AUDIOBOOK EM BUSCA DE SENTIDO COMPLETO Viktor E Frankl

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em busca de sentido um psicólogo no campo de concentração de Victor frankel parte um este livro não trata de fatos e acontecimentos externos mas de experiências pessoais que milhares de prisioneiros viveram de muitas formas é a história de um campo de concentração visto de dentro contada por um de seus Sobreviventes não vamos descrever os grandes horrores já bastante denunciados embora nem sem se Acredite neles mas sim as inúmeras pequenas torturas em outras palavras Tentarei responder à seguinte pergunta de que modo se refletia na cabeça do prisioneiro médio a vida cotidiana do campo de concentração diga-se
de antemão que as experiências aqui relatadas não se relacionam tanto com acontecimentos nos campos de concentração grandes e famosos mas com os que ocorrem em suas famigeradas filiais menores é fato notório que justamente estes Campos mais reduzidos eram autênticos locais de extermínio em Pauta estará aqui não a paixão e morte dos grandes heróis e Mártires mas das pequenas vítimas a pequena morte da grande massa não vamos nos ocupar com aquilo que o capo nota do tradutor prisioneiros que dispunham de privilégios fim de nota nem este Ou aquele Prisioneiro pessoalmente importante sofreu ou tem para contar
mas vamos tratar da Paixão do Prisioneiro comum e desconhecido Este último não usava o distintivo em forma de braçadeira e era desprezado pelos capos enquanto ele passava fome até morrer de inanição os capos não passavam mal houve até algum deles que nunca se alimentaram tão bem em sua vida do ponto de vista psicológico e caracterológico este tipo de pessoa deve ser encarado antes como os SS ou os guardas do campo de concentração os capos tinham se assemelhado a este psicológica e sociologicamente e com eles colaboravam muitas vezes eram mais rigorosos que a guarda do campo
de concentração e eram os piores al gooses do prisioneiro comum chegando por exemplo a bater com mais violência que a própria SS Afinal de antemão somente eram escolhidos para capos aqueles prisioneiros que se prestavam a esse tipo de procedimento E caso não fizessem juus ao que dele se esperava eram imediatamente depostos seleção ativa e passiva o não iniciado que olha de fora sem nunca ter estado num campo de concentração geralmente tem uma ideia errada da situação num campo destes imagina a vida lá dentro de modo sentimental simplifica a realidade e não tem a menor ideia
da feroz luta pela existência mesmo entre os próprios prisioneiros e justamente nos campos menores é violenta a luta pelo pão de cada dia e pela preservação e salvação da vida luta-se sem dó nem piedade pelos próprios interesses sejam eles do indivíduo ou do seu grupo mais íntimo de amigos suponhamos por exemplo que seja iminente um transporte para levar certo número de internados para outro campo de concentração segundo a versão oficial mas a boas razões para supor que o destino seja a câmara de gás porque o transporte de pessoas doentes e fracas representa uma seleção dos
primeiros incapacitados de trabalhar que deverão ser dizimados num campo maior é equipado com câmaras de gás e crematório é neste momento que estoura a guerra de todos contra todos ou melhor de uns grupos e panelinhas contra outros cada qual procura proteger-se a si mesmo ou os que lhe são chegados pô-los a salvo do transporte requisitos no último momento da lista do transporte um fato está claro para todos para aquele que for salvo desta maneira outro terá de entrar na lista afinal de contas o que importa é o número o transporte terá que ser completado com
determinado número de prisioneiros cada qual então representa pura e simplesmente uma cifra pois na lista constam apenas os números dos prisioneiros afinal de contas é preciso considerar que em alchevits Por exemplo quando o Prisioneiro passa pela recepção ele é despojado de todos os haveres e assim também acaba ficando sem nenhum documento de modo que quem quiser pode simplesmente adotar um nome qualquer alegar outra prof S etc não são poucos os que apelam para este truque por diversas razões a única coisa que não dá margem a dúvidas e que interessa aos funcionários do campo de concentração
é o número do prisioneiro geralmente é tatuado no corpo nenhum vigia ou supervisor tem ideia de exigir que o Prisioneiro se identifique pelo nome quando quer denunciá-lo o que geralmente acontece por alegação de preguiça simplesmente Verifica o número que todo Prisioneiro precisa usar urado em determinados pontos da calça do casaco e da capa e o anotar ocorrência muito temida por suas consequências voltemos ao caso do transporte previsto nesta situação o Prisioneiro não tem tempo nem disposição para se demorar em reflexões abstratas e Morais cada qual só pensa em salvar a sua vida para os seus
que por eles esperam em casa e preservar aqueles aos quais se sente ligado de alguma forma no campo de concentração por isso não hesita em dar um jeito de incluir outra pessoa outro número no transporte o que dissemos acima já dá para entender que os capos eram resultado de uma espécie de seleção negativa para esta função somente se prestavam os indivíduos mais brutais embora felizmente tenha havido é claro exceções as quais deliberadamente não Vamos considerar aqui mas além dessa seleção ativa efetuada por assim dizer pelo pessoal da SS havia ainda uma seleção Pass existiam prisioneiros
que viviam anos a fio em campos de concentração e eram transferidos de um para outro passando às vezes por dezenas deles dentre eles em geral somente conseguiam manter-se com vida aqueles que não tinham escrúpulos nesta luta pela preservação da vida e que não hesitavam em usar métodos violentos ou até mesmo trair amigos todos nós que escapamos com vida por milhares e milhares de felizes Coincidências ou Milagres divinos seja lá como quisermos chamá-los sabemos e podemos dizer sem hesitação que os melhores não voltam relato do prisioneiro número 119.104 ensaio psicológico quando o ex-prisioneiro 119.104 tenta descrever
agora o que vivenciou como psicólogo no campo de concentração é preciso observar de antemão que naturalmente ele não atuou ali como psicólogo nem mesmo como médico a não ser durante as últimas semanas compre salientar este detalhe porque o importante não será mostrar o seu modo de vida pessoal mas a maneira como precisamente o Prisioneiro comum experimentou a vida no campo de concentração não é sem orgulho que digo não ter sido mais que um prisioneiro comum nada foi senão o simples número 119.104 a maior parte do tempo estive trabalhando em escavações e na construção de ferrovias
Enquanto alguns poucos colegas de profissão tiveram a sorte de ficar aplicando ataduras improvisadas com papel de lixo ostos de Emergências dotados de algum tipo de calefação Eu por exemplo tive de cavar sozinho um túnel por baixo de uma estrada para a colocação de canos d'água isto para mim não deixou de ser importante pois como reconhecimento deste serviço prestado recebi dois dos assim chamados cupons Premium pouco antes do Natal de 1944 esses cupons eram emitidos pela firma de construção a qual era eramos literalmente vendidos como escravos pelo campo de concentração em troca de cada dia de
trabalho de um prisioneiro a firma tinha de pagar a administração do campo determinada quantia cada cupom prêmio custava a firma 50 centavos e era resgatado a cinco cigarros no campo de concentração geralmente apenas depois de passadas algumas semanas de repente eu estava de posse de um valor equivalente a 12 cigarros acontece que 12 cigarros valiam 12 sopas e 12 sopas realmente significam muitas vezes a salvação da morte por inanição para duas semanas ao menos somente um capo que tinha seus cupons premmio garantidos é que podia dar-se ao Luxo de Fumar cigarros além do prisioneiro que
dirigia alguma oficina ou depósito no almoxarifado e que recebia cigarros em troca de favores especiais todos os demais os prisioneiros comuns costumavam trocar por gêneros alimentícios aqueles cigarros que recebiam através de de cupons premmium Isto é por meio de serviços adicionais que representavam perigo de vida a não ser que tivessem desistido de continuar vivendo por terem perdido as esperanças resolvendo não gozar dos últimos dias de vida que ainda tinham pela frente quando um colega começava a fumar seus poucos cigarros já sabíamos que havia perdido a esperança de poder continuar e de fato então não aguentava
mais o anterior foi justificar e explicar o título do livro veja amos agora que sentido tem propriamente um relato deste tipo Afinal de contas já foi publicado Um número mais que suficiente de relatos Contando os fatos nos campos de concentração aqui todavia apresentaremos os fatos apenas na medida em que eles desencadearam uma experiência na própria pessoa é para a experiência pessoal em si que se voltará o estudo psicológico que segue esse tem uma dupla intenção procurando atingir tanto o leitor que conhece como o que não conhece por experiência própria o campo de concentração e a
vida que ali se passa para o leitor que o conhece procuraremos explicar suas experiências com os métodos científicos disponíveis no momento para os outros leitores procuraremos tornar compreensível aquilo que para o primeiro já foi sentido e faltava ser explicado o objetivo então é fazer o não iniciado também compreender a experiência do Prisioneiro e suas atitudes e compreender também aquele número tão reduzido de ex-prisioneiros que sobreviveram aceitando a sua atitude singular diante da vida e que constitui uma novidade do ponto de vista psicológico pois a atitude dos Sobreviventes não é sempre fácil de compreender frequentemente ouvimos
essas pessoas dizer não gostamos de falar sobre a nossa experiência não é necessária nenhuma explicação para quem esteve num campo e a quem não esteve jamais conseguiremos explicar o que havia dentro de nós nem tão pouco o que continuamos sentindo hoje é muito difícil fazer fazer uma exposição metódica deste tipo de ensaio psicológico a psicologia exige distanciamento científico Será que a pessoa que experimentou a vida no campo de concentração teria o distanciamento necessário durante a experiência ou seja na época em que precisou fazer as respectivas observações aquele que está de fora tem distanciamento mas está
distante demais do fluxo de vivência para poder colocar qualquer afirmação válida Pode ser que quem esteve com completamente envolvido tivesse muito pouco distanciamento para poder chegar a um julgamento bem objetivo ocorre porém que somente ele chega a conhecer a experiência em questão naturalmente não só é possível mas é até mesmo muito provável que o critério que aplica as coisas esteja distorcido Isto será inevitável ser Mister tentar excluir da descrição o aspecto particular e pessoal na medida do possível mas quando necessário ter também a corag para uma descrição de cunho pessoal da experiência porque a Rigor
o perigo de uma investigação psicológica semelhante não reside em apresentar traços pessoais mas exclusivamente em tornar-se tendenciosa por isso deixarei que outros destilem mais uma vez o que está sendo apresentado tirando do extrato dessas experiências subjetivas as suas conclusões impessoais em forma de teorias objetivas poderia ser uma contribuição à psicologia dia do encarceramento investigada depois da primeira guerra e que nos mostrou a doença do arame farpado dos primeiros campos de concentração devemos ser gratos à Segunda Guerra Mundial por ela ter aumentado o nosso conhecimento sobre a psicopatologia das massas para parafrasear o título de um
livro bastante conhecido de Lebon ele nos agraciou com uma guerra de nervos e com todas as experiências do campo de concentração neste ponto quero mencionar que inicialmente não pretendia publicar este livro com meu nome mas apenas indicando o meu número de Prisioneiro a razão disto estava em minha aversão a todo e qualquer exibicionismo com relação às experiências vividas o manuscrito já estava concluído quando me convenceram de que uma publicação anônima comprometeria o seu próprio valor visto que a coragem da confissão eleva o valor do testemunho por amor a causa portanto desisti também de cortes posteriores
suplantando a aversão do exibicionismo com a coragem de confessar superando-se assim a mim mesmo numa primeira classificação da enorme quantidade de material de observações sobre si mesmo ou sobre outros do total de experiências e vivências passadas em campos de concentração poderíamos distinguir três fases nas reações psicológicas dos prisioneiros ante a vida no campo de concentração a fase da recepção no campo a fase da Dita vida no campo de concentração e a a fase após a soltura ou melhor da libertação do campo a estação ferroviária de alchevits a primeira fase se caracteriza pelo que poderia chamar
de choque de recepção é preciso lembrar que o efeito de choque psicológico pode preceder a recepção formal dependendo das circunstâncias Este foi o caso por exemplo daquele transporte no qual eu mesmo cheguei a alch vitz imagine-se a situação o transporte de 1500 pessoas está a caminho a alguns dias e noites em cada vagão do trem se estiram 80 pessoas sobre sua bagagem seus últimos averes as mochilas bolsas etc empilhadas impedem quase toda a visão pelas janelas deixando livre apenas um último vão na parte superior lá fora se divisa o primeiro clarão da Aurora todos achávamos
que o transporte se dirigia para alguma fábrica de armamento onde nos usariam para trabalhos forçados Aparentemente o trem para em algum lugar no meio da linha ninguém sabe ao certo se ainda estamos na silésia ou já na Polônia o apito estridente da locomotiva causa arrepios ecoando Como Um Grito de Socorro ante o pressentimento daquela massa de gente personificada pela máquina e por esta conduzida ruma a uma grande desgraça o trem começa a manobrar frente a uma grande estação de repente do amoado de gente esperando ansiosamente no vagão surge um grito Olha a tabuleta alchivit naquele
momento não houve coração que não se abalasse todos sabiam o que significava alchivit esse nome suscitava imagens confusas mas horripilantes de câmaras de gás fornos crematórios e execuções em massa o trem avança lentamente Como que hesitando Como se quisesse dar aos poucos a notícia à sua desgraçada carga humana ao chivit agora a visão já está melhor Aurora já permite ver a silhueta de um campo de concentração de colossais dimensões estendendo-se por quilômetros à esquerda e à direita dos Trilhos múltiplas cercas de arame farpado Sem Fim Torres de vigia refletores e longas colunas de figuras humanas
aos Farrapos cinzentas no Alvorecer que avançavam exaustas pelas ruas desoladas do campo de concentração sem que ninguém saiba para onde aqui e ali se houve um apito de comando e ninguém sabe Para quê em alguns de nós o terror fica estampado no rosto eu pensar estar vendo certo número de cada falsos dos Quais pendiam pessoas enforcadas o horror tomava conta de mim e isto era bom segundo a segundo e passo a passo precisávamos nos defrontar com o horror finalmente chegamos à estação de desembarque lá fora nenhuma movimentação ainda de repente brados de comando daquele jeito
peculiar estridente e Rude que de agora em diante ouviríamos sempre de novo em todos os campos de concentração cujo som é semelhante ao último berro de um homem assassinado com uma diferença o som também é rouco e fanhoso como se saísse da garganta de um homem que tem que gritar constantemente assim porque está sendo constantemente assassinado abrem-se violentamente as portas do Vagão e ele é invadido por um pequeno bando de prisioneiros trajando a roupa típica de reclusos cabeça raspada porém muito bem alimentados falam todas as línguas europeias possíveis e irradiam todos uma jovialidade que neste
este momento e situação só pode mesmo ser grotesca como a pessoa que está prestes a se afogar e se agarra a uma palha assim o meu arraigado otimismo que desde então sempre me acomete justamente nas piores situações se agarra a esse fato nem é tão má aparência dessa gente eles estão visivelmente bem humorados e até rindo quem diz que não chegarei também à situação relevante boa e feliz desses prisioneiros a psiquiatria conhece o quadro clínico da assim chamada ilusão de indulto a pessoa condenada à morte precisamente na hora de sua execução começa a acreditar que
ainda receberá o indulto justamente naquele último instante assim nós nos agarrá às esperanças e acreditávamos até o último instante que não seria nem poderia ser tão ruim Olha só o rosto rechonchudo e Rosado desses prisioneiros nem de longe sonhávamos que se tratava de uma elite um grupo de prisioneiros escolhidos para receber os transportes dos milhares que nos anos a fio entravam diariamente pela estação de alchevits Isto é para tomar conta de sua bagagem justamente com os valores nela ocultos utensílios difíceis de conseguir naquela época e joias contrabandeadas a chives Naquele tempo era sem dúvida um
centro singular na Europa da última fase da Guerra a quantidade de ouro prata Platina e brilhantes que ali se encontrava não só nos gigantescos depósitos mas ainda em mãos do pessoal da SS bem como do grupo de prisioneiros que nos recebia certamente não tinha paralelo certa vez éramos 10000 prisioneiros no único Barracão destinado a abrigar no máximo 200 esperando pelo transporte para Campos menores sentados acocorados ou de pé no chão de terra passando frio e com fome não havia lugar para que todos se sentassem menos ainda para se deitarem num período de 4ro dias recebemos
uma única lasca de pão de 150 g naquela ocasião presenciei por exemplo uma conversa em que o encarregado do Barracão negociava um prendedor de gravata de platina encravado de brilhantes com um prisioneiro daquele grupo de elite o grosso desses objetos entretanto acabava sendo trocado por aguardente que desce para divertir-se uma noite só sei de uma coisa esses prisioneiros de muitos anos precisavam de álcool quem vai censurar uma pessoa que se entorpece em semelhante situação interior e exterior para não falar dos prisioneiros postos a trabalhar nas câmaras de gás e no crematório e que sabiam perfeitamente
que passado o seu turno seriam substituídos por outro grupo e que seguiriam eles mesmos um dia o caminho daquelas vítimas cujos carrascos eram forçados a ser agora esse grupo recebia álcool praticamente à vontade até do pessoal da SS a primeira seleção eu e praticamente todos os integrantes do nosso transporte estávamos portanto tomados por essa ilusão de indulto que acredita que tudo ainda pode sair bem pois ainda não tínhamos condições de entender a razão daquilo que se desenrolava somente a noite é que iríamos entender mandaram-nos deixar toda a bagagem num vagão desembarcar e formar uma fila
de homens e outra de mulheres para então desfilar perante um oficial superior da SS curiosamente tive coragem de levar comigo minha sacola escondida da melhor maneira possível debaixo da capa vejo então que a minha coluna se dirige homem por homem em direção ao oficial da SS fico calculando Se ele perceber o peso da sacola que me puxa para o lado Haverá no mínimo uma bofetada que me fará voar na lama isto eu já conhecia de outra ocasião mas por instinto quanto mais me aproximo daquele homem deixo o meu corpo cada vez mais ereto para que
ele não perceba que estou carregando um peso Elo agora a minha frente alto esbelto elegante num uniforme perfeito e reluzente uma pessoa bem trajada e cuidada muito distante das nossas tristes figuras de rosto sonolento e aparência decaída ele se sente muito à vontade apoia o cotovelo direito na mão esquerda e com a mão direita erguida executa um leve aceno com o indicador ora para a direita ora para a esquerda Nenhum de nós tinha a menor ideia do significado sinistro daquele pequeno gesto com o dedo ora para a esquerda ora para a direita com frequência muito
maior para a direita chega a minha vez alguém me sussurrou que para a direita olhando da nossa direção ia-se para o trabalho para a esquerda para um campo de doentes e incapacitados para o trabalho simplesmente deixo os fatos acontecerem é a primeira vez que faço isso mas tomarei esta atitude muitas vezes de agora em diante minha sacola me puxa para a esquerda mas me aprumo e fico her o homem da SS me olha criticamente parece hesitar põe as duas mãos nos meus ombros faço um esforço para assumir uma postura do tipo militar fico firme e
ereto lentamente ele faz girar os meus ombros e lá me vou para a direita à noite Ficamos sabendo o significado desse jogo com o dedo indicador era a primeira seleção a primeira decisão sobre Ser ou não ser para a imensa maioria do nosso transporte cerca de 90% foi a sentença de de morte ela foi levada a cabo em poucas horas Quem era mandado para a esquerda marchava diretamente da rampa da estação para um dos prédios do crematório onde segundo me contaram pessoas que ali trabalhavam havia letreiros de diversas línguas europeias que caracterizavam o prédio como
casa de banhos então todos os participantes do transporte mandados para a esquerda recebiam um pedaço de sabão marca rif sobre o que se desenrolava dali em diante Poo calar-me depois que relatos mais autênticos já o tornaram conhecido nós a minoria do transporte Ficamos sabendo naquela mesma noite perguntei a companheiros que já estavam há mais tempo no campo de concentração onde Poderia ter ido parar o meu colega e amigo P ele foi mandado para o outro lado sim respondi então podes vê-lo ali disseram onde uma mão aponta para uma chaminé distante algumas centenas de metros da
qual sobe assustadora e alta labareda pelo imenso e Cinzento céu polonês para se extinguir em tenebrosa Nuvem de fumaça O que há ali ali o teu amigo está voando para o céu é a resposta grosseira Continuo sem entender mas logo começo a compreender assim que me iniciam no assunto tudo isto já contei por antecipação sob o ponto de vista psicológico ainda tínhamos um caminho muito longo a percorrer desde o Alvorecer na estação até adormecermos pela primeira vez no campo de concentração Nossa coluna foi obrigada a correr desde a estação escoltada por um Pelotão da Guarda
SS com o fuzil engatilhado passando pelos corredores de arame farpado carregado de alta tensão até o banho de desinfecção para nós eleitos na primeira seleção ao menos um banho real Mas uma vez era alimentada a nossa ilusão de indulto a SS até parecia muito afável mas logo percebemos que eram agradáveis conosco enquanto viam relógios em nossos pulsos para então muito cordial nos persuadir a entregá-los já que de qualquer forma teríamos de entregar tudo que ainda tinhamos conosco cada um de nós pensava consigo mesmo perdido por perdido se essa pessoa relativamente amável receber o relógio em
caráter particular Por que não quem sabe um dia poderá prestar me algum favor desinfecção ficamos esperando agora num galpão que forma a antessala da desinfecção a SS se vem com cobertores sobre os quais devem ser jogadas as Posses pessoais todos os relógios e todas as joias para a diversão dos prisioneiros antigos que colaboram ainda há entre nós alguns ingênuos que se arriscam a perguntar se não poderia ficar ao menos com uma aliança um medalhão um Talismã ou uma lembrança ninguém consegue acreditar que de fato tiram literalmente tudo da gente procuro conquistar a confiança de um
dos prisioneiros antigos aproximo-me dele com com cuidado mostro um rolo de papel no bolso interno da minha capa e digo olha aqui tenho comigo um manuscrito científico a ser publicado já sei o que vai dizer já sei escapar com vida salvar a Vida nua e crua é tudo é o máximo que se pode pedir do destino mas não posso largar isto eu tenho esta mania de grandeza e quero mais quero ficar com este manuscrito preservá-lo de alguma forma ele contém a obra da minha vida compreendes ele começa a entender Sim começa a sorrir com todo
o rosto primeiro compassivo depois como se fosse divertido fica de olhar zombeteiro e gozador até botar uma careta e gritar comigo liquidando a minha pergunta com uma única palavra aquela palavra que desde então sempre ouviria como a mais usada no vocabulário do prisioneiro do campo de concentração merda Aí percebo em que pé estão as coisas faço aquilo que representa o ápice de toda essa primeira fase de reações psicológicas dou por encerrada toda a minha vida até ali De repente surge uma movimentação no grupo de companheiros do transporte parados pálidos de medo discutindo desorientados mas uma
vez os comandos gritados com voz rouca todos são tocados na corrida e aos empurrões para dentro da antessala propriamente dita do banho Estamos numa poça grande em cujo centro um homem da SS aguarda até que nosso grupo esteja completo então começa dou 2 minutos Estou olhando para o meu relógio dentro de 2 minutos vocês têm de estar completamente NS atirem tudo no chão não podem levar nada exceto sapatos cintos ou suspensórios um par de óculos e no máximo o brague giro para quem tem hérnia vou cronometrar 2 minutos já com uma pressa incrível o pessoal
arranca a roupa do corpo à medida que o tempo vai se esgotando forçam a roupa cor reias e cintos e se despem cada vez mais nervosos e desesperados súbito os primeiros estalos sobre os corpos NS descem chicotes somos levados para outra sala então nos raspam o pelo de cima a baixo não somente a cabeça não fica um pelo no corpo inteiro dali somos tocados para dentro dos chuveiros entrando mais uma vez em fila um prisioneiro mal reconhece o outro mas é com grande alívio e alegria que alguns constatam que dos chuveiros realmente sai água O
que resta a existência nua e crua enquanto ainda esperamos pelo chuveiro experimentamos integralmente a nudez agora nada mais temos senão esse nosso corpo nu sem os cabelos nada possuímos a não ser literalmente nossa existência nua e crua o que restou em comum com a nossa vida de antes para mim por exemplo ficaram os óculos e o cinto este entretanto teria que ser dado em troca de Um Pedaço de Pão Mais tarde para quem usasse brague giro ainda houve uma pequena surpresa especial à noite o encarregado do nosso Barracão pronunciou uma saudação na qual deu a
palavra de honra de que quem tivesse costurado dólares ou metal precioso em seu brague giro seria enforcado por ele pessoalmente neste barrote aqui apontando com o dedo com muito orgulho declarou ter este direito como encarregado do grupo e segundo o regulamento do os sapatos com os quais em princípio podíamos ficar foram um capítulo a parte calçados de relativa qualidade acabavam sendo tirados da gente recebendo-os em troca um par que não servia deram-se mal aqueles que seguiram o conselho aparentemente bem intencionado dos prisioneiros veteranos da guarda na antessala de cortar o cano de suas elegantes Botas
e disfarçar esse ato de sabotagem passando sabão no corte a SS parecia estar esperando Justamente por isso e mandou que todos se apresentassem para a vistoria dos Sapatos quem entrasse em suspeita de ter cortado o cano de sua bota era obrigado a entrar num pequeno quarto contigo pouco depois se ouviam os estalos do açoite e os berros dos torturados as primeiras reações desfez-se assim uma após outra qualquer ilusão que alguém do grupo eventualmente ainda tivesse nutrindo a maioria de nós agora é tomada de algo inesperado humor negro sabemos que nada mais temos a perder a
não ser uma vida ridiculamente nua debaixo do chuveiro fazemos comentários engraçados que pretendem ser gracejos em atitude meio forçada cada qual se diverte primeiro consigo mesmo depois também com os outros Afinal do chuveiro realmente sai água além do humor negro aparece ainda outra sensação de curiosidade conheço essa reação numa outra área como atitude de básica em situações especiais na vida sempre que eu estava em perigo de vida em ocasiões anteriores por exemplo em Quedas ao escalar montanhas das quais me saíra bem tive durante frações de segundos a mesma atitude frente ao que repentinamente estava sucedendo
curiosidade Vontade de saber se eu escaparia com vida ou não com uma fratura na base do crânio ou em outro lugar etc também em al chivitz dominava esse espírito de curiosidade praticamente fria que distancia as pessoas do seu mundo fazendo-as encará-lo com objetividade com a atitude de observar e esperar a alma retrai-se e procura salvar-se para outro lugar estávamos curiosos por saber o que aconteceria agora e quais seriam as consequências por exemplo as consequências de se ficar completamente nu e Molhado ao ar livre no frio do Outono avançado e nos dias seguintes a curiosidade C
deu lugar a surpresa surpresa por exemplo de não se pegar um resfriado mas são muitas as surpresas triviais que ainda aguardam o Prisioneiro recém-chegado quem é ligado à Medicina aprende sobretudo uma coisa os compêndios mentem em algum livro de estudo constatava que a pessoa não consegue aguentar mais que determinado número de horas sem dormir eu mesmo tinha a convicção de que havia certas coisas que eu simplesmente não conseguiria fazer Não poderia dormir caso não não conseguiria viver sem na primeira noite em alchevits dormia em beliches de três andares e em cada andar medindo mais ou
menos 2 por 2 por 5 m dormiam nove pessoas em cima de tábua pura e para cobrir-se havia dois cobertores para cada andar Isto é para nove pessoas naturalmente só podíamos nos deitar de lado apertados e forçados um contra o outro o que por outro lado Face ao frio reinante do Barracão sem calefação não deixava de ter suas vantagens não era permitido levar sapatos para os beliches em infração ao código um ou outro US usava a guisa de travesseiro mesmo estando totalmente enlameados no mais nada nos restava se não apoiar a cabeça sobre o braço
mesmo que quase o destroncar mas o sono leva consigo o estado consciente eliminando também o dolorido da posição outras coisas surpreendentes que se consegue fazer passar meses ou anos no campo de concentração sem escovar os dentes e mesmo assim ter uma gengiva em estado melhor que nunca apesar da considerável deficiência de vitaminas ou usar a mesma camisa durante metade de um ano até ela ficar completamente irreconhecível não poder lavar-se de forma alguma nem parcialmente por estar congelada a água nos canos do lavatório não ficar compus nas mãos feridas e sujas de trabalhar na terra Claro
enquanto não houvesse sintomas de congelamento uma pessoa de sono leve que costumava acordar com o menor ruído no quarto ao lado aper tar-se agora contra um companheiro que ronca a plenos pulmões a poucos centímetros de seu ouvido e consegue cair em sono profundo logo depois de deitar então nos dávamos conta da Verdade daquela frase de dostoyevski que define o ser humano Como o ser que a tudo se habitua podem perguntar-nos nós sabemos dizer até que ponto É verdade que a pessoa a tudo se acostuma Sem dúvida mas ninguém pergunte De que modo entrar no fio
a nossa investigação psicológica no entanto ainda não havia chegado até lá nem tampouco nós prisioneiros já atingiram este ponto no curso dos eventos estávamos ainda na primeira fase da reação psicológica Face a situação sem saída ao perigo de morte a nos espreitar a cada dia a cada hora e minuto Face à proximidade da morte de outros da maioria era natural que quase todos pensassem em suicídio mesmo que apenas por um momento em virtude de certa convicção pessoal que se esclarecerá adiante na primeira noite em alchevits pouco antes de adormecer fiz a mim mesmo a promessa
uma mão apertando a outra de não ir para o fio esta expressão corrente no campo designava o método usual de suicídio tocar no arame farpado eletrificado em alta tensão tomar a decisão negativa de não ir para o fio não era difícil afinal de contas a tentativa de suicídio não fazia muito sentido o Mero o cálculo de probabilidade a expectativa de vida estatística praticamente excluía o Prisioneiro comum do minguado percentual daqueles que ainda sobreviveriam às seleções vindouras nos mais diversos tipos em alchivit o internado em estado de choque não tem medo algum da morte nos primeiros
dias de sua estada a câmara de gás nem de longe representa um horror para ele o gás é algo que o poupa de cometer suicídio a julgar por repetidas manifestações de de companheiros o choque da recepção não chegou a me abater muito isso eu admito mesmo assim somente pude dar um sorriso e bem sincero quando na manhã após a primeira noite em alchivit sucedeu o que vou contar durante o período em que era proibido sair da barraca sem incubência expressa um conhecido colega que chegara alchivit semanas antes de nós infiltrou-se em nossa barraca queria tranquilizar
dar esclarecimento e consolo magro a ponto de não o descermos logo mas mostrando-se bem disposto e despreocupado forneceu noos algumas dicas não tenham medo Não se preocupem com as seleções médicos T mais chances com o m Que Era Médico Chefe da SS não era verdade porém não quero entrar no mérito da questão nem quão diabólica era essa aparência que se dava o mencionado médico o médico do bloco Prisioneiro como nós homem de uns 60 anos contou-nos que implorara o Dr m que poupasse seu filho destinado à câmara de gás o Dr M entretanto lhe o
negou fria e terminantemente só aconselho e peço uma coisa vocês têm que fazer a barba todos os dias seja de que jeito for nem que seja com um caco de vidro mesmo que vocês tenham de sacrificar o último Pedaço de Pão para que alguém Faça a sua barba vocês então parecem mais jovens o rosto fica mais Rosado depois de raspado Não fiquem doentes de jeito nenhum nem com aparência de doentes se vocês querem continuar com vida só há um jeito dar a impressão de ser capazes de trabalhar basta alguém ficar mancando por qualquer ferimento banal
ou o sapato está apertado se a SS vê alguém nesse estado convocao com um aceno e no dia seguinte é certo que ele vai para a câmara de gás sabem o que nós chamamos de muçulmano Uma Triste figura um decrépito de jeito adoentado e magro que não aguenta mais trabalho pesado mais cedo ou mais tarde geralmente em seguida todo muçulmano acaba na câmara de gás por isso repito vocês T de fazer a barba tem que andar com postura então não precisam ter medo da câmara de gás assim como vocês estão parados na minha frente mesmo
só com 24 horas de vida no campo vocês todos não precisam ter medo algum da câmara de gás aa Talvez um você e apontou para mim você não vai ficar bravo comigo não é mas eu digo isso abertamente para vocês só mesmo ele Talvez e acenou com a cabeça mais uma vez em minha direção dentre vocês todos só ele entra em cogitação na próxima seleção Portanto vocês podem ficar tranquilos eu juro naquela ocasião dei um sorriso estou convicto de que qualquer outro na minha situação e Naquele dia não teria reagido de outra forma get de
Efraim Lessing foi quem uma vez disse quem não perde a cabeça com certas coisas é porque não tem cabeça para perder ora numa situação normal uma reação anormal simplesmente a conduta Normal também como psiquiatras Esperamos que uma pessoa quanto mais normal for reaja de modo mais anormal ao fato de ter caído numa situação anormal como seja de ter sido internada num Manicômio também um prisioneiro ao ser internado num campo de concentração demonstra um Estado de Espírito anormal embora não deixe de ser uma reação psicológica natural e conforme ainda se mostrará típica naquelas circunstâncias apatia o
tipo de reação que acabamos de caracterizar começa a se alterar depois de poucos dias após o primeiro estágio de choque o Prisioneiro passa para o segundo estágio a fase de relativa apatia a pessoa aos poucos vai morrendo interiormente a Fora as diversas reações emotivas acima descritas o Prisioneiro recém internado ainda Experimenta durante o primeiro período de sua estada no campo outras Sensações extremamente torturantes que passam a mortificar surge sobretudo indizível saudade de seus familiares uma saudade tão ardente que só resta uma sensação a de se consumir Além disso há o nojo o nojo de toda
a Fade que o cerca interior e exterior como a maioria de seus companheiros o Prisioneiro está vestido em Farrapos Tais que a seu lado um Espantalho teria de elegância entre as barracas no campo de concentração há somente um loda salal e quanto mais se trabalha em sua eliminação tanto mais se entra em contato com a lama é justamente o recém internado que costuma ser destacado para grupos de trabalho nos quais terá de se ocupar com a limpeza de latrinas eliminação de excrementos etc quando Estes são transportados sobre terreno acidentado geralmente não escapamos de levar uns
respingos do líquido objeto Qualquer gesto que revele uma tentativa de limpar o rosto com certeza provocará uma bordoada do capo que se irrita com excessiva sensibilidade do Trabalhador a mortificação dos Sentimentos normais continua avançando no começo o Prisioneiro desvia o olhar ao ser convocado por exemplo para assistir ao exercício coletivo de algum grupo por enquanto ele não consegue suportar a cena de pessoas sendo sadicamente torturadas vendo companheiros subir e baixando horas a fio na sujeira ao ritmo ditado a porrete passados alguns dias ou semanas contudo ele reage de forma diferente de manhã cedo ainda no
escuro está com o grupo de trabalho pronto para sair marchando numa das ruas do campo frente ao portão de entrada ouve gritos olha E observa como um companheiro seu é esmurrado até cair no chão e isto várias vezes é levantado e sempre de novo derrubado a socos por quê Porque está ardendo em febre mas só pôde pedir que controlassem a sua temperatura à noite fora do tempo Ápio para dar baixa no ambulatório agora ele é punido pela V tentativa de receber baixa de manhã para não precisar marchar para o trabalho externo O recluso Observador em
pleno segundo estágio de suas reações psíquicas não mais tenta ignorar a cena indiferente já insensível pode ficar observando sem se perturbar outra quando ele mesmo à noite fica se espremendo no ambulatório na esperança de receber dois dias de repouso por causa de suas lesões ou de seu edema por causa de sua febre de sorte que não necessita sair para o trabalho durante esses dois dias não se deixa perturbar ao ver um menino de uns 12 anos para o qual não mais havia calçados no campo e que por isso fora obrigado a ficar por horas a
fio de pés descalços na Neve prestando serviços externos durante o dia os dedos doss pés do menino estão crestados de frio e o médico do ambulatório arranca com a pinça os tocos necróticos e enegrecidos de suas articulações o nojo o horror o compadecimento a revolta tudo isso nosso observador já não pode sentir nesse momento pesent moribundos e mortos constituem uma cena tão corriqueira depois de algumas semanas num campo de concentração que não conseguem sensibilizá-lo mais por certo tempo estive deitado no barracão em que estavam aquartelados os que sofriam de tifo exent temático em meio a
pacientes com febre alta e em pleno Delírio muitos deles às portas da Morte mas um acaba de morrer que acontece pela enésima vez sim pela enésima vez sem despertar um mínimo de reação ao sentimento ficou observando como um companheiro depois do outro se aproxima do cadáver ainda quente um lhe surupa o resto de batatas encardidas do almoço outro Verifica que os sapatos de madeira do cadáver ainda estão um pouco melhor que os seus próprios um terceiro tira o manto do morto outro Afinal ainda fica contente por surrupiar um barbante imagine fico olhando apático Finalmente dou-me
um empurrão e me animo a convencer o Enfermeiro a levar o corpo para fora do Barracão um galpão de Chão Batido quando ele resolve fazê-lo pega o cadáver pelas pernas falo rolar em direção ao Estreito corredor entre as duas fileiras de tábuas à esquerda e à direita sobre as quais estão deitados os 50 enfermos acometidos da febre para então arrastá-lo pelo chão acidentado até chegar à porta do Barracão dali sobe dois degraus para fora em direção ao ar livre o que já é um problema para nós debilitados pela fome crônica sem auxílio das mãos sem
nos puxarmos para cima segurando nos postes todos nós que já estamos há meses no campo há muito não conseguimos mais levantar o próprio peso do corpo somente com a força das pernas para vencer esses 2is degraus de 20 cm agora o homem chega até ali com o cadáver com muito esforço ele se alça primeiro e depois o morto Primeiro as pernas depois o tronco e finalmente o crânio que dá lúgubres pancadas nos degraus logo em seguida é trazido o barril com a sopa que é distribuída e avidamente sorvida o meu lugar fica em frente à
porta do outro lado da barraca próximo da única janelinha um pouco acima do solo minhas mãos geladas se aconchegam à vasilha quente de sopa enquanto sorvo seu conteúdo sofregamente por acaso dou uma espiada para fora da janela lá o cadáver recém tirado do Barracão AF fitar a janela de olhos esbugalhados há Apenas 2 horas eu estava conversando com esse companheiro continuo tomando a sopa se eu não tivesse ficado espantado com minha própria insensibilidade de certa forma por curiosidade profissional esta experiência nem se teria fixado em minha memória de tão pouco sentimento que o fato todo
me despertou o que dói a apatia e a insensibilidade emocional o desleixo interior e a indiferença tudo isso características do que designamos de segunda fase dentro das criações anímicas do recluso no campo de concentração muito cedo também tornam a vítima insensível aos espancamentos diários e em cada hora esta ausência de sensibilidade constitui uma couraça sumamente necessária da qual se reveste em tempo a alma dos prisioneiros no campo de concentração se é espancado pelas razões mais insignificantes ou mesmo sem razão alguma por exemplo no local da obra está sendo distribuída a merenda colocamo-nos em fila aquele
que se encontrava atrás de mim deve ter se colocado Talvez um palmo fora do alinhamento o que não deve ter agradado o guarda da SS talvez por um capricho de simetria Ótica embora do ponto de vista disciplinar isto fosse simplesmente irrelevante e superflo afinal de contas Estávamos num terreno acidentado e ainda não nivelado eu porém não podia ter a menor ideia do que ocorria atrás de mim na fila nem do que se passava na mente do guarda de repente senti dois violentos golpes na cabeça só então me dei conta de que o guarda estava parado
ao meu lado e tinha usado o cassetete a dor física causada por golpes não é o mais importante por sinal não só para nós prisioneiros adultos mas também para crianças que recebem castigo físico a dor psicológica a revolta pela injustiça ante a falta de qualquer razão é o que mais dói numa hora dessas assim é incompreensível que um golpe que nem chega a acertar eventualmente pode doer a até muito mais exemplo certa vez estive trabalhando numa estrada de ferro em plena tempestade de neve a tempestade seria razão suficiente para interromper o trabalho e para não
sentir muito frio aplico todo o ímpeto de entupir com pedras os espaços debaixo dos Trilhos paro por um momento a fim de tomar fôlego e me apoio na ferramenta por infelicidade no mesmo instante o guarda se vira em minha direção e pensa naturalmente que estou vad o que me dói agora apesar de tudo a despeito da insensibilidade crescente não é a perspectiva de alguma carraspana ou bordoada e sim o fato de que para aquele guarda essa figura decrépita e esfarrapada que só de longe lembra vagamente um ser humano não merece sequer uma repreensão ao invés
ele não faz mais do que levantar uma pedra do chão e como se estivesse brincando atira em minha direção desse jeito foi o que senti chama se a atenção de um bicho qualquer assim se adverte o animal doméstico de seu dever o animal com que se tem relação tão superficial que nem se chega a castigá-lo o escárnio faz a música O que mais dói ao ser golpeado é o escárnio estamos carregando dormentes longos e pesados sobre os trilhos cobertos de gelo se qualquer um de nós cair há enorme perigo não só para o infeliz mas
também para os companheiros que junto com ele carregam o dormente um colega e velho amigo meu tem de nascença uma luxação na coxa ele se considera feliz por ainda conseguir trabalhar uma vez que para as pessoas com defeito físico como ele cada seleção significa morte certa na câmara de gás agora ele vai mancando ao longo dos Trilhos carregando um dormente excepcionalmente pesado a pouco passos do lugar onde Esses são empilhados vejo que ele quase perde o equilíbrio com perigo de cair e derrubar os outros consigo como ainda não tenho um dormente para carregar vou automaticamente
em seu socorro para apoiá-lo e ajudá-lo a carregar Eis que já desce o sobre minhas costas com uma gritaria Louca sou repreendido e mandado de volta mas poucos minutos antes o mesmo supervisor acabara de me dizer em tom de deboche que nós velhacos não tínhamos espírito de camaradagem de outra feita a uma temperatura de 20º negativos começamos a picar a camada superior do chão que estava completamente congelada em plena Floresta para assentar tubos de canalização de água na época eu já estava bastante enfraquecido fisicamente chega o Capataz bochechudo e de faces rosadas seu rosto lembra
uma perfeita cabeça de leitão noto que está usando luvas que fazem muito bem naquele frio enquanto nós temos que trabalhar sem elas Além disso traja um casaco de couro forrado de peles ele me fixa por algum tempo calado tenho um mau Presságio pois a minha frente se vê um monte de terra que permite controlar perfeitamente o quanto já produzi então ele começa seu vagabundo estou de olho em você o tempo todo ainda vou ensiná-lo a trabalhar mesmo que você tenha que arrancar a terra a dentes Olha que faço você esticar as canelas aqui mesmo em
dois dias acabo com você logo se vê que em toda sua vida nunca trabalhou Afinal que você você foi antes de vir aqui seu porcalhão comerciante hein para mim tanto faz tenho que levar a sério sua ameaça de acabar comigo em pouco tempo fico parado de pé e o fito com firmeza nos olhos eu era médico especialista o quê médico você aliviava o bolso das pessoas Isto sim Senor Capataz por casualidade meu trabalho principal era feito de graça em ambulatório para os pobres Isto foi demais ele se tira em cima de mim me derruba no
chão e berra feito um louco não lembro mais o quê Mas tive sorte um capo do meu grupo de trabalho se mostrava muito reconhecido para comigo passei a ser seu protegido Desde quando lhe dera atenção ao me contar seus casos amorosos e conflitos matrimoniais durante a marcha de várias horas rumo ao local da obra fi-lo com visível compreensão profissional e impressionei o com uma diagnose caracterológica sobre sua pessoa e alg uns conselhos psicoterapêuticos desde então ele me era muito grato já fazia vários dias que sua gratidão me era De grande valia isto porque mantinha um
lugar reservado para mim ao seu lado na primeira fileira de cinco da nossa coluna de trabalho que perfazia geralmente 280 indivíduos isto para mim foi de um valor enorme imagine-se a situação de manhã cedo ainda no escuro entramos em forma todos têm medo de chegar muito tarde pois terão de se postar nas últimas fileiras acontece que em caso de se precisar homens para outro comando de trabalho desagradável e impróprio chega o chefe do campo momento temido este para buscar o número necessário de prisioneiros perfeitamente nas últimas fileiras esses então TM que sair andando rumo a
um comando de trabalho estranho e ao qual ninguém está habituado sendo por isso muito temido por várias razões mas às vezes também acontece que o chefe do campo no intuito de pegar os espertos pega justamente as primeiras fileiras de cinco homens qualquer Súplica ou protesto é silenciado com alguns pontapés certeiros e a vítima de sua escolha são tocadas aos berros e empurrões isto porém jamais poderia acontecer me enquanto durassem as confidências com o meu capo eu tinha meu lugar de honra reservado e garantido ao seu lado e havia mais um detalhe como era o caso
com quase todos os internados no campo nessa época eu já sofria graves provocados pela fome minhas pernas estavam tão inchadas e a pele tão tensa que já não conseguia dobrar direito joelhos para enfiar os pés inchados nos sapatos eu precisava deixá-los abertos e mesmo que tivesse meias não poderia calçá-las tinha sempre osés mados e os sapatos recheados de Neve a conscia foi que logo fii com os pés crestados e feridos literalmente todo e qualquer passo que desse significava um pequeno martírio Além disso ao marchar sobre os campos cobertos de Neve ia se acumulando gelo no
calçado defeituoso repentinamente acontecia que um companheiro caía fazendo com que os que vinham atrás também caísse sobre ele neste caso aquela parte da coluna tinha que parar e esta se dividia mas não por muito tempo pois imediatamente um dos guardas da escolta vinha correndo e choviam coronhadas sobre os companheiros para que se levantassem logo quanto mais à frente a gente estivesse na coluna Menos efeitos teriam sobre a respectiva fileira essas repetidas perturbações e por isso tanto menos se teria que ficar parado para então alcançar os outros na corrida a despeito dos pés doloridos Por isso
me dava por satisfeito porque podia como médico e psiquiatra honorários do Senhor capo marchar ao lado dele na primeiríssima fileira e Por conseguinte em ritmo uniforme isto para não falar de emol adicionais quando da distribuição da sopa do meio-dia enquanto ainda havia sopa o capo ao chegar à minha vez mergulhava a concha mais fundo no bargil para apanhar algumas ervilhas naquela ocasião portanto este capo um ex-oficial teve a coragem de segredar ao irritado Capataz que ele me conhecia como um bom trabalhador pouco adiantou porém mesmo assim mais uma vez escapei com vida no dia seguinte
o capo me contrabandeou para outro comando de trabalho com este Episódio relativamente trivial à primeira vista eu quis apenas mostrar que mesmo aquele que já perdeu a sensibilidade emocional ainda chega a ser tomado de revolta não por brutalidade externa ou qualquer dor física mas pelo escárnio que vem com tudo isso naquela ocasião o sangue me subiu violentamente à cabeça ao ouvir a desfaçatez de um indivíduo que não tinha a menor ideia da minha vida anterior um indivíduo devo reconhecer que essa observação posterior perante os companheiros que me rodeavam me aliviou de certa forma embora pareça
infantil tão ordinário e de aspecto tão brutal que a enfermeira do hospital em que eu trabalhava não o teria deixado entrar nem na sala de espera entretanto também havia capatazes que tinham pena de nós e faziam o possível para amenizar a nossa situação ao menos no local da Obra É verdade que também eles frequentemente nos lançar no rosto que um trabalhador normal em menos tempo renderia muito mais que nós entretanto aceitavam Nossa réplica de que um trabalhador normal não se sustenta com 300 g de pão e 1 lro de sopa rala por dia Teoricamente na
prática era menos ainda de que um trabalhador normal não está submetido à mesma pressão psicológica que nós que nada ficávamos Sabendo dos nossos familiares igualmente levados para campos de concentração ou logo executados em câmaras de gás que um trabalhador normal não se encontra sob constante ameaça de morte diariamente a qualquer momento etc etc certa vez dei-me até ao Luxo de fazer a seguinte observação frente a um Capataz de boa índole se o senhor aprender comigo a fazer punções cerebrais em poucas semanas como eu estou a aprender a trabalhar com terra com o Senhor então gozará
de todo o meu respeito ao que ele sorriu a apatia com como principal sintoma da segunda fase É um mecanismo necessário da autoproteção da psique reduz-se a percepção da realidade toda a atenção e portanto também os sentimentos se concentram em torno de um único objetivo pura e simplesmente salvar a vida a própria e a do outro assim se podia ouvir repetidamente os companheiros dizerem quando voltavam do local de trabalho ao campo a noitinha numa exclamação bem típica Então passou mais um B dia os sonhos dos prisioneiros compreende-se perfeitamente que naquela situação psicológica sem saída e
sob a pressão da necessidade de se concentrar na preservação imediata da vida toda a vida anímica parece baixar a um nível primitivo por isso colegas de orientação psicanalítica entre os companheiros costumavam falar de uma regressão da pessoa no campo de concentração tinha um retraimento a uma forma mais primitiva da vida anímica essa primitividade dos desejos e anseios se revela nos sonhos típicos dos reclusos Qual é o sonho mais frequente da pessoa internada no campo ela sonha com pão com tortas cigarros e uma banheira cheia de água quente a não satisfação das respectivas necessidades mais primitivas
falo experimentar a satisfação das mesmas em sonhos primitivos outra coisa é o efeito desse sonho sobre quem sonha no momento em que desperta para a realidade do campo de concentração e sente o Terrível contraste entre a ilusão do sonho e a realidade do campo jamais vou esquecer certa noite em que fui acordado pelo companheiro que dormia ao meu lado a gemer e revolver-se evidentemente Sob o Efeito de algum pesadelo horrível quero observar de antemão que pessoalmente sempre tive penas de pessoas torturadas por angustiosos pesadelos ou fantasias por isso eu já estava prestes a acordar o
pobre companheiro atormentado pelo pesadelo neste instante assustei-me do meu propósito E retirei a mão que já ia despertar o companheiro do seu sonho pois naquele momento me conscientizei com muita nitidez que nem mesmo o sonho mais terrível poderia ser tão ruim como a realidade que nos cercava ali no campo e eu estava prestes a chamar alguém de volta para experiência desperta e consciente dessa realidade fome Face ao estado de extrema subnutrição em que se encontram os prisioneiros é compreensível que entre os instintos primitivos que representam a regressão da vida psicológica no campo o instinto de
alimentação ocupasse o lugar principal observemos os prisioneiros de um modo geral quando não estão no lugar de trabalho no momento em que não estão sendo tão rigorosamente vigiados a primeira coisa de que se começam a falar é comida imediatamente alguém começa começará por perguntar ao colega que trabalha ao seu lado no Valo Qual seu prato favorito começam a trocar receitas e compor menus para o dia em que pretendem convidar-te mutuamente para um reencontro futuramente depois de libertos e de volta em casa este assunto os fascina tanto que não conseguem largá-lo antes do convencionado sinal de
aviso geralmente dissimulado pela menção de um número por exemplo alertando os que estão no Valo da chegada do guarda eu pessoalmente sempre tive minhas reservas com relação a essa conversa constante quase obsessiva sobre comida no campo costumava-se chamá-la de onanismo estomacal não se deve provocar o organismo com essas imagens de guarias muito intensas e carregadas de sentimentos quando ele já conseguiu em termos adaptar-se de alguma maneira às reduzidíssima Rações e quantidades de calorias o alívio psíquico é produzido por ilusões que certamente podem ser perigosas na área fisiológica nos últimos tempos a alimentação diária consistia numa
sopa bastante aguada distribuída uma vez durante o dia e na minúscula ração de pão já mencionada Além disso havia o assim chamado Extra que podiam ser 20 g de margarina ou uma rodela de linguiça de má qualidade ou um pedacinho de queijo ou Mel artificial ou uma colher de marmelada rala etc alternando a cada dia em termos das calorias esta alimentação era absolutamente insuficiente ainda mais Considerando o pesado trabalho físico a exposição a temperaturas abaixo de zero com agasalho extremamente precário pior ainda era a situação dos doentes que estavam sendo poupados que podiam ficar deitados
na barraca e não precisavam deixar o campo para o trabalho externo uma vez consumidos os últimos vestígios de gordura no tecido subcutâneo ficávamos parecendo esqueletos vestidos de pele dos quais pendiam alguns trapos dali para a frente podíamos observar como o corpo passava a devorar-me a si mesmo o organismo consumia sua própria proteína a musculatura ia definhando agora o corpo também não apresentava mais resistência morria um atrás do outro na comunidade formada por nosso Barracão cada qual podia calcular com bastante precisão Quem seria o próximo e quando seria a sua própria vez Afinal o grande número
de casos observados já permitia conhecer bem os sintomas baseados Nos quais se podia prever com boa margem de segurança o tempo de vida que ainda restava para alguém este não vai muito longe ou este vai ser o próximo era o que segred um ao outro à noite quando matv os piolhos antes de nos deitar víamos o nosso corpo nu e cada qual ficava pensando consigo mesmo na realidade esse corpo aí o meu corpo já não passa de um cadáver o que éramos ainda uma partícula de uma grande massa de carne humana uma massa cercada de
arame farpado comprimida em algumas cabanas De Chão Batido uma massa da qual diariamente apodrecia um certo percentual por ter ficado sem vida falamos antes da natureza obsessiva de pensamento sobre comida ou sobre certos pratos favoritos pensamento que se impõem ao Prisioneiro assim que ele dispõe de um pouco de tempo ou espaço em seu consciente por isso é de entender que justamente os melhores entre nós esperassem ansiosamente pelo tempo em que pudessem alimentar-se de modo mais ou menos normal novamente Não por amor aos pratos saborosos Mas para que finalmente acabasse aquela situação indigna de não se
conseguir mais pensar em outra coisa sen não comer quem não passou por isto ainda dificilmente mente poderá imaginar o desgaste interior causado pelos conflitos íntimos que se desenrolam na pessoa do faminto não é fácil imaginar o que significa estar no Valo empunhando a picareta e ficar sempre atento À Espera da sirene indicar 9:30 ou 10 horas ou da pausa de meia hora ao meio-dia com a distribuição da merenda perguntando repetidamente às horas ao Capataz ou mesmo a passantes civis caso não fossem pessoas intratáveis apalpamos carinhosamente um pequeno Pedaço de Pão no bolso da capa com
os dedos desprovidos de luvas e entorpecidos de frio quebrá-lo voltar ao bolso é que nesta manhã havíamos jurado aguentar até o meio-dia nosso tempo era tomado por intermináveis discussões sobre a conveniência ou não de se comer aos poucos ao longo do dia a menguada ração de pão que nos últimos tempos era distribuída apenas uma vez havia dois grandes partidos uns eram a favor de comer tudo de uma vez assim que recebido isto teria duas vantagens deste modo matava-se o pior da fome ao menos uma vez por dia se bem que por pouco tempo e em
segundo lugar eliminava se a possibilidade de roubo ou perda da Ração por descuido o partido contrário por sua vez dispunha de outros argumentos no que tange a minha acabei me convertendo a este segundo grupo tinha para isso as minhas razões pessoais durante as 24 horas diárias no campo de concentração o momento mais terrível era o despertar os três apitos estridentes que davam a ordem de levantar nos arrancavam sem dó nem piedade do Sono da exaustão e de ansiosos sonhos ainda em plena madrugada chegava o momento de enfrentar a luta com os sapatos molhados Nos quais
mal e mal se conseguia enfiar os pés feridos inchados pelo edema da Fome nos primeiros minutos de vida acordada começavam as lamúrias e as imprecações contra objetos como por exemplo os arames usados para substituir os cadarços mas que de vez em quando acabavam quebrando ainda se ouvia companheiros de muita fibra chorarem como crianças porque doravante tinham que sair descalços ruma ao local de convocação carregando nas mãos os sapatos demasiadamente apertados por causa da umidade nesses minutos terríveis eu tinha um mísero consolo tirar do bolso um pedacinho de pão guardado da noite anterior e mastigá-lo todinho
entregue a esse prazer sexualidade a subnutrição faz com que os instintos que tomam conta do recluso na segunda fase de sua adaptação interior à Vida do campo de concentração elevem para o primeiro plano de consciência o impulso de alimentação provavelmente é também o est de subnutrição que explica o fato de o instinto sexual de modo geral não se manifestar afora o efeito de choque Inicial somente assim é possível compreender aquilo que surpreende o psicólogo nesse aquartelamento maciço de homens em contraste com a vida de outros alojamentos em massa quartéis e similares não ocorre aqui qualquer
depravação sexual e mesmo os sonhos dos prisioneiros quase nunca apresentam conteúdo sexual ao passo que as tendências inibidas em sentido psicanalítico ou seja toda a ânsia de amor do prisioneiro bem como outros sentimentos de forma alguma deixam de aparecer em sonhos ausência de sentimentos na grande maioria dos prisioneiros a preponderância dos instintos primitivos e a peritório constantemente ameaçada suscitam uma depreciação radical de tudo aquilo que não serve a este interesse exclusivo assim se explica a ausência absoluta de sentimento por parte do prisioneiro quando avalia os acontecimentos quando inexperiente tomei consciência desta frieza de forma drástica
ao ser transferido de Ach vites para um campo filial em dachau na Baviera o trem que transportava cerca de 2.000 prisioneiros passava por Viena cruzamos por uma estação Vienense depois da meia-noite o percurso seguinte passa de fronte ao beco em que está a casa onde nasci e na Qual Vivi décadas inteiras da minha vida até o momento em que fui deportado éramos cerca de 50 homens num pequeno vagão de prisioneiros que tinha duas pequenas aberturas com grades apenas alguns de nós podiam sentar-se no chão enquanto os demais eram forçados a ficar de pé horas a
fio est Geralmente se apinhar junto às aberturas Eu também era um deles aquilo que pude entrever da minha cidade natal por entre as cabeças à minha frente através das grades pondo-me nas pontas dos pés tinha para mim um aspecto fantasmagórico ao extremo todos nós sentíamos mais mortos que vivos supúnhamos que o transporte Se dirigisse para malut assem por isso achávamos que não viveríamos mais que uma ou duas semanas em média enxergava as ruas praças e casas da minha infância da minha terra natal era um sentimento bem nítido como se eu já tivesse morrido como um
morto olhando do além um fantasma a contemplar esta cidade de aspecto fantasmagórico o trem parte da estação depois de longas horas de espera agora vem o beco o meu beco começo a implorar como um mendigo os que estão a minha frente são jovens embora já tenham atrás de si muitos anos no campo de concentração razão porque uma viagem como Aquela representa para eles uma rica safra de novas impressões e experiências de modo que ficam espiando com muita curiosidade pela abertura peço-lhes que me deixem passar à frente só por um momento procuro mostrar o que representa
para mim olhar para fora naquele instante meio bruscos meio indignados com deboche e desprezo na voz eles rejeitam meu pedido que é quitado com a observação tantos anos você viveu ali bom então já viu o suficiente política e religião a falta de entos do Prisioneiro de muitos anos no campo de concentração é precisamente um dos reflexos da desvalorização de tudo aquilo que não serve ao interesse mais primitivo da preservação da vida tudo o mais necessariamente parece um Evidente luxo Aos olhos do prisioneiro isto dá origem a um retraimento ante todas as questões intelectuais e culturais
de todos os interesses mais elevados de um modo geral prevalece uma espécie de hibernação cultural a parte desse fenômeno mais ou menos geral existem apenas duas áreas de interesse em primeiro lugar a política o que não é de surpreender e em segundo lugar a religião o que não deixa de ser notável no campo de concentração todos discutem política quase sem parar mesmo que se trate apenas de ouvir sequioso os boatos infiltrados e passá-los adiante sobre a situação Militar do momento etc como porém a maioria deles se contradizem havendo uma rápida sucessão de boatos incoerentes em
entre si eles representam mais uma contribuição para a desgastante guerra de nervos que se processa nas almas dos prisioneiros com frequência cada vez maior eram desfeitas as esperanças de um breve final da Guerra despertadas pela maioria dos boatos otimistas alguns acabavam caindo em desespero definitivo justamente os otimistas incuráveis entre nós eram os que mais nos enervava o interesse religioso dos prisioneiros na medida em que surgia era o mais ardente que se possa imaginar não era sem um certo Abalo que os prisioneiros recém-chegados se surpreendiam pela vitalidade e profundidade do sentimento religioso o mais impressionante neste
sentido deve ter sido a reação aos cultos improvisados no canto de algum barracão ou num vago de gado escuro e fechado no qual éramos trazidos de volta após o trabalho em uma obra mais distante cansados Famintos e passando frio em nossos trapos molhados o tifo exantemático que atacou como se sabe quase todos os reclusos no inverno e na primavera de 1945 acarretou grande mortandade entre os doentes extenuados que faziam trabalhos forçados até não poder mais pessimamente alojados geralmente sem receber qualquer assistência médica alguns dos sintomas desta doença eram muitíssimo desagradáveis uma repugnância quase que insuperável
por qualquer bocado de comida O que representava uma ameaça adicional para a vida e ainda Os Terríveis delírios para escapar deles fiz o mesmo que muitos outros procurei manter-me acordado a maior parte da noite por horas a fio eu fazia discursos mentalmente por fim passei a Reconstruir com rabiscos estenográfica e minúsculos pedaços de papel aquele manuscrito que tive que jogar fora antes da desinfecção em alchevits o caso mais angustiante de Delírio entretanto foi-me relatado a respeito de um companheiro que sabendo próximo da Morte quis orar mas não conseguiu articular as palavras transtornado pela febre uma
sessão espírita vez por outra podia surgir também um debate científico no campo de concentração certa vez presenciei algo que embora me fosse de certa forma AF fim do ponto de vista profissional eu jamais conhecera na vida normal uma sessão espírita o médico chefe do campo que teve um palpite de que eu era um psicólogo profissional convidou-me para uma reunião altamente secreta no pequeno compartimento em que morava na enfermaria reuniu-se ali um pequeno círculo no qual também se achava em flagrante infração do código o suboficial de saúde do nosso campo um colega estrangeiro começou a conjurar
os espíritos numa espécie de reza o secretário da enfermaria estava sentado frente a uma folha de papel em branco devendo segurar um lápis sobre a mesa sem qualquer intenção consciente de escrever no curso de 10 minutos ao fim dos quais a sessão foi interrompida com a alegação de terem falhado os espíritos ou médium seu lápis foi traçando muito lentamente algumas linhas sobre o papel as quais podiam ser claramente decifradas como vi vict afiançou se que o secretário jamais aprendera latim nem tão pouco teria ouvido as palavras va vict ai dos vencidos se alguém me perguntasse
eu diria que que sem saber ele já deveria ter ouvido estas palavras alguma vez em sua vida assim como também a respectiva tradução e a nossa situação de então poucos meses antes da nossa libertação ou seja do final da Guerra ensejava o espírito espírito de seu subconsciente pensar justamente nessas palavras a fuga para dentro de si apesar de todo o primitivismo que toma conta da pessoa no campo de concentração não só exteriormente mas em sua vida interior percebem-se embora esporadicamente os indícios de uma expressiva tendência para a vivência do próprio íntimo pessoas sensíveis Originalmente habituadas
a uma vida intelectual e culturalmente ativa dependendo das circunstâncias e a despeito de sua delicada sensibilidade emocional experimentarão a difícil situação externa no campo de concentração de forma sem dúvida dolorosa esta não obstante ter para eles feitos menos destrutivos em sua existência espiritual pois justamente para essas pessoas permanece aberta a possibilidade de se retirar daquele ambiente terrível para se refugiar num domínio de liberdade espiritual e riqueza interior Esta é a única explicação para o paradoxo de às vezes justamente aquelas pessoas de Constituição mais delicada conseguirem suportar melhor a vida num campo de concentração do que
as de natureza mais robusta para tornar este tipo de experiência mais ou menos compreensível vejo-me outra vez obrigado a reportar as coisas pessoais recordo-me de quando saíamos do campo de manhã cedo marchando rumo à obra ouve-se uma voz de comando grupo de trabalho wut marchar esquerda 2 3 4 esquerda 2 3 4 cabo de fila lateral esquerda esquerda e esquerda boinas fora estes os brados que a memória faz Ressoar em meus ouvidos ao grito de boinas fora passamos pelo portão do campo os refletores estão focados sobre nós quem não marchar ereto e bem alinhado na
fileira de cinco homens pode contar com um pontapé e haverá Algo pior para quem pensando em se resguardar do frio ousar cobrir de novo as orelhas com a boina antes que a voz de comando o autorize prosseguimos na escuridão aos tropeços sobre as e longas poças d'água na zona de acesso ao campo os guardas de escola ficam berrando e nos espica com a coronha de seus fuzis quem tem os pés muito feridos dê o braço ao seu companheiro ao lado cujos pés doem um pouco menos mal e mal trocamos alguma palavra o vento gelado antes
de nascer o sol não o permite com a boca escondida atrás da Gola da capa o companheiro que marcha ao meu lado murmura de repente Se nossas pousas nos vissem agora Tomara que estejam passando melhor no campo de concentração em que estão Espero que não tenham ideia do que estamos passando e Eis que aparece à minha frente a imagem de Minha mulher quando nada mais resta enquanto avançamos aos tropeços quilômetros a fio vadeando pela neve ou resvalando no gelo constantemente nos apoiamos um no outro erguendo-o Nenhum de Nós ancia uma palavra mais mas sabemos neste
momento que cada um ainda só pensa em sua mulher vez por outra olho para o céu aonde vão empalidecendo as estrelas ou para aquela região no horizonte em que se assoma Alvorada por detrás de um lúgubre grupo de nuvens mas agora meu espírito está tomado daquela figura à qual ele se agarra com uma fantasia incrivelmente viva que eu jamais conhecera antes na vida normal converso com minha esposa ouço a responder vejo-a sorrindo vejo o seu olhar como que a exigir e a animar ao mesmo tempo e tanto faz se é real ou não sua presença
seu olhar agora brilha com mais intensidade que o sol que está nascendo Um pensamento me sacode é a primeira vez na vida que experimento a verdade daquilo que tantos pensadores ressaltaram como a Quinta Essência da sabedoria por tantos poetas cantada a verdade de que o amor é de certa forma o bem último e Supremo que pode ser alcançado pela existência humana compreendo agora as coisas últimas e extremas que podem ser expressas em pensamento poesia em Fé humana a redenção pelo amor e no amor passo a compreender que a pessoa mesmo que nada mais lhe reste
neste mundo pode tornar-se bem-aventurada ainda que somente por alguns momentos entregando-se interiormente à imagem da pessoa amada na pior situação este interior que se possa imaginar numa situação em que a pessoa não pode realizar-se através de alguma Conquista numa situação em que sua Conquista pode consistir unicamente no sofrimento reto no sofrimento de cabeça erguida nesta situação a pessoa pode realizar-se na contemplação amorosa da imagem espiritual que ela porta dentro de si da pessoa amada pela primeira vez na vida entendo o que quer dizer os anjos são bem-aventurados na Perpétua contemplação em amor de uma glória
infinita à minha frente um companheiro cai por terra e os que vão atrás dele também caem no instante o guarda está lá e usa seu chicote sobre eles por alguns segundos se interrompe minha vida contemplativa mas no abrir e fechar de olhos eleva-se novamente minha alma salva-se mais uma vez do aquém da existência prisioneira para um além que retoma mais uma vez o diálogo com o ente querido eu pergunto ela responde ela pergunta eu respondo alto chegamos ao local da obra cada qual busque sua ferramenta cada um Pegue uma picareta e uma pá e todos
se precipitam para dentro do galpão completamente às escuras para arrebanhar uma pá jeitosa ou uma picareta mais firme como é não vão se apressar seus cachorrinhos imundos dali a pouco estamos no Valo cada um em seu lugar da véspera a picareta estilhaça o chão congelado soltando até agulhas nem mesmo os cérebros ainda degelar os companheiros continuam calados meu espírito ainda se apega à imagem da pessoa amada continuo falando com ela e ela continua falando comigo de repente me dou conta nem sei se minha esposa ainda vive naquele momento fico sabendo que o amor pouco tem
a ver com a existência física de uma pessoa ele está ligado a tal ponto A Essência espiritual da pessoa amada a seu ser assim nas palavras dos filósofos que a sua sua presença e seu estar aqui comigo podem ser reais sem sua existência física em si e independentemente de seu estar com vida eu não sabia nem poderia ou precisaria saber se a pessoa amada estava viva durante todo o período do campo de concentração não se podia escrever nem receber cartas mas isto naquele momento de certa forma não tinha importância as circunstâncias externas não conseguiam mais
interferir no meu amor na minha lembrança e na contemplação amorosa da imagem espiritual da pessoa amada se naquela ocasião tivesse sabido Minha esposa está morta acho que este acontecimento não teria perturbado o meu enlevo interior naquela contemplação amorosa o diálogo intelectual teria sido intenso e gratificante em igual escala naquele momento me apercebo da verdade põe-me como selo sobre o teu coração porque o amor é forte como a morte Cântico dos Cânticos Capítulo 8 Versículo 6 meditação no Valo a vida no campo de concentração pode ser transferida para o íntimo naquela pessoa que está disposta para
tal o efeito desta intimação está na Fuga do vazio e da Desolação da seca espiritual da existência atual para o Refúgio no passado absorta em si mesma a fantasia da pessoa sempre volta a reviver experiências passadas mas o que ocupa o pensamento não são as grandes experiências e Sim muitas vezes um fato corriqueiro as coisas mais insignificantes de sua vida anterior na lembrança nostálgica elas se apresentam sublimes ao Prisioneiro distanciada da vida real voltada para o passado a vida interior recebe um cunho peculiar o mundo e a vida lá fora estão muito distantes o espírito
tem saudade deles a gente anda de bonde chega em casa abre a porta da frente o telefone toca a gente caminha para atender e acende a luz do quarto são detalhes aparentemente irrisórios como estes que o Prisioneiro gosta de lembrar a doce recordação desses pormenores o comve Até as Lágrimas esta tendência para a intimação ao manifestar-se em certos prisioneiros possibilita a mais viva percepção da arte ou da natureza a intensidade dessa experiência faz esquecer por completo o mundo que o cerca e todo o horror da situação certa vez no transporte de prisioneiros de alchivit para
o campo de concentração na Baviera estávamos outra vez olhando por entre as grades da abertura de um vagão quem tivesse visto nossos semblantes Arrebatados a contemplar as montanhas de Salzburgo cujos Picos resplandeciam das cores rubras do Sol Poente jamais acreditaria tratar-se de rostos de pessoas que nada mais esperavam da vida mesmo assim ou quem sabe Justamente por isso eles estavam en levados ante a beleza natural que não viam há anos e mesmo dentro do campo Alguém chama a atenção do o companheiro de trabalho para algum quadro deslumbrante que está ao alcance dos olhos como certo
dia em plena floresta bávara onde nos pusemos a construir gigantescas fábricas subterrâneas de armamento entre aqueles Pinheiros altíssimos o sol poente resplandecia como na famosa Aquarela de derer outra vez à noitinha estávamos estendidos no chão de terra do Barracão mortos de cansaço o prato de sopa na mão quando entrou um companheiro correndo e mandou-nos depressa para a área de chamada da turma apesar de toda a nossa fadiga e do frio lá fora só para não perdermos uma visão magnífica do pô do sol vimos então o ocaso incandescente e Tenebroso com todo o horizonte tomado de
nuvens multiformes e em constante transfiguração de fantásticos perfis de cores Sobrenaturais desde o azul Cobalto até o Escarlate sangue contrastando pouco mais abaixo com os desolados barracos cinzentos do campo de concentração e al lamacenta a área onde é feita a chamada dos prisioneiros em cujas poas ainda se refletia o céu incandescente e alguém exclamou após alguns minutos de silêncio arrebatado o mundo poderia ser tão belo monólogo na madrugada estás no Valo trabalhando o Crepúsculo que te envolve é cor de Cinza o céu acima é Cinzento cinzenta a neve no páo lusco fusco os trapos dos
teus companheiros são cinzentos e também os semblantes deles são cor de Cinza retomas outra vez o diálogo com o ente querido pela milésima vez lanças rumo ao sol o teu lamento e tua interrogação buscas ardentemente uma resposta queres saber o sentido do teu sofrimento e do teu sacrifício o sentido da tua Morte Lenta numa revolta última contra o desespero da morte à tua frente sentes teu espírito irromper por entre o Cinzento que te envolve e nesta revolta derradeira sentes que teu espírito se alça acima deste mundo desolado e sem sentido e tuas indagações por um
sentido último recebem por fim de algum lugar um vitorioso e regozijante sim nesse mesmo instante acende-se ao longe uma luz na janela de uma distante moradia camponesa postada feito bastidor à frente do Horizonte em meio a cinzenta e desolada madrugada bávara ET luux em tenebre lucet e a luz resplandece nas trevas agora estiveste horas a fio picando o chão congelado outra vez passou a sentinela e debochou um pouco de ti e de novo recomeças o diálogo com teu ente querido tens cada vez mais o sentimento de que ela está presente sentes que ela está ali
crê poder tocá-la parece precisares apenas estender a mão para tomar a sua mão e com grande intensidade te invade o sentimento ela está aqui eis cá aquilo no no mesmo instante o que é aquilo sem que tenhas notado acaba de pousar um passarinho bem à tua frente sobre o Torrão que recé cavaste para fitar atento o sereno arte no campo de concentração falávamos acima de arte arte no campo de concentração será possível isso claro Depende do que se chama de arte vale dizer que vez por outra havia inclusive teatro improvisado desocupa provisoriamente um barracão improvisavam
alguns bancos de tábuas e elaborava um programa e à noite vem aqueles que passavam relativamente bem no campo como por exemplo os capos ou os que trabalhavam no depósito e não precisavam marchar para o trabalho externo eles vê para rir ou chorar um pouco em todo o caso para esquecer apresentam-se algumas canções e recitam poemas contam-se ou apresentam-se cenas cômicas ou mesmo sátiras alusivas à Vida no campo de concentração tudo para ajudar a esquecer e realmente ajuda ajuda a tal ponto que alguns prisioneiros comuns não privilegiados vê para esse teatro mesmo exaustos da labuta do
dia e mesmo perdendo por isso a distribuição da sopa quem fosse privilegiado com uma voz realmente boa era alvo de inveja e não pouca durante a meia hora de intervalo do meio-dia nos primeiros tempos de nosso internamento no campo de concentração era distribuída uma sopa no próprio local da obra a sopa era providenciada pela firma construtora que não tinha interesse em investir muito na mesma durante esse intervalo podíamos reunir-nos na sala de máquinas Ainda em construção na entrada cada um recebia uma concha de sopa rala enquanto a survios seios um companheiro subia num Tonel e
cantava áreas italianas enquanto para nós isto representava um deleite musical ele tinha garantida uma ração dupla de sopa do fundo ou seja até com herv Il no campo de concentração havia recompensa não somente para a arte mas também para o aplauso embora acabasse não sendo necessário eu ao menos pude contar com a proteção do mais ido chefe em todo o campo por todos chamados de chefe assassino certamente por mais de uma razão por certa noite tive a incrível honra de ser convidado para aquele mesmo alojamento em que tivera lugar a sessão espírita acima descrita mas
uma vez houve primeiro uma conversa informal numa reunião íntima do Médico Chefe Prisioneiro ele mesmo E mais uma vez a presença totalmente ilegal do suboficial de saúde entretanto por acaso o capo assassino pediram-lhe que apresentasse um de seus poemas cuja fama se espalhara por todo o campo não se fez de rogado e trouxe uma espécie de diário passando a recitar alguns trechos de sua arte poética ao ouvir um de seus poemas de amor tive que morder os lábios para não cair em galhadas o que sem dúvida me salvou a vida além disso não poupei aplausos
o que decerto me salvaria a vida caso eu fizesse parte do seu comando de trabalho este fora o caso uma única vez e por um só dia o que para mim já foi mais que o suficiente em todo caso era conveniente o capo assassino ter boa lembrança da gente portanto Bate Palmas o que pude mesmo que um dos aspectos menos ridículos do poema de amor do Chefe assassino consistisse em que amor constantemente rimava com dor e coração com paixão de um modo geral toda a assim chamada atividade artística no campo de concentração naturalmente apresentava muitos
aspectos grotescos eu diria Até que a experiência propriamente dita daquilo que de certa forma está ligado à arte provinha antes do tremendo contraste entre o que era apresentado e o pano de fundo da desolada vida no campo jamais esquecerei quando acordei do profundo sono de esgotamento na Segunda Noite em alchevits despertado por música o chefe do bloco estava comemorando alguma coisa em seu compartimento bem ao lado da entrada do Barracão vozes embriagadas berravam canções populares repentinamente silêncio e um violino chorava um tango de tristeza infinita raramente tocado e ainda não gasto de tanto ouvir chorava
o violino dentro de mim algo chorava junto é que naquele dia alguém fazia 24 anos e este Alguém estava deitado em qualquer barracão do campo de alchivit distante apenas algumas centenas ou milhares de metros dali e mesmo assim fora de alcance este alguém era minha esposa se a pessoa que está de fora já pode surpreender-se com o fato de o campo de concentração permitir algo como a experiência da arte ou da natureza mas ainda se espantará se eu disser que ali também existia humor Claro somente um princípio de humor e mesmo então apenas por segundos
ou minutos também o humor constitui uma arma da Alma na luta por sua autopreservação Afinal é sabido que dificilmente haverá algo na existência humana tão apto como humor para criar distância e permitir que a pessoa passe por cima da situação mesmo que somente por alguns segundos um amigo E colega com quem trabalhei lado a lado por semanas a fio no local da construção foi por mim adestrado na prática do humor pôs-lhe o compromisso mútuo de inventarmos ao menos uma piada por dia mas especialmente uma ocorrência que poderia ter lugar após a nossa libertação e volta
para casa ele era cirurgião tendo sido assistente de uma sessão de cirurgia de um hospital assim por exemplo tentei fazê-lo sorrir certa vez descrevendo a dificuldade que ele teria após a volta para casa e para o antigo Campo de atividades em perder os hábitos adquiridos no campo de concentração diga-se de antemão que quando o chefe da obra se aproximava do local do nosso trabalho para a inspeção o supervisor procurava acelerar o ritmo com o habitual mexam-se mexam-se o que contei a meu companheiro foi o seguinte quando você estiver novamente na sala de operação realizando uma
demorada cirurgia de estômago o atendente da sala de operação vai entrar correndo e dizer mexam-se mexam-se para avisar que o chefe está chegando Muitas vezes os próprios companheiros inventavam esse tipo de situação engraçada no futuro assim prediziam por exemplo que quando fossem convidados para um jantar em sociedade poderia suceder que distraídos quando fosse servida a sopa pediriam à Senhora da casa assim como pediam ao capo No intervalo do meio-dia que ela lhe Desce a sopa bem do fundo para pescar algumas ervilhas ou meia batata a vontade de humor a tentativa de enxergar as coisas numa
perspectiva engraçada constitui um truque útil para a arte de viver a possibilidade de optar viver a vida como uma arte mesmo em pleno campo de concentração é dada pelo fato de a vida ali ser muito rica em contrastes e efeitos contrastantes por sua vez pressupõem certa relatividade de todo o sofrimento em sentido figurado se poderia dizer que o sofrimento do ser humano é como algo em estado gasoso assim como determinada quantidade de gás preenche um espaço ouco sempre de modo uniforme integral não importando as dimensões desse espaço o sofrimento ocupa toda a alma da pessoa
humana o consciente humano seja grande ou pequeno este sofrimento daí resulta que o tamanho do sofrimento humano é algo bem relativo resulta ainda que algo quase insignificante pode proporcionar a maior das alegrias como foi por exemplo na ocasião em que viajamos de alchivit para um campo das filiais em dachau na bavera temíamos que o transporte fosse para mausen nossa ansiedade crescia à medida em que o trem se aproximava daquela ponte sobre o Danúbio pela qual segundo diziam companheiros com anos de experiência em campos de concentração ele teria que passar assim que se desviasse da linha
principal caso se dirigisse a maten quem ainda não passou por algo semelhante só acreditaria se pudesse ver os prisioneiros no vagão dançar de alegria ao perceberem que o transporte se dirigia apenas para dachau E como foi depois ao chegarmos ao campo sucursal em dachau tínhamos viajado dois dias e três noites e no chão apertado do Vagão cárcere não havia lugar para todos se sentar a maioria teve que passar a pé a longa viagem Enquanto alguns poucos podiam acocorar se por turnos sobre um pouco de palha que estava molhada de urina em outras palavras estávamos completamente
esgotados ao chegar a primeira informação importante dada por prisioneiros internados há mais tempo lá dizia que naquele campo relativamente pequeno o número de prisioneiros nunca passou de 2.500 não havia forno Isto é ali não havia nenhum crematório nem Por conseguinte câmara de gás e isto significava que no caso de alguém ficar muçulmano não poderia ser levado diretamente para o gás mas apenas quando se organizasse o transporte de doentes para Ach vitz assim o perigo de morte vindo dessa parte ao menos não era tão direto agradável Surpresa por nos ter sido dado aquilo que nos desejara
nosso chefe de bloco ele nos recomendara sermos mandados o quanto antes para um campo que não tivesse lareira como em alchivit esta agradável surpres nos encheu de alegria ficamos tão bem humorados a ponto de nos entregar a gracejos e dar risadas a despeito do que nos sobreveio nas horas seguintes acontece que nas repetidas contagens dos prisioneiros recém-chegados com o nosso transporte faltava um tivemos que ficar em pé na área de ordem unida expostos à chuva e ao vento frio até que fosse achado o homem foi encontrado num Barracão onde caíra em sono profundo vencido pelo
cansaço assim a demorada formação para a contagem acabou virando uma ordem unida de castigo durante a noite inteira e mais uma parte da manhã seguinte tivemos de ficar de pé na área de ordem unida encharcados e gelados e isto ainda depois de longa e penosa viagem mesmo assim nosso Estado de Espírito era maior das alegrias pois naquele campo não havia lareira e al chivit ficava longe invejando presidiários como era quando víamos um grupo de presidiários passando pelo local de trabalho ali se revelava flagrantemente a relatividade de qualquer situação ocorre que invejável regrada relativamente assegurada relativamente
asseada era com melancolia que pensávamos esses aí podem tomar banho regularmente ele sem dúvida tem sua escova de dentes sua escova de roupas sua tarimba para dormir cada um a sua sua correspondência mensal eles sabiam onde estavam seus familiares sim que estavam com vida nós entretanto fazíamos muito que não gozá mais desses privilégios como invejável que entre nós tinham uma grande chance de ir trabalhar numa fábrica em ambiente fechado protegidos do frio e do tempo com quanta ansiedade cada um de nós esperava essa chance de salvar a vida mas a escala da Felicidade relativa ainda
vai além mesmo entre nós que tínhamos que trabalhar em grupo de trabalho externo podia ser que aquele destacado para um comando pior invej asse outro justamente por este não ter a infelicidade de ficar 12 horas por dias descarregando as vagonetas de uma linha Rural numa encosta íngreme com o barro até os joelhos neste comando ocorria a maior parte dos acidentes que eram diários e muitas vezes fatais outros comandos tinham capatazes tão rigorosos e inclinados à violência contra os prisioneiros que nos considerávamos relativamente felizes pelo fato de não pertencer a eles certa vez por uma infeliz
coincidência caai num desses comandos de trabalho durante duas horas o supervisor me vigiou constantemente até que um alarme aéreo Forçou a interrupção do serviço depois se tornou necessária uma nova distribuição do pessoal em grupos de trabalho não fosse isso eu acabaria sendo transportado de volta para o campo de concentração sobre o trenó em que eram levados os companheiros já mortos ou prestes a morrer de esgotamento ouvir a sirene de alarme numa situação destas é uma Redenção que nem um pugilista que já experimentou o que representa a batida do gongo no final de um round a
salvá-lo do nocut no último instante pode imaginar felicidade é ser poupado nós éramos gratos ao destino quando ele nos poupava de sustos os mínimos que fossem já ficávamos contentes quando a noite podíamos catar os piolhos do corpo antes de nos deitar em si não era uma operação agradável porque era preciso despir noos no barracão quase nunca aquecido em cujo interior muitas vezes pendiam do teto estalactites de gelo mas nós dávamos por satisfeitos quando em tal hora não havia um alarme aéreo que causasse um blackout ou impedisse de completar a operação catap piolho o que significava
metade da noite sem conseguir dormir é claro que em todas essas Miseráveis alegrias do campo de concentração representavam por Excelência uma felicidade no sentido negativo de schopenhauer ou seja uma isenção de sofrimento e mesmo esta conforme mostramos acima apenas em sentido muito relativo alegrias positivas mesmo pequenas tínhamos só raras vezes lembro-me muito bem que elaboramos certa vez uma espécie de balanço do Prazer cujo saldo resultou em que no curso de muitas e muitas semanas tive apenas dois momentos de Real contentamento foi quando ao voltar do serviço para o campo depois de longa espera em frente
ao barracão da cozinha fui destacado para aquela fila que dava no cozinheiro F também Prisioneiro ele tinha à sua frente um tacho enorme de onde tirava a sopa para despejar nas vasilhas que lhe estendiam os companheiros de trabalho enfileirados ele era o único cozinheiro que não olhava para a pessoa que lhe estendia o prato era o único que distribuía a sopa por igual literalmente sem olhar a quem sem dar preferência a seus amigos pessoais ou a seus conterrâneos pescando para eles as batatas no fundo do tacho para dar aos outros o caldo de cima mas
não fazia sentido criticar aquele Prisioneiro para quem a sua panelinha era tudo quem vai atirar a primeira pedra em pessoas que dão preferência a seus amigos quando mais cedo ou mais tarde se trata de uma questão de vida ou morte num caso destes ninguém deveria levantar a pedra antes de se perguntar com sinceridade a toda prova se com certeza teria agido de outra forma estando na mesma situação muito tempo depois de ser libertado do campo de concentração e recomeçado uma vida normal alguém me chama a atenção para uma fotografia reproduzida numa revista mostrando prisioneiros no
campo de concentração amontoados em seus beliches coletivos AF fitar de olhar vazio e observador Você não acha ter isto esses olhares horripilantes e tudo mais Como assim pergunto eu e de fato não consigo entender pois naquele instante surge um quadro Dentro de Mim 5 horas da manhã lá fora na Noite Escura ainda estou deitado sobre as duras tábuas de um galpão de chão batido no qual cerca de 70 companheiros estão em repouso Isto é deram-nos baixa e não precisamos deixar o campo de concentração para marchar rumo ao trabalho não precis pramos nem entrar em ordem
unida podemos ficar o dia inteiro deitados ou encostados em nosso apertado cantinho no barracão devaneando esperando pela distribuição uma vez por dia da ração de pão naturalmente reduzida para os doentes em repouso e pela distribuição uma vez por dia da ração de sopa ainda mais aguada e ainda mais reduzida para essa categoria mas estamos muito satisfeitos sim até felizes apesar de tudo aconchegos os nossos corpos para evitar toda a perda necessária de calor e estamos apáticos e lerdos demais para mexer um dedo sequer enquanto não for imprescindível quando ouvimos lá de fora estridentes apitos e
brados de comando da área de Formação onde acaba de chegar a turma de trabalho da noite abre-se a porta com ímpeto a Nevasca invade o barracão uma figura coberta de Neve um companheiro exausto entra cambaleando para descansar alguns minutos sobre a Tábua porém o chefe do Barracão o bota para fora porque durante a formatura de chamada é estritamente proibido permitir a entrada no galpão de repouso a quem quer que seja que não tenha ali seu lugar como tenho pena dele quão feliz estou neste momento por não estar na pele dele mas em repouso podendo entregar-me
a devaneios no meu galpão Afinal era como salvar a vida receber dois dias de repouso na enfermaria no setor de doentes e além disso ainda ganhar de quebra mais dois dias ir para o setor de tifo exantemático mas daquela vez ainda tive muita sorte ao passar o quarto dia em repouso constava que eu seria destacado para o turno da noite o que para mim significava morte certa inesperadamente o médico chefe precipitou-se para dentro do Barracão e instou comigo para que me apresentasse voluntariamente para o serviço médico em outro setor o di tio exantemático contrariando os
insistentes conselhos dos meus amigos e a diferença do comportamento calculista de quase todos os outros colegas de profissão não engajados imediatamente resolvi apresentar-me Eu sabia que num comando de trabalho eu me acabaria dentro de pouquíssimo tempo já que iria morrer Então eu queria que minha morte tivesse sentido alguma espécie de ajuda a meus companheiros enfermos na qualidade de médico Sem dúvida me Parecia ter mais sentido que bater as botas como trabalhador braçal ineficiente que eu era então Isto foi para mim um cálculo muito simples e de modo algum um sacrifício heróico ocorre porém que o
suboficial de saúde havia determinado em segredo que os dois médicos que se apresentaram voluntariamente para o campo de febre ex atemática poderiam ficar em repouso até serem levados para lá com efeito Estávamos tão acabados que Não tomasse ele essa medida O que teria à disposição não seriam alguns médicos e sim alguns cadáveres tudo isso me veio à mem mória quando me mostraram aquela foto do campo de concentração e passei a contar tudo isso até me entenderem também disse que não era tão horrível o que se apresentava naquela foto e sim que eu poderia imaginar até
muito bem que aquela gente não estava se sentindo tão infeliz falamos no início da grande desvalorização que elimina com poucas exceções tudo aquilo que nada tem a ver diretamente com a preservação da vida da própria pessoa bem como daquelas que em seu íntimo lhe são próximas a pessoa entretanto não escapa dessa desvalorização até ela é incluída no turbilhão espiritual que parece arrancar todos os valores para um abismo de ambiguidade sob a sugestão de um ambiente que não dá o menor valor a vida humana ou a dignidade das pessoas mas que faz de pessoas objetos destituídos
de vontade peças de uma política de exterminação que é adiada apenas para a exploração dos últimos restos de capacidade física de trabalho exposto a essa sugestão generalizada o próprio eu só pode mesmo acabar desvalorizado a pessoa que estiver no campo de concentração e não resistir a essa sugestão com um impulso último do sentimento de valor próprio acaba perdendo a sensação de ser ainda um sujeito ou sequer um ente espiritual dotado de liberdade interior e valor pessoal ela Experimenta a si mesma somente como partícula de uma massa enorme sua existência se reduz ao nível de existência
num rebanho sem poder pensar nem querer direito as pessoas ali ora são tocadas para cá ora para lá oras são ajustadas ora dispersas como rebanho de ovelhas a tua direita e a tua esquerda à frente e atrás espreita pequena porem armada requintada e sádica matilha que não para de tocar para frente ou para trás aos berros pontapés e coronhadas sentamo-nos feito ou ovelhas num rebanho que somente sabem pensam e querem uma coisa escapar aos ataques dos cães e no momento de paz poder comer um pouco como ovelhas que procuram temerosamente enfiar-se para o meio do
rebanho amontoado cada um de nós tentava postar-se no meio da fileira de cinco homens e se possível também no meio de todo o grupo para assim ter as melhores chances de escapar aos golpes dos guardas que marchavam ao lado da coluna a sua frente na retaguarda essa posição no meio a apresentava ainda uma vantagem nada desprezível Ou seja a da proteção contra o vento quando a pessoa que está no campo de concentração procura submergir completamente na massa ela não está sendo apenas condicionada pela sugestão Mas trata-se de uma tentativa de autopreservação em vários sentidos submergir
em fileiras de cinco é algo que o Prisioneiro cedo já faz mecanicamente conscientemente no entanto ele procura submergir na massa para fazer juz a um dos Supremos os mandamentos da autopreservação no campo não chamar a atenção da SS sobre si nem no mais insignificante detalhe ânsia por solidão naturalmente existem ocasiões em que é necessário e também possível distanciar-se da Massa é fato notório que a companhia ininterrupta de tantos parceiros de Sofrimento a toda hora em todos os atos triviais do cotidiano cria muitas vezes uma ânsia Irresistível de escapar dessa permanente comunhão compulsória ao menos por
algum tempo a gente é tomado pelo Desejo profundo de ficar sozinho consigo mesmo e com os próprios pensamentos pela saudade de algum lugar de recolhimento e solidão eu já me encontrava em outro Campo na bava num assim chamado campo de Repouso no qual pudia Então finalmente trabalhar como médico durante uma grande epidemia de tipo exantemático durante certo período tive ali a felicidade de poder retirar-me para a tão almejada solidão ao menos por alum alguns minutos atrás do galpão de enfermos um barracão de chão batido em que se amontoavam cerca de 50 companheiros com febre alta
delirantes havia um cantinho sossegado onde a cerca dupla de arame farpado que circunda o campo formavam uma esquina ali tinham improvisado com algumas Estacas e Galhos uma espécie de barraca na qual se jogava meia dúzia de cadáveres produzidos diariamente em nosso campo que era considerado pequeno havia ali no chão uma abertura de acesso à canalização subterrânea fechada com tampa de madeira nesta eu me sentava sempre que me podiam dispensar por alguns minutos como médico no galpão aninhado ali eu contemplava por entre a vinheta obrigatória do arame farpado os vastos campos verdejantes e floridos as distantes
Colinas azuis da paisagem bávara ali eu sonhava os sonhos de minha saudade e enviava meus pensamentos para bem longe para o norte nordeste onde sup punha pessoas amadas agora porém somente enxergava ali nuvens de perfil estranho e bizarro atirados ao meu lado os cadáveres cheios de piolhos não chegavam a me perturbar arrancavam me dos meus sonhos apenas os passos do vigia a patrulhar periodicamente acerca de arame farpado ou talvez um chamado do galpão a me mandar para a enfermaria Central A fim de receber medicamentos recém-chegados para minha estação de quarentena cinco ou 10 comprimidos de
um sucedan de Aspirina ou cardiazol para tratar 50 pacientes durante vários dias ia buscá-los e fazia Então a visitação de companheiro a companheiro sentindo-o e dando meio comprimido nos casos graves mas os casos extremos não recebiam medicação nenhuma ela ficava reservada para aqueles que ainda tinham chances de cura aos casos mais leves Eu nada podia dar a não ser Talvez uma palavra de apoio assim eu me arrastava de um companheiro Até outro debilitado e desgastado fisicamente ao extremo uma vez que eu mesmo havia pouco estivera gravemente enfermo de tifo exantemático em seguida me retirava novamente
por um momento em solidão e me assentava mais uma vez sobre a tampa de madeira do hidrante subterrâneo esta aliás certa vez salvou a vida de três companheiros pouco antes da libertação houve Transportes em massa alega-se para dachau dos quais três companheiros meus pravid quiseram safar-se entraram por aquela abertura e ali se esconderam do guarda do campo que esquadrinhar todo o terreno naqueles minutos de ansiedade eu mesmo aparentando serenidade exterior fiquei sentado sobre a tampa da abertura diligentemente ignorando os guardas a procurar desconfiados parece que num primeiro momento tiveram suspeitas e queriam levantar a tampa
mudaram porém de ideia e passaram por mim ali sentado o olhar inocente tranquilo atirando pedrinhas na cerca fingindo Ares de quem não quer nada com nada um guarda que me viu daquele jeito hesitou por um segundo mas foi só desarmado que foi em sua suspeita pelo quadro que se lhe apresentava continuou a sua busca logo pôde avisar Aos três companheiros lá no fundo que já passara o maior dos perigos joguete do destino quem não vivenciou pessoalmente a situação reinante no campo de concentração não faz a menor ideia da radical insignificância a que se reduz o
valor da vida do indivíduo ali internado a pessoa com isso perde a sensibilidade e no máximo ainda se dava conta desse desprezo pela existência de indivíduos humanos quando se organizavam transportes de enfermos os destinados para o transporte aqueles corpos consumidos São simplesmente jogados em cima de carretas de duas rodas puxadas então pelos próprios prisioneiros quilômetros a fio em plena Nevada vasca se alguém já estava morto tinha que ir junto a si mesmo a lista tinha que conferir a lista é o principal a pessoa somente importa na medida em que tem um número de Prisioneiro representando
literalmente apenas um número viva ou morta não vem ao caso a vida do número é irrelevante o que está por trás deste número O que representa esta vida é menos importante ainda o destino a história o nome de uma pessoa por exemplo naquele transporte de doentes em que na qualidade de médico foi transferido de um campo bávaro para outro havia um jovem companheiro que teria de deixar para trás seu irmão porque este não estava na lista ficou pechinchando junto ao chefe do campo até que este resolveu trocar um que estava na lista mas queria cair
fora no último instante pelo tão amado irmão mas a lista precisava ser cumprida nada mais fácil o irmão simplesmente adotou o número de Prisioneiro nome e sobrenome do Companheiro que ficaria em seu lugar e vice-versa pois Como já mencionamos todos no campo de concentração há muito já não possuíam seus documentos e cada um se dava por feliz quando podia considerar propriamente seu nada mais que este seu organismo ainda respirar apesar de tudo o resto o que ainda pendia sob a esqualida pele desses seiquetugosta e ind disfarçada curiosidade eram vistoriados os muçulmanos destacados para o transporte
a fim de verificar se seus sapatos e suas capas não estavam ainda em um estado um pouco melhor que os próprios afinal de contas o seu destino estava selado entretanto para aqueles que podiam ficar e tinham relativas condições de trabalhar valia tudo o que servisse para aumentar sua chance de sobrevivência sentimentais é que não eram a perda da sensação de ainda ser sujeito humano é é agravada pelo fato de a pessoa no campo de concentração experimentar-se a si mesma não só como mero objeto do arbítrio da Guarda Mas também como objeto e joguete do destino
eu sempre fora da opinião e costumava dizer que apenas passados cinco ou 10 anos é que a pessoa saberia dizer para que foi útil determinado fato em sua vida o campo de concentração me ensinou algo diferente muitas vezes já Ficamos sabendo C ou 10 minutos depois para que foi bom em alchivit eu estabele umio paraim mesmo validaria c e o qual a seguir foi também quando eu de mod sobre aquo não er obé porha euia mic mas não fazia menção de ser especialista a não que perguntassem por minha especialidade durante a primeira manhã em alchevits
um oficial da SS se fez presente na hora de entrarmos em forma para a chamada os companheiros com menos de 40 anos deviam postar-se de um lado acima de 40 de outro Metalúrgicos Mecânicos de automóvel etc por seu turno deviam entrar numa formação à parte em seguida tivemos que baixar as calças para exame de hérnia sendo que desta vez outros companheiros foram separados um grupo foi tocado para o outro barracão onde devia entrar em forma mais uma vez fui junto mas uma vez fomos selecionados e eu por exemplo depois de ter respondido às perguntas profissão
e idade de forma rápida e enérgica fui destacado para um pequeno grupo à parte e também este grupo foi tocado para outro Barracão onde logo fomos mais uma vez reagrupados e assim por diante até que Afinal já me sentia muito decepcionado Ao me ver lançado entre pessoas estranhas todas elas estr iras e falando línguas que eu não conhecia nisso foi feita uma última seleção sendo eu tocado com os escolhidos para um último Barracão Eis que me vejo com meus velhos companheiros entre meus conterrâneos e colegas naquele Barracão Do qual saíra Originalmente e nem tinham percebido
que entre mentes eu fora tocado para lá e para cá eu entretanto imaginei de quantas cinas possíveis eu escapara no espaço de poucos minutos ao se organizar o mencionado transporte de enfermos para um campo de repouso incluíram meu número na lista estavam precisando de alguns médicos mas ninguém acreditava que o transporte seguisse realmente para um campo de repouso afinal ninguém mais era ingênuo aquele mesmo Transporte já estivera previsto para algumas semanas antes e já então ninguém acreditara que fosse para um campo de repouso mas sim para a câmara de gás repentinamente foi dado um aviso
quem quisesse poderia ser Riscado da lista dos enfermos em repouso caso se apresent voluntariamente para trabalhar no muito temido turno da noite 82 companheiros se acusaram sem pestanejar 15 minutos depois ouvia-se o anúncio transporte cancelado aqueles 82 no entanto não mais escaparam da lista para o turno da noite para a maioria deles o trabalho noturno significou a morte dentro dos próximos 14 dias O Último desejo decorado desta feita era composto pela segunda vez o transporte para o campo de repouso agora ninguém mais sabia se era ou não uma finta para extrair dos enfermos o último
resto de força para trabalhar mesmo que só por 14 dias ou seriam as câmaras de gás o destino ou quem sabe de fato o campo de repouso O Médico Chefe se dava bem comigo às 15 paraas 10 da noite ele me segredou avisei no escritório que você ainda pode ser Riscado da lista Você pode fazê-lo até às 10 horas da noite dou-lhe a a entender que isto não é do meu feitio que aprendi a seguir o caminho reto ou como se queira deixar o destino ir em frente vou ficar com meus companheiros doentes é o
que lhe digo percebo seu olhar penalizado como se tivesse um pressentimento sem dizer uma palavra ele me estende a mão como se fosse uma despedida não por toda a vida e sim a da minha vida saio a passos lentos volto para o meu barracão um bom amigo está sentado no meu lugar Você vai mesmo Sim vou seus olhos se enchem de lágrimas procuro consolá-lo Mas preciso fazer outra coisa meu Testamento oral cuide bem oto se eu não voltar para casa para minha mulher e se você voltar a vê-la diga a ela o seguinte cuide bem
em primeiro lugar que falei sobre ela todos os dias e a cada instante você lembra segundo jamais amei alguém tanto quanto a ela terceiro ser casado com ela tão pouco tempo esta felicidade Compensou tudo inclusive o que tivemos que passar aqui oto Onde estás agora vives ainda que aconteceu contigo desde aquele último momento em que estivemos juntos encontraste tua esposa lembras-te ainda como te obriguei apesar do teu choro infantil a decorar meu testemunho oral palavra por palavra na manhã seguinte parti com o transporte desta vez não tinha nenhuma finta nem truque este transporte também Não
seguiu para as câmaras de gás mas que aumente para um campo de repouso e aqueles que tiveram tanta pena de mim ficaram no campo de antes onde então a fome graou com muito mais violência que em nosso novo Campo acharam estar se salvando mas ficaram em maior desgraça meses depois já após a libertação encontrei novamente aquele companheiro do campo anterior o qual na qualidade de policial havia confiscado de uma panela o pedaço de carne que faltou naqueles dias num depósito de cadáveres daquele campo é que ali ir rompera o canibalismo mas desse inferno eu havia
escapado em tempo isto me lembra uma velha história da morte em terran estava um persa rico e poderoso passeando certa vez pelo parque de sua casa em companhia de seu criado este se põe a lamentar que acabou de ver a morte ameaçando-o levá-lo o criado implora a seu amo que lhe dê o cavalo mais rápido para se pô em imediatamente a caminho e fugir r a terã onde ele queria chegar naquela mesma noite o amo lhe d o cavalo e o criado parte a galope caminando de vol paraa próprio amo sear com a morte e
passa a interrogá-la Por que assustaste meu criado desta forma Por que o amee responde-lhe morte ora não o ameacei nem quis assustá-lo Apenas me admirei surpresa com o fato de vê-lo aqui pois devo encontrá-lo em Teerã ainda hoje à noite Plano de Fuga o sentimento predominante de ser mero joguete e o princípio de não assumir o papel do destino mas de deixar ao destino o seu livre curso tudo isso e ainda a profunda apatia que se apodera da pessoa no campo de concentração são fatores que explicam porque ela evita qualquer tipo de iniciativa e teme
tomar decisões a vida no campo de concentração apresenta situações que exigem decisões súbitas e imediatas e que muitas vezes representam decisões sobre o Ser ou não ser o Prisioneiro então prefere que o destino o livre da obrigação de decidir-se esta fuga ante a decisão pode ser muito bem observada quando o Prisioneiro precisa decidir se foge ou não naqueles minutos e a cada vez somente podem ser poucos os minutos nos quais precisa tomar a decisão ele passa por horrível tortura interior Será que tento fugir ou não devo assumir o risco ou não eu me mesmo também
experimentei este purgatório de tensão interior ao surgir uma oportunidade de fuga poucos dias antes de aproximar-se à frente de combate um companheiro que precisava prestar Serviços Médicos em banares situado fora do campo era a favor da Fuga ele insistia em fugir comigo a pretexto de uma consulta conjunta para um não Prisioneiro para a qual ele alegou necessitar urgentemente como especialista demos um jeito de sair do campo lá fora um membro Secreto de uma organização de resistência estrangeira nos fornecia uniformes e papéis falsos no último momento entretanto surgiram dificuldades de ordem técnica e tivemos que voltar
para o campo Aproveitamos a oportunidade para apanhar algumas batatas meio podres como provisão para o caminho e principalmente precisávamos arranjar uma mochila para cada um para este fim penetramos no barracão vazio do campo de mulheres que acabara de ser evacuado tendo elas sido levadas para outro campo um caos inimaginável se apresentou neste Barracão estava tudo numa grande bagunça e se podia ver claramente que muitas mulheres haviam fugido trapos e Palha restos rasgados de comida e louça quebrada mas preferimos não levar nem mesmo tigelas em bom estado que via de regra eram consideradas objetos de alto
valor no campo de concentração sabíamos bem que ultimamente quando passaram a reinar as pior condições possíveis no campo de concentração essas tigelas de sopa costumavam ser usadas não só para a mesa Mas também como lavatórios e urinóis era rigorosamente proibido ter no barracão qualquer vasilha para as necessidades fisiológicas entretanto esta proibição Foi simplesmente ignorada por todos aqueles que durante a epidemia de tifo exantemático estavam prostrados com febre alta e que nem com o auxílio de outros podiam ser levados à noite para a latrina dada a sua grande debilidade física Enquanto fico de guarda lá fora
meu colega penetra sorrateiramente no abandonado barracão de mulheres pouco depois ele sai todo contente mostrando disfarçadamente porém com muito orgulho a mochila que traz escondida debaixo da capa diz que ainda viu outra lá dentro e que devo buscá-la para mim ele fica de guarda e eu entro no barracão ao vasculhar os montes de objetos desordenados encontro para minha grande surpresa e alegria ainda antes de dar com a outra mochila uma velha escova de dentes nisto vejo em meio aos objetos evidentemente Deixados Para trás na precipitação da Fuga um cadáver de mulher volto apressado ao meu
barracão a fim de apanhar todos os meus pertences minha tigela de sopa algumas luvas esfarrapadas que herdei de um paciente falecido naquele barracão de tifo Ant temático e algumas dezenas de papeizinhos nos quais eu passara a Reconstruir com anotação cenográficas o meu manuscrito científico perdido em alchevits as pressas ainda faço uma visitação e percorro pela última vez a ala direita e depois à esquerda de pacientes deitados sobre tábuas podres apertados um contra o outro de ambos os lados do corredor e no meio do Barracão chego ao único conterrâneo meu que jasal as portas da Morte
salvá-lo apesar do seu estado muito crítico tinha sido para mim uma questão de honra é claro que tenho que manter em segredo o meu plano de fuga mesmo assim o meu companheiro parece suspeitar de alguma coisa é possível que eu estivesse um pouco nervoso em todo o caso ele me pergunta com uma voz muito débil você também vai cair fora digo que não mas não consigo mais afastar-me dele do seu olhar após a visitação volto para ele e mais uma vez se fixa em mim aquele olhar sem esperança e de alguma forma o sinto como
repreensão cada vez ve mais cresce aquele sentimento incômodo que se apoderou de mim a partir do momento em que concordei em fugir com o meu colega procedendo contra o meu velho princípio de não assumir o papel do destino de repente saiu do Barracão rumo à enfermaria para avisar o meu colega de que não posso ir nem bem lhe declarara que não podia mais contar comigo mal tomar a decisão de continuar com os pacientes como antes deixei de sentir de um momento para o outro aquela intranquilidade fico sem saber o que virá nos dias seguintes anteriormente
porém Sereno como nunca a passo firme volto para o meu barracão de tifo exantemático sento-me sobre as tábuas aos pés do meu conterrâneo procuro consolá-lo e fico batendo papo com os outros companheiros tranquilizando-a dia em nosso campo de concentração quase todos os internados haviam sido levados em transportes maciços para outros Campos visto que se se aproximava à frente de combate os graúdos do campo os capos e os cozinheiros haviam fugido foi dado o aviso de que à noite o campo teria que ser completamente evacuado incluindo os últimos prisioneiros que restavam que eram sem exceção doentes
e alguns poucos médicos e enfermeiros constava ainda da comunicação que à noite o campo seria incendiado acontece porém que à tarde ainda haviam chegado os caminhões que deveriam buscar os doentes súbito trancaram hermeticamente a saída do campo e passaram a vigiar rigorosamente acerca de arame farpado de modo que ninguém mais pudesse cruzá-la em algum ponto já meio preparado aparentemente queriam incendiar o campo com os prisioneiros restantes lá dentro pela segunda vez o meu colega e eu resolvemos fugir existem três cadáveres para enterrar fora da cerca Recebemos a incumbência de fazê-lo é que afora nós dois
não há mais ninguém naquele campo que tenha forças para para isso quase todos jazem prostrados com febre alta e delírio nos poucos barracões ainda ocupados então tomamos a decisão com o companheiro cadáver contrabandeando a mochila do Companheiro dentro da velha Tina usada como maca e caixão com o segundo cadáver levamos minha mochila com o terceiro corpo nós mesmos fugimos conseguimos executar bem o nosso plano até o segundo cadáver mas antes de levar o terceiro tenho de esperar meu colega avisou que tentaria arranjar algum pedaço de pão para comermos no dia seguinte na floresta ficou esperando
passam-se os minutos cresce a minha impaciência e ele continua não aparecendo logo agora quando eu já estava antegozando a liberdade pela primeira vez depois de TRS anos iríamos ao encontro da frente de batalha somente mais tarde saberíamos que risco enorme teria sido este encontro aí no instante em que meu colega finalmente aparece correndo a abre-se o portão de entrada do campo e lentamente avança um magnífico automóvel cor de alumínio ostentando grandes cruzes vermelhas indo em direção da área de formatura dos prisioneiros chega o delegado da Cruz Vermelha internacional de ginebra para tomar sob sua proteção
o campo e seus últimos reclusos quem ainda pensaria em fugir do interior do carro sai caixas de remédios cigarros são distribuídos somos fotografados e a alegria é geral agora já não precisamos tentar atravessar as frentes de combate o delegado se hospeda na casa de um agricultor próximo ao campo pois quer estar disponível à noite para qualquer caso naquele primeiro arroubo de alegria tínhamos esquecido completamente o terceiro Cadáver agora o levamos para fora e o deixamos rolar para dentro da Estreita sepultura que lhe cavamos o guarda que nos acompanha e supervisiona de uma hora para outra
é amabilidade em pessoa ele começa a perceber que as coisas agora podem tomar um outro rumo e procura contato conosco em todo o caso ele toma parte na breve oração que pronunciamos antes de fazer cair a terra sobre o cadáver após Aquela nossa tensão interior e o nervosismo dos últimos dias e horas nessa reta final em nossa corrida com a morte as palavras com que suplicamos paz na oração devem ter sido as mais ardentes que um ser humano jamais pronunciou assim passa este dia o último em nosso campo na vivência de uma liberdade interiormente antecipada
porém a nossa expectativa falhou num ponto Apesar de o representante da Cruz Vermelha afirmar com base numa convenção que o campo não poderia mais ser evacuado e a despeito de sua presença no lugarejo próximo à noite chegam caminhões com integrantes da SS dando a ordem de desocupar o campo imediatamente dão-nos a entender que os últimos prisioneiros restantes devem ser transportados para um campo central de onde Dentro de 48 Horas seriam levados para a Suíça e trocados por prisioneiros de guerra o pessoal da SS está irreconhecível tal a amabilidade com que insistem para que subamos sem
medo nos caminhões e nos alegramos com a chance que nos seria dada quem ainda tem força já corre para os caminhões Com muito sacrifício os gravemente enfermos e totalmente enfraquecidos são erguidos para a plataforma da viatura meu colega e eu já não escondemos nossas mochilas e nos colocamos de pé prontos a ser incluídos entre 13 pessoas a serem levadas pelo último caminhão o médico chefe é que faz a distribuição estamos ali de pé e somos 15 pessoas ao contar os 13 que irão ele nos deixa de fora os 13 são postos no caminhão enquanto nós
dois que ficamos para trás surpresos decepcionados e indignados ao ti a penúltima leva nos queixamos ao médico chefe ele se desculpa alegando estar exausto e distraído por engano ele teria achado que ainda pensávamos em fugir tomados de impaciência sentamo-nos novamente mas de mochila às costas e com os prisioneiros restantes ficamos esperando o último caminhão a espera é muito longa deitamos noos sobre os catres desocupados da enfermaria completamente desgastados que estamos pela guerra de nervos das últimas horas e dias pelas esperanças despertadas a se alterar sucessivamente com desilusão pelo vai e vem entre alegria imensa e
tristeza mortal Estamos prontos para a viagem adormecemos sem trocar de roupa nem tirar os sapatos Acordamos com o barulho de tiros de canhão e fuzil o clarão de foguete e sinalizadores o sibilo de balas atravessando até as paredes do Barracão O Médico Chefe entra correndo e nos manda buscar cobertura no chão do lixe acima de mim o companheiro pula com os sapatos em cima da minha barriga Agora sim estou bem acordado logo sabemos o que está vendo chegou à frente de combate o tiroteio vai diminuindo até parar por completo A Noite sede ao Crepúsculo lá
fora o mastro no portão principal do campo ostenta uma bandeira branca apenas semanas mais tarde é que nós o reduzido e último grupo daquele Campo Ficamos sabendo que até mesmo naquelas horas derradeiras o destino nos fizera mais uma vez de joguete experimentamos a ambiguidade de toda decisão Ainda mais quando justamente vida ou morte estão em jogo quanto aqueles que naquela última noite julgaram que os caminhões os levariam rumo à liberdade tivemos que pensar mais uma vez naquele conto de fadas da morte em Teerã semanas mais tarde tive Diante de Mim fotografias tiradas num pequeno Campo
não muito distante do nosso para onde haviam levado os meus pacientes trancaram-nas as fotografias mostravam os cadáveres semicarbazone durante sua estada no campo de concentração fazendo a sua vida anímica baixar de modo geral a um nível mais primitivo tornando objeto do destino ou do arbítrio dos guardas instituído de vontade tanto que ele acaba cheio de medo de tomar nas mãos o seu destino ou seja de enfrentar as decisões a apatia ainda tem outras causas e não pode ser entendida apenas como mecanismo de autodefesa da Alma no sentido mencionado há também causas de natureza fisiológica é
o que vale também para irritabilidade a qual além da apatia representa uma das mais eminentes características da psique do prisioneiro entre as causas fisiológicas estão em primeiro lugar a fome e a falta de sono como Qualquer um sabe mesmo na vida normal ambos os fatores tornam a pessoa apática e irritadiça no campo de concentração o sono insuficiente se deve em parte aos insetos parasitas a proliferar livremente na mais inconcebível falta de higiene e na inimaginável concentração de pessoas nos barracões existe ainda Outro fator a contribuir para a apatia e a irritabilidade que é a ausência
daqueles tóxicos da civilização S que normalmente servem para atenuá-las isto é a nicotina e a cafeína aumenta assim a propensão para a apatia e a irritabilidade além das causas fisiológicas existem ainda origens anímicas deste peculiar Estado de Espírito dos prisioneiros trata--se de certos complexos é compreensível que a maioria dos prisioneiros seja atormentada por uma espécie de sentimento de inferioridade antes cada um de nós havia sido alguém ou ao menos julgava sê-lo agora no entanto é tratado literalmente como se fosse um ninguém não há dúvidas de que o amor próprio quando ancorado em áreas mais profundas
espirituais não pode ser abalado pela situação do campo de concentração mas quantas pessoas quantos prisioneiros possuirão um sentimento de autoestima tão bem firmado mesmo sem refletir muito sobre isso sem que se conscientize disso é natural que o Prisioneiro mediano se sinta totalmente rebaixado esta experiência somente se fazia sentir diante do contraste evidenciado na peculiar estrutura sociológica do campo de concentração refiro-me àquela minoria de prisioneiros que passavam a bem dizer por gente importante os capos e os cozinheiros os chefes de depósito e os policiais do campo em todos eles havia uma compensação do sentimento primitivo de
inferioridade é que estes não se sentiam rebaixados de maneira alguma como a maioria dos prisioneiros comuns mas sentiam-se como se sente uma uma revista alguns se sentiam até como um César em miniatura a reação anímica da maioria ressentida e invejosa ao comportamento daquela minoria se manifestava de diversas formas às vezes também em piadas maldosas assim por exemplo um prisioneiro diz a outro referindo-se a um terceiro que é um desses aristas Esse aí eu conheci quando era apenas um presidente do maior banco de agora ele se promoveu a capo sempre que essa maioria dos rebaixados e
a minoria dos aristas entravam em conflito explodia a irritação que logo chegava ao alge para esses encontros conflitivos havia oportunidades mais que suficientes na vida do campo de concentração a começar pela distribuição da comida aquela irritabilidade de cujas origens fisiológicas diversas falamos acima acaba por se potenciar com o acréscimo das causas anímicas a complexa carga de sentimentos de todos os envolvidos já não causa surpresa que o acúmulo assim originado acabe em pancadaria entre os prisioneiros aquele reflexo que da emoção raivosa vai extravazar se no golpe físico já bastante precondicionamento recluso testemunha a cada instante eu
mesmo passei repetidas vezes pela experiência de não sentir a mão solta prestes a perdeo controle quando Faminto e tres noit era acometido de raiva súbita entre outras razões eu estava tres noitada Porque durante determinado período podemos fazer fogo para aquecer o nosso Barracão De Chão Batido que servia de galpão de tifo e precisávamos cuidar que não se apagasse o fogo no chão aqueles entre nós que ainda estavam em condições relativamente boas eram obrigados a participar de um serviço noturno destinado a atender ao fogão apesar de tudo foram horas das mais idílicas as que Vivi quando
em plena noite en enquanto os outros dormiam e delirava de febre eu me estirava no Chão Batido frente ao pequeno fogão do Barracão cuidando do fogo naquelas horas do meu turno assando umas batatas furtadas nas Brasas do carvão igualmente Furtado porém tanto mais três noitada apático e irritadiço a gente se sentia no outro dia na época eu trabalhava como médico tratando o tifo pouco antes da nossa libertação e tinha que substituir ainda o chefe de bloco que estava doente consequentemente eu era responsável perante a administração do campo pela higiene do Barracão na medida em que
se podia manter qualquer higiene dentro daquelas circunstâncias a pretensa a inspeção Periódica do Barracão tinha por objetivo não verificar as condições higiênicas mas sim torturar noos mais alimento ou um pouco de medicamento teriam dado efeito mas o que lhes importava era apenas que não houvesse uma palhinha no corredor e que os esfarrapados encardidos e empi olhados dos cobertores dos enfermos apresentassem um aliamento Perfeito ao pé da cama uma vez anunciada a inspeção eu tinha de cuidar que o chefe ou subchefe do campo de concentração ao enfiar a cabeça pela porta do nosso barracão para dar
uma espiada em seu interior não percebesse sequer uma palha nem resto de Cinza frente ao fogão etc a inspeção não se importava com a sorte das pessoas que habitavam aquele buraco importante era que eu tirasse da cabeça raspada o barrete de Prisioneiro batesse os calcanhares e anunciasse em tom Marcial barracão de enfermaria 6/9 52 doentes de tifo em an temático dois enfermeiros um médico e já iam embora os inspetores Mas até que eles viessem e costumavam vir muitas horas depois de anunciado ou simplesmente não vinham eu me via forçado a ficar constantemente arrumando cobertores catando
Palhas que caíam das tarimas e para Completar rilhar com pobres diabos que quisessem comprometer no último momento toda aquela ordem e limpeza aparentes pois a apatia e irritabilidade ainda mais acentuadas nos acometidos de febre os faz reagir Apenas quando se grita com eles mas até isso muitas vezes não adianta e então o negócio mesmo é controlar-se com o maior esforço para não sentar a mão pois a própria irritabilidade aumenta desmedidamente Face à apatia dos outros e mais ainda Diante Do perigo em que ela coloca a gente quando de uma inspeção iminente a liberdade interior esta
tentativa de descrição psicológica e explicação psicopatológica dos traços típicos com que a estada mais demorada no campo de concentração Marca uma pessoa parece dar a impressão de que afinal de contas a alma humana é Clara e forçosamente condicionada pelo ambiente na psicologia do campo de concentração é precisamente a vida ali imposta e que constitui um ambiente social Todo peculiar que determina ao que parece o comportamento da pessoa Com razão se poderão levantar objeções e fazer várias perguntas Onde fica a liberdade humana não haveria ali um mínimo de liberdade interior no comportamento na atitude frente a
condições ambientais ali encontradas Será que a pessoa nada mais é que um resultado de sua contribuição física da disposição caracterológica da sua situação social e mais particularmente será que as reações anímicas da pessoa a esse ambiente socialmente condicionado do campo de concentração estariam de fato evidenciando que ela pode fugir à influências desta forma de existência às Quais foi submetida a força precisa ela necessariamente sucumbir a essas influências Será que ela não pode reagir de outro modo por força das circunstâncias por causa das condições de de vida reinantes no campo de concentração podemos dar resposta a
esta pergunta tanto baseados na experiência como em caráter fundamental a experiência da vida no campo de concentração mostrou-me que a pessoa pode muito bem agir fora do esquema haveria suficientes exemplos muitos deles heroicos que demonstraram ser possível superar a apatia e reprimir a irritação e continua existindo portanto um resquício de liberdade do Espírito humano de atitude Livre do eu frente ao meio ambiente mesmo nessa situação de coação aparente absoluta tanto exterior como interior quem dos que passaram pelo campo de concentração não saberia falar daquelas figuras humanas que caminhavam pela área de formatura dos prisioneiros ou
de Barracão em barracão dando aqui uma palavra de carinho entregando ali a última lasca de pão e mesmo que tenham sido poucos não deixam de constituir prova de que no campo de concentração se pode privar a pessoa de tudo menos da Liberdade última de assumir uma atitude alternativa frente às condições dadas e havia outra alternativa a cada dia a cada hora no campo de concentração havia milhares de oportunidades de concretizar esta decisão interior uma decisão da pessoa contra ou a favor da sujeição aos poderes do ambiente que ameaçavam privá-la daquilo que é a sua característica
mais intrínseca sua liberdade e que a induzem com a renúncia à liberdade e a dignidade a virar mero joguete objeto das condições externas deixando-se por elas cunhar um prisioneiro típico do campo de concentração deste último ponto de vista também a reação anímica dos internados nos campos de concentração em última análise somente pode ser interpretada como algo mais que mera expressão de certas condições físicas anímicas e sociais por mais que todas elas seja a falta de calorias seja a deficiência de sono sejam os mais diversos complexos anímicos pareçam sugerir que a decadência da pessoa esteja vinculada
à lei normativa de uma psique típica do campo de concentração aquilo que sucede interiormente com a pessoa Aquilo em que o campo de concentração parece transformá-la revela ser o resultado de uma decisão interior em princípio portanto toda pessoa mesmo sob aquelas circunstâncias pode decidir de alguma maneira no que ela acaba dando em sentido espiritual um típico prisione de campo de concentração ou então uma pessoa humana que também ali permanece sendo um ser humano e conserva a sua dignidade dostoyevski afirmou certa vez temos somente uma coisa não ser digno do meu tormento essas palavras só podiam
mesmo ficar passando muitas vezes pela cabeça da gente quando se ficava conhecendo aquelas pessoas do tipo mártir cujo comportamento no campo de concentração cujo sofrimento e morte testemunham essa liberdade interior última do ser humano a qual não se pode perder sem dúvida elas poderiam dizer que foram dignas dos seus tormentos elas provaram que inerente ao sofrimento há uma conquista que é uma conquista interior a liberdade interior do ser humano a qual não se pode lhe tirar permite-lhe até o último suspiro configurar a sua vida de modo que tenha sentido pois não somente uma Vida Ativa
tem sentido em dando à pessoa a oportunidade de concretizar valores de forma criativa não há sentido apenas no gozo da vida que permite a pessoa a realização da experiência do que é belo na experiência da arte ou da natureza também há sentido Naquela vida que como no campo de concentração dificilmente oferece uma chance de se realizar criativamente e em termos de experiência mas lhe reserva apenas uma possibilidade de configurar o sentido da existência precisamente na atitude com que a pessoa se coloca Face a restrição forçada de Fora sobre seu ser faz muito que o recluso
está privado do gozo da vida criativa mas não é só a vida criativa e o gozo dos seus dons que tem sentido se é que a vida tem sentido também o sofrimento necessariamente o terá afinal de contas o sofrimento faz parte da vida de alguma forma do mesmo modo que o destino e a morte aflição e morte fazem parte da existência como um todo a maioria se preocupava com a questão será que vamos sobreviver ao campo de concentração Pois caso contrário todo esse sofrimento não tem sentido em contraste a pergunta que me afligia era outra
Será que tem sentido todo esse sofrimento essa morte ao nosso redor Pois caso contrário afinal de contas não faz sentido sobreviver ao campo de concentração uma vida cujo sentido depende exclusivamente de escapar com ela ou não e portanto das boas graças de semelhante acaso uma vida dessas nem Valeria ser ser a pena vivida o destino um presente da maneira como uma pessoa assume o seu destino inevitável assumindo com esse destino todo o sofrimento que se lhe impõe nisso revela mesmo nas mais difíceis situações mesmo no último minuto de sua vida uma abundância de possibilidades de
dar sentido à existência Depende se a pessoa permanece corajosa e valorosa dig e desinteressada ou se na luta levada ao extremo pela autopreservação ela esquece sua humanidade e acaba tornando-se por completo aquele animal gregário conforme nos sugeriu a psicologia do prisioneiro no campo de concentração dependendo da atitude que tomar a pessoa realiza ou não os valores que lhe são oferecidos pela situação sofrida e pelo seu pesado destino ela então será digna do tormento ou não ninguém pense que essas reflexões estejam distantes da realidade da vida e do mundo sem dúvida poucas e raras são as
pessoas capazes e a essa altura dessa elevada proposta pois poucos foram os que no campo de concentração mantiveram a plena Liberdade interior e puderam lançar-se à realização daqueles valores possibilitada pelo sofrimento e mesmo que tivesse sido um único apenas ele bastaria como testemunho para o fato de que a pessoa interiormente pode ser mais forte que seu destino exterior e isto não somente no campo de concentração sempre e em toda parte a pessoa está colocada diante da decisão de transformar a sua situação de Mero sofrimento numa produção interior de valores tomemos o caso dos doentes particularmente
os incuráveis li certa vez a carta de um paciente relativamente jovem comunicando ao seu amigo que acabara de ficar sabendo que sua vida não duraria muito mais e que mesmo uma operação não o salvaria mas escrevia ainda nesta carta que justamente agora se lembrava de um filme no qual um homem encarava a sua morte com disposição dignidade e coragem naquela ocasião quando Assistiu ao filme este nosso paciente pensara que só pode ser um presente do céu caminhar em direção à morte com essa atitude de cabeça erguida e agora escrevia ele seu destino lhe dera a
chance anos ats vimos outro filme Ressurreição baseado no romance de tolstoy quem então não pensou a mesma coisa que destinos grandiosos comão grandes personalidades nós de certo não temos um destino tão glorioso e por isso jamais poderemos alcançar semelhante grandeza humana terminada a sessão de cinema íamos tomar um café comer um sanduíche e acabávamos com essas estranhas ideias metafísicas que por um momento havia cruzado nosso pensamento mas quando a gente mesmo se via colocado perante Um Destino grandioso quando a gente mesmo se defrontava com a decisão de fazer frente ao destino com grandeza interior própria
já tínhamos esquecido aqueles propósitos pouco sérios e acabávamos falhando para este Ou aquele entretanto talvez tenha chegado o dia em que estava novamente sentado no cinema assistindo ao mesmo filme ou a um filme semelhante enquanto que interiormente o seu olhar imaginativo assistia simultaneamente ao filme de lembrança de lembrança daquelas que jamais realizaram em sua vidaud ISO e ainda do que o pode mostar uma prod cinematogrfica de cunho sentimental quem sabe então nosor aqu dessa daeza interior deero como por exemplo a história de uma mulher jovem morrendo no campo de concentração da qual fui testemunha a
história é singela não há muito o que contar e mesmo assim ela soará como que inventada de tão poética que ela me afigura essa mulher jovem sabia que teria que morrer nos próximos dias quando falei com ela ainda assim estava bem disposta sou grata a meu destino por ser assim tão duro comigo foi o que ela me disse textualmente pois em minha vida burguesa anterior eu estive mal acomodada demais e minhas Ambições rituais não eram lá muito sérias em seus últimos dias ela estava completamente ensimesmada essa árvore ali é a única amiga em minhas solidões
disse-me ela apontando pela janela do barracão lá fora um Castanheiro estava em plena fluorescência e do catre da enferma podia se enxergar pela pequena janela do barracão da enfermaria um único ramo Verdejante com duas flores com essa árvore eu converso muitas vezes disse ela fico meio desconcertado sem saber como interpretar as suas palavras estaria ela sofrendo de alucinações e delírios por ishe pergunto se a também responde sim e quehe estaria dizendo respondeu-me ela me disse estou aqui eu estou aqui eu sou a vida a vida eterna análise da existência provisória dissemos acima que a razão
última para a deformação da realidade Vital interior da pessoa no campo de concentração não está nas causas psicofísicas enumeradas mas que ela se origina em última análise numa livre decisão issso queremos detalhar a seguir a observação psicológica dos reclusos no campo de concentração revelou em primeiro lugar que somente sucumbe as influências do ambiente no campo em sua evolução de caráter aquele que entregou os pontos espirituais e humanamente mas somente entregava os pontos aquele que não tinha mais em que se segurar interiormente em que deveria e poderia consistir esse apoio interior eis a nossa questão Os
relatos e descrições de casos vividos por ex-prisioneiros como o gordan em que o mais deprimente era o fato de o recluso geralmente nunca saber quanto tempo ele ainda teria que passar no campo de concentração Ele não conhece o prazo para libertação este se entrava in cogitação o que não acontecia no nosso campo era tão indeterminado que na prática a duração do confinamento não só era impossível de se conhecer mas podia ser considerada ilimitada um conhecido pesquisador na área da Psicologia apontou certa vez para o fato de que a forma de existência no campo de concentração
poderia ser caracterizada como uma experiência provisória de nossa parte precisamos complementar essa caracterização dizendo que a existência do prisioneiro em campo de concentração pode ser definida como provisória sem prazo ao chegar a um campo de concentração os recém internados geralmente pouco sabiam sobre as condições ali vigentes os que voltavam tinham que se calar e de certos Campos jamais alguém regressara a pôr os pés no campo entretanto alterava-se o cenário interior com o fim da Incerteza também já chegava A incerteza do fim não se podia prever quando chegaria o fim essa forma de se é que
jamais sucederia como se sabe o termo Latino finis tem dois significados fim e meta a pessoa cuja situação não permite prever o final de uma forma provisória de existência também não consegue viver em função de um alvo ela também não consegue mais existir voltada para o futuro como o faz a pessoa num existência normal concomitantemente altera-se toda a estrutura de sua vida interior começam a aparecer sinais de Deca interior como os conhecemos também de outras áreas da vivência numa situação psicológica Idêntica encontra-se por exemplo o desempregado também a sua existência se tornou provisória e também
ele de certo modo não pode viver voltado para o futuro em função de um alvo neste futuro pesquisas psicológicas sistemáticas junto a mineiros desempregados permitem analisar os efeitos deste modo deformado de existência sob a percepção do tempo sobre o tempo interior ou tempo de vivência como se denomina na psicologia no campo de concentração era assim um breve período de tempo por exemplo um dia preenchido por incertezas e violência a todo momento Parecia interminável um período mais longo entretanto digamos uma semana preenchido com a monotonia diária parecia transcorrer com rapidez incrível e meus companheiros sempre me
davam razão quando dizia no no campo de concentração um dia demora mais que uma semana tão paradoxal era a percepção do tempo Neste contexto por sinal vem também a lembrança de certeiras observações psicológicas de Thomas Man em seu romance A Montanha Mágica onde se descreve a evolução anímica de pessoas em situação psicológica análoga tuberculosos internados em Sanatório que Igualmente não sabem quando receberão alta e ficam numa existência sem futuro sem orientação para uma meta assim como os tipos humanos confinados em campo de concentração um dos prisioneiros contou-me que ao machar numa longa coluna de reclusos
recém-chegados indo da estação ferroviária para o campo de concentração teve o sentimento de estar andando atrás de seu próprio cadáver tal a intensidade com que Ele experimentou naquela ocasião a sua absoluta falta de futuro a qual o obrigou a encarar toda a sua vida exclusivamente sob a ia do passado como algo passado como de um morto essa experiência de ser cadáver vivo ainda é aprofundada por outros momentos enquanto que na dimensão temporal se faz sentir o caráter ilimitado da Detenção faz se sentir na dimensão espacial a limitação o encarceramento aquilo que se encontra ao lado
de fora do arame farpado muito cedo parece inacessível e finalmente irreal de certo modo os acontecimentos lá fora as Assim como as pessoas de toda a vida normal fora do campo assumem um aspecto de certa forma fantasmagórico para aquele que está dentro do campo de concentração na medida em que essa pessoa puder lançar um olhar para fora a vida Ali há de ser vista por ela como que por um falecido que olha do além para este mundo em relação ao mundo normal o recluso com o tempo se sentirá como se tivesse desaparecido para este mundo
para quem entrega os pontos como pessoa por não mais conseguir apoiar-se num alvo futuro a forma de vida interior no campo de concentração acaba desembocando numa forma de existência retrospectiva dessa tendência de voltar para o passado já falamos em outro contexto ela se presta à depreciação do presente com seus horrores ocorre porém que a depreciação do presente da realidade envolvente implica certo perigo isto porque podem ser facilmente cdas as possibilidades de influência criativa sobre a realidade as quais não deixam de existir também no campo de concentração como ficou demonstrado em diversos exemplos heroicos a depreciação
total da realidade oriunda da forma provisória de existência do recluso acaba seduzindo a pessoa a entregar os pontos completamente abandonar-se a si mesma visto que de qualquer forma tudo está perdido essas pessoas estão se esquecendo de que muitas vezes é justamente uma situação exterior extremamente difícil que dá a pessoa a oportunidade de crescer interiormente para além de si mesma em vez de transformar as dificuldades externas da vida no campo de concentração numa prova de sua força interna elas não levam a sério a existência atual e depreciam na para algo sem real valor preferem fechar-se a
esta realidade ocupando-se ainda apenas com a vida passada a vida dessas pessoas acaba se assoreando em vez de alçar-se a um ponto alto justamente sobre as dificuldades extremas da reclusão para o que em princípio haveria a chance naturalmente são poucas as pessoas capazes para isso mas elas conseguiram mesmo no fracasso exterior e mesmo na morte alcançar uma grandeza humana que antes em sua existência cotidiana talvez jamais lhes tivesse sido Concebida para os outros entretanto para nós do tipo médio e morno passava a valer a advertência de Bismark a vida é como estar no dentista a
gente pensa que o principal ainda vem quando na realidade já passou variando um pouco Poderíamos dizer que a maioria das pessoas no campo de concentração acreditava terem perdido as verdadeiras possibilidades de realização quando na realidade elas consistiam justamente naquilo que a pessoa fazia dessa vida no campo vegetar com os milhares de prisioneiros ou como Uns poucos vencer interiormente Espinosa como educador assim fica evidente que toda tentativa psicoterapêutica ou mesmo psicohigiene pela vida no campo de concentração necessariamente terá que procurar a reconstrução interior da pessoa lá e a despeito de lá procurando fazê-la orientar-se para o
futuro para um alvo no futuro instintivamente um ou outro recluso o fez por si a maioria dispunha de algo que o sustentava e Geralmente se tratava de um pedaço de futuro não deixa de ser uma peculiaridade do ser humano que ele somente pode existir propriamente como uma perspectiva futura de certa forma subespécie a eternites perspectiva da eternidade nos momentos difíceis de sua existência ele sempre de novo se refugia nesta dimensão futura muitas vezes Isto pode tomar a forma de um truque no que tange a mim lembro-me da seguinte experiência quase chorando de dor nos pés
lesionados postos em sapatos abertos num frio terrível e enfrentando um vento gelado eu ia mancando na longa coluna no caminho de vários quilômetros entre o campo e o local da obra meu espírito se ocupava sem cessar com os milhares de pequenos problemas de nossa mísera vida de campo de concentração que vamos comer à noite não será melhor trocar a rodela Extra de linguiça Por Um Pedaço de Pão Será que devo negociar por uma tigela de sopa o último cigarro que recebi de prêmio duas semanas atrás como vou conseguir um pedaço de arame para substituir o
que quebrou e que servia para fechar os sapatos Será que vou me integrar em tempo habitual ao grupo de trabalho no local da obra ou vão me despachar para outra turma com o Capataz brutal e violento e que poderia eu fazer para cair no agrado de determinado capo que me poderia proporcionar a imensa felicidade de ser utilizado como Trabalhador de depósito no próprio campo de concentração de modo que não precisasse mais acompanhar diariamente essa marcha terrível já me causa repugnância essa compulsão Cruel Que Força meu pensamento a se atormentar diária e constantemente com esse tipo
de problemas eis então que aplico um truque vejo-me de repente ocupando A Tribuna de Um Grande Auditório magnificamente iluminado e aquecido diante de mim um público a ouvir atento sentado em confortáveis poltronas enquanto vou falando dou uma palestra sobre a psicologia do campo de concentração e tudo aquilo que tanto me tortura e oprime acaba sendo objetivado visto e descrito da perspectiva mais alta da ciência através desse truque consigo alçar-se de algum modo para cima da situação colocar-me assim do tempo presente e de seu sofrimento contemplando como se já estivesse no passado e como se eu
mesmo com todo o meu tormento fosse objeto de uma interessante investigação psicológico cífica por mim mesmo empreendida diz a Espinosa em sua ética a emoção que é sofrimento Deixa de ser sofrimento no momento em que dela formamos uma ideia Clara e nítida ética quinta parte do poder do Espírito ou a liberdade humana sentença 3 quem não consegue mais acreditar no futuro seu futuro está perdido no campo de concentração com o futuro tal pessoa perde o apoio espiritual deixa-se cair interiormente e decai física e psiquicamente geralmente isto acontece de forma até bastante repentina numa espécie de
crise cujos sintomas o recluso relativamente experiente conhece muito bem cada um de nós temia aquele momento em que se manifestasse pela primeira vez esta crise não em si próprio Pois então já teria sido indiferente e sim em seus amigos geralmente essa crise se configurava da seguinte maneira a pessoa em questão certo dia ficava simplesmente deitada em seu barracão e ninguém conseguia persuadi-la a botar a roupa ir ao lavatório ou mesmo se apresentar na formatura de chamada nada mais surtia efeito Nada lhe metia medo nem súplicas nem ameaças nem golpes tudo em vão o sujeito se
simplesmente ficava deitado não se mexia e quando uma doença provocava essa crise a pessoa se negava Inclusive a ser transportada para o ambulatório ou tomar qualquer medida em prol de si mesma ela entregava os pontos fica deitada até nas próprias fezes e urina Pois nada mais a interessa certa vez vivenciei de forma dramática a importância da relação existente entre esse perigosíssimo entregar os pontos o deixasse cair por um lado e a perda da vivência em função do Futuro por outro o chefe do meu bloco um estrangeiro que outrora fora um compositor musical bastante conhecido disse-me
certo dia Ei doutor Gostaria de lhe contar uma coisa há pouco tempo tive um sonho curioso uma voz me disse que eu poderia expressar um desejo que poderia dizer o que gostaria de saber e ela me responderia a qualquer pergunta sabe o que eu perguntei quero saber quando a guerra terminará para mim sabe o que quero dizer dizer para mim Isto é queria saber quando seremos libertos do nosso campo de concentração Ou seja quando terminarão os nossos Sofrimentos perguntei-lhe quando tivera esse sonho em fevereiro de 1945 respondeu estávamos no começo de Março e o que
te disse então a voz em sonho continuei perguntando bem baixinho me segredou em 30 de Março quando este meu companheiro me narrou o seu sonho estava ainda cheio de esperança com convicto de que cumpriria o que anunciara aquela voz mas a data profetizada se aproximava cada vez mais e as notícias sobre a situação militar na medida em que penetravam em nosso campo fazia parecer cada vez menos provável que a frente de batalha de nosso fato nos trouxesse a liberdade ainda no mês de março deu-se então o seguinte em 29 de Março aquele companheiro foi repentinamente
atacado de febre alta em 30 de Março no dia em que de acordo com a profecia a guerra e o sofrimento para ele chegaria ao fim ele caiu em pleno Delírio e finalmente entrou em coma no dia 30 de Março ele estava morto falecera de tifo en exantemático quem conhece as estreitas relações existentes entre o estado emocional de uma pessoa e as condições de imunidade do organismo compreenderá os efeitos fatais que pode ter a súbita entrega ao desespero e ao desânimo em última análise meu companheiro foi vitimado porque sua profunda decepção pelo não cumprimento da
libertação pontualmente esperada reduziu drasticamente a capacidade de seu organismo contra a infecção de tifo exantemático já latente paralisaram se sua fé no futuro e sua vontade de futuro acabando seu organismo por sucumbir à doença assim a voz de seu sonho acabou prevalecendo este caso isolado e suas conclusões dele tiradas coadunam-se com outra observação para a qual o médico o chefe do nosso campo chamou a minha atenção certa vez na semana entre o natal de 1944 e o Ano Novo de 1945 irrompeu uma mortandade jamais vista anteriormente no nosso campo de concentração também o médico chefe
foi de opinião de que as causas da mesma não estavam num agravamento das condições de trabalho ou de alimentação ou numa eventual alteração climática ou mesmo nas novas epidemias antes a causa dessa mortandade em massa devia ser procurada exclusivamente no fato de a maioria dos prisioneiros ter se entregue a habitual e ingênua esperança de estar de volta em casa para o Natal como porém as notícias dos jornais fossem tudo menos animadoras ao se aproximar aquela data os reclusos foram tomados de desânimo e decepção Gerais cuja perigosa influência sobre a capacidade de resistência dos prisioneiros se
manifestou justamente também naquela mortandade em massa daquele período dissemos acima que toda a tentativa de restabelecer interiormente as pessoas no campo de concentração pressupõe que consigamos orientá-los para um alvo no futuro a divisa que necessariamente orientou todos os esforços psicoterapêuticos ou psicohigiene talvez encontre sua melhor expressão nas palavras de niet quem tem por que viver aguenta quase qualquer como portanto era preciso conscientizar os prisioneiros à medida em que era dada a oportunidade do porquê de sua vida do seu alvo para assim conseguir que eles estivessem também interiormente à altura do terrível como da existência presente
Resistindo aos horrores do campo de concentração e inversamente aí daquele que não via mais a Meta diante de si em sua vida cuja vida não tinha mais conteúdo mas Perdia o sentido de sua existência e assim todo e qualquer motivo para suportar o sofrimento essas pessoas perdiam a estrutura e deixavam se cair muito cedo a expressão típica com que replicavam a toda e qualquer palavra animadora era sempre a mesma não tenho mais nada a esperar da vida como reagir a esta atitude perguntar pelo sentido da vida o que se faz necessário aqui é uma revira
volta em toda a colocação da pergunta pelo sentido da vida precisamos aprender e também ensinar as pessoas pessas em desespero que a Rigor nunca e jamais importa o que nós Ainda temos de esperar da vida mas sim exclusivamente o que a vida espera de nós falando em termos filosóficos se poderia dizer que se trata de fazer uma revolução copernicana não perguntamos mais pelo sentido da vida mas nos experimentamos a nós mesmos como os indagados como aqueles aos quais a vida dirige perguntas diariamente a cada hora perguntas que precisamos responder dando a resposta adequada não através
de elucubrações ou discursos mas apenas através da ação através da conduta correta em última análise viver não significa outra coisa que arcar com a responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida pelo cumprimento das tarefas colocadas pela vida de cada indivíduo pelo cumprimento da exigência do momento essa exigência e com ela o sentido da existência altera-se de pessoa para pessoa de um momento para outro jamais Portanto o sentido da vida humana pode ser definido em termos genéricos nunca se poderá responder com validade geral a pergunta por este sentido a vida como a entendemos aqui não
é nada vago mas sempre algo concreto de modo que também as exigências que a vida nos traz sempre são bem concretas essa concreticidade está dada pelo destino do ser humano que para cada um sempre é algo único e singular nenhum ser humano e nenhum destino pode de ser comparado com o outro nenhuma situação se repete e em cada situação a pessoa é chamada a assumir outra atitude para a sua situação concreta exige dela que ela aja Ou seja que ela procure configurar ativamente o seu destino hora que ela Aproveite uma oportunidade para realizar valores simplesmente
vivenciando por exemplo gozando outra vez que ela simplesmente assuma seu destino Mas sempre é assim que toda e qualquer situação se caracteriza por esse caráter único e exclusivo que somente permite uma única resposta correta a pergunta contida na situação concreta quando um homem descobre que seu destino é sofrer tem que ver nesse sofrimento uma tarefa sua e única Mesmo Diante do sofrimento a pessoa precisa conquistar a consciência de que ela é única e exclusiva em todo o cosmo centro deste destino sofrido ninguém pode assumir dela isso e ninguém pode substituir a pessoa no sofrimento mas
na maneira como ela própria suporta este sofrimento está também a possibilidade de uma vitória única e singular para nós no campo de concentração nada disso era especulação inútil sobre a vida essas reflexões eram a única coisa que ainda podia ajudar-nos pois esses pensamentos não nos deixavam desesperar quando não enxergávamos chance alguma de escapar com vida o que nos importava já não era mais a pergunta pelo sentido da vida como ela é tantas vezes colocada ingenuamente referindo-se a nada mais do que a realização de um alvo qualquer através de nossa produção criativa o que nos importava
era o objetivo da vida naquela totalidade que inclui a vida e assim não somente atribui sentido à vida mas também ao sofrimento e à morte Este era o sentido pelo qual estávamos lutando sofrimento como Vitória uma vez que se nos revelara o sentido do sofrimento também nos negável para nós também o sofrimento passara a ser uma incumbência cujo sentido não mais queríamos excluir para nós ele tinha revelado seu caráter de conquista aquele caráter de conquista que levou ruk a exclamar quanto sofrimento há por resgatar e o que falava de resgatar o sofrimento como outros diriam
cumprir uma tarefa havia muito sofrimento esperando ser resgatado por nós por isso era também necessário olhar de frente à situação a avalanche de Sofrimento apesar do perigo de alguém amolecer e quem sabe em segredo Deixar As Lágrimas correr livremente não precisaria envergonhar-se dessas lágrimas eram o penhor de ele ter a maior das coragens a coragem de sofrer mas pouquíssimos sabiam disso e só envergonhados admitiam ter se extravasado em lágrimas de novo certa vez perguntei a um companheiro Como fizera desaparecer os seus edemas de fome ao que ele confessou curei o chorando algo está esperando as
tentativas embrionárias de uma psicoterapia ou psicohigiene no campo de concentração foram de natureza individual e coletiva as tentativas psicoterapêuticas individuais foram muitas vezes um tratamento urgente para salvar uma vida Afinal esses esforços se destinavam sobretudo a prevenção de suicídios para os casos em que se concretizava a tentativa de suicídio havia uma proibição rigorosíssimos por exemplo soltar companheiros que alguém encontrasse enforcados tanto mais se impunha a necessidade de tomar medidas preventivas lembro-me de dois casos apresento-me expostas mas por revelarem também um notável paralelismo trata-se de dois homens que em conversas haviam manifestado intenções de suicídio ambos
alegaram da maneira típica que nada mais tinham a esperar da vida importava mostrar a ambos que a vida esperava algo deles e algo na vida no futuro Estaria esperando por eles e de fato revelou-se que por um deles havia um ser humano esperando seu filho ao qual idolatrava esperava pelo pai no exterior pelo outro esperava não uma pessoa mas um objeto sua obra O homem era cientista e publicaram uma série de livros sobre determinado tema a qual não estava concluída e aguardava sua conclusão e para esta obra este homem era insubstituível não podia ser trocado
por outro mas ele não era mais nem menos insubstituível que aquele outro que no amor da criança era o único que não podia ser trocado aquela unicidade exclusividade que caracteriza cada pessoa humana e dá sentido à existência do indivíduo faz-se valer tanto em relação a uma obra ou a uma conquista criativa como também em relação à outra pessoa e ao amor da mesma esse fato de cada indivíduo não poder ser substituído nem representado é no entanto aquilo que levado ao nível da consciência ilumina em toda a sua grandeza a responsabilidade do ser humano por sua
vida e pela continuidade da vida a pessoa que se deu conta dessa responsabilidade em relação à obra que por ela espera ou perante o ente que a ama e espera essa pessoa jamais conseguirá jogar fora a sua vida ela sabe do porquê de sua existência e por isso também conseguirá suportar quase todo como uma palavra na hora certa as possibilidades de psicoterapia coletiva naturalmente eram extremamente restritas no campo de concentração nesta área o que tinha efeito incomparavelmente maior do que a fala era o exemplo contanto que um chefe de bloco não estivesse do lado das
autoridades nazistas tinham incontáveis oportunidades de exercer uma influência profunda e positiva sobre aqueles que se achavam sob sua esfera de ação através de uma atitude e encorajadora o efeito direto do ser exemplo sempre é maior do que o efeito de palavras volta em meia porém também a palavra tinha efeito quando por alguma circunstância externa aumentava o eco interior lembro de certa ocasião em que surgiu a oportunidade de aproveitar psicoterapeutico numa espécie de diálogo coletivo a receptividade interior dos reclusos favorecida por determinada situação externa o dia fora terrível fazia a pouco havia sido anunciados na hora
da chamada todos os pontos que doravante seriam considerados Sabotagem e punidos imediatamente por enforcamento entre estes delitos constavam trivialidades como cortar tiras estreitas de nossos velhos cobertores o que muitos de nós tínhamos feito para confeccionar polas improvisadas além de qualquer furto mesmo o mais insignificante acontece que poucos dias antes um prisioneiro que estava morrendo de fome penetrara no depósito de batatas para roubar uns quilos delas constatou-se o arrombamento e alguns prisioneiros descobriram o assaltante quando a direção do campo deu pela coisa exigiu a entrega do delinquente caso contrário o campo inteiro teria que ficar de
jejum durante um dia naturalmente os 2500 companheiros preferiram jejuar a entregar o companheiro para ser enforcado ao chegar à noite desse dia de jejum estávamos estirados em nosso Barracão todos tomados de depressão geral falava-se pouco e quando saía uma palavra ela demonstrava irritação como se não bastasse a luz apagou o Estado de Espírito geral atingia o seu ponto mais baixo o chefe do grupo porém era uma pessoa atilada e improvisou uma conversa sobre tudo aquilo que tanto nos preocupava interiormente falou sobre os tantos companheiros que haviam morrido nos últimos dias de doença ou por suicídio
falou também sobre o que provavelmente seria o motivo real dessas em ambas as modalidades o entregar os pontos sobre este ponto bem como sobre a questão de como se poderia talvez resguardar ainda as prováveis vítimas seguintes deste fatal autoabandono interior o nosso chefe pediu que se desse algumas explicações e citou o meu nome ora o meu estado de espírito naquele momento nem de longe era de dar explicações psicológicas ou qualquer consolo psicoterapêutico para meus companheiros de Barracão numa espécie de aconselhamento médico Pastoral eu estava com frio e com fome e também me sentia muito mole
e irritado mas tive que juntar as forças e aproveitar esta oportunidade única pois o que mais precisavam agora era de ânimo terapia médica da alma iniciei por dizer que olhando objetivamente o futuro só podia aparecer desesperador admiti que cada um de nós podia calcular para si mesmo como mínimas chances de sobrevivência ainda não chegara ao campo a epidemia de tifo exantemático mesmo assim estimei em 5% minhas chances de sobreviver e disse isso a eles ees disse também que no que dependesse de mim não perderia a esperança nem desistiria de lutar pois ninguém conhece o futuro
nenhuma pessoa sabe o que talvez lhe ocorrerá dentro de uma hora não podíamos esperar novidades militares sensacionais para o dia seguinte e ninguém melhor que nós com nossa longa experiência de campo de concentração para para sabê-lo mas muitas vezes surge de repente uma grande chance no mínimo para o indivíduo ser destacado para um reduzido transporte destinado a um Comando Especial com condições de trabalho excepcionalmente favoráveis etc coisas que às vezes eram um Anseio e maior felicidade do recluso mas não falei somente do futuro e da penumbra que este felizmente estava envolto nem fiquei apenas no
presente com todo o seu sofrimento falei também do passado com todas as suas alegrias e da luz que ele ainda lançava para dentro das Trevas dos nossos dias citei o poeta que diz aquilo que viveste nenhum poder no mundo tirará aquilo que realizamos na riqueza da nossa vida passada na abundância de suas experiências essa riqueza interior nada nem ninguém pode nos tirar mas não só o que vivenciamos também aquilo que fizemos aquilo que de grandioso pensamos o que padecemos tudo isso salvamos para a realidade de uma vez por todas estas experiências podem pertencer ao passado
justamente no passado ficam asseguradas para toda a eternidade pois o passado também é uma dimensão do ser quem sabe a mais segura finalizando disse que a vida está repleta de oportunidades para dotá-la de sentido os meus companheiros mal se mexiam estirados pelo chão vez por outra ouvia-se um suspiro doloroso Dei a entender que a vida humana tem sentido sempre em todas as circunstâncias e que esse infinito significado da existência também abrange sofrimento morte e aflição pedi aqueles pobres coitados que há tempo me escutavam na escuridão total do Barracão que olhassem de frente para a situação
em que estávamos Por mais difícil que ela fosse não se desesper assem mas recobrasse o ânimo cientes de que mesmo perdida a nossa luta nossos esforços não perderiam seu sentido e dignidade cada um de nós disse Elise eu nestes momentos difíceis e mais ainda na hora derradeira que se aproxima para muitos de nós se encontra sob o olhar desafiante de amigos ou de uma mulher de um vivente ou de um morto ou sob o olhar de Deus que espera que não o decepcionem e que saibamos sofrer e morrer não miseravelmente mas com orgulho encerrando falei
do nosso sacrifício disse que ele tem sentido em todo e qualquer caso disse que a natureza do sacrifício implica ser vivido na premissa de que nesse nosso mundo no mundo do êxito nada se alcança com ele não vem ao caso se o sacrifício é feito em prol de uma ideia política ou se trata de autoimolação de uma pessoa em favor de outra Claro aqueles que fossem crentes no sentido religioso poderiam entendê-lo com facilidade mencionei aquele companheiro que no início de sua estada no campo de concentração propusera ao céu um pacto que o seu sofrimento e
morte poupasse de uma morte a torment a pessoa por ele tão amada para este homem sofrimento e morte não eram sem sentido mas sim foram dotados do mais profundo sentido em sua função de sacrifício ele não queria nem sofrer nem morrer sem um sentido ninguém de nós o queria dar a esta vida aqui e agora naquele Barracão naquela situação praticamente sem saída este sentido último foi o propósito das minhas palavras não demorou muito e pude perceber que esse propósito atingira o seu objetivo ao acender novamente a lâmpada elétrica do Barracão vi achegar em-se figuras Miseráveis
de meus companheiros mancando com lágrimas nos olhos para agradecer-me mas quero confessar aqui que raramente tive a força interior para abrir-me num contato tão intenso e último com meus companheiros de Cruz como naquela noite psicologia da Guarda discutimos até aqui o choque na recepção e a psicologia da vida propriamente dita no campo de concentração antes de voltarmos à terceira fase de reações anímicas do recluso Ou seja a psicologia do recém liberto do campo de concentração queremos dedicar nossa atenção por um momento a uma questão à parte que repetidamente apresentada ao psicólogo de modo geral e
mais particularmente aquele que vivenciou em pessoa essas coisas a psicologia do pessoal da Guarda do campo de concentração como é possível que pessoas de carne e osso cheguem a infringir o sofrimento a outros seres humanos quando alguém ouve estes relatos realmente dando-lhes crédito e dando-se conta de que semelhantes coisas de fato são possíveis Então se pergunta como algo assim é possível psicologicamente para responder a esta pergunta mesmo sem querer entrar a fundo na questão é preciso lembrar que existem entre os guardas de campo de concentração sádicos por Excelência no sentido estritamente Clínico em segundo lugar
se escolhiam justamente quando se compunham pelotões de guarda excepcionalmente rigorosos já falamos da seleção negativa de carrascos e cúmplices feita entre a massa dos prisioneiros para ocupar a posição de capo O que explica porque justamente os elementos brutais e os indivíduos egoístas conseguiam sobreviver além dessa seleção negativa havia ainda no campo uma seleção positiva de pessoas sádicas às vezes ficávamos no local da obra trabalhando no Valo temperaturas abaixo de zero praticamente sem agasalho recebendo porém a licença de nos aquecer junto a uma lareira portátil cada um por seu turn e alguns minutos a cada Du
horas alimentamos esta lareira com Galhos e restos de lenha nessas ocasiões a alegria era geral mas de vez em quando havia um Capataz ou cont mestre que tinha um prazer especial em nos tirar essa alegria e era fácil reconhecer em sua fisionomia o sádico prazer com que ele proibia tudo arbitrariamente e jogava a lareira na Neve juntamente com o Braseiro tão aconchegante e quando a SS antipatizar mais fortemente com alguém ela deixava o pobre coitado a mercê de um homem conhecido por sua devassidão e por sua especialização em torturas sádicas em terceiro lugar deve ser
observado que grande parte do corpo da Guarda estava simplesmente insensibilizado por tantos anos de convivência com o sadismo cada vez maior do campo de concentração foram principalmente essas pessoas embrutecido emocional que rejeitaram Ao menos para si as atitudes próprias do sadismo mas foi também só isto porque naturalmente nada empreendiam contra o sadismo dos outros em quarto lugar porém deve-se lembrar ainda que mesmo entre o pessoal do corpo da Guarda havia sabotadores quero mencionar aqui apenas o chefe do último campo de concentração em que estive e do qual Qual foi libertado ele era integrante da SS
após a libertação daquele campo constatou-se um fato do qual somente o médico do campo ele mesmo Prisioneiro tinha conhecimento até ali o chefe do campo dera em segredo considerável soma de dinheiro do próprio bolso para que se pudesse arranjar medicamentos para os reclusos na farmácia do lugarejo mais próximo essa história ainda teve um epílogo após a libertação prisioneiros judeus esconderam esse homem da se das tropas Americanas e declararam a seu Comandante que o entregariam única e exclusivamente sobre a condição de não se tocar em um fio de seu cabelo sequer o comandante das tropas Americanas
deu-lhes então a sua palavra de honra como oficial militar e os prisioneiros judeus lhe apresentaram o ex-comandante do campo o comandante das tropas reintegrou este homem da SS em seu cargo de comandante do campo e ele organizou então para nós coletas de gêneros alimentícios e de agasalho entre a população dos vilarejos circunvizinhos Em contrapartida o preposto justamente daquele Campo Prisioneiro ele mesmo foi mais brutal que todos os guardas SS do campo juntos batia nos prisioneiros Quando onde e como pudesse ao passo que o chefe não levantou o punho sequer uma vez ao que eu saiba
contra qualquer dos seus prisioneiros daí se deduz uma coisa afirmar que alguém fazia parte da Guarda do campo de atração ou que foi prisioneiro no campo não quer dizer nada a bondade humana pode ser encontrada em todas as pessoas e ela se acha também Naquele grupo que à primeira vista devia ser sumariamente condenado as delimitações se sobrepõem não podemos simplificar as coisas dizendo os prisioneiros são anjos e os Guardas São os demônios pelo contrário contrariando o que de modo geral é sugerido pela vida no campo de concentração ser guarda o supervisor e ter uma atitude
humana para com os prisioneiros sempre será de certa forma um mérito pessoal e moral Em contrapartida é particularmente deplorável a baixeza do prisioneiro que inflige um mal aos próprios companheiros de dor é claro que essa falta de caráter é mais dolorosa para os reclusos da mesma forma como um prisioneiro que é Alvo do mais insignificante gesto humano que lhe fizeram o integrante da Guarda fica profundamente comovido lembro-me que um dia um Capataz não Prisioneiro furtivamente me passou Um Pedaço de Pão Eu sabia que ele só podia tê-lo poupado da sua merenda o que me derrubou
a ponto de derramar lágrimas não foi aquele Pedaço de Pão em si e sim o afeto humano que esse homem me ofereceu naquela ocasião a palavra e o olhar humanos que acompanharam a oferta de tudo isso podemos aprender que existem sobre a terra duas raças humanas e realmente apenas duas a raça das pessoas direitas e das pessoas torpes ambas as Graças estão amplamente difundidas insinuam se e infiltram-se em todos os grupos não há grupo constituído exclusivamente de pessoas direitas nem unicamente de pessoas torpes neste sentido não existe grupo de raça pura assim também Havia uns
outros sujeitos descentes no corpo da guarda a vida no campo de concentração ensejava Sem dúvida o rompimento de um abismo Nas Profundezas extremas do ser humano não deveria surpreender-nos o fato de que essas profundezas punham a descoberto simplesmente a natureza humana o ser humano como ele é uma Liga do Bem e do mal a ruptura que perpassa toda a existência humana e distingui bem e mal alcança mesmo as mais extremas profundezas e se revela até no fundo desse Abismo aberto pelo campo de concentração ficamos conhecendo o ser humano como talvez nenhuma geração humana Antes de
nós O que é então um ser humano é o ser que sempre decide o que ele é é o ser que inventou as câmaras de gás mas é também aquele que entrou nas câmaras de gás ereto com uma oração nos lábios a terceira fase após a libertação voltamo-nos agora para a terceira parte da psicologia do campo de concentração a psicologia do prisioneiro recém-liberto dada a natureza do assunto a descrição da experiência de libertação já poderá ser impessoal começamos por aquele ponto em nosso relato em que após dias da mais intensa expectativa tremulava certa manhã a
bandeira branca no portão do campo essa altíssima tensão anímica foi sucedida por uma distensão interior Total quem pensa que a nossa alegria foi geral está redondamente enganado o que realmente aconteceu a passos lentos os companheiros se arrastam em direção ao portão do campo mal e mal as pernas o sustentam olham timidamente em volta cada qual encara o outro com uma pergunta nos olhos dão os primeiros passos temerosos para fora do campo de concentração desta feita Não se ouve nenhuma voz de comando ninguém tenta esquivar-se de um soco ou pontapé Ah não desta vez os guardas
oferecem cigarros a gente não os reconhece de saída pois entrementes se apressaram em vestir-se a paisana Vamos andando devagar seguindo pela estrada de acesso minhas pernas já começam a doer a falhar em sua função vamos nos arrastando querendo ver pela primeira vez os arredores do campo de concentração ou melhor vê-los pela primeira vez como pessoa livre apreciamos a natureza e entramos para a liberdade para a liberdade vou dizendo e repito várias vezes em pensamento mas simplesmente não se consegue apreendê-lo em tantos anos de sonho e de saudades o termo Liberdade ficara muito gasto seu conceito
perder os contornos confrontado com a realidade ele se confunde a nova realidade ainda não consegue penetrar direito no consciente simplesmente não se consegue apreendê-la ainda chega-se a um campo nele se veem flores toma-se conhecimento de tudo isso mas não se chega a tomar sentimento a primeira centelha da Alegria salta ao se perceber um galo de Vistosa cauda multicor mas fica nisto nesta centelha de alegria e ainda não não se participa do mundo a gente se senta debaixo de um Castanheiro sobre o pequeno banco só Deus sabe a expressão do rosto Naquela hora em todoo O
Mundo Continua sem causar impressão à noitinha quando voltam a se reunir os companheiros em seu velho Barracão um chega para o outro e lhe pergun as escondidas Dime umais você chegou a ficar contente hoje o outro Responde para ser franco não e fica envergonhado porque não sabe que com todos é assim literalmente desaprendemos o sentimento da Alegria será necessário aprender de novo alegrar-se sob o ponto de vista psicológico pode-se chamar de verdadeira despersonalização aquilo que os companheiros libertos experimentam tudo parece irreal e Improvável tudo parece apenas um sonho ainda não se consegue acreditá-lo foram demais
muito demais às vezes em que o sonho nos iludiu nesses últimos anos quantas vezes sonhamos que viria este dia em que nos poderíamos movimentar livremente quantas vezes sonhamos estar chegando em casa para abraçar a esposa saudar amigos sentar com eles à mesa e começar a contar tudo aquilo que se passou durante estes anos quantas vezes Antecipamos em sonho este dia de reencontros e agora realmente teria chegado este momento sempre Havia três silvos estridentes ferindo o ouvido dando o comando de levantar arrancando as gente do sonho da liberdade e como mero sonho se revelava pela enésima
vez e agora deveríamos acreditar de uma hora para outra agora essa liberdade seria realidade verdadeira mas é isto mesmo um dia o corpo não tem tantas inibições Como a alma a partir do primeiro instante em que se lhe abre a possibilidade ele aproveita a realidade e deita mão nela literalmente a gente come a não poder mais horas a fio dias a fio a metade da noite incrível o quanto se consegue comer um ou outro recluso liberto é convidado por agricultores amáveis nas proximidades do campo e então ele come e toma café e solta sua língua
e começa a contar coisas horas e horas a fio descarrega-se a pressão que estava sobre ele durante tantos anos a forma de contar D impressão de que a pessoa em questão estaria sobre uma espécie de compulsão anímica tanta é a ânsia de contar a necessidade de falar pude observar esse fenômeno também em pessoas que mesmo por pouco tempo estiveram sob pressão muito grande como por exemplo interrogatórios da gestapo passam-se Dias muitos dias até que se solte não somente a língua mas também algo dentro da gente de repente o sentimento abre uma brecha naquela estranha barreira
repressiva que o recalcar E então dias após a libertação vai andando pelo campo livre atravessando Campinas floridas rum um lugarejo nos arredores do campo de concentração Cotovias se alçam para as alturas e ouves o seu canto de alegria que ressoa no Alto do ar livre em toda a volta não se enxerga viva Alma O que te cerca é Campo aberto a terra o céu o regozijo das Cotovias e o espaço livre nada mais interrompe tua caminhada neste espaço livre para olhar ao redor e Olhas para o alto e te prostasil neste momento não sabes muito
de ti mesmo nem muito sobre o mundo dentro de ti apenas ouve as palavras e sempre as mesmas palavras na angústia gritei para o senhor e ele me respondeu no Espaço Livre quanto tempo ficastes ali ajoelhado quantas vezes repetiste aquelas palavras a lembrança Já não sabe dizer mas naquele dia naquela hora começou tua Nova Vida isto Sabes e a passo a passo não de outro modo que entras nesta Nova Vida tornas a ser homem a despedida o caminho que vai da alta tensão psicológica dos últimos dias no campo de concentração o caminho de volta dessa
guerra de nervos para a paz da alma não é de forma alguma livre de impecilhos está enganado quem acreditar que o recém-liberto do campo de concentração dispensa qualquer assistência anímica em primeiro lugar é preciso considerar que uma pessoa que esteve sob a incrível tensão psicológica de um campo de concentração por tempo prolongado mesmo após a libertação naturalmente está ameaçada por certos perigos psicológicos justamente por causa da descompressão repentina estes perigos não são outra coisa em termos de saúde mental que o equivalente psicológico da doença de kyson assim como o trabalhador submerso corre perigo de ordem
fisiológica abandonar repentinamente a câmara de mergulho onde se encontra sob enorme pressão atmosférica da mesma forma a pessoa subitamente aliviada de enorme pressão anímica poderá ser prejudicada em sua saúde espiritual e mental principalmente no caso de pessoas com natureza mais primitiva podia-se observar Muitas delas durante esta fase psicológica em que sua atitude anímica continuavam vivendo sobre a condição do poder e da violência só que uma vez libertos agora pensavam ser a sua vez de usar o poder e a liberdade de forma arbitrária desenfriol da arbitrariedade da Justiça essas pessoas agora viraram sujeitos dentro das mesmas
categorias ainda não se desprenderam daquilo Por que passaram manifestam isso em detalhes a aparentemente sem importância por exemplo um companheiro e eu caminhamos reto cruzando os campos em direção à prisão da Qual há pouco fomos libertados de repente nos vemos diante de uma lavoura recém germinando automaticamente quero desviar dela ele entretanto me pega pelo braço e me impele reto em frente balbuciei algo de que não se deve pisar na brotadas com olhar ameaçador grita o quê e o que fizeram conosco liquidaram minha mulher e meu filho na câmara de gás isto para não falar do
resto e tu queres proibir que eu Esmague os talos de aveia somente aos poucos se consegue levar Estas pessoas a reencontrar a verdade tão trivial de que ninguém tem o direito de praticar injustiça Nem mesmo aquele que sofreu injustiça precisamos trabalhar no sentido de levar essas pessoas ao reencontro desta verdade pois a inversão da mesma facilmente poderia consequências piores do que a perda de alguns milhares de grãos de aveia para um agricultor desconhecido pois ainda vejo a minha frente aquele companheiro do nosso campo que arregaçou a manga e com a direita em riste debaixo do
meu nariz gritou na minha cara podem decepar esta mão se eu não a manchar de sangue no dia em que chegar em casa e quero enfatizar que o homem que disse isto em si não era um sujeito ruim sempre foi no campo de concentração e depois o melhor dos companheiros além da deformação que ameaça a pessoa repentinamente liberta da pressão anímica ainda existem duas experiências fundamentais que podem colocá-la em perigo prejudicá-la e deformá-la sob o ponto de vista caracterológico são a amargura e a decepção da pessoa que livre volta à sua vida antiga a amargura
é provocada por experiências diversas nos contatos com outras pessoas no antigo ambiente de vida de quem sai do campo de concentração ao voltar para casa ela constata que muitos não reagem de outra forma do que simplesmente encolhendo os ombros ou dando de si frases baratas em vista disso não raro ela éa tomada de amargura surgindo dentro de si a pergunta de para que teria sofrido tudo aquilo não ouvindo outra coisa a não ser as costumeiras evasivas nós não sabíamos de nada ou nós também sofremos ela fica se perguntando se isto é mente tudo o que
os outros lhe conseguem dizer algo diferente a experiência fundamental da decepção neste caso não se trata da Revolta interior contra a superficialidade e inércia do coração da outra pessoa que faz a gente querer sumir desse mundo para não precisar ver nem ouvir mais nada na experiência da decepção a pessoa se sente a mercê do destino durante anos a fio a pessoa acreditou ter chegado ao ponto mais baixo possível do sofrimento mas constata agora que de alguma forma o sofrimento não tem fundo que aparentemente não existe o ponto baixo absoluto e as coisas podem piorar cada
vez mais descer cada vez mais antes ao tratarmos as tentativas de reerguer psicologicamente a pessoa que está no campo de concentração dissemos que era preciso orientá-la para um alvo no futuro lembrá-la sempre de novo que a vida Estaria esperando por ela que havia alguém esperando por ela e depois depois acaba vendo um outro que precisa constatar que não há mais ninguém que ficasse esperando por ele aí daquele para quem não existe mais a razão das suas forças no campo de concentração o ente querido aí daquele que experimenta na realidade Aquele momento que sonhou mil vezes
e o momento vem diferente completamente diferente do que fora imaginado a pessoa pega o bonde vai até aquela casa que por anos a fio imaginava enxergar diante de si e a campanha bem assim como tanto desejara em seus mil sonhos Mas quem abre a porta não é a pessoa que deveria abri-la Ela jamais voltará a lhe abrir a porta todos no campo de concentração sabíamos e dizíamos um ao outro não há felicidade sobre a terra capaz de compensar nosso sofrimento não esperávamos felicidade não era isso que nos sustentava e conferia um sentido ao nosso sofrimento
ao nosso sacrifício e ao nosso morrer e Contudo não estávamos preparados para a infelicidade esta desilusão que esperava grande parte dos prisioneiros foi para muito deles uma experiência difícil de superar em termos de psicoterapia e era difícil mesmo para um psicoterapeuta enfrentá-lo no tratamento do paciente esta observação no entanto não deveria desanimar o psicoterapeuta ao contrário a dificuldade deve resultar em estímulo pois constitui desafio e tarefa de uma forma ou de outra para cada um dos libertos chegará o dia em que contemplando em retrospecto a experiência do campo de concentração terá uma estranha sensação ele
mesmo não conseguirá mais entender como foi capaz de suportar tudo aquilo que lhe foi exigido no campo de concentração e se houver um dia em sua vida em que a liberdade lhe Parecia um lindo sonho virá também o dia em que toda a experiência sofrida no campo de concentração lhe parecerá um mero pesadelo essa experiência do libertado porém é coroada Pelo maravilhoso sentimento de que mais nada precisa temer neste mundo depois de tudo o que sofreu a não ser seu Deus
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