E se pudéssemos saber as informações dentro do nosso DNA? No ano de 2003, foi concluído o Projeto Genoma Humano, que levou mais de uma década para ser finalizado e contou com o esforço de cientistas de diversas nações, resultando na decifração completa da sequência de mais de três bilhões de pares de base do genoma de nossa espécie. Até os dias atuais, o genoma de diversas outras espécies de seres vivos foi também sequenciado.
Esse conhecimento possibilita uma série de avanços na ciência, medicina e tecnologia. O primeiro, e até hoje mais utilizado, método de sequenciamento de DNA foi desenvolvido na década de 70 pelo bioquímico Frederick Sanger e seus colaboradores, conhecido como "Método de Sanger". Antes de explicar a técnica, vamos relembrar alguns princípios básicos do DNA.
O DNA é uma molécula orgânica composta por unidades básicas, chamadas desoxirribonucleotídeos, que realizam ligações químicas entre si para formar cadeias alongadas. Um desoxirribonucleotídeo é formado por um fosfato, uma molécula de carboidrato desoxirribose e uma base nitrogenada, que pode ser de quatro tipos: adenina, timina, citosina e guanina. Uma cadeia alongada de desoxirribonucleotídeos ligados entre si forma uma fita simples de DNA, e duas fitas simples juntam-se para formar a molécula de dupla-hélice de DNA por meio do pareamento específico entre bases complementares de cada fita simples.
Para realizar o sequenciamento de Sanger, precisaremos de: uma amostra de DNA; enzima DNA-Polimerase, que atuará na produção de uma nova fita de DNA; primer, que é simplesmente uma sequência específica de nucleotídeos, que servirá como iniciador para a produção de uma nova fita de DNA pela DNA-Polimerase; desoxirribonucleotídeos, ou dNTP; e didesoxirribonucleotídeos, ou ddNTP. O princípio da técnica está na diferença de estrutura entre o dNTP e o ddNTP. Enquanto o dNTP possui uma hidroxila ligada ao carbono 3' da desoxirribose, essa hidroxila está ausente na molécula de ddNTP.
A presença de hidroxila é necessária para ocorrer a ligação química entre as unidades que formam a cadeia de DNA. Por não possuir a hidroxila nessa posição, o ddNTP já ligado à porção terminal da fita impede que uma nova molécula de dNTP se ligue à cadeia de DNA, impedindo o alongamento da cadeia. No início da técnica, uma amostra de DNA é distribuída igualmente dentro de quatro tubos, cada um contendo a mesma quantidade de DNA-Polimerases, primers, dNTPs e com a mesma quantidade de um ddNTP diferente em cada tubo.
Esses tubos serão então aquecidos para que as fitas duplas de DNA se separem em fitas simples. O primer se liga em uma sequência de nucleotídeos específica nas fitas simples, para que então a enzima DNA-Polimerase possa começar a produzir a nova fita de DNA, inserindo os nucleotídeos presentes na solução do tubo. Quando um ddNTP é inserido ao acaso na cadeia de DNA pela enzima, o alongamento da cadeia para.
Assim, várias moléculas de DNA de tamanhos diferentes serão produzidas em cada tubo. Em seguida, é feita uma eletroforese em gel, processo que separa as moléculas de DNA pelos seus tamanhos As moléculas maiores, por serem mais pesadas, correm menos no gel, e as moléculas menores, por serem mais leves, correm mais. Cada coluna representa um ddNTP de um tubo diferente, e cada banda mostra o tamanho da molécula de DNA com um ddNTP específico no fim da cadeia.
Assim, o resultado da eletroforese nos informa a sequência das bases na cadeia de DNA da amostra, onde a banda mais inferior representa a cadeia interrompida por ddNTP mais curta, ou seja, a primeira base da sequência de DNA original, e assim por diante, até a banda mais superior, representando a última base da sequência de DNA. Lendo o resultado de baixo para cima, conseguimos determinar a sequência de nucleotídeos pela posição e pela coluna de cada banda. Com o auxílio dessa técnica, conseguimos estudar genes, verificar alterações no DNA diagnosticar desordens e anomalias em pacientes, desvendar crimes, identificar espécies e compreender melhor a história da evolução.
Ao decifrar as letras do genoma, percebemos as diferenças e semelhanças entre todos os seres vivos. Notamos como cada ser vivo é único, mas, ao mesmo tempo, possuidor da mesma molécula orgânica compartilhada por todos os organismos de nosso planeta.