[Música] Paulo estava sozinho em um dos restaurantes mais exclusivos da cidade. O ambiente era elegante, a iluminação suave e o som de talheres ecoava discretamente pelo salão. Ele observava a taça de vinho à sua frente, os olhos perdidos no movimento do líquido rubro.
O restaurante sempre lhe trouxera memórias, mas naquela noite o lugar parecia envolto em um véu de tristeza. Ele estava triste. Paulo costumava ir àquele restaurante com sua falecida esposa, Emily.
Eles tinham uma mesa favorita próxima à janela, de onde viam as luzes da cidade enquanto jantavam e conversavam sobre tudo e nada. Emily havia falecido há 10 anos, mas para ele a dor parecia tão fresca quanto no dia em que ela partiu. Agora estava sozinho, sem esposa, sem filhos e sem parentes.
Aquela ausência era um peso que ele carregava todos os dias, mas naquela noite parecia insuportável. Paulo abaixou a cabeça e chorou silenciosamente, sem fazer ruído; não queria que ninguém o ouvisse. Chorando era um lugar público, afinal.
Limpou rapidamente as lágrimas, secando os olhos com o guardanapo, antes que algum garçom percebesse. — Senhor, deseja mais alguma coisa? — perguntou o garçom educadamente, enquanto recolhia o prato vazio à sua frente.
— Não, só a conta, por favor — respondeu Paulo, com a voz rouca, tentando disfarçar o que sentia. Ele pagou a conta, que totalizava cerca de R$ 300. Dinheiro nunca foi um problema para Paulo; ele tinha mais do que precisava, mas, na verdade, não sabia o que fazer com tanto.
Quando o garçom voltou com o troco, Paulo já estava de pé, ajeitando o casaco e se preparando para sair. Assim que chegou à porta, ele notou o som da chuva lá fora. Uma tempestade forte caía sobre a cidade; as pessoas dentro do restaurante se amontoavam próximas às janelas, esperando a chuva passar, enquanto alguns clientes pediam que chamassem táxis.
Paulo, no entanto, não se importou. As gotas de água que caíam do céu eram um alívio bem-vindo. Ele saiu, deixando que a chuva molhasse seu rosto, disfarçando suas lágrimas.
Caminhou devagar pela calçada, sem pressa de voltar para casa, apenas sentindo o frescor da chuva misturado à dor da solidão. Foi então que, ao virar a esquina, ele viu uma jovem mulher sentada no chão, com um bebê nos braços. Ela estava encolhida sob uma marquise estreita, tentando se proteger da chuva, mas as gotas insistiam em molhar tanto ela quanto a criança.
O bebê choramingava baixinho e a mulher, com o semblante cansado, tentava acalmá-lo enquanto mantinha a mão estendida para as poucas pessoas que passavam, pedindo esmola. Paulo parou por um instante, observando aquela cena; algo dentro dele fez seu coração acelerar. Havia algo naquela mulher, na maneira como ela segurava o bebê, na vulnerabilidade que ela transmitia, que tocou fundo em sua alma.
Talvez fosse o fato de que, no passado, ele e Emily haviam sonhado em ter filhos, um sonho que nunca se concretizou. Ou talvez fosse apenas a dor que ele via refletida naqueles olhos desesperados, uma dor que ele conhecia tão bem. Sem pensar muito, Paulo caminhou em direção à mulher.
Quando ele se aproximou, ela levantou os olhos para ele, estendendo a mão trêmula. — Por favor, senhor, qualquer coisa ajuda — disse ela, com uma voz fraca, quase inaudível em meio ao som da chuva. Paulo colocou a mão no bolso do casaco e tirou sua carteira.
Sem hesitar, pegou cinco notas de R$ 100 e entregou à mulher. Ela olhou para o dinheiro, incrédula, e começou a contá-lo com os dedos molhados. — Senhor, isso é muito dinheiro — disse ela, com a voz embargada pela emoção.
— Tem certeza? Não vai lhe fazer falta? Paulo sorriu levemente, um sorriso triste, mas genuíno.
— Não, não vai me fazer falta — respondeu ele. — Pode ficar com tudo. A mulher, sem conseguir conter a emoção, começou a chorar.
As lágrimas se misturaram com as gotas de chuva que escorriam por seu rosto. Paulo observou a cena, sentindo um aperto no peito, mas também uma sensação de alívio. De alguma forma, aquilo lhe trouxe um consolo que ele não sabia que precisava.
Ela segurou a mão dele por um instante e a beijou com gratidão. — O senhor não faz ideia de como isso vai nos ajudar. Vou poder comprar comida para vários dias.
Obrigada, obrigada mesmo! — repetiu a mulher, soluçando. Paulo, ainda sob a chuva, colocou a mão sobre o ombro da mulher e disse, com uma voz suave: — Eu só desejo que vocês fiquem bem.
Deus o abençoe. — Senhor, Deus o abençoe — respondeu ela, ainda emocionada. Ele deu um último olhar para a mulher e o bebê antes de se afastar.
Quando voltou para o carro, Paulo se sentiu diferente. A solidão ainda estava lá, claro, mas havia algo novo: uma sensação de propósito, talvez, ou quem sabe apenas a satisfação de ter feito algo bom por alguém naquela noite chuvosa. Ele não sabia ao certo, mas sentia uma leveza em seu peito que não estava presente quando entrou naquele restaurante, algumas horas antes.
Paulo entrou no carro, fechou a porta e se permitiu respirar fundo, sentindo as gotas de chuva ainda escorrendo por seu rosto. Ligou o motor e dirigiu em silêncio pelas ruas molhadas da cidade, com as luzes refletindo nas poças d'água no asfalto. O caminho de volta para casa era o mesmo de sempre, mas naquela noite parecia diferente.
No dia seguinte, Paulo acordou com uma inquietação no peito. A noite anterior havia sido incomum, mas o que mais lhe vinha à mente não era a chuva ou a esmola que havia dado à mulher, mas sim a solidão que sentiu ao lembrar de sua falecida esposa, Emily. Ele sempre fazia questão de visitar o túmulo dela regularmente, levando flores para manter vivo o elo que ainda sentia entre eles.
A ideia de reviver esse momento parecia uma maneira de encontrar algum consolo. Decidido, ele se arrumou com calma e foi até a floricultura, escolhendo com cuidado um buquê de rosas vermelhas, as favoritas de. .
. Emily, o perfume suave das flores o trouxe de volta às memórias antigas onde a vida parecia mais simples e alegre ao lado dela. Após comprar as rosas, ele dirigiu em silêncio até o cemitério, o local onde se sentia mais próximo da mulher que tanto amara.
Ao estacionar o carro e caminhar pelos longos corredores de lápides, Paulo notou de longe uma figura próxima ao túmulo de Emily. Estranhou a presença de alguém ali, pois raramente encontrava visitantes na mesma hora que ele. Conforme se aproximava, a figura começou a se tornar mais nítida.
Para sua surpresa, era a mesma mulher que ele ajudara na noite anterior, a jovem mãe que lhe pedira a esmola sob a chuva. Intrigado, ele apressou os passos e, ao chegar perto, disse: — Olá, com licença, eu não esperava ver você aqui. A mulher, que parecia concentrada em algo, se virou rapidamente ao reconhecer a voz.
Seus olhos se arregalaram quando viu que era Paulo. — Você! — exclamou ela, surpresa.
— Não acredito que é o senhor! Paulo sorriu, embora confuso. — É, sou eu.
Me chamo Paulo. Por ontem, dei uma ajuda a você. Mas o que está fazendo aqui?
Esse é o túmulo da minha esposa, Emily. A mulher ficou um instante em silêncio, observando Paulo com um olhar intenso, como se estivesse processando a situação. — Eu.
. . Meu nome é Lúcia — começou ela, hesitante.
— Estou aqui visitando o túmulo de alguém importante para mim também. Paulo franziu o senho, ainda mais confuso. — Alguém importante?
E quem seria? Lúcia respirou fundo, claramente tentando organizar os pensamentos antes de responder. — Emily.
Eu vim visitar o túmulo dela. Paulo parou por um momento, sentindo o coração disparar. — Como assim?
— ele não conseguia entender a conexão que essa mulher teria com sua esposa. — Você conhecia? Lúcia fechou os olhos, seu rosto revelou uma expressão de dor e nervosismo.
Ela hesitou, como se estivesse prestes a dizer algo que mudaria tudo, e então veio a resposta: — Ela era minha mãe — disse Lúcia em voz baixa, mas firme. Aquelas palavras atingiram Paulo como um soco no estômago. Ele deu um passo para trás, o impacto da revelação o deixando sem ar.
— Impossível! — exclamou, sua voz cheia de descrença. — Emily foi minha esposa por 20 anos e ela nunca engravidou.
Isso não faz sentido! O rosto de Lúcia endureceu. Ela ergueu o queixo, como se já estivesse acostumada a enfrentar essa reação.
— Eu também nunca a conheci — continuou ela, sua voz ficando mais amarga. — Fui dada para a adoção quando era bebê. Minha mãe me deixou porque meu pai não podia me criar.
Paulo ainda estava processando a informação, e a confusão só aumentava. — Isso. .
. Isso não pode ser verdade — ele murmurou, quase para si mesmo, tentando encontrar uma lógica no que ouvia. — Eu teria sabido!
Emily nunca me disse nada sobre isso. Lúcia apertou os punhos e, num movimento brusco, tirou o dinheiro que ele havia dado no dia anterior do bolso. — Eu não fazia ideia de quem era meu pai — disse ela, com a voz tremendo de raiva e dor.
— Mas sempre odiei ele. Sempre o odiei por ter me deixado, e agora descobri que era você! Ela jogou as notas no chão entre eles, o gesto cheio de ressentimento.
— Eu nunca quis o dinheiro dele e agora não quero o seu também! Paulo ficou paralisado. Ele tentou balbuciar algo, mas as palavras não vinham.
Tudo parecia um grande mal-entendido, um pesadelo do qual ele não conseguia acordar. — Por favor, eu. .
. eu juro, isso não pode estar certo! Eu nunca soube de você!
Eu não sabia de nada disso! Mas Lúcia não queria ouvir. Ela balançou a cabeça, os olhos cheios de lágrimas que lutava para não derramar.
— Não me importa! Eu não quero saber mais nada de você! Ela deu alguns passos para trás, se preparando para ir embora.
— Agora faz sentido. Por isso minha vida foi tão difícil. Porque fui deixada para trás!
— Espere! Não vai embora assim! — Paulo tentou alcançá-la, mas ela já estava se afastando, caminhando em direção à saída do cemitério.
— Por favor, precisamos conversar! Eu. .
. eu preciso entender isso! Lúcia parou por um breve momento, sem se virar.
— Eu não quero nunca mais ver você — disse ela com frieza, antes de continuar seu caminho. Paulo tentou segui-la, mas, quando chegou à saída do cemitério, ela já havia desaparecido na rua, misturando-se à multidão. Ele ficou parado ali, sentindo a chuva começar a cair novamente, as gotas molhando suas roupas e escorrendo por seu rosto.
A mesma chuva que, na noite anterior, havia disfarçado suas lágrimas, agora trazia uma nova sensação de vazio. Sem saber o que fazer, ele voltou lentamente para o túmulo de Emily, colocou as rosas que havia comprado sobre a lápide e ficou em silêncio, olhando para o nome dela gravado no mármore frio. — Emily.
. . — sussurrou, a voz falhando.
— O que está acontecendo? Por que você nunca me contou? O vento assobiava suavemente entre as árvores do cemitério, mas não havia resposta.
Apenas a solidão familiar que ele conhecia tão bem. Paulo fechou os olhos e respirou fundo, tentando processar as revelações que acabara de ouvir, mas nada fazia sentido. E agora, mais do que nunca, ele se sentia sozinho.
Ele permaneceu ali, imóvel, enquanto as horas passavam e a chuva continuava a cair. Paulo voltou para casa, sentindo o peso esmagador da descoberta que havia feito no cemitério. Cada passo que ele dava parecia mais lento e pesado, como se o chão estivesse se afundando sob seus pés.
A revelação de Lúcia — a ideia de que ele era pai, sem saber — ainda martelava em sua mente. Ele se sentia perdido, confuso, buscando desesperadamente por respostas. Ao chegar em casa, a primeira coisa que fez foi abrir gavetas, revirar caixas e procurar por qualquer coisa que pudesse lhe dar uma pista, uma explicação.
Ele precisava entender o que havia acontecido. Cada foto que encontrava, cada documento, cada lembrança de Emily, tudo o fazia mergulhar mais fundo na dor e na culpa. Nada parecia responder às perguntas que surgiam sem parar em sua mente.
Foi então que ele encontrou o diário de Emily; era um pequeno caderno de capa marrom guardado em uma caixa junto com outras lembranças antigas. Paulo sabia da existência daquele diário, mas nunca teve coragem de lê-lo. A dor de perder Emily ainda era muito forte, e ele temia reviver tudo ao mergulhar nas palavras dela.
No entanto, naquele momento, ele sabia que precisava enfrentá-lo. Com as mãos trêmulas, Paulo abriu o diário e começou a folhear as páginas. As palavras, escritas com a caligrafia delicada de Emily, pareciam sussurrar diretamente para ele, trazendo à tona uma tempestade de emoções.
Ele leu algumas passagens cotidianas que haviam vivido juntos, mas logo chegou à parte que mudaria tudo. Ontem, um amigo nosso disse que vai ser pai, e Paulo ficou preocupado com o amigo. "Paulo," me disse, "seu amigo era muito novo para ter um filho.
" Paulo disse que também não queria ser pai ainda, pois poderia estragar a sua rotina, e assim ele nunca conseguiria ser o empresário que sempre quis ser. Ele passa a maior parte do tempo na pequena empresa. Perguntei a Paulo o que ele faria se eu engravidasse, e ele respondeu dizendo que eu não podia engravidar, pois arruinaria nossa vida.
Eu fiz essa pergunta pois descobri que estou grávida. Não sei o que faço; eu não quero estragar nossa vida e também não quero que ele me deixe. Ao ler essas palavras, Paulo sentiu uma dor lancinante no peito.
Ele se lembrava daquela conversa, daquela época. Naquele tempo, ele estava obcecado com o crescimento da empresa, com o sucesso, com construir um futuro promissor para eles dois. A ideia de um filho parecia um obstáculo, uma complicação que ele acreditava que não poderia arcar.
Mas lendo agora, ele via tudo com outros olhos. A frieza de suas palavras o atingiu com força, e as lágrimas começaram a escorrer por seu rosto. "Emily, o que eu fiz?
" sussurrou, a voz embargada pela dor. Ele deixou o diário de lado por um momento, cobrindo o rosto com as mãos. O arrependimento era esmagador; ele conseguia se lembrar claramente de suas próprias palavras, mas agora, anos depois, via o quanto havia sido insensível.
Como não percebera a dor de Emily? Como não notara que ela estava enfrentando algo tão importante, tão devastador? Depois de alguns minutos, Paulo respirou fundo, enxugou as lágrimas e pegou o diário novamente.
Ele sabia que havia mais; precisava continuar. Virou mais algumas páginas até encontrar outra revelação chocante: "Eu estou grávida e não posso contar a ele. Disse a ele que vou visitar meus pais mês que vem e ficar um tempo cuidando da saúde da minha mãe, mas estou mentindo.
Eu vou ficar na casa de uma amiga e, depois de ter essa criança, eu vou lhe dar para adoção. É o melhor para todos. " Essas palavras cortaram Paulo como uma lâmina.
Ele largou o diário mais uma vez, incapaz de continuar. "Meu Deus, Emily, o que eu fiz com você? " murmurou, os olhos voltados para o vazio, como se estivesse tentando encontrar uma resposta nas paredes silenciosas da casa.
O peso da culpa o esmagava. Emily havia enfrentado tudo sozinha, sem contar a ele, porque ele próprio a fizera acreditar que a gravidez arruinaria suas vidas. As lágrimas voltaram, mais intensas dessa vez.
Paulo não conseguia suportar a dor. "É minha culpa," repetiu várias vezes, como se admitir isso em voz alta fosse, de alguma forma, aliviar o fardo que ele sentia. Mas não aliviava.
A sensação de perda, de fracasso, era avassaladora. Ele sabia, naquele momento, que era pai, que Emily havia levado a gravidez adiante, entregado a filha para adoção e guardado o segredo por todo esse tempo. E agora, 20 anos depois, ele descobria que também era avô.
Lúcia era sua filha, a mulher a quem ele dera esmola. No dia anterior, a ironia da situação era quase cruel. Paulo passou as mãos pelo rosto, tentando se recompor.
Ele precisava encontrar Lúcia, precisava explicar tudo, mas o que ele poderia dizer? Como poderia convencê-la de que ele não sabia? Ela o odiava, e com razão.
Emily havia mantido esse segredo por acreditar que ele a rejeitaria, e Lúcia, por sua vez, cresceu acreditando que fora abandonada pelo pai. Paulo sabia que Lúcia continuaria indo ao cemitério para visitar o túmulo de Emily; era o único lugar onde ele tinha certeza de que poderia encontrá-la novamente. Durante semanas, Paulo fez o mesmo caminho até o cemitério todos os dias, esperando uma oportunidade de falar com Lúcia, de consertar o que estava quebrado entre eles.
Ele passava horas em frente à lápide de Emily, conversando com ela em silêncio, pedindo desculpas, buscando forças para lidar com aquela situação que lhe parecia impossível. Em um desses dias, enquanto observava as flores que havia trazido murcharem, Paulo avistou, à distância, Lúcia. Ela caminhava devagar, carregando o pequeno Leonardo no colo, e parecia relutante em se aproximar.
Quando viu Paulo, ele percebeu que ela estava prestes a virar e ir embora, como se quisesse evitar qualquer tipo de interação. "Lúcia, por favor, espere! " Paulo falou rapidamente, sua voz um pouco trêmula.
"Eu preciso falar com você. " Lúcia parou por um instante, mas não se virou de imediato; ficou de costas para ele, claramente pensando se deveria continuar ou não. Finalmente, depois de alguns segundos que pareceram uma eternidade para Paulo, ela se virou, o rosto ainda marcado pela desconfiança e pela dor.
"Por que está aqui de novo? " perguntou Lúcia, com a voz dura. "Eu pensei que já tinha deixado claro que não queria nada com você.
" Paulo respirou fundo, tentando manter a calma diante da hostilidade evidente. "Eu sei, eu entendo sua raiva, e você tem todo o direito de se sentir assim," ele começou, escolhendo cuidadosamente as palavras. "Mas, por favor, me escute só por um momento.
Eu só quero me desculpar. " Lúcia cruzou os braços, mantendo uma postura de defensiva. expressão cética desculpar-se por pelo que aconteceu anos atrás ou por tudo isso agora, por tudo, respondeu Paulo, baixando os olhos por um instante.
Pelo que acontecera no passado e pelo que está acontecendo agora. Eu não sabia sobre a gravidez de sua mãe. Se eu soubesse, jamais teria dito aquelas coisas horríveis.
Eu fui egoísta. Estava tão focado na minha carreira, em construir algo, que não percebi o que estava acontecendo ao meu redor. Lúcia ergueu uma sobrancelha, ainda desconfiada.
Quais coisas horríveis você está falando? Em silêncio, Paulo estendeu a ela o diário de Emily, o mesmo que havia lido apenas dias atrás e o que lhe revelara a verdade que ele desconhecia por tanto tempo. Leia por você mesma, disse ele suavemente.
Esse é o diário da sua mãe. Eu quero que você entenda, pelas palavras, o que aconteceu. Se, depois de ler, você ainda não quiser falar comigo, eu vou respeitar sua decisão.
Vou voltar aqui no próximo sábado, e se você vier, nós conversamos. Senão, eu entenderei. Lúcia olhou para o diário com uma mistura de surpresa e hesitação.
Ela não disse nada, apenas pegou o caderno com as mãos firmes e olhou de volta para Paulo por um instante, sem expressão. Depois, sem uma palavra, virou-se e foi embora, segurando Leonardo no braço e o diário de Emily na outra mão. Paulo observou-a se afastar, sentindo um misto de esperança e tristeza.
Ele sabia que a decisão agora estava nas mãos dela e tudo o que podia fazer era esperar. Os dias que seguiram foram angustiantes para Paulo. Ele tentava ocupar a mente com o trabalho, com suas rotinas diárias, mas a espera pela chegada do sábado era insuportável.
Ele se perguntava se Lúcia iria aparecer, se ela conseguiria perdoá-lo pelo passado e, mais do que isso, ele se perguntava como poderiam seguir em frente. Finalmente, o sábado chegou e Paulo estava novamente no cemitério. Ele olhou para o túmulo de Emily, sentindo o vento frio passar por entre as árvores do lugar enquanto observava o caminho pelo qual Lúcia poderia aparecer.
O tempo passou devagar e Paulo sentiu uma leve pontada de tristeza ao perceber que Lúcia ainda não havia chegado. Talvez ela tivesse decidido que não queria mais nada com ele. Talvez o diário só tivesse aprofundado a dor que ela sentia.
Ele estava prestes a perder as esperanças quando, de repente, avistou uma figura ao longe. Era Lúcia. Ela caminhava devagar, mas vinha em sua direção.
Paulo sentiu o coração acelerar e respirou fundo, tentando manter a calma. Quando Lúcia chegou perto, o silêncio se instalou por um momento entre eles. Ela segurava Leonardo no colo e o olhar em seu rosto era diferente do que Paulo havia visto antes.
Não havia mais tanta raiva, mas sim uma mistura de compreensão e uma dor que ainda estava lá, mas parecia mais branda. "Eu li o diário", disse ela, quebrando o silêncio. "Entendi muitas coisas.
" Paulo a observou com atenção. "E como você se sente agora? " Lúcia suspirou, olhando brevemente para o túmulo de Emily.
"Eu não posso dizer que tudo isso desapareceu. Ainda há muita dor, muita mágoa, mas eu percebi que, apesar dos erros, você sempre cuidou bem da minha mãe. Ela te amava muito, isso está claro nas palavras dela.
" Paulo baixou a cabeça por um momento, sentindo o peso do arrependimento. "Eu faria qualquer coisa para poder voltar no tempo e mudar o que aconteceu", disse ele, a voz carregada de emoção. "Mas eu sei que isso não é possível.
Tudo o que posso fazer agora é pedir desculpas de novo pelos meus erros. " Lúcia o observou por alguns segundos, como se estivesse decidindo o que fazer. Então, num movimento inesperado, ela deu um passo à frente e o abraçou.
O gesto foi desajeitado, hesitante, mas cheio de significado. "Talvez a gente possa tentar seguir em frente", disse ela, baixinho. Paulo retribuiu o abraço com ternura, sentindo uma leve onda de alívio atravessar seu peito.
"Eu adoraria isso", respondeu ele, a voz embargada. Depois de alguns segundos, Lúcia se afastou e, sorrindo de forma tímida, estendeu Leonardo para que Paulo o segurasse. "Quer segurar seu neto?
" Paulo sorriu, pegando Leonardo nos braços. "Com certeza. " Enquanto eles caminhavam juntos para fora do cemitério, Paulo sabia que aquele era apenas o começo.
Paulo segurou Leonardo em seus braços com cuidado, observando o neto que ainda era tão pequeno, mas já carregava tanto significado para ele. Olhando para o menino, ele começou a pensar em todas as coisas que poderia fazer por ele e por Lúcia. Eles haviam passado por tantas dificuldades e Paulo sentia a necessidade de compensar, de alguma forma.
Enquanto caminhavam juntos para o carro, Paulo, com um sorriso gentil, se virou para Lúcia. "Eu estive pensando", começou ele, com a voz cheia de esperança. "Quero ajudar vocês dois.
Sei que têm enfrentado momentos difíceis e gostaria de oferecer uma casa melhor para vocês morarem, com mais conforto e segurança. Algo que possa dar a você e ao Leonardo uma vida mais estável. " Lúcia o olhou por um momento, surpresa com a oferta.
Ela claramente não esperava algo assim tão cedo. Seu semblante, que antes demonstrava uma certa frieza, agora parecia confuso, mas aberto à ideia. "Paulo, eu agradeço muito", disse Lúcia, com um sorriso tímido surgindo em seus lábios.
"Mas, por enquanto, tudo o que eu realmente quero é algo bem mais simples. " Ela olhou para o pequeno Leonardo que estava aninhado nos braços de Paulo, com uma expressão de tranquilidade. "Eu só queria comer alguma coisa.
Estou com fome e Leonardo também deve estar. " Paulo riu levemente, sentindo uma alegria genuína pela primeira vez em muito tempo. "Claro, podemos fazer isso.
Tem um lugar que eu gostaria de levar vocês. " Lúcia franziu a testa, curiosa. "Onde?
" "É o restaurante onde eu costumava ir com sua mãe", disse Paulo, com um olhar saudoso. "Eu sempre ia lá com Emily e depois que ela. .
. " "Se foi, eu continuei indo, mas nunca foi a mesma coisa. " Ele suspirou antes de completar: "Mas acho que hoje seria diferente.
Desta vez, eu não estaria sozinho. " Lcia sorriu com mais suavidade. "Parece uma boa ideia.
Vamos então! " Seguiu com mais conversas e risadas. E, conforme a noite avançava, Paulo sentia que algo dentro dele estava mudando; a solidão, o vazio que o acompanhava por tanto tempo, parecia estar sendo preenchido pela presença de sua filha e de seu neto.
Ele finalmente não estava mais [Música] sozinho.