Caríssimas, hoje falaremos do perdão, e o perdão, que é, digamos assim, o ato do amor libérrimo dentre as coisas livres de que somos capazes. O perdão pode elencar-se como uma das mais livres. Ninguém perdoa sem querer, né?
O perdão é um ato decisivo da vontade na história de uma pessoa. Porém, perdoar e ser perdoado, que são os dois polos do perdão, são coisas distintas. Uma coisa é receber de alguém esta benevolência e esta beneficência que estão implicadas no perdão; todo mundo gosta de ser perdoado.
Outra coisa é perdoar, que é muito mais difícil, porque perdoar exige que a pessoa tenha uma vida veraz, diga-se de passagem, que habitualmente diz a verdade, não tenha uma vida de autoengano. Porque quem mente para si mesmo acerca de si mesmo e acerca das coisas tende a criar fábulas, enredos na sua cabeça e, nas relações com as pessoas, tende a ter uma atitude imperdoável. Então, este pedido do Pai Nosso, que é o objeto da aula, que é "perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores", nos leva a falar do perdão divino, que é o perdão dos pecados.
Vale antes falar algo sobre o que seja o perdão e o que é o perdão das ofensas, porque, no caso humano, quando nós perdoamos algo ou alguém, estamos, livremente, como que zerando a relação. Não é que a pessoa esqueça o que alguém lhe fez, mas ela passa, a partir daquele momento em que perdoa sinceramente, a não colocar aquela ofensa, aquela coisa que a insultou, ou exteriormente ou interiormente, ferindo a sua honra, não interessa, mas aquilo sai do peso das relações. Perdoar entre humanos é olhar a falha de alguém numa relação contínua, é não colocar aquilo como um peso na balança da relação.
E não é fácil fazer isso; requer o mínimo de amor, de amizade genuína. Sem realidades, não é que a pessoa não consiga perdoar; ela não consegue viver bem. Então, recapitulando, uma coisa é o perdão das ofensas entre pessoas humanas, outra coisa é o perdão divino dos pecados.
E estes dois estão implicados neste pedido do Pai Nosso. Para entrarmos aqui no tema, eu vou ler um trechinho de um artigo que eu escrevi lá pelos idos de 2015, não é tão antigo, que está lá na "Cosmogonia da Desordem: O Perdão dos Cínicos - Inviabilidade Psíquica". Eu vou tentar mostrar aqui que a pessoa que vive no cinismo, a pessoa que vive no autoengano, neuroticamente, ela é incapaz de perdão.
Ela atende antes ao remorso. Entre o perdão e o remorso, a diferença não é de grau, é de espécie. Uma coisa é a consciência remorder, porém ficar ali naquela tensão psicológica; e a pessoa não consegue se libertar para humildemente pedir perdão, porque pedir perdão também requer uma grandeza da alma.
Então, a coisa é ter remorso. A consciência remorde várias vezes: remorso é isso; é uma mordida dada uma vez. Outra coisa é o arrependimento.
O arrependimento vai à fonte do problema. O remorso, em geral, só ataca o efeito. Então, o arrependimento vai às raízes profundas do ato propriamente humano, ao passo que o remorso não.
Eu vou citar aqui, neste artigo, em algum momento, que Judas é o arquétipo do homem com remorso. Ele devolveu o dinheiro com que vendeu Cristo; ele não foi a Cristo pedir perdão, ele só devolveu o dinheiro por remorso. Ele não teve um genuíno arrependimento.
E às vezes isso serve para todos nós. Às vezes é bom termos atenção a estas realidades, porque senão nós mesmos nos colocamos numa situação existencial em que fica muito difícil aquilatar a nossa relação com as pessoas com realismo. E aí a tendência é sermos injustos.
Porque aqui o que está implicado é a justiça. Perdoar não é um ato de justiça; perdoar é um ato de amor. Porém, o amor é mais livre do que a justiça.
A justiça dá a cada um o que lhe é devido; o amor dá para além do que é devido e dá gratuitamente. Então, o perdão dos cínicos - inviabilidade psíquica. Ninguém mente sem querer, isto porque a mentira é uma espécie de definição de dissonância voluntária entre as palavras e os conceitos da mente.
A mentira é uma dissonância voluntária entre as palavras que eu expresso e aquilo que está na minha mente; um movimento contrário à natureza da inteligência, a qual tende à verdade como seu fim próprio. Razão pela qual a unidade psíquica do mentiroso vai fragmentando-se aos poucos e, nos casos mais aflitivos, ele pode vir a perder o norte cognitivo pelo qual vislumbra a qualidade que diferencia o bem do mal nos atos humanos, primeiramente nos seus próprios. Depois, a deformidade o ataranta a ponto de ele perder o discernimento dos matizes nas ações das outras pessoas.
O último degrau desta queda é a homogenização anômala de todos os valores: tudo vale, nada vale. Para que eu vou pedir perdão? Para que eu vou perdoar?
Estágio em que o homem se torna incapaz de sinceridade para consigo mesmo. O drama maior desses nebulosos meandros consiste no seguinte: o hábito da mentira acaba por transformar a insinceridade em camada moral. Tem-se aqui o maior signo de que o caráter se deteriorou ao nível da incredulidade sonsa, feita de negações convenientes, por cujo intermédio uma pessoa se autojustifica.
A falsa inocência. Afinal, neste universo onírico de engano e de dolo, a bondade sequer desponta no horizonte como possibilidade efetiva. E, portanto, o relativismo moral apresenta-se à consciência, lastimavelmente obliterada, como única opção.
Abre aspas: "todos agem assim". Por quê? Não, eu raciocina o homem caído neste abismo.
Pela mentira, transformada em um homem, torna-se inviável não apenas para os outros, mas, sobretudo, para si próprio. Fecha-se a um conjunto de bens absolutamente necessários ao dinamismo psicológico, ao qual costumamos chamar sanidade. Esta verifica-se nas pessoas que se relacionam com.
. . As outras consigo mesmas e com o mundo de maneira a não fazerem de suas vontades uma espécie de instância inegociável de pontos fora de discussão, dos quais não aceitam abrir mão em hipótese nenhuma.
Quem de nós não conhece gente assim, né? Com tal sestro de mentirosas ou autoenganadas para satisfazer quereres medíocres, fazem-se egoístas em superlativo grau. Sacraliza-se a própria vontade e profana-se a inteligência.
A propósito, o mentiroso mantém-se numa situação de entorpecimento das faculdades intelectuais. Esta sua deliquescência do espírito aproxima-o perigosamente das monomias dos delírios persecutórios, ou seja, de perseguição. Ah, não gosta de mim?
Tá contra mim! Das paranoias e de outros estados de vigilância enfermiços, na medida em que a mentira praticada habitualmente tende a levar quem nela cai a tecer tramas cujas explicações acabam transformando-se em teias inarredáveis. A mentira, em matéria leve, a mais dolosa em matéria grave, nenhuma pode ser nobilitar.
Não podemos tornar nobre a mentira justificada ou posta num patamar moralmente neutro, pois até quando se trata de autodefesa ou de defesa de outrem, quem mente deve ter em vista que há omissões lícitas da verdade pelas quais é possível sair de situações difíceis. É o que a Teologia Moral chama de restrição mental lata, quando uma pessoa sai com evasivas para não dizer uma verdade que não está obrigada a trazer à baila. E agora, a conclusão do que se diz: só existe perdão no horizonte da verdade, no horizonte noético da verdade.
O mentiroso pertinaz coloca-se à margem da possibilidade de perdoar e de ser perdoado. O perdão é, para ele, ou uma piada de mau gosto, ou uma mentira conveniente entre tantas. Ora, como perdão e arrependimento andam de mãos dadas, o mentiroso, no melhor dos casos, cai no remorso, por meio do qual busca fugir dos efeitos de suas más ações, sem nunca ir à causa delas para sanar o mal na raiz.
Judas Iscariotes, por remorso, devolveu as 30 moedas com que vendeu Cristo; se se arrependesse, cairia prostrado aos pés do mestre, implorando perdão, e seria perdoado. Porém, se matou. De todos os malefícios que uma vida de mentiras pode trazer a uma pessoa, talvez este fechamento ao perdão seja o que há de pior, pois representa a mais completa perda do senso de proporções, e tudo por causa do cinismo no qual se engolfa o mentiroso.
Neste contexto, cumpre frisar que os cínicos não perdoam, não porque não queiram, mas porque não sabem mais colocar-se numa situação psíquica de não poder saber, pois o cinismo é uma doença autoimune em que as defesas do organismo atacam, por engano, as células saudáveis. Não sabendo perdoar e estando à margem da possibilidade de ser perdoado, devido à corrosão espiritual que inviabiliza o arrependimento, o cínico deprime tanto as potências superiores de sua alma que, provavelmente, só um milagre poderá curá-lo. Para ele, o desespero é logo ali.
Então, perdoar, este ato livre da vontade de uma pessoa, a gente perdoa por amor, ou pela pessoa que nos ofendeu, ou por amor a Deus, enxergando naquela pessoa um semelhante, uma criatura humana. Agora, para se chegar a esse estado, é preciso ter uma vida minimamente veraz. Na verdade, não na verdade abstrata, nem na verdade matemática, mas na verdade que nós alcançamos no nosso dia a dia: as verdades morais e de bom senso.
Nós não precisamos ser filósofos para sermos amigos uns dos outros; basta deixarmos o bom senso governar, pois a nossa vida vai ser mais ou menos seguir num certo trilho. Quantas vezes, por esta inviabilidade interior, uma pessoa não só não perdoa ninguém, mas, pelo contrário, culpaiza todos pelos seus próprios problemas, como se coloca numa situação aflitiva de não poder ser ajudada? Qualquer ajuda será vista como uma intromissão indevida de um terceiro.
Quem não tem vida interior acaba por se fechar numa espécie de, como se fosse uma ostra, uma espécie de célula impermeável. A falta de vida interior torna a pessoa um átomo isolado, e essa vida tende à depressão, ao desespero. E nunca, a menos que aconteça uma mudança radical dos valores que regem a vida, essa pessoa conseguirá, digamos assim, se colocar num patamar de realismo para enxergar o tamanho da sua responsabilidade nas ações, porque ela também, muitas vezes, terá que pedir perdão.
Todos nós erramos, e se erramos em matéria grave, temos o dever moral de pedir desculpas sinceramente. Isso também requer humildade, e por aí vamos vendo. Olha, sem humildade, também não há pedido de perdão.
O soberbo tá fora dessa possibilidade. Agora, aqui, no caso do cínico, ele até é soberbo, sim; o cinismo é um reflexo mais ou menos distante da soberba, mas ele ainda tem alguma cura. Às vezes, o sofrimento faz com que ele, chegado a um estado de dor tremenda, vislumbre uma reviravolta.
Santo Agostinho tem uma frase num sermão maravilhosa: "A dor é a prova de que o homem perdeu algo, mas não perdeu tudo. " Olha que frase, né? A dor é a prova de que o homem perdeu algo, mas não perdeu tudo, até porque, tá doendo, ele tá vivo, né?
A dor nos dá notícia da nossa própria vida. Às vezes, é na dor que damos valor à vida; é na dor, na miséria, na desgraça. Então, a dor está para a vida, assim como as trevas estão para a luz; é a luz que ilumina algo das trevas.
As trevas, eu costumo dizer, não se enxergam a si mesmas. Pois, muito bem, perdoar é ato da vontade. Ser perdoado requer também humildade mínima, porque se a pessoa é soberba, ela acha que o outro, ao perdoá-la, está humilhando-se.
O perdão de terceiros. O soberbo Lúcifer, por exemplo, ele se colocou numa situação de inviabilidade de receber o perdão divino. O seu ato de adesão ao.
. . Mal foi com plena ciência, inclusive ciência de todas as consequências posteriores, esta revolta contra a ordem criada, contra a ordem da realidade.
Então, muitas vezes a pessoa também se coloca numa posição de não poder mais ser perdoada, porque assim ninguém obriga ninguém a chegar nesse estado. É a própria pessoa, andando com seus pezinhos no chão, os olhos na realidade e o coração no céu, que começa a sair do estado de egoísmo. Um egoísta não perdoa.
Perdoar é um ato de altruísmo, já que é gratuito. Quem não é capaz de fazer nada gratuitamente é incapaz de perdoar. Quem é incapaz de, por exemplo, fazer uma caridade inesperada a alguém por um simples movimento da vontade, sem compromisso nenhum, eu conheço pessoas que fazem atos, né?
Tem um médico amigo meu que, é impressionante, ele ajuda as pessoas sem o menor vislumbre de ter qualquer retorno. Pessoas que ele nunca verá, dá remédio pro ano inteiro. Assim, essa pessoa humilde está muito habilitada a perdoar também, até porque quem chega a esse grau de doação de si geralmente está preparado para receber a moeda de troca da ingratidão, né?
Já a pessoa que se acha maravilhosa, ela não só tende à ingratidão como julga que todos é que são ingratos com ela. Então, como o perdão é libérrimo entre as pessoas humanas, o que diremos do perdão divino, que é o perdão dos pecados, dessa mancha espiritual que está na alma e afeta o psicológico, físico e tudo mais? Então, Deus não deve o céu a ninguém; ele nos perdoa por amor, só por amor.
Ele é o ser infinito, então este ato não é apenas livre, é libérrimo, é infinitamente livre. E aqui no contexto deste pedido do Pai Nosso: "perdoai-nos as nossas ofensas", ou melhor, "perdão das nossas dívidas". Aqui, na tradução do Thiago Gadotti, que é uma muito boa tradução, ele optou por uma tradução para o português, por ofensa, a palavra latina que traduzida é dívida, né?
*Et nobis debitum nostrum*. Nós vamos ver o tamanho, um pouquinho do tamanho da vida espiritual de Santo Tomás e como ele consegue extrair leite de um simples pedido do Pai Nosso, né? Tomás, abramos para Tomás: "Há pessoas que, embora tenham grande sabedoria e fortaleza, justamente porque confiam demais em sua virtude, não agem sabiamente no que fazem, como tampouco levam a cabo o que pretendem fazer".
Os propósitos, abre aspas, "os propósitos corroboram-se pelos conselhos". O Livro dos Provérbios é um dos mais belos livros do Antigo Testamento; eu sempre recomendo a leitura e meditação, uma obra de grande… é uma papinha espiritual, né? Uma mingau sobrenatural.
Mas deve-se notar que o Espírito Santo que dá força, dá também conselho, pois todo bom conselho relativo à salvação dos homens vem do Espírito Santo. É claro que ele está falando do perdão divino, e aqui a conexão entre os dons do Espírito Santo e os pedidos do Pai Nosso, né? Também vai mostrar o tamanho da sua luz, a força da sua luz.
O conselho é necessário ao homem quando está em tribulação, assim como o conselho do médico é necessário ao homem quando adoece. Então, quando nós estamos em dificuldade, precisamos de conselho. Nem sempre é fácil sair das situações; requer humildade pedir um conselho.
Este mesmo soberbo que não perdoa e tem dificuldade de se colocar na situação moral de aceitar o perdão alheio, ele também não gosta de conselho. Os pecados, eles são uma confraria, né? Nenhum deles está de mãos dadas, né?
São espécies de diabinhos que: "ó, ninguém larga a mão de ninguém", né? Vamos levar o sujeito pro fundo do buraco. Portanto, quando o homem fica espiritualmente doente pelo pecado, deve buscar conselho para ser curado.
O conselho necessário ao pecador é declarado na Escritura, que diz, abre aspas, "Livro de Daniel 4:24: que o meu conselho te agrade, ó Rei, redime teus pecados com esmolas", fecha aspas. Portanto, o melhor conselho contra os pecados é a esmola e a misericórdia. Olha o que Santo Tomás está dizendo, né?
A esmola é um ato de caridade exterior, né? Eu me compadeço de alguém, vou lá e dou um dinheiro ou então dou uma ajuda qualquer, né? Agora, a misericórdia é trazer a miséria alheia no próprio coração.
É o mesmo ato, mas mais profundo; alcança uma camada moral mais profunda e, portanto, mais secreta e também mais livre. E por isso o Espírito Santo ensina os pecadores a pedir e orar: "perdoai-nos as nossas ofensas". Devemos a Deus aquilo que lhe é de direito; tomamos o direito de Deus, que é que façamos a sua vontade, preferindo a nossa.
Tomamos, então, o direito de Deus quando preferimos a nossa vontade à sua, e isso é o pecado. No outro pedido, né? Ficou esclarecido que a vontade é fazer a vontade de Deus: "seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu".
Este pedido está implícito nele um outro pedido: "ó Senhor, retifica a minha vontade, que é tão desordenada, tão desnorteada". Santo Tomás diz que no céu todos serão reis, porque todos terão as suas vontades satisfeitas. Num bom reino, o Deus, o Rei, dá a ordem e a sua vontade se cumpre.
No céu, como todos farão a Vontade Divina de alguma maneira, todos serão reis. Seus decretos se cumprirão; todos haverá uma harmonia entre as vontades, no bem e na verdade. Então, devemos a Deus o que lhe é de direito e tomamos, fazendo a nossa vontade, não a dele.
Assim, os pecados são nossas dívidas. Portanto, é conselho do Espírito Santo que peçamos a Deus o perdão dos pecados, e por isso dizemos: "perdoai-nos as nossas dívidas". Então, o pecado é uma dívida.
Por que que é melhor não… não quer dizer que a tradução mais usada hoje, "perdoai-nos as nossas ofensas", não seja uma. . .
Tradução que deixa de lado o espírito geral da prece, né? Mas nem toda ofensa é sentida por nós como uma dívida, porque, quando eu falo da ofensa, se eu não acrescentar aqui, olha só, há um direito do ofendido de que aquilo que o atingiu lhe seja reparado. Porque, se é ofensa, pode ter, digamos assim, só para dar um exemplo, manchado a sua reputação.
E ele depende da sua reputação para o trabalho; há uma dívida implicada, né? Numa sociedade em que todos têm todos os direitos, julgam-se senhores de todos os direitos, é claro que não só não vai haver perdão nem arrependimento. A gente vê artistas dando entrevista: "não me arrependo de nada na minha vida", que desgraça, né?
E também não perdoam ninguém. São sociedades de imperdoáveis. Qualquer falha hoje é imperdoável; o sujeito fala uma palavra que o Estado julga que é preconceito, e a pessoa supostamente ofendida não perdoa de jeito nenhum.
Sem Deus no horizonte, todos somos implacáveis. Podemos considerar três coisas nestas palavras: "perdoai-nos as nossas dívidas". Primeiro, por que fazemos esse pedido?
Segundo, quando ele é cumprido - e aí que é bonito que Santo Tomás explica a oração. Terceiro, o que se exige de nossa parte para que ele se cumpra? Então, não percamos de vista o horizonte de que os pecados são as nossas dívidas.
Quanto ao primeiro, por que fazemos este pedido? Desse pedido, podemos deduzir duas coisas necessárias ao homem nesta vida. A primeira coisa necessária é que sempre esteja em estado de temor e humildade.
O dom do temor de Deus é o primeiro dos dons numa escala ascendente, e aqui é o temor filial, é o temor casto, no seguinte sentido: limpo interiormente. Quando nós amamos alguém de verdade, não são só palavras vazias; nós tememos desagradar àquela pessoa que amamos, né? Esse tipo de temor é o temor que tem medo mesmo de desagradar a pessoa amada.
Não é o temor servil, que é o temor do castigo, é de um pai, da autoridade. Não interessa. Então, o que ele está dizendo aqui é uma coisa profunda: a primeira coisa necessária nesta vida é que o homem sempre esteja em estado de temor, ou seja, que ele tema desagradar as pessoas que ama e por quem é amado, porque ele mesmo é amado.
E isso requer um mínimo de liberdade interior. Uma pessoa enredada, uma pessoa que sintonizou, que entronizou o seu próprio ego, ela não teme nada. Ela tem um certo temor, uma certa vida destemida, uma audácia temerária nas coisas, nas ações, e que às vezes é até louvada pelas pessoas equivocadas.
"Poxa, aquele artista é audacioso, que pessoa audaciosa! " O cara está ali tirando selfie na beira da praia. Que audácia!
Que bonito, né? Nós sabemos aonde a audácia temerária dá. E humildade?
Claro, sem humildade nós nem sequer podemos dizer que somos humanos, minimamente. Somos pseudo-deuses imantados pelo nosso próprio ego. Houve alguns tão presunçosos que disseram que o homem poderia viver neste mundo de tal maneira que, por si só, podia evitar o pecado, o tropeço existencial, né?
Mas isso não foi dado a ninguém, exceto a Cristo, que tinha o espírito sem medida, e à Virgem Maria, que estava cheia de graça, na qual não havia pecado. Como diz Santo Agostinho: "Quanto à Virgem, quando se fala de pecado, não quero nem que isto seja mencionado. " Santo Agostinho, no livro "De Natura et Gratia", sobre a natureza e a graça.
Mas, quanto aos outros santos, não foi concedido a nenhum deles não cometer pecados, nem que sejam veniais. "Se dissermos que não temos pecado, nós nos enganamos, e não há verdade em nós. " (1 João 1:8).
Isso também é demonstrado por este pedido. Com efeito, todos os santos e também todos os homens devem recitar essa oração, onde se diz: "perdoai-nos as nossas ofensas". Portanto, todos reconhecem e confessam ser pecadores ou devedores.
Se, então, és pecador, deves temer e te humilhar. Eu estou traduzindo aqui sempre na segunda do plural, que está na segunda do singular, só para não criar confusão para mim, para você e para quem assistir ao vídeo. Então, a primeira coisa necessária, né, é viver com temor e na humildade.
A segunda coisa necessária é sempre viver na esperança, pois, embora sejamos pecadores, não devemos nos desesperar, para que o desespero não nos leve a pecados maiores e variados, como diz o apóstolo São Paulo na Epístola aos Efésios 4:19: "Os gentios, desesperando-se, entregaram-se à dissolução, à prática de toda impureza e à avareza. " Quando a pessoa não tem mais esperança na vida, ela solta as rédeas dos seus atos, em geral ou contra si mesma ou contra terceiros. Ela, como que, apaga da cabeça o valor moral dos seus atos e vive numa espécie de letargia grandemente culpável, né?
Portanto, é muito útil que sempre esperemos, pois, por mais pecador que o homem seja, deve esperar que Deus o perdoará se estiver verdadeiramente arrependido e convertido. Essa esperança é fortalecida em nós quando pedimos: "perdoai-nos as nossas ofensas". Os novacianos negavam essa esperança.
Os novacianos foram hereges. A história das heresias também dá uma aula interessantíssima, que anda em paralelo na história da Igreja com a história dos dogmas, né? Onde houve grandes heresias, a Igreja teve que se manifestar para proclamar um dogma solenemente e evitar que aquela heresia deitasse, digamos assim, raízes no Corpo Místico.
Então, os novacianos diziam que os que pecassem após o batismo nunca alcançariam misericórdia. São os puritanos; os puritanos estão sempre a um passo das piores extravagâncias, né? Aqueles que acham que nós seremos puríssimos, como se fôssemos deuses.
Então, há um passo de serem inclementes, cruéis, sendo relaxados com relação aos seus deveres, etc. Isso, no entanto, não é verdade. Se Cristo falou a verdade, dizendo: "perdoai a dívida toda, porque me suplicas.
" (Mateus 18:32). Portanto, em qualquer dia. .
. Que pedires poderás alcançar. Misericórdia, se pedires arrependido.
Deste pedido nascem o temor e a esperança, porque todos os pecadores contritos que confessam seus pecados alcançam misericórdia. Por isso, esse pedido foi necessário. Então, estamos aqui falando da esperança, que é diferente do otimismo.
A esperança é extramundana; é para além do mundo, é em Deus. O otimismo é intramundano. Eu tenho otimismo com relação ao meu emprego, o meu trabalho, a minha empresa, as minhas amizades, o meu casamento.
Então, é claro que o esperançoso tem uma vida psicologicamente, no sentido mais profundo, otimista. Não otimismo irresponsável, de quem não quer enxergar a verdade; um otimismo salutar. Mas são coisas distintas.
Então, a culpa é perdoada na contrição. A contrição é essa lágrima do coração; eu estou sinceramente arrependido. É um ato profundo.
Diz até a Igreja sabiamente que, se o pecador estiver em estado de pecado mortal na hora da morte e não tiver o padre para se confessar, se ele fizer um ato de contrição perfeitíssimo, ele é perdoado. Senão, Deus seria muito injusto de não deixar essa tábua de salvação. O amor sempre perdoa quem quer ser perdoado.
O desamor é implacável. Quanto ao segundo, deve-se saber que no pecado há duas coisas: a culpa pela qual Deus é ofendido e a pena devida pela culpa. A culpa é perdoada na contrição, como eu disse agora, quando acompanhada do propósito de se confessar e de reparar.
E aqui, pensemos num ateu. Um ateu que, por acaso, assista a esta aula. Então, Deus não existe, mas mesmo para um ateu, na cabeça dele Deus não existe.
Mas se ele tiver o mínimo de bom senso, ele sabe que certas coisas não deve fazer e que, se fizer, pode acarretar males a terceiros. Ele deve pedir desculpas. Então, a pessoa minimamente que tenha dois dedos de testa e dois miolos, mesmo que seja ateia, entende que dívidas pessoais existem de fato nas nossas ações com as pessoas.
Não é uma dívida financeira, é uma dívida moral, de caráter moral. Então, ele pode citar um Salmo 31: "Eu disse: confessarei ao Senhor contra mim mesmo a minha injustiça, e Tu perdoaste a malícia do meu pecado. " Portanto, não devemos desesperar, uma vez que para a remissão da culpa basta a contrição com o propósito de se confessar.
E aqui, de novo, para um ateu, se ele não vai se confessar porque não acredita em Deus, ele confessa a um amigo: "Eu errei como você. " Confessar é manifestar uma verdade profunda que está escondida. E muitas vezes nós mesmos escondemos; temos a tendência de nos autossabotar.
Não infringimos certas normas óbvias e, no entanto, deixamos de lado, fingimos que não vimos, pisamos em todos os calos da família, dos amigos, etc. , e vamos vivendo sem pedir perdão. "Temi nada demais", diz o ditado popular; "pimenta nos outros é refresco", com grande sabedoria.
Mas alguém talvez diga: já que o pecado é perdoado pela contrição, por que é necessário um sacerdote? Aqui, uma questão religiosa. A isto, respondemos que, pela contrição, Deus perdoa a culpa e converte a pena eterna em pena temporal; portanto, ainda permanece a obrigação de pagar a pena temporal.
Assim, se o penitente morrer sem confissão, não porque a desprezou, mas porque estava impedido de fazê-la, irá para o purgatório, cuja pena, como diz Santo Agostinho, é muitíssimo grande. Então, quando se confessam, o sacerdote te absolve desta pena pelo poder das chaves. Ninguém mais fala isso; a Igreja é assim.
Qual o padre hoje que fala do poder das chaves? Pedro recebeu o poder das chaves: tudo que tu perdoares na terra será perdoado no céu; tudo que não perdoares na terra será retido. Então, o sacerdote, quando perdoa os pecados, é Cristo quem perdoa por intermédio desse instrumento ordenado.
Então, ele perdoa, como se diz em bom latim, "impersona Cristus"; é Deus o autor deste perdão de uma dívida profunda, que é o pecado, e não o homem, que às vezes, se calhar, pode até ser que o sacerdote seja um pecador maior. Mas isso não importa, porque ali não é ele que age; nele, age através dele e não por sua própria potência. E continua Santo Tomás.
. . Pelo poder das chaves, ao qual te submete na confissão, Cristo disse aos apóstolos: "Recebei o Espírito Santo; aqueles a quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; e aqueles a quem os retiverdes, lhes serão retidos.
" Acabei de citar isso; era sequência do comentário de Santo Tomás, João 20, 22-23, versículos 22 e 23. Portanto, quando alguém se confessa, é-lhe perdoada uma parte dessa pena. E quando confessa novamente, mais uma parte.
E pode acontecer, após ter se confessado muitas vezes, de toda a pena lhe ser perdoada. Então, perdoar e ser perdoado, digamos assim, são talvez duas instâncias das mais profundas da pessoa humana. Os animais irracionais, que não têm uma medida para além dos sentidos, não são capazes de aquilatar a justiça ou injustiça de certos atos.
Se a justiça é dar a cada um o que lhe é devido, quando nós não damos o que é devido, por falta ou por excesso — porque dar demais também é injustiça —, isso serve para tantos pais, por exemplo, na educação dos filhos. Enchem os filhos de satisfações, não lhes impõem deveres de nenhuma espécie; estão sendo injustos, estão sonegando aos filhos. Muitas vezes a rede dá a obediência da ordem; filhos que crescem, não arrumam nada em casa, é uma bagunça, não respeitam ninguém.
Chega uma visita, a Carlinha, minha digníssima esposa, diz que lá em Portugal, os portugueses têm uma coisa maravilhosa que não tem travas na língua. O paizinho dela dizia. .
. Né, mostra os dentes, rapaz! Se não mostrar os dentes, levas uma chapada, né?
Ou seja, nós temos obrigações sociais. Temos, aliás, agora uma vida em que a criança pode tudo. Quando ela for adulta, não só não vai perdoar, não só não vai estar em condições psicológicas de ser perdoada, como vai achar que tem todos os direitos.
Infelizmente, a educação pós-moderna é uma máquina de inventar guevaras dentro de casa, né? Ou Jean Jacques Rousseau, autor do "Emílio", uma desgraça de obra. O "Emílio" é um terror de pedagogia.
Dos cinco filhos que teve, não educou nenhum. A mulher morreu tudo numa miséria. Pragueteava contra ele.
Dizem que um dos filhos morreu à míngua. Ele que não educou ninguém escreveu um livro, "O Emílio", que era para a educação de crianças. O "Emílio" seria o educando arquetípico.
(Parênteses, né? ) O "Emílio" deve ser acostumado desde a tenra idade a grandes explosões de pólvora. Os conselhos que ele dá pro "Emílio" são de arrepiar os pelos.
Pi anos que o capeta não tem, porque não tem corpo, só por isso, né? E é um dos Mestres da pós-modernidade, Jean Jacques Rousseau, né? Brilhante escritor como filósofo, né?
Até o céu se ri dele, né? Então, continuamos, né? No entanto, os sucessores dos Apóstolos encontraram uma outra maneira de perdoar essa pena: os benefícios das indulgências, né?
As quais, para quem está em estado de graça, têm exatamente a eficácia designada pela autoridade que as concede. Santo Tomás, aqui, autor medieval no ápice da cristandade, né? Numa altura em que ninguém - o conceito de autoridade estava vivíssimo: a autoridade dos pais para com os filhos, do Mestre dos Mestres para com os discípulos, ou seja, os mestres de ofícios e os seus aprendizes, autoridade dos fiis para com os sacerdotes, autoridade do homem para com Deus.
Então, tinha-se a noção de autoridade grandemente disseminada, em escalas, né? Do que é mais importante, que é o espiritual, até o que é importante relativamente, que é o civil, familiar, etc. O legal, eh?
E, no caso do espiritual, quem mais pode, mais pode dar. Quem pode o mais, pode o menos. Então, aqui tá dizendo uma coisa que é doutrina da Igreja: que o Papa possa fazê-lo.
Isto é suficientemente evidente. Ora, muitos Santos realizaram muitas obras sem que tivessem cometido nenhum pecado, ao menos nenhum mortal, e estas obras foram feitas para o benefício da Igreja. Da mesma forma, os méritos de Cristo e da bem-aventurada Virgem.
E aqui, para quem assistir este vídeo, eh, alguns detratores de Santo Tomás disseram que ele não era mariano. Mentira! Santo Tomás era um mariano profundo.
Acusaram-no injustamente de negar o Dogma da Imaculada Conceição, o que é uma mentira também, porque primeiro o dogma nem existia. Eh, esse dogma foi proclamado no século XIX, embora fosse uma verdade crida, ou seja, aceita pelos fiéis desde sempre, ele foi proclamado solenemente séculos depois de Santo Tomás. Porque, no caso da discussão filosófica dele, não havia dúvida a respeito de que Maria tinha sido privada da mancha do pecado original para receber em seu seio o Criador, né?
Deus, né? Enquanto Verbo de Deus que se encarna segundo a pessoa da Santíssima Trindade. Agora, o que ele se perguntava filosoficamente é o seguinte: ela foi eh privada dessa mancha na concepção ou na animação?
Quero na cabeça desses filósofos medievais, dois momentos distintos: o da animação, ou seja, de colocar a alma racional naquele corpo, e o da concepção. Nunca em momento algum ele foi contra a Imaculada Conceição e era mariano! Vê-se aqui, pelas palavras com que ele se refere à bem-aventurada Virgem Maria, nós dizemos hoje na missa tradicional: "Bem-aventurada sempre Virgem Maria".
Eu sei que eh, alguns protestantes vão assistir a este vídeo, e o tema das indulgências foi um tema caro a Lutero, eh, sobre Lutero prometo pros meus amigos aqui do canal do YouTube um vídeo mais à frente, com base até em dados biográficos, eh, mas aqui o que está em jogo é Santo Tomás e uma doutrina da Igreja, segundo a qual a autoridade daquele que detém o poder das chaves, ela pode ser participada instrumentalmente em várias circunstâncias, assim como num exército, o major delega algo pro Capitão, que delega pro Sargento, que manda o soldado fazer. Aliás, não é o Centurião que espanta Cristo? "Nunca vi, nem toda eh a Judeia, vi tamanha fé".
O Centurião queria que fosse curado um servo seu. Cristo se oferece a ir visitá-lo. "Não, não precisa", né?
Isto é um ato de fé, né? Eu mesmo tenho os meus subordinados, eu digo assim: um, vá, e ele vai, né? Então, olhem que ato de fé!
Quem detém autoridade superior pode participar instrumentalmente. Sobre o terceiro ponto, é necessário da nossa parte perdoar as ofensas feitas a nós pelo próximo. Por isso se diz que é a condição: "assim como nós perdoamos, né, os nossos devedores".
Então, este pedido do Pai Nosso, a bem-aventurança que ele traz, é condicional, porque se nós não perdoarmos, não seremos perdoados, não mereceremos o perdão. Então, há eh, há uma condição. Eh, caso contrário, Deus não nos perdoará.
Abre aspas: "Um homem conserva sua ira contra outro homem e pede a Deus remédio", né? Livro do Eclesiástico 28:3. "Perdoai e sereis perdoados", Lucas 6:37.
Portanto, apenas neste pedido se coloca uma condição: assim como nós perdoamos os nossos devedores. Se, portanto, não perdoares, não serás perdoado. Mas poderias dizer: direi a primeira parte, ou seja, "perdoai-nos", mas omitir a parte que diz "assim como nós perdoamos os nossos devedores".
Queres enganar a Cristo? Aqui, Santo Tomás estava dando uma catequese. Né?
Aqui não vemos o Santo Tomás cerebrino dos silogismos, ele estava falando pros amigos numa catequese de quaresma. Eh, queres enganar a Cristo? Certo que não o enganas, pois Cristo, que fez esta oração, lembra-se muito bem dela; então não pode ser enganado.
Portanto, se dizes com a boca que cumpras com o coração, mas talvez pergunte se aquele que não pretende perdoar o seu próximo deve ou não dizer "assim como nós perdoamos os nossos devedores". Parece que não, porque estaria mentindo. Respondemos que não está mentindo, porque não ora em seu próprio nome e sim em nome da igreja, que não se engana.
Por isso, o pedido é feito no plural. Então, temos essa noção de comunidade. É claro que há uma comunidade que é do corpo místico da igreja, mas estamos na comunidade humana, né, numa sociedade de implacáveis.
A ingratidão será a norma. Cícero, que foi um autor, né, um estoico, um autor não pagão, não cristão, ele tem uma obra chamada "De Officiis", sobre os benefícios que, no fundo, é sobre a gratidão, como digamos assim, uma virtude social importantíssima para que a coesão da sociedade não se esfume, não se perca. Santo Tomás vai além: há dois níveis de perdão.
O perdão dos perfeitos, quando o ofendido procura o ofensor, busca paz (Salmo 33, versículo 15), e o perdão que é comum a todos, ao qual todos estão obrigados, que é conceder o perdão a quem o pede. Então, o perdão dos perfeitos é quando o ofendido procura o ofensor para perdoá-lo, né? É dificílimo; isso é um grau de santidade.
O outro é o perdão comum. "Perdoa ao teu próximo que te ofendeu. " Então, quando pedires, será que são perdoados os pecados?
É o livro do Eclesiástico 28,2. Desta disposição segue-se outra bem-aventurança: "Bem-aventurados os misericordiosos", pois a misericórdia nos faz ter compaixão pelo nosso próximo. E aqui ele faz o vínculo entre este pedido e uma das sete bem-aventuranças em São Mateus.
Então, estamos aqui no núcleo da vida espiritual e moral humana, que é o perdão. É no perdão que mostramos a criatura humana naquilo que mais ela pode ter, digamos assim, de excelente, na semelhança para com Deus, né? Porque Deus não nos perdoa não porque nós mereçamos, mas por amor.
Quando perdoamos por amor, de alguma maneira imitamos Aquele que nos perdoa, apesar dos nossos deméritos. Então, repito o que foi dito: o perdão não é um ato de justiça, é um ato de amor, seja o perdão das ofensas, seja o perdão dos pecados, que são dívidas. E dívidas em relação a que?
Em relação à regra máxima. Deus é o próprio ser subsistente, a regra máxima do ser. E tudo que está, nada está fora de Deus propriamente, mas tudo que Deus criou, né, de alguma maneira participa, num grau distinto, desta bondade.
Então, cada ente, com a sua forma, participa do ser; é partícipe deste ser no seu modo pequenino. E esses graus de participação vão desde a matéria-prima até os entes que não têm matéria em sua forma. Estes que a teologia chama de anjos e que a metafísica chama de inteligências puras, são aqueles que, estes sim, têm a intuição fulgurante, direta, das essências das coisas, e portanto têm, justamente pela elevação das suas inteligências, critérios de ação muito mais perfeitos do que nós.
Nós somos falíveis, entre outras coisas, porque o nosso intelecto é finito. Eu não tenho na minha cabeça todas as resoluções de todos os problemas do mundo, do ser e do não ser. Portanto, se eu mal me conheço, inclusive muitas vezes desconheço as motivações internas profundas de ações, pensamentos e sentimentos meus.
Como eu, você, a regra ou absoluta de tudo mais? Então, nós somos falíveis e a nossa falibilidade moral é proporcional à finitude do nosso intelecto; um intelecto que só por termos, para termos assim de raciocínio. .
. Imaginemos um intelecto que é infalível nos seus atos. É claro que, no caso deste, tudo é luz para ele; ele está iluminando plenamente não apenas a sua ação como qual é o ser da coisa conhecida que está no horizonte da sua ação.
No caso deste intelecto superior, ele só poderá agir mal se ele tem todos os critérios para a resolução do problema que tem diante de si, por soberba, né? Ou seja, nós, que não somos intelectos perfeitíssimos, podemos até sim agir com soberba, mas ordinariamente pecamos. São as três fontes gerais do pecado: a soberba, né, a fraqueza — somos fracos — e a ignorância.
Pecamos muitas vezes porque nos julgamos mais do que somos; pecamos muitas vezes por fraqueza: "o espírito está pronto, a carne é fraca. " Pecamos muitas vezes porque ignoramos na nossa ação qual era o critério certo que lhe daria, digamos assim, o vetor de resolução moral do problema. Então, assim, é claro que se fôssemos escarafunchar o perdão, estudar um curso… Porque como isso aqui é no preâmbulo, no preâmbulo, no contexto de uma aula sobre o comentário de Santo Tomás ao Pai Nosso, eu escolhi aqui arbitrariamente o que eu julguei que ia ser útil para as pessoas.
Mas, de qualquer maneira, se tivermos simplesmente no nosso horizonte que, sendo finitos e falíveis, todos devemos, de alguma maneira, nos perdoar uns aos outros, porque senão a vida como fica insuportável, isso já será uma grande coisa. Agora, o homem fiel pede perdão antes e acima de tudo a Deus. Encerrando aqui o vídeo, cito a aula anterior relativa ao pedido anterior, em que fiz a distinção entre virtude natural adquirida, virtude sobrenatural infusa e dons do Espírito Santo.
Só para modo de recapitulação: a virtude natural adquirida é com o meu esforço; eu preciso fazer um grande esforço para chegar à virtude. É o que Aristóteles trata na Ética Nicomaqueia, por exemplo. Então, no âmbito das virtudes naturais, nós temos como finalidade que o homem seja bom.
O homem bom é, digamos assim, o ponto. Final de uma vida moralmente reta, né? No caso da virtude infusa, o que, como ela está para além dos esforços, Deus pode infundir uma mesma virtude que a pessoa adquiriria com esforço.
Por um desígnio misterioso, pode fazer com que a pessoa adquira repentinamente, sem nem sequer ter as precondições psicológicas para aquela virtude. São Paulo era perseguidor de cristãos, viu? Caiu do cavalo, mudou a vida, né, quase que do zero.
Então, as virtudes morais infusas não apenas geram um homem bom, mas sim o homem fiel. Os dons do Espírito Santo, que são disposições permanentes na alma, são, digamos assim, sete degraus do Amor Divino em nós. Deus nos dá isso de graça.
Esses sete dons já não formam apenas o homem moral, o homem bom. Não visam apenas ao homem fiel, mas visam ao Homem Santo. A santidade está para além da simples fidelidade; está para além da simples bondade meramente humana.
A santidade é extraordinária e, portanto, quando rezarmos o Pai Nosso, não esqueçamos que este amor puro, que é Deus, quer que nós nos limpemos de tudo que há em nós de impuro, para que possamos acender a uma visão contemplativa da realidade, em que não só nos enxergamos mais perfeitamente, como enxergamos a todos os demais também com maior argúcia. Portanto, estaremos muito mais predispostos a nos perdoarmos. E se este pedido é condicional, vale muito mais ainda meditar sobre isto, né?
"Perdoai-nos, Senhor", né? Mas devemos nós também perdoar uns aos outros. Senão, a nossa vaquinha espiritual estará no brejo das almas, com os sininhos balançando, as patinhas atoladas e mugindo como uma diaba, né?
PR te PR.