Tá, e que dia é hoje? Eu não sei! Mas eu sei que é quase 21 de março, e o que que é 21 de março, além do início do ano terrestre?
É o dia da estreia da peça NVCE pela primeira vez no ano de 2020, às 20h, no dia 21 de março, no Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca. Vem! Tu vai curtir.
/ Faltavam apenas 4 dias para que se completassem 10 anos daquele que havia sido o maior momento de sua vida. No dia 13 de maio de 1888 o Brasil havia se tornado a última nação importante do mundo a abolir a escravidão. Vergonhosa e tardiamente.
E ele havia sido uma das fontes propulsoras, ele havia sido um dos homens mais fortes desse movimento abolicionista. Porém os 10 anos que se seguiriam, ele havia acumulado apenas tristezas, derrotas e desolações. Ele estava sozinho, doente e isolado numa grande pedra do lado da cidade de Funchal, na Ilha da Madeira.
E ali ele foi encontrado morto no dia 9 de maio de 1898. "Morte desastrosa: essa manhã foi encontrado morto no mar, junto ao New Hotel Red, o cadáver do súdito brasileiro, nosso hóspede desde anos, dr. André Rebouças.
Esse cavalheiro que eerceu nos tempos do império um elevado cargo público, apresentava desde há tempos sinais de transtorno intelectual, e supõe-se que ele próprio tenha se atirado ao mar. O infeliz recebera ontem cartas do Brasil e, desde então, mostrava-se sobremaneira preocupado. Lamentamos essa desgraça, e que a alma do infeliz descanse em paz".
Ele era André Rebouças, um dos maiores gênios da história do Brasil que o Brasil segue desconhecendo. "Espero que me ouças, espero que me ouças nessa louvação ao André Rebouças". André Pinto Rebouças.
Ele nasceu em Cachoeira, na Bahia, no dia 19 de janeiro de 1838. O pai dele já era uma figura grandiosa, o Antônio Rebouças. O Antônio Rebouças era filho de uma escrava alforra, de uma escrava liberta, com um alfaiate português.
E se tornou advogado autodidata e virou conselheiro do Dom Pedro II. Se mudou pro Rio de Janeiro em 18142 e fez carreira política, fez carreira no mundo judiciário, sempre com brilhantismo. Teve seis filhos.
Todos eles se destacaram. Mas os dois grandes destaques eram o seu júnior, o Antônio Rebouças e, acima de tudo, o André Rebouças. O André era um menino tão frágil, tão fraco, foi atacado pela varíola já em 1842, aqui no RJ, e ninguém achou que fosse sobreviver.
Mas não apenas sobreviveu como viria a se tornar inventor, engenheiro, abolicionista e um homem que teve grande importância no final do império. Ele iria ser amigo íntimo, pessoal de Dom Pedro II, amigo do Conde D'Eu, que era marido da Princesa Isabel, e bastante amigo também da própria Princesa Isabel. Ele conseguiu, às custas do seu próprio esforço, entrar na escola militar, onde se tornou engenheiro junto com o irmão.
Eles entraram em 1854 e se formaram em 1858. Em 1863 ele foi mandado pelo próprio Dom Pedro pra supervisionar todas as grandes fortalezas do sul do Brasil. Ele teve uma afeição toda especial pela fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres, na Ilha do Mel, na barra de Paranaguá.
Ele se vincularia de tal forma com aquela região que, anos depois, em 1871, ele e o seu irmão Antônio fizeram todo o projeto da ferrovia da Serra da Graciosa, unindo Curitiba de início à Antonina e, depois, em seguida, à Paranaguá, ao porto de Paranaguá. É uma obra até hoje prodigiosamente bem feita, é uma ferrovia que encanta todo aqueles que passam por ela e, acima de tudo, é um prodígio de engenharia. Essa foi apenas uma das ferrovias que o André Rebouças planejou.
Isso porém seria depois de uma série de situações difíceis que ele teve que viver, porque quando ele volta, em 1863, dessa viagem de inspeção às fortalezas, em 1854 ele apresenta um projeto ousado, revolucionário, de reformulação das docas do Rio de Janeiro. Era um porto muito ultrapassado e projeto não é aceito e há indícios claros que não foi aceito por puro racismo, porque tinha sido feito por um negro. E logo em seguida, em 1865, ele apresenta um projeto brilhante de abastecimento d'água do RJ.
Mas todo mundo sabe que o RJ nunca teve problema de abastecimento d'água! Né, pra que que alguém iria fazer algum projeto ligado ao abastecimento d'água do RJ, essa cidade que verte água pelas fraldas da sua Serra da Carioca, né? E o projeto estava justamente ligado ao rio da Carioca e à captação dos mananciais da serra, né.
Esse projeto é aprovado e já no ano de 1865 ajuda a solucionar por um bom número de anos esse problema da água no Rio de Janeiro. Então, estoura a guerra do Paraguai, e quando estoura a guerra do Paraguai, apesar de toda a fragilidade de sua saúde, ele se alista como voluntário da pátria e ele parte pro campo de batalha. De início, ele vai pra Uruguaiana, no RS, e participa do chamado Cerco de Uruguaiana, onde então conhece o Conde D'Eu.
E depois, em 1866, ele vai pro teatro de operações mesmo, pro teatro de guerra no Paraguai, e ali ele inventa um novo tipo de torpedo bastante eficiente pra matar paraguaio, né, era uma guerra sangrenta, uma guerra terrível, o torpedo funciona e aí ele toma parte naquela que foi a maior batalha da história da América do Sul, que é a batalha do Tuiuti. Só que durante a batalha ele sofre um novo ataque de varíola, ele outra vez contrai varíola, já tinha tido na infância, e então ele realmente é obrigado a deixar a guerra, mas a guerra acabaria logo em seguida, em 1870, e em 1871 ele volta pro Rio de Janeiro. Apresenta o projeto da construção da ferrovia.
. . Quando ele supervisionou a fortaleza, na Ilha do Mel, ele logo percebeu que tinha que haver uma ligação entre a serra, e a cidade de Antonina, então até mais importante que Paranaguá, e a cidade de Paranaguá.
É autorizada a construção da ferrovia, o projeto é dele e o projeto é inaugurado alguns anos depois, nessa que foi uma das suas grandes contribuições pro Brasil. A partir de então ele se vincula direta e fortemente ao movimento abolicionista. Ele faz parte da sociedade brasileira contra a escravidão, ele faz parte da confederação abolicionista, e ele é o criador dos estatutos da associação central de emancipação dos escravos.
Ele era um orador tímido e pouco fluente, mas segundo o próprio Joaquim Nabuco, ele foi o motor, a força secreta, o ânimo e o incentivo de todos aqueles abolicionistas que subiam na tribuna, que discursavam com intensidade e com vigor. Em setembro de 1882 ele vai de novo numa viagem de estudos pra Europa e encontra o Carlos Gomes, que tinha recém composto a Ópera Fosca e que vivia quase na miséria em Milão e, através da intervenção dele, dos pedidos dele, da conexão que ele tinha com o Dom Pedro II, o Dom Pedro II fornece a bolsa e os incentivos que fariam com que o Carlos Gomes compusesse e estreasse com grande impacto a ópera "O Guarani", também em Milão. Ele fica muito amigo do Carlos Gomes, depois em seguida ele vai pra Nova Iorque, em 1873, onde ele relata que foi vítima de grandes preconceitos raciais, considera os EUA uma das sociedades mais racistas na qual ele já conviveu, especialmente depois de uma viagem, evidentemente, ao sul dos EUA, e então retorna pro Brasil, voltando, a partir de 1874, a fazer parte intensa do movimento abolicionista.
Cada vez mais próximo da Princesa Isabel, cada vez mais próximo do Dom Pedro II. Só que quando vem a abolição, é óbvio que o sustentáculo no império era a escravidão, e tão logo se precipita a abolição, teríamos logo o golpe republicano, o golpe militar, a proclamação da república. Antes disso porém, no dia 9 de novembro de 1889, quando há o chamado "último baile", mas que na época era conhecido como Baile da Ilha Fiscal, ele é um dos convidados e convida uma dama para dançar e a dama se recusa, uma dama branca, pra dançar com ele, e essa mulher recusa o convite.
O Dom Pedro II assiste à cena e determina que a princesa Isabel dance com o André Rebouças e os dois bailam e dançam ao som da música naquele baile que viria a ser o último baile do império. Seis dias depois desse baile a monarquia é derrubada e a república se instaura. E ele parte para o exílio, no caso dele, autoexílio, no mesmo paquete, no mesmo navio que levou para a Europa o Dom Pedro II, a princesa Isabel e o Conde d'Eu.
Mas ele não vai viver com eles em Paris, fica morando em Lisboa. Durante um bom tempo em Lisboa ele é correspondente do jornal inglês "The Times", mas ele se muda para Cannes, onde estava morando o Dom Pedro II, e em 1891 está próximo do imperador que viria a morrer logo depois, em Paris, fotografado no seu leito de morte pelo grande fotógrafo Nadar. A partir da morte do Dom Pedro II se inicia um processo de depressão e de tristeza cada vez mais profundas do André Rebouças, que resolve então mudar-se para a África, para tentar ajudar na libertação do povo africano.
De início ele vai pra Luanda, depois ele vai pra Moçambique, e a seguir ele vai pro Transvaal. O Transvaal é uma região que hoje pertence à África do Sul, e no Transvaal ele inicia um processo utópico, quase delirante, de vestir toda a população local. Eram 300 mil habitantes nessa região, e detalhista como ele sempre foi, ele calcula que seriam necessários 900 mil metros de tecido para fornecer imediatamente vestimenta para todas aquelas pessoas que andavam praticamente nuas.
Mas como seriam necessárias seis mudas durante o ano, eram necessárias então 5,4 milhões de metros de pano de algodão por ano, e ele achava que esse projeto iria salvar uma série de fábricas têxteis, a indústria têxtil da Inglaterra, do momento turbulento em que vivia. Envia esse projeto detalhistamente, com todas as minúcias pro jornal The Times, no qual ele era correspondente, mas é claro que o projeto nunca vem a ser aprovado. Essa depressão dele vai aumentando cada vez mais e ele então se muda pra Ilha da Madeira e quatro dias antes de se completarem os 10 anos da abolição da escravatura no Brasil, ele é encontrado morto num grande rochedo à beira mar.
Mas a partir desse momento, mesmo ele tendo sido tão ferrenhamente monarquista, o Brasil percebe que estava ali um grande homem. E hoje, os cariocas cruzam o túnel Rebouças. Hoje, os paulistas descem ou sobem a avenida Rebouças, e hoje que mesmo essas pessoas não saibam que por trás desse túnel, por trás dessa avenida, por trás de o nome de uma cidade no Paraná que se chama Rebouças, aquelas que descem muitas vezes a ferrovia da serra da Graciosa que hoje é uma ferrovia turística, aqueles que conhecem as fortalezas do Paraná, talvez não saibam que André Rebouças está por trás delas, mas repetem constantemente o nome Rebouças, desse grande extraordinário brasileiro que o canal Buenas Ideias teve o orgulho de saudar nesse reticente episódio.