Cidades brasileiras vão ficar inabitáveis por causa do calor? Você deve ter visto o alerta deste estudo aqui. Ele destacou Belém do Pará como um dos centros urbanos mais quentes do planeta até 2050.
Outras capitais também foram listadas, mas numa situação menos grave. O que isso significa? Que algumas transformações da Terra estão fincando raízes profundas sem fazer barulho.
O calor é um exemplo. Está aumentando aos poucos, sem freio, e pode se tornar, segundo pesquisadores, “um dos maiores desafios da humanidade”. A reportagem da DW ouviu especialistas para entender: como o Brasil, um país aparentemente tão acostumado e preparado para o sol, se situa nessa história?
Uma frase que cientistas vêm repetindo ao se referir a mudanças climáticas é: elas não são o futuro. Elas são o agora, estão em curso, acontecendo. .
. enquanto a gente conversa aqui nesse vídeo. Mas, aparentemente, o problema só chama atenção associado a um drama coletivo: uma seca histórica, uma onda de altas temperaturas, uma chuva de proporções catastróficas.
É aí que está e sempre esteve o erro, de acordo com os cientistas do estudo mencionado há pouco. Porque na base dessas tragédias climáticas existe um movimento silencioso de décadas, acelerado nos últimos 30, 40 anos: o aquecimento médio do planeta. .
. o calor. Um desafio planetário conhecido e, em parte, negligenciado.
Que pode não dar descanso nos próximos anos. Para compreender melhor, vamos ver o que o estudo está dizendo? E por que o Brasil deveria estar preocupado?
O estudo é esse que eu mostrei ali no início. Foi feito pela ONG CarbonPlan em parceria com o jornal americano The Washington Post. A principal conclusão é que caminhamos para uma espécie de epidemia de um calor implacável.
Com cada vez mais gente sujeita a ter problemas de saúde por isso. Quer números? Em 2050, metade da população estimada para o planeta deve ficar exposta a ao menos um mês de calor extremo no ano.
Seriam em torno de 5 bilhões de pessoas nessa situação. No começo do século, era menos da metade. No caso do Brasil, olha só Belém do Pará.
A cidade tinha, no início dos anos 2000, 50 dias anuais de calor extremo. Lá em 2050, vão ser 222! Cerca de seis meses a mais.
Um crescimento vertiginoso entre as localidades analisadas. O que fez até o jornal americano colocar a metrópole paraense em destaque. Quando vemos este gráfico, fica claro o porquê Belém mete medo nas outras.
(mostra o gráfico com a seta bem verticalizada) Só que tem mais nuances importantes de mencionar. Em Pekanbaru, na Indonésia, que seria o centro urbano mais exposto às altas temperaturas em 2050, os moradores vão lidar com 344 dias escaldantes. É muito sim.
Mas olhando a linha do tempo da metrópole, já eram 300 dias no começo deste século. Ou seja, a diferença não é tão expressiva. Manaus é um exemplo parecido.
Daqui a algumas décadas, vão ser 258 dias infernais. A recordista brasileira. Porém, agora já são em torno de 200.
Não estou aqui minimizando essa ou aquela região. Nem poderia. Não se trata disso.
Só estou dizendo que os gráficos mostram Belém numa situação tão ou mais séria por conta do aumento súbito e significativo. O professor de Física da USP Paulo Artaxo, integrante do IPCC, o painel sobre mudanças climáticas, lembra algo básico nessa equação: o simples fato de o Brasil ser um país tropical. Sendo um país tropical, nós somos muito mais vulneráveis de que países em áreas de temperatura mais amena.
Então, regiões como Teresina, Cuiabá, onde no verão normalmente temos 40, 41 graus Celsius. . .
quando essas temperaturas atingirem 44, 45 graus, o que é previsto para as próximas décadas, certamente nós vamos ter que a uma população que vai sofrer muito com os eventos climáticos extremos e com o aquecimento global. A temperatura do ambiente e como ela afeta o corpo humano é outro aspecto central do estudo. O texto fala em 32 graus celsius como a fronteira para uma zona de perigo, num local bem úmido.
O que equivaleria, segundo as estimativas, a 48 graus num espaço mais seco. Coisa de deserto. É tudo uma projeção, calculada com base em variáveis climáticas, para dizer que nessas condições o nosso organismo fica ameaçado, sob estresse térmico.
Nem adultos saudáveis aguentam direito. 15 minutos de atividades ao ar livre já bastariam para colocar pressão sobre órgãos vitais e afetar algo fundamental, como afirma o professor da Unifesp Ronaldo Christofoletti. Acho que o primeiro ponto de um calor extremo é o bem-estar, o se sentir bem, à vontade ao longo do dia que passa pela saúde mental e física, ele já é um primeiro impacto, mas algumas coisas mais sérias elas podem ocorrer durante o calor extremo.
Esta animação ilustra o que o professor quer dizer. A temperatura considerada de bem-estar para muitas pessoas é cerca de 20 graus. É quando a troca de calor entre o corpo e o ambiente flui com certa tranquilidade.
Sem esforço extra da nossa parte. Quando esquenta demais do lado de fora, a dinâmica muda. Um outro sistema de resfriamento do corpo é ativado: o suor.
À medida que ele evapora, a pele resfria. É uma maneira natural de controlar a temperatura interna. Até porque se ela aumenta muito, é o caos.
O corpo tenta transportar calor para a superfície o mais rápido possível. O coração começa a bater mais rápido. Ao mesmo tempo, perdemos líquido.
O volume sanguíneo diminui e o cérebro não recebe tudo o que precisa. Vem a dor de cabeça e a tontura. O que agrava um quadro desses é se o ar ao redor estiver – além de quente – bastante úmido.
Ele não vai absorver mais umidade. Então, mesmo a transpiração intensa pode proporcionar pouco resfriamento para nós. Como se o ar-condicionado do corpo ficasse sobrecarregado por um momento.
O calor mata? Sim. Com desidratação, derrame, infarto.
Na Europa, matou cerca de 60 mil pessoas ano passado. No Brasil, as mortes também ocorrem, embora os dados, na avaliação de especialistas, precisassem passar por uma sistematização e controle mais rígidos. Eu imagino o que pode estar passando pela sua cabeça.
Primeiro, que 20 graus como ideal de conforto térmico – sem ar-condicionado – não é a realidade na maior parte do Brasil. Nem no inverno. E 32 graus – sem contar as variáveis de umidade, vento, incidência de radiação solar – também não parecem muito.
É um dia normal em várias cidades brasileiras. Incomoda, as pessoas reclamam, mas a vida segue, não é? Inclusive fique à vontade para compartilhar como é aí onde você mora aqui nos comentários.
Como você sente os efeitos do aquecimento global por aí? Bom, os especialistas reconhecem que, de fato, em algumas regiões do planeta as populações estão mais adaptadas à quentura. E é assim no Brasil, como falou o Paulo Artaxo.
Bem diferente da Europa, mais preparada para o frio. Só que a problemática levantada no The Washington Post vai além: está no crescimento da frequência do calor extremo, como em Belém do Pará. A mudança se daria com rapidez num espaço de poucas décadas, tempo talvez insuficiente para as pessoas se habituarem.
Menos ainda as mais vulneráveis. Alguns vão sofrer mais do que os outros, seja pela sua condição social, seja pela sua condição etária ou por algum problema existente de saúde. Voltamos àquela palavra que não envelhece no vocabulário do brasileiro: desigualdade.
Quem são os que vão sofrer mais? O professor já deu algumas dicas. Em termos etários: recém-nascidos, crianças e idosos.
Além deles, quem tiver alguma doença, comorbidade, comprometimento em órgãos, como coração e rins. Mas num Brasil tão complexo e desigual, esses fatores parecem ser só a ponta do iceberg. A preocupação maior é com um conceito conhecido e pouco aplicado: a justiça climática.
As populações que vivem em zonas usualmente periféricas e mais carentes das grandes cidades serão aquelas mais impactadas, porque são as zonas de maior vulnerabilidade ambiental. São as zonas que usualmente concentram áreas de poluição, são as zonas onde, quando vier o calor extremo, nós não podemos esquecer que o calor extremo, ele também trará, muito possivelmente, o aumento das chuvas extremas. Então são as áreas que terão maior impacto de inundação de deslizamento.
Isto vai afetar principalmente a população de baixa renda, que não tem condições, por exemplo, de refrigerar adequadamente as suas casas. Imagine uma temperatura de 42 43 graus numa favela, por exemplo. O estudo da CarbonPlan também menciona esse desafio.
Diz que 80% dos futuros afetados por dias extremamente quentes vão estar em países onde a pobreza é mais presente – por ironia, os menos responsáveis pelas emissões que nos lançaram nesse abismo. No mapa, o foco maior está em dois territórios onde, segundo as análises, a situação será mais delicada: Sul da Ásia e África Subsariana. Regiões sem infraestrutura massificada para dar conta do tamanho do desafio.
Ar-condicionado? Para poucos. O aparelho, apesar de uma solução não 100% ecológica, é citado como uma ferramenta de alívio imediato num mundo em aquecimento.
O entrave é o acesso a ele. Na Índia, por exemplo, 270 milhões de pessoas devem sofrer de calor extremo dentro de casa já em 2030. Mas apenas 5% dos lares contavam com climatização em 2018.
A renda é um fator decisivo na aquisição ou não de uma máquina dessas. Uma pesquisa deste professor da Universidade da Califórnia mostrou que uma família tende a comprar um ar-condicionado se tem renda anual superior a 10 mil dólares. Em alguns dos lugares mais pobres do mundo – e que aparecem no mapa do estudo – ela pode ser inferior a 2 mil.
No Brasil, pesquisadores sugerem que a maior parte das residências vai ter ar-condicionado até 2035. Será que isso vai controlar a habitabilidade, ou algumas cidades brasileiras, como Belém, vão ficar inabitáveis? A nossa pergunta lá do começo, ela tem uma palavra que pode ser relativizada.
Por mais absurdo que pareça. E a palavra é inabitável. Não se trata de desprezar o sentido dela – uma negação em essência.
Mas admitir que, para uns, é possível que as circunstâncias extremas sejam contornáveis – para outros, não. No caso do Brasil, é o velho dilema de um país continental, com males sobre as quais o calor extremo vai se sobrepor. Provavelmente vão ter os que conseguirão resolver as coisas com telhados verdes ou outras tecnologias – e os que não.
Agora, claro, devem surgir os cenários em que pode não restar muita escolha. Então, por exemplo, já temos regiões no Nordeste brasileiro que uma região que já é semiárida, onde chovia muito pouco, com quedas de precipitação nesse pouco da ordem de 30 35%, com o aumento da temperatura da ordem de 2,3 a 2,5 graus. Então uma região que era semiárida está passando a se tornar uma região árida.
Isso significa que em algumas regiões do nosso Brasil nós vamos ter que mudar essa população destas localidades, já que a sobrevivência delas no Nordeste brasileiro em particular, vai ser muito, muito difícil conseguir subsistência num clima não tão favorável à subsistência humana. A afirmação do cientista cita um fenômeno que pode se tornar mais comum daqui para frente: migração climática. E eu não estou falando de um país para outro não.
É migração interna mesmo, como afirmou o Banco Mundial em 2021. Segundo a ONU, o Brasil teve a maior quantidade de deslocados internos nas Américas em 2022. A maior parte por causa de desastres naturais.
No futuro, seria o calor? O calor é esse risco rastejante, aquela água que não para de subir. A solução para amenizar o nosso sufocamento, repetimos um episódio atrás do outro: frear as emissões de CO2, controlar o efeito estufa, o aquecimento da Terra.
Ter mais verde para nos dar sombra. Mas isso você que nos acompanha já sabe. Então, como é que a gente vai lidar com esse calorão em 2050 – e até lá?
Como nós vamos lidar com isso? O Como essa mudança vai ocorrer? Essa é um debate que tem que ocorrer.
Eu acho que não existe uma resposta pronta. Ela não está pronta ainda. Ela vai passar por uma mudança de comportamento da sociedade, por uma adequação dos nossos sistemas.
O que a gente tem que fazer é estruturar políticas que combatam os impactos e os eventos climáticos extremos.