De onde vêm os fósseis | Nerdologia Ensina 07

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Nerdologia
No Nerdologia Ensina de hoje, vamos ver a grande explosão animal. Apresentação: Átila Iamarino: - h...
Video Transcript:
Sejam bem vindos a esse Nerdologia Ensina! Eu sou Atila, biólogo, pesquisador e chegando no surgimento dos pokémons evolutivos. No sétimo episódio desta série especial sobre evolução, vamos ver a grande explosão animal.
Seguindo com a nossa linha do tempo evolutiva por volta de 3,5 bilhões de anos atrás, certamente já tínhamos as primeiras formas de vida. Com 2,5 bilhões de anos começa a fotossíntese, e lá pelos 635 milhões de anos vários organismos complexos começam a surgir, mas nada muito grande. A gente já tá em 550 milhões de anos atrás.
Dá pra ver um Dickinsonia aqui, uma Spriggina ali na fauna ediacarana, mas tudo anda meio parado. Mas tudo bem, porque o que estava por vir compensaria toda essa ausência. A partir de 542 milhões de anos atrás, os fósseis começaram a aparecer aos montes, e simplesmente não pararam.
O que a gente encontra em sítios como Burgess Shale no Canadá e Chengjiang na China, é algo completamente diferente do que tínhamos até então, ou desde então; dos tradicionais trilobitas a criaturas que a gente nem sonha atualmente, como Opabina ou o Anomalocaris. É como se a gente até então tivesse uma forma de vida aqui e outra ali, mas do nada, um mundo de fósseis se revela. Como se a vida fosse tímida, e evitasse deixar registros por três bilhões de anos e de repente, deixasse toda essa vergonha pra trás, e mostrasse a que veio; mostrasse todas as formas de diversidade animal que nunca teve.
Na verdade, a gente encontrou tantos fósseis nos extratos da cidade, que chamamos o evento de explosão cambriana, por causa do nome da data. Essa variedade exclusiva de vida foi um tanto paradoxal para evolução; bom para a evolução da vida, complicada por nosso entendimento dela. Por um lado esse é o momento em que a gente encontra os primeiros animais mais próximos do que nós somos Alguma coisa estava, acontecendo e a gente já vai ver o que pode ter sido.
Por outro lado, quando Charles Darwin escreveu o livro A Origem das Espécies em 1859, essa riqueza de fósseis de animais cambrianos de repente parecia um problema para a teoria evolutiva que ele estava propondo com Alfred Russel Wallace. A teoria da evolução que eles propuseram. .
. ou melhor, a teoria da descendência com modificações, propunha justamente isso. Que a evolução acontecia porque os descendentes dos seres vivos nasciam com pequenas variações que eram selecionadas pouco a pouco.
E esse é um passo enorme para o pensamento da época. Olhando para os fósseis, Darwin podia reconhecer que as formas de vida como trilobitas ou dinossauros que vieram depois não existiam mais no planeta; o que quer dizer que a vida na terra não foi sempre igual, ela mudou com o tempo. E pela forma como os fósseis eram empilhados, com uma camada em cima da outra, cada camada com seus fósseis (os trilobitas, por exemplo, estavam sempre em camadas mais inferiores do que os dinossauros), essa variação deve ter acontecido ao longo do tempo.
Era bastante intuitivo pensar que os trilobitas eram mais antigos do que os dinossauros, mas essa avaliação provavelmente tomava muito, mas muito tempo. Mais tempo até do que muitos acreditavam que a terra tinha naquela época, o que estava certo. O que não combina com isso são tantos animais surgindo de repente; tanto que na sexta edição do seu livro, Darwin escreveu: “À pergunta de por que não encontramos ricos depósitos fossilíferos pertencentes a esses supostos primeiros períodos anteriores ao sistema cambriano, não posso dar uma resposta satisfatória.
” Afinal, naquela época a gente ainda não tinha descoberto registros fósseis de vida antes do cambriano, muito menos essa linha do tempo que a gente contou logo no começo do episódio. E essa questão continuou cutucando os biólogos até bem recentemente. Levou, inclusive, à teoria evolutiva do equilíbrio pontuado, que propõe que a evolução alterna intervalos longos com pouca mudança, pontuadas por períodos de mudanças rápidas; visão que não é mais tão sustentada conforme a gente descobriu mais fósseis, e vimos que a explosão do cambriano não foi tão explosiva assim.
Essa diversidade parece ter vindo do nada, mas não foi bem do nada. A vida já estava se diversificando antes, mas pra gente poder ver isso, dependemos da formação dos fósseis, e até aqui falamos bem pouco disso. A reconstrução do passado que a gente fez até agora nessa série depende bastante de métodos mais indiretos: Olhar para minerais formados há bilhões de anos, como os zircões, para entender em que condições eles se formaram e como o planeta era no período; estudar os organismos para saber o que todas as células têm em comum e provavelmente carregam desde quando surgiram; comparar o nosso dna pra poder saber quais são genes que a gente compartilha com cada ser vivo.
. . Foi o que a gente fez até aqui.
Mas nós temos uma forma bem mais direta de olhar para o passado. Com os fósseis, a gente pode ver como a vida já foi olhando direto porque foram os seres vivos. .
. ou, pelo menos, o que ficou preservado deles. A questão é que a fossilização depende de uma série de fatores que não eram tão comuns até 542 milhões de anos atrás.
Pra um fóssil existir, ele depende de ser preservado e para um ser vivo. . .
ou melhor, um ser morto virar um fóssil, ele precisa ser preservado. O motivo para a gente poder encontrar tantos esqueletos fósseis é porque restos biomineralizados, como os ossos, os dentes e as conchas, são mais resistentes, enquanto os tecidos moles são desmanchados e decompostos logo depois que o organismo morre. E também tem o ambiente onde o organismo morreu; um ambiente calmo, com pouco oxigênio e altas taxas de sedimentação (ou seja com bastante sedimentos se acumulando, como é o fundo de uma lagoa) tem mais chances de preservar fósseis.
Quem morrer aí vai ser soterrado em pouco tempo, e em condições onde a decomposição é bem demorada. O ambiente com as condições ideais pode preservar até tecidos moles como a formação Santana na Chapada do Araripe no nosso nordeste, que preservou até insetos. Já o alto de uma montanha, que um ambiente cheio de erosão, não deixa a sedimentação acontecer e não preserva fósseis.
Ou seja, se a gente encontra mais fósseis de um peixe de lago do que um pássaro de montanha, não quer dizer que esses peixes eram mais comuns; pode ser o caso de eles só serem mais bem preservados, porque estavam no lugar certo. Alguns tipos de restos orgânicos e de certos ambientes sedimentares vão ser mais fossilizados, e a gente também vai encontrar mais fósseis de organismos com partes do corpo duras, biomineralizadas, do que aqueles que têm o corpo todo mole. Se a fisiologia animal permitisse, por exemplo, os tiranossauros poderiam ter sido aterrorizados por minhocas predadoras de 30 metros de diâmetro e 200 metros de comprimento, produtoras de muco ácido e com uma juba de tentáculos, e a gente não ia ver nenhum fóssil delas.
Isso é o que acontece, inclusive, com os insetos; os insetos são alguns dos organismos mais comuns e mais diversos do planeta, com cerca de 750. 000 espécies viventes já descritas. Trilhões de formigas andam por aí, mas a gente só conhece 20.
000 espécies fósseis, já que é bem mais difícil de eles serem preservados fora de situações como o âmbar ou no Araripe. Não é como se a gente não tivesse seres vivos até o cambriano, a gente tinha. Mas organismos como os Dickinsonia deixaram bem menos evidências.
Alguma coisa mudou durante o cambriano, e parece ser justamente a chance de fossilização dos seres vivos. E aqui que surgem os grandes organismos com esqueletos mineralizados, como os trilobitas. A explosão cambriana, mais do que uma explosão de formas de vida, foi uma explosão de organismos preservados, e uma explosão de esqueletos internos e externos.
O que levanta a pergunta: Por que todo mundo precisa se proteger com esqueleto de repente? Uma das hipóteses é a noção de que, nesse período, a concentração de cálcio nos oceanos teria aumentado, e agora os organismos podiam acumular esse cálcio e minerais como a hidroxiapatita, que a gente usa para poder fazer os esqueletos. Mas vários espíritos animais podiam ter sido feitos de sílica também, que já estava disponível ali.
Por que, de repente esse aumento de cálcio e de esqueletos de cálcio incentivaria todo mundo a se proteger e fazer o mesmo, ou alguns organismos até acumular sílica, como as esponjas fazem? Por uma corrida armamentista. Os esqueletos de cálcio permitem organismos maiores com garras e dentes muito mais duras, e eles vão pregar todo mundo que der mole, literalmente; a não ser que se virem para se proteger com o que der.
Ou seja, a evolução de um esqueleto pode causar competição que provoca a demanda de evolução de outros esqueletos para se proteger desse primeiro. Outra hipótese interessante é a de que nesse período podem ter surgido os primeiros olhos, ou pelo menos a visão com mais resolução. E olhos mudam todo o cenário evolutivo.
Até então os fósseis indicam que nós tínhamos organismos complexos, como os cnidários filtradores, equivalentes às anêmonas de hoje, que ficam fixos no mar filtrando a água que passa. Mas com olhos, animais que poderiam ver o que estão fazendo e agir como predadores, perseguindo outros animais, tudo muda. E assim como esqueleto convida outro, predadores com olhos selecionam presas que vêem ele chegando e evitam a sua presença.
Ou seja, os olhos são uma excelente pressão evolutiva por outros olhos, ao mesmo tempo que os esqueletos podem proteger quem não conseguiu escapar só com os olhos e com pouco movimento. Ou seja a visão pode ser o pontapé evolutivo para os primeiros esqueletos, como os trilobitas exagerados, surgirem. Com mais pesquisa e mais descobertas, acabamos encontrando mais fósseis anteriores da fauna ediacarana, como o Dickinsonia, que mostram que o conceito de explosão não se aplica tão bem aqui.
E reforçando a noção de que a evolução favoreceu a biomineralização a partir de um período específico, as evidências que a gente tem no DNA dos organismos ainda vivos mostra que o surgimento desse acúmulo de cálcio nos esqueletos aconteceu várias vezes em diferentes grupos, durante o mesmo período. Como se, de repente, todos os organismos que já existiam no período cambriano, tivessem resolvido fazer o esqueleto mineralizado ao mesmo tempo. Ou seja não foi como se a vida tivesse surgido, ou se tornando mais complexa, de repente nesse período, mas sim que alguns desses motivos ou uma combinação deles fizeram com que os tecidos duros surgissem, e esses tecidos aumentaram bastante as chances desses organismos serem preservados até hoje, e de nós encontrarmos.
Uma coisa é certa: Com ou sem explosão, é graças a essa mudança que a gente tem tantos fósseis animais a partir do cambriano; e é graças a esses fósseis que podemos ver o que acontece com o acúmulo das pequenas mudanças que Darwin e Wallace propuseram ao longo de milhões de anos, e fazer sentido de como a gente vai parar por aqui. Mas antes de vermos os próximos passos da nossa evolução ao longo dos próximos milhões de anos, vamos fazer um desvio para poder ver um exemplo de evolução recente que a gente pode testemunhar acontecendo ao nosso redor, e não depende de fósseis.
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