burro.
Deus se cativou pelo corpo de Schreber e começou então a enviar uma conexão, que ele chama de raios divinos, e que se instala em cada pedaço do corpo de Schreber. Esta comunicação explica uma série de fenômenos, que ele começa a experimentar, por exemplo, os fenômenos de interrupção da frase: "Agora eu vou me". E a frase se interrompe.
Ele diz: ah, é Deus que está interrompendo esse meu pensamento. Fenômenos como os pássaros falantes. Ele escuta pássaros piando e diz esses pássaros estão dizendo alguma coisa para mim.
Fenômenos como dificuldade de ele ir ao banheiro. Deus controla a possibilidade de evacuação do presidente Schreber. E, por exemplo, fenômenos que ele começa a observar no seu próprio corpo.
Então ele fica diante do espelho e ela percebe que estão nascendo seios e que ele está se transformando numa mulher. Ele cria uma palavra para designar esse processo, que é Entmannung, a emasculação. E essa emasculação.
. . Ele começa então a se perguntar: "por que isso está acontecendo comigo?
" Ele conclui então num determinado dia que Deus tem essa volúpia pelo corpo dele, porque Deus está querendo transformá-lo numa mulher e, em seguida, copular com ele e dar origem a uma nova raça. E ele luta com isso e ele não aceita isso E o seu delírio se desenvolve em torno dessa dessa história até o momento em que ele se resigna e diz: "ok, eu preciso aceitar que eu vou ser transformado em mulher, porque ,na verdade, isso é uma espécie de operação de salvação da humanidade, porque essas pessoas que a gente vê assim em volta são homens feitos às pressas. Eles não são pessoas verdadeiras, porque no fundo o mundo está deixando de ser mundo, o mundo é como se fosse um conjunto de cenários, de casa de papelão, de coisas que são feitas apenas para enganar a experiência e a percepção do presidente Schreber.
Freud olha para esse relato e diz: "muito interessante! " Ele foi diagnosticado como um caso de dementia paranoides, um tipo de paranoia ele foi diagnosticado pelo psiquiatra mais eminente dessa época (nós estamos aí 1890 1902 e 1903) por Emil Kraepelin, que trabalhava em Munique e que é um dos que se encarregam do sofrimento do presidente Schreber. Freud olha para isso e diz: "vejamos então como a Psicanálise pode oferecer uma teoria para a compreensão sobre um processo psicótico.
Isso é uma absoluta novidade, porque até então Freud pensava a Psicanálise majoritariamente a partir de casos de neurose, casos de histeria, casos de neurose obsessiva, casos de fobia, mas aqui ele avança. Justamente no contexto do diálogo dele com Jung, que era um psiquiatra e que trazia casos de paranoia, que trabalhava com Bleuler, que estava naquele momento propondo o conceito de esquizofrenia e importando para a psiquiatria esse conceito tão importante da psicanálise que é o conceito de divisão o ou de Spaltung. Freud argumenta então, a partir do estudo do caso Schreber, a existência de um novo período, de uma nova fase na organização de constituição do sujeito entre o autoerotismo - momento em que as pulsões procuram sua satisfação independentes umas às outras - e o amor de objeto - quando a gente pode eleger alguém para amar e ser amado - existiria uma fase intermediária que ele chama de narcisismo.
Nessa fase, justamente as relações de reconhecimento de si e de assunção do próprio gênero e de orientação para a própria sexualidade estariam focadas ou estariam assim convocadas a se resolver numa espécie de primeira solução que o sujeito daria para isso. É pensando no caso Schreber que ele desenvolve apresenta esse conceito tão importante e posteriormente assim tematizado metapsicologicamente, que é o narcisismo. Mas o que ele entende então desse processo muito sinteticamente?
Ele diz: " olha, a experiência a com a primeira internação vivida pelo Schreber foi uma experiência que convocou nele fantasias homossexuais de desejo. Foram experiências que estavam ligadas justamente à importância que esse psiquiatra e neurologista o Flechsig teria exercido sobre ele. Como uma defesa para as fantasias homossexuais e desejo, ele estabeleceu uma ligação muito forte, uma ligação muito intensa e que explicaria a gênese não só do delírio paranoico, mas de todas as suas variações.
Isso é uma das contribuições mais importantes de Freud no estudo do caso Schreber. Ele vai pegar uma frase: 'eu, um homem, amo outro homem' e observar como um sujeito pode se defender dessa ideia a partir da negação de diferentes elementos dessa frase. 'Não sou eu que o ama, é ele que me ama'.
Estamos no delírio erotomaníaco. 'Não, não eu não amo. Eu o odeio e porque eu o odeio, ele me odeia'.
Estamos no delírio persecutório. 'Não, não, eu não amo, ele é que ama uma outra pessoa'. Estamos num delírio de ciúmes.
Ou 'não, eu não amo, eu não amo ninguém. Só amo a mim mesmo'. Estamos o delírio megalomaníaco.
Então ele vai mostrar como o processo de negação, de defesa dessa fantasia explicaria uma série de detalhes do caso Schreber, por exemplo, a aparição de informações delirantes ligadas a Deus como um sucedâneo de quem? Do pai. Então em vários momentos, há palavras, há atitudes, que mostram como Schreber estaria colhido numa espécie de fantasia de sedução por seu pai e, em defesa contra isso, ele vai produzindo uma solução para essa fantasia, que é sua emasculação e a sua transformação em mulher.
Isso então faz com que Freud introduza uma ideia muito importante. Até hoje bastante ponderada pelos que lidam com a psicose, que é de olhar para o delírio como uma tentativa de cura, com uma tentativa de reinvestimento no outro, como uma tentativa de reconstrução do mundo, como uma tentativa de estabilizar o caos provocado pelo desencadeamento, pelo encontro com uma realidade insuportável. Esse trabalho então faz com que o delírio não seja apenas uma excrescência excrescência sintomática que a gente precisa tirar, que a gente quer dizer: "olha, você perdeu o sentido de realidade.
Você precisa reencontrar o sentido precisa reencontrar o sentido de realidade, que somos nós que vamos dar para você. Você precisa incubar o seu delírio. Você precisa olhar para seu delírio como uma coisa completamente assim equivocada que não deve existir.
Essa atitude é muito ruim. Essa atitude é muito ruim pra gente compreender a psicose e pra gente ajudar o sujeito que está nessa experiência tão difícil, tão trágica, que é a psicose. Então, gente, observações psicanalíticas sobre o caso de paranoia, de dementia praecox, 1911 está nas obras completas, volume 12, junto com os Escritos Técnicos.
Eu recomendo a vocês. É uma aventura fundadora da teoria psicanalítica das psicoses assim como o relato biográfico do próprio presidente Schreber, que é uma obra maior que o próprio Freud diz: "aqui vocês vão encontrar mais sagacidade, mais rigor, mais intuições psicológicas sobre o que vem a ser a psicose do que em qualquer compêndio psiquiátrico ou psicológico. Tá valendo!
Freud disse isso e a forma mais certa e segura de a gente se aproximar dessa experiência. Para quem quiser se aprofundar nas circunstâncias históricas do caso, para estudar como ele é também um caso que anuncia uma série de questões sociais muito importantes: o declínio da autoridade do pai, a função das formas jurídicas, o lugar do indivíduo diante da construção do sentido da sua própria vida. Eu recomendo muito a vocês, para quem se interessar por isso, o texto do Eric Santner, A Alemanha de Schreber.
E que tem intuições muito interessantes de como as questões colocadas pelo presidente Schreber anunciam de certa forma problemas, que estão na raiz da emergência do totalitarismo, do nazismo na Alemanha vindoura. Ele vai buscar é o papel dessa filosofia, dessa pedagogia, do pai do Schreber como a formação de uma certa atitude com as crianças e sobre o que o processo de educação, criação de filhos, e de como isso pode ser extremamente disruptivo e desorganizador ainda que movido pelas melhores boas intenções. Quem quiser uma versão, uma leitura desse caso feita por Lacan, eu recomendo o trabalho do seminário 2, As psicoses, 1956, e também o texto de 1958 chamado Questão preliminar a todo o tratamento possível das psicoses, que está contido nos Escritos.
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