INTRODUÇÃO. “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”. Isto é o que a filosofia me prometeu, que eu me tornasse igual a deus.
Para isso eu fui convidado; para isso eu vim. I. A TRANQUILIDADE DA ALMA.
“Quando não conseguimos encontrar tranquilidade dentro de nós mesmos, de nada serve procurá-la noutro lugar”. – Esopo (620 – 564 a. C.
) Sobre a tranquilidade da alma: O que desejas é grandioso e elevado e se avizinha do divino: não sofrer perturbação. Essa condição de estabilidade da alma os gregos chamam euthymía, sobre a qual há um esplêndido livro de Demócrito; eu a chamo “tranquilidade”. Indagamos como a alma pode sempre se encaminhar num curso equilibrado, olhando alegre para sua condição e sem interromper esse contentamento, mas permanecendo num estado plácido, sem jamais exaltar-se ou deprimir-se: isso será a tranquilidade.
II. NÃO DESPERDICE SUA VIDA. “Nenhuma perda deve ser para nós mais sensível do que aquela do tempo, porque ela é irreparável”.
– Zenão de Cítio (333 – 263 a. C. ) Não é que tenhamos um curto espaço de tempo, mas que desperdiçamos muito dele.
A vida é longa o suficiente, e foi dada em medida suficientemente generosa para permitir a realização das maiores coisas, se a totalidade dela estiver bem investida. Mas quando é desperdiçada em luxo e descuido, quando é dedicada a um fim inútil, forçada, finalmente, pela necessidade final, percebemos que já passou antes que estivéssemos conscientes de que estava passando. É preciso livrar-se da agitação desregrada, à qual se entrega a maioria dos homens.
Eles vagam ao acaso, mendigando ocupações. Suas saídas absurdas e inúteis lembram as idas e vindas das formigas ao longo das árvores, quando elas sobem até o alto do tronco e tornam a descer até embaixo, para nada. Quantas pessoas levam uma existência semelhante, que se chamaria com justiça de preguiça agitada?
Quando nenhum dever habitual nos chama, devemos restringir nossas ações. Agrada-me restringir minha vida entre as paredes de casa: “Ninguém me subtraia um dia sem nada me restituir digno de tamanho dispêndio; que minha alma se dedique a si mesma, cultive-se, nada faça que lhe seja alheio, nada que deva ser levado a um juiz. Que seja possível apreciar a tranquilidade livre de inquietações de âmbito público e privado”.
O próximo ponto será não nos esforçarmos em coisas desnecessárias ou desnecessariamente, isto é, não cobiçar o que não podemos conseguir ou, tendo-o alcançado, percebermos tarde e depois de muito suor a vacuidade de nossos desejos. Ou seja, que o esforço não seja vão, sem efeito, ou o efeito indigno do esforço, pois, em geral, a tristeza o acompanha se não for obtido bom resultado ou se o resultado envergonha. O dever do homem é ser útil aos seus semelhantes; se possível, ser útil a muitos deles; se assim não conseguir, ser útil a uns poucos; se assim não for, ser útil aos seus vizinhos e, se assim não for, a si mesmo: pois, quando ajuda os outros, faz progredir os interesses gerais da humanidade.
III. SEJA SIMPLES. “Ocupe-se de pouco para ser feliz”.
– Demócrito (460 – 370 a. C. ) A verdadeira felicidade não está em ter tudo, mas em não desejar nada.
Acostumemo-nos a afastar de nós a pompa e a levar em conta a utilidade das coisas, não seus ornamentos. Aprendamos a aumentar a temperança, a coibir o luxo, a moderar a vaidade, a abrandar a ira, a cultivar a simplicidade e a nos empenhar em buscar riquezas em nós e não na fortuna. É a alma que deve ser preenchida e não o cofre.
Acostumemo-nos, portanto, a modéstia. Mesmo a despesa com os estudos, que é a mais meritória, tem justificativa até o momento em que tem limite. Para que incontáveis livros e bibliotecas, se o dono, durante toda a sua vida, mal pôde ler os títulos?
Há aqueles que ignoram até mesmo as primeiras letras, e usam os livros não como instrumentos de estudo, mas como ornamentos das salas de jantar. Disponhamos dos livros em quantidade suficiente, não para decoração. Internamente, devemos ser diferentes em todos os aspectos, mas nosso vestido exterior deve se misturar com a multidão.
Somente a virtude é sublime e elevada, e nada é grandioso se ao mesmo tempo não for sereno. IV. NÃO REAJA.
“Se alguém o irrita, a única coisa capaz de irritá-lo é a sua própria reação”. – Epicteto (50 – 138) Não há prova mais certa de grandeza do que não poder acontecer-te coisa alguma que instigue tua reação. Disto não haverá dúvida: destacou-se da multidão e situou-se mais alto alguém que desprezou quem lhe fez provocação; é próprio da verdadeira grandeza não mostrar-se sensível a uma agressão.
Se você realmente quer escapar das coisas que o assediam, o que você precisa fazer não é estar em um lugar diferente, mas ser uma pessoa diferente. O sábio não ficará irado com os que erram. Por quê?
Porque sabe que ninguém nasce, mas se torna sábio; sabe que, em cada época, pouquíssimos se convertem em sábios; porque tem completo conhecimento da condição da vida humana, e nenhum homem sensato se enfurece contra a natureza. Alguém por acaso se irrita com crianças cuja idade ainda não dispõe de discernimento? Ainda maior e mais justa é a desculpa de ser um homem do que a de ser criança.
Nascemos nessa condição, expostos a doenças da alma não menos numerosas que as do corpo, seres que não são obtusos ou ineptos, mas que utilizamos mal nossa perspicácia, sendo exemplos de vícios uns para os outros. V. SUPERE AS ADVERSIDADES.
“Se for suportável, então aguente. Pare de reclamar”. – Marco Aurélio (121 – 180) O estoico vê toda a adversidade como treinamento.
As dificuldades fortalecem a mente, como o trabalho faz com o corpo. Nenhum homem jamais foi sábio por acaso. É uma estrada difícil que leva às alturas da grandeza.
Admira-me quem tenta, mesmo que fracasse. Diz para ti: “Dessas coisas que nos parecem terríveis, nenhuma é invencível”. Muitos já venceram cada uma delas; alcancemos alguma vitória também nós.
A persistência transpõe todo obstáculo. Ora, nada existe tão difícil e árduo que a mente humana não possa vencer e uma assídua meditação não possa levar à familiarização, e nenhuma paixão é tão feroz e soberana que não possa ser domada pela disciplina. Tudo o que o espírito ordenou a si próprio ele obteve.
A parte mais importante do progresso é o desejo de progredir. Não nos atrevemos a muitas coisas porque são difíceis, mas são difíceis porque não nos atrevemos a fazê-las. Padecemos de males curáveis e, como nascemos para o bem, se quisermos nos emendar, a própria natureza nos ajuda.
Nem é árduo e áspero, como pareceu a alguns, o caminho para as virtudes: facilmente nos aproximamos delas. Não venho até vós como mentor de ideias vãs. É fácil o trajeto para uma vida feliz: apenas empreendei-o sob bons auspícios e com a boa ajuda dos deuses.
Muito mais difícil é fazer o que fazeis. Viver significa lutar. Toda vida é uma escravidão.
É preciso acostumar-se à sua condição, queixar-se dela o mínimo possível e agarrar toda vantagem que ela tenha em torno de si. Em todas as coisas, devemos tentar tornar-nos tão gratos quanto possível. Nada é tão amargo que uma alma resignada não encontre ali algum motivo de reconforto.
Há um só alívio para os grandes males: suportá-los e obedecer a suas exigências. Encontrarás em qualquer tipo de vida diversão, relaxamento e prazeres se quiseres considerar leves os teus males, em vez de odiosos. VI.
DESCANSE. “Os deuses, cheios de piedade pelos humanos, raça condenada a sofrimentos, instituíram para os aliviar de suas fadigas e apaziguar seus tormentos o ciclo das festas divinas. Deram-lhes por companhia e guias Apolo e Dionísio, a fim de que, assim nutridos na festa dessa divina frequentação, recebessem novamente a retidão e a ordem”.
– Platão (427 – 347 a. C. ) Nascem da continuidade dos esforços certo desgaste e languidez na alma.
Apliquemos uma medida: é essencial distinguir a vida simples da displicente. Devemos ser complacentes com nossa alma e de tempos em tempos conceder-lhe o ócio para que lhe sirva de alimento e energia. A mente deve relaxar - ela voltará melhor e mais afiada após uma boa pausa.
A mente não deve se manter invariavelmente no mesmo nível de tensão, mas ceder aos divertimentos. É preciso dar repouso a nossas almas: descansadas, elas surgem melhores e mais ativas. Assim como não se deve cansar os campos férteis, pois logo uma fecundidade ininterrupta os deixará exauridos, também o esforço contínuo da alma irá quebrantar o seu ímpeto; recuperará o vigor depois de um pouco relaxada e repousada.
A prática frequente do divertimento irá tirar da alma toda substância e energia, pois também o sono, é necessário à restauração; no entanto, se alguém o prolongar dia e noite, será como a morte. É bem diferente afrouxar algo ou decompô-lo. Existe ainda um motivo de inquietudes não desprezável, se alguém se compõe com excessiva preocupação e não se mostra a ninguém ao natural.
Nós devemos também ser flexíveis, para não nos apegarmos demais a nossas determinações, e convirá seguir para onde o acaso tiver nos desviado, não ter medo excessivo de mudar de decisão e de postura, contanto que não nos domine a inconstância, o vício mais hostil à paz de espírito. VII. EXAMINE-SE.
“Viver, de fato, não está sob nosso controle; mas viver corretamente está”. – Quinto Séxtio (70 – 35 a. C.
) Todos os nossos sentidos devem ser levados ao fortalecimento; são por natureza resistentes se a alma parou de corrompê-los, esta que deve ser cotidianamente convocada a prestar contas. Isto fazia Séxtio, terminado o dia, depois de se recolher ao descanso noturno, interrogava sua alma: “Qual de teus males hoje sanaste? A que vício te opuseste?
Em que estás melhor? ” Examine-se. Cessará tua ira e será mais moderada sabendo que diariamente terá de apresentar-se ao juiz.
Que há de mais belo que esse costume de examinar todo o seu dia? Que sono é aquele que advém após a inspeção de si, tranquilo, profundo e livre, quando a alma foi elogiada ou advertida e, como um auto-observador e um censor secreto, ela chega ao conhecimento de seus hábitos! Utilizo-me desse recurso e diariamente advogo minha causa diante de mim mesmo.
Logo que foi apagada a luz e minha esposa, já ciente de meu costume, fez silêncio, perscruto todo o meu dia e repasso meus atos e palavras. Nada escondo de mim, nada omito. De fato, por que eu temeria algum de meus erros quando poderia dizer: “Trata de não fazer mais isso; por agora te perdoo.
Naquela altercação falaste de modo muito combativo. Não discutas, depois disso, com ignorantes; não querem aprender os que nunca aprenderam. Àquele, tu o advertiste com mais franqueza do que devias; desse modo, não o emendaste, mas o ofendeste.
No mais, vê não apenas se é verdadeiro o que dizes, mas se aquele a quem te diriges tolera a verdade; quem é bom se compraz em ser advertido, já os piores toleram com muita resistência quem os corrige”. Temos sob os olhos os vícios alheios, a nossas costas estão os nossos. Realmente, olhamos com familiaridade os fatos domésticos e o interesse próprio sempre ofusca nosso juízo.
Que cada um esteja atento e por si só se examine. Enquanto estiver vivo, você estará aprendendo a viver. Aí tens, meu caro, os meios que permitem preservar a tranquilidade, os que os que permitem restituí-la, os que opõem resistência aos vícios que se insinuam furtivamente.
Saibas, no entanto, que nenhum deles tem bastante eficácia se um cuidado atento e assíduo não envolve a alma vacilante.