Morre Papa Francisco: a trajetória de conservador a progressista do pontífice

250.13k views1060 WordsCopy TextShare
BBC News Brasil
Quando o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio se tornou Francisco, o primeiro papa latino-america...
Video Transcript:
Quando foi anunciado que Jorge Mario Bergoglio  se tornaria o primeiro papa latino-americano da história, em 2013, as ruas de Buenos Aires  foram tomadas por fiéis entusiasmados. Mas nem todos os argentinos aplaudiram. Naquele momento, Bergoglio era visto por muita gente como um sacerdote conservador, que  tinha sido próximo da ditadura argentina e que já havia se posicionado contra os homossexuais.
Porém, durante os mais de dez anos em que esteve à frente da Igreja Católica,  ele acabou com frequência recebendo um outro rótulo: o de progressista. Eu sou João Fellet, da BBC News Brasil, e neste vídeo eu falo sobre as transformações de  Bergoglio – do seu passado na Argentina ao legado de um papa considerado progressista  para os padrões da Igreja Católica. Jorge Mario Bergoglio nasceu em Buenos  Aires em 1936.
Ele virou padre aos 32 anos, foi arcebispo de Buenos Aires,  e se tornou papa aos 76 anos. Em um ambiente europeu, papal, Francisco jamais  se esqueceu de que é latino-americano, enxergou os grandes problemas da Igreja neste século 21, e  tentou de todas as formas -- acertando em alguns casos, errando em outros – atualizar a agenda da  Igreja, tentou de fato inserir a Igreja Católica no século 21, coisa que o seu predecessor, o  Bento 16, não conseguiu, definitivamente, fazer. Mas quais são as histórias de  antes de Francisco ser Francisco?
Antes de chegar ao Vaticano, Bergoglio era um  arcebispo que andava de ônibus e circulava entre as diferentes classes sociais na Argentina. Mas também era criticado por omissão e até cumplicidade com a ditadura que  comandou o país de 1976 a 1983. Reportagens publicadas nos anos 1990  apontaram Bergoglio como confessor do general Jorge Rafael Videla, que mais tarde  seria condenado por crimes contra a humanidade.
Quando Francisco assumiu o trono de São Pedro, uma das críticas de ativistas argentinos  foi por não ter excomungado Videla. Mas outros afirmam que foi uma postura coerente  com o discurso de Bergoglio, que pregava o acolhimento de todos os que buscassem a Igreja. Ainda na ditadura argentina, Bergoglio foi acusado em livros de história de ter traído  dois padres vistos pelo regime como “comunistas” por realizarem trabalhos sociais.
Eles foram presos em um um centro de tortura. Autores escreveram que Bergoglio teria advertido  os dois padres para que eles deixassem de realizar os trabalhos sociais que desempenhavam  ou renunciassem à Companhia de Jesus. E a interpretação foi de que isso teria sido um  recado de que ele era conivente com a repressão.
Mas Bergoglio negou essa acusação e disse que  fez “o que podia” para ajudar os perseguidos. Outro tema frequentemente lembrado  é o posicionamento de Bergoglio a respeito da homossexualidade. Em 2010, quando ele ainda era arcebispo de Buenos Aires, a Argentina aprovou  o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Em uma carta de repúdio, ele disse o seguinte  contra a medida: “Não sejamos ingênuos. Não se trata de uma simples luta política, mas da  pretensão destrutiva do plano de Deus, de um homem e uma mulher crescerem e se multiplicarem”. Na época, Bergoglio criticou abertamente muitas das decisões da então  presidente Cristina Kirchner, e o ápice essa aprovação do casamento gay.
Mas Bergoglio vira Francisco e as coisas mudam. Até o humor. Em sua autobiografia, ‘Esperança’,  o próprio Papa Francisco reconhece que antes era visto como um padre “que nunca ria”.
Depois,  se tornou um papa “que ri o tempo todo”. No tema dos homossexuais,  a versão papa de Bergoglio deixou como marca falas de acolhimento. Logo no primeiro dos seus anos no Vaticano, na volta de viagem ao Brasil, ele deu uma  declaração que destoou da fala de outros papas.
Mais recentemente, no documentário ‘Francesco’,  de 2023, o Papa Francisco diz o seguinte: “Os homossexuais têm direito a estar  em família, são filhos de Deus. Não se pode expulsar uma pessoa de sua família  ou tornar a vida impossível para ela”. Em 2023, uma decisão história do papa  passou a autorizar que casais do mesmo sexo fossem oficialmente abençoados em igrejas.
E não é que essas mudanças tenham acontecido sem  percalços. Em 2024, por exemplo, Francisco usou uma linguagem ofensiva em relação aos gays,  o que levou a um pedido de desculpas depois. E, sempre que perguntado, o papa  manteve o posicionamento de que o sacramento do matrimônio seria reservado  apenas a casais de homem e mulher.
Sobre o papel das mulheres, aliás, Francisco  também foi visto por muitos como progressista para os padrões da Igreja Católica. Em 2020, o papa decidiu criar uma comissão  para estudar a ideia de que mulheres  possam ser diaconisas e assumir funções hoje restritas a homens na Igreja,  como celebrar batismos e casamentos. Apesar disso, Francisco disse  em diversas situações que não vê possibilidades de mulheres no clero.
Em 2016, aliás, ele disse acreditar que a proibição de mulheres padres é para sempre. Ainda assim, o Vaticano nunca teve tantas mulheres em cargos importantes. Em fevereiro, por exemplo, a freira italiana Raffaella Petrini foi escolhida como  governadora da Cidade do Vaticano — a primeira vez que uma mulher ocupa esse cargo.
E o entendimento de Francisco sobre os chamados casais em segunda união  também foi visto como um avanço. Os divorciados vivendo outras relações  não poderiam participar de momentos fundamentais para os católicos, como a  comunhão, segundo o direito canônico. Francisco mudou isso, dizendo que, com  o acompanhamento pastoral de um padre, essas pessoas podem participar plenamente  do dia a dia da comunidade católica.
Sobre a educação sexual em escolas, o papa  Francisco também já declarou apoio. E, em 2024, disse que o prazer sexual é “um dom de Deus”  que deve ser “disciplinado com paciência”. As mudanças não vieram sem polêmica, com a  descrição de uma "guerra subterrânea” nos corredores da Santa Sé empreendida  por opositores de Francisco.
O sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, editor  do jornal da Arquidiocese de São Paulo, diz que, quando Bergoglio se torna o Papa Francisco, abre  aspas, “. . .
estava saturado com os excessos da comunidade conservadora argentina, que parecia só  ver problemas de sexualidade e ideologia de gênero por todas as partes, além de ter uma postura  moralista que pouco acolhia as pessoas” . Ele diz que isso levou Francisco  a fazer “um discurso mais voltado à acolhida e à justiça social. ” A gente vai continuar acompanhando este e outros assuntos em bbcbrasil.
com, no  Youtube e nas redes sociais. Até a próxima.
Copyright © 2025. Made with ♥ in London by YTScribe.com