Quando um arco-íris aparece vividamente no céu, você pode ver suas lindas cores, mas não pode usá-lo como uma roupa ou como um enfeite. Ele surge através da conjunção de vários fatores, mas não há nada que possa ser agarrado. Da mesma forma, os pensamentos que surgem na mente não têm existência tangível ou solidez intrínseca.
Não há uma razão lógica para que os pensamentos, que não têm substância, tenham tanto poder sobre você, nem há qualquer razão para que você se torne escravo deles. A sucessão infinita de pensamentos passados, presentes e futuros nos leva a acreditar que há algo inerentemente e consistentemente presente, e nós o chamamos de “mente”. Mas, na verdade.
. . Os pensamentos passados estão tão mortos quanto um cadáver.
Os pensamentos futuros ainda não surgiram. Então, como esses dois, que não existem, poderiam ser parte de uma entidade que existe inerentemente? Na verdade, tudo o que existe é A Natureza Vazia da Mente.
Dilgo Khyentse Rinpoche. No entanto, essa natureza vazia da mente não é apenas um vazio em branco como um espaço vazio. Há uma consciência imediata presente.
Essa clareza da mente é como o sol, iluminando a paisagem e permitindo que você veja a montanha, o caminho e o precipício — para onde ir e para onde não ir. Embora a mente tenha essa consciência inerente, dizer que há “uma mente” é dar um rótulo a algo que não existe — é assumir a existência de algo que não é mais do que um nome dado a uma sucessão de eventos. 108 contas amarradas juntas, por exemplo, podem ser chamadas de rosário, mas esse “rosário” não é uma coisa que existe inerentemente por si só.
Se o fio se rompe, para onde foi o rosário? Fomos iludidos pelos nossos pensamentos. Observe que, um objeto bonito não tem nenhuma qualidade intrínseca que seja boa para a mente, nem um objeto feio tem qualquer poder intrínseco para prejudicá-la.
Bonito e feio são apenas projeções da mente. A capacidade de causar felicidade ou sofrimento não é uma propriedade do próprio objeto externo. Por exemplo, a visão de um determinado indivíduo pode causar felicidade a uma pessoa e sofrimento a outra.
É a mente que atribui tais qualidades ao objeto percebido. Através das nossas próprias fabricações mentais, geramos o apego e a aversão. Para conseguirem o que querem e se livrarem daquilo que não gostam, vejam como as pessoas se lançam em tormentos, como mariposas mergulhando na chama de uma lamparina!
Não seria melhor abandonar de uma vez por todas o seu pesado fardo de obsessões oníricas? Aqueles que buscam a felicidade no prazer, na riqueza, na glória, no poder e no heroísmo são tão ingênuos quanto uma criança que tenta pegar um arco-íris para usá-lo como um casaco. Uma vez que você tenha a visão da vacuidade, embora as percepções ilusórias do samsara possam surgir em sua mente, você será como o céu; quando um arco-íris aparece, o céu não se sente particularmente lisonjeado, e quando as nuvens aparecem, ele também não se sente particularmente desapontado.
Há uma profunda sensação de contentamento. Você ri por dentro ao ver a fachada do samsara e do nirvana; essa visão lhe permite um divertimento constante, um pequeno sorriso interior que borbulha o tempo todo. O vento sopra no céu e voa pelos continentes sem se estabelecer em lugar nenhum.
Ele atravessa o espaço e não deixa rastros. Assim também, os pensamentos devem passar pelas nossas mentes sem deixar resíduos cármicos e sem alterar a nossa compreensão da simplicidade fundamental. Depois de conhecer essa natureza da mente, você deverá alcançar estabilidade e confiança ao reconhecê-la, para que a mente permaneça nesse estado de simplicidade sem vacilar.
Para alcançar a estabilidade, é necessário a prática da meditação. Ao realizar a prática, deve-se desenvolver a sensação de abrir-se completamente para todo o universo, com absoluta simplicidade e nudez de espírito, livrando-se de todas as barreiras protetoras. Ao meditar, não se separe mentalmente em dois, uma parte da mente observando a outra como um gato observando um rato.
Deveríamos compreender que não meditamos para nos aprofundarmos em nós e nos afastarmos do mundo: a abertura total da mente é o ponto essencial. Quando estão prestes a estabelecer-se no caminho natural da essência da mente, algumas pessoas apenas tentam permanecer conscientes e atentas. Elas descansam em um estado da consciência com o sentimento de clareza, ou fixam-se em um estado de vazio total, como se a sua mente estivesse em branco, mas em ambos os casos ainda são experiências dualísticas – há sempre o observador e o observado.
Sempre que esta dualidade ocorrer – entre a clareza e aquele que percebe a clareza, ou o vazio e aquele que percebe o vazio – observe a natureza desse fluxo de atenção que foi rigidamente fixada. Ao fazer isso, você puxa a estaca à qual a mente dualista se prendeu a um observador e a algo observado, e abre espaço para o estado natural de consciência nu e aberto – um vazio luminoso sem centro ou borda. Apreender de uma forma não dual esse estado natural, luminoso e aberto, é a essência da consciência.
É o alvorecer da sabedoria nua, livre dos véus da experiência fixa. Ao realizar a prática, deixe a mente permanecer em seu estado completamente natural e não planejado. Seja como um bebê recém-nascido no berço.
Mesmo que seja cercado por exércitos ameaçadores empunhando espadas, o bebê não tem medo. Em resumo, não deveria haver nenhuma modificação do estado natural. Vendo o mundo com toda a simplicidade intocada de uma criança, então você estará livre dos conceitos de beleza e feiura, bem e mal, e não será uma mais vítima de tendências conflitantes movidas pelo desejo ou pela repulsa.
Uma vez que você tenha compreendido a natureza das coisas, você não terá mais esperança de atingir o estado de Buda, nem ficará apreensivo com a possibilidade de não obtê-lo. Simplesmente permanecemos no estado de paz que tudo permeia, no qual todas as noções de sujeito e objeto foram liberadas em sua própria esfera. O que chamamos de mente não existe realmente.
Quando você perceber que a mente não existe como uma coisa, você deve permanecer nessa experiência, sem tentar rotulá-la ou defini-la. Quando você não perpetua mais o movimento dos pensamentos, eles se dissolvem por si próprios, sem deixar rastros. Banindo toda esperança e todo medo, descanse na certeza de que a simplicidade primordial da consciência é em si mesma o estado do Buda.
Esse é o caminho da felicidade perfeita, no qual todas as qualidades da iluminação florescerão sem qualquer esforço. Sabemos que a fumaça indica a presença do fogo, mas não é o fogo em si; no entanto, seguindo a fumaça podemos encontrar o fogo. Da mesma forma, é importante compreender que a visão da vacuidade não é a mesma que a experiência real da vacuidade; mas seguindo a visão e nos familiarizando com ela, chegaremos à realização real da nossa própria vacuidade, livres de quaisquer conceitos ou teorias.
Quando começamos a meditar sobre a natureza da mente, é preferível fazer sessões curtas de meditação, várias vezes ao dia. Com perseverança, perceberemos progressivamente a natureza da mente, e essa compreensão se tornará mais estável. Nessa fase, os pensamentos terão perdido o poder de nos perturbar e subjugar.
Quaisquer que sejam as circunstâncias, não nos tornamos eufóricos ou deprimidos, mas permanecemos livres e à vontade, em uma serenidade imperturbável. Uma vez encontrado o vazio, é como no verão, quando a terra fica quente e todos os pomares e florestas começam a crescer naturalmente, sem esforço. Quando a natureza da consciência for identificada, não haverá mais diferença entre a meditação e a experiência pós-meditação.
A consciência se tornará cada vez mais clara por si mesma; não precisamos forçá-la a se tornar assim. Nunca poderemos compreender a natureza da mente através de um esforço intenso, mas apenas relaxando, assim como domar um cavalo selvagem exige que nos aproximemos dele com delicadeza e o tratemos com gentileza, em vez de correr atrás dele e tentar usar a força. Portanto, não tente capturar a natureza da mente, apenas deixe-a como ela está.
Descanse naturalmente, sem esforço, sem distração. Assim é dito: “Olhe para a mente, não há nada para ver. Não vendo nada, vemos o Dharma, a fonte de todos os Budas.
” Sem esforço, as qualidades inconcebíveis são naturalmente perfeitas. Na prática da Grande Perfeição (Dzogchen), primeiro reconhecemos a natureza primordial da mente, e depois nos tornamos cada vez mais experientes em reconhecê-la, alcançando eventualmente a estabilidade completa da realização. Entenda isso: é mais importante levar a sério instruções fundamentais do que receber muitos ensinamentos.
Se às vezes praticarmos com diligência e outras vezes simplesmente formos com calma, não seremos capazes de desenvolver confiança em nossa meditação sobre a visão. O que devemos fazer para desenvolver essa confiança? Devemos compreender que dia e noite, ao longo de toda a dimensão das nossas vidas, não há diferença entre a experiência de meditação e a experiência de pós-meditação.
A prática diária da Grande Perfeição é simplesmente a nossa própria vida diária. A prática diária da Grande Perfeição é simplesmente desenvolver uma aceitação total, livre de preocupações; uma abertura a todas as situações sem limites. Devemos nos relacionar com as pessoas sem artificialidade, manipulação ou qualquer estratégia.
Devemos experimentar tudo plenamente, nunca nos fechando como uma marmota se esconde em sua toca. Essa prática libera uma energia poderosa que geralmente é restringida pelo processo de manter pontos de referência fixos. Estabelecer pontos de referência é o processo pelo qual fugimos da experiência direta em nossa vida cotidiana.
Lembre-se: A abertura total da mente é o ponto essencial. Quando nos engajamos na prática de descoberta do espaço, devemos desenvolver a sensação de nos abrirmos totalmente para todo o universo, abrindo-nos com total simplicidade e nudez mental. Estar presente no momento, por exemplo, é algo que pode ser assustador no início, mas se acolhermos o sentimento de medo através de uma total abertura, destruiremos as barreiras criadas pelos nossos padrões emocionais.
Esta é a prática poderosa e simples de deixar cair a máscara protetora do eu. Em sua vida diária, sempre tente realizar até mesmo a menor ação benéfica, sem qualquer reserva ou hesitação, e evite até mesmo as ações negativas mais insignificantes. Agora, se você apenas fala sobre a visão da vacuidade, mas ao mesmo tempo se comporta de maneira imprudente, é dito que a sua conduta se perdeu.
Se você acredita que, uma vez que tudo é vazio por natureza, não há problema em fazer o que você quiser e que não faz diferença se as suas ações são virtuosas ou não-virtuosas, então a sua conduta se perdeu. Todos os grandes professores dizem exatamente o oposto – que quanto mais você entende a visão do vazio, mais consciente e cuidadoso você fica em relação à lei de causa e efeito. A sua visão pode e deve ser tão elevada quanto possível – não há perigo nisso, uma vez que a iluminação é a realização total da visão absoluta.
Mas, ao mesmo tempo, o seu comportamento deve ser tão fundamentado quanto possível na consciência de causa e efeito. Se você perder esta atitude básica em relação às ações, se você esquecer todo o bom senso e usar a elevação da visão como uma desculpa para colocar em ação tudo o que vier à sua mente, você estará se envolvendo em atividades mundanas contrárias ao Dharma, assim como as atividades mundanas das pessoas comuns. Viva em harmonia com o Dharma.
Faça disso o coração de sua vida. Os ensinamentos do Dharma têm um grande poder, mas a menos que você os pratique adequadamente, esse poder permanecerá meramente como um potencial que nunca é expresso. Se alguém tiver uma ferramenta e não a utilizar, pouco será realizado.
Uma ferramenta não utilizada não é particularmente benéfica por si só. Mas se você realmente colocar os ensinamentos em prática, à medida que o Dharma nasce e cresce em seu fluxo mental, todas as suas falhas diminuirão naturalmente e todas as suas qualidades positivas florescerão espontaneamente, assim como o sol, ao nascer pela manhã, gradualmente espalha sua luz crescente por todo o mundo. Mergulhe no significado dos ensinamentos, dia após dia, mês após mês, e as qualidades espirituais de um bodhisattva se desenvolverão sem dificuldade.
Agora, pratique o Dharma. Quanto mais você praticar, maior será a sua satisfação.