O Fantástico está de volta e chega a Roraima numa viagem que mobiliza o futuro de toda uma etnia. [Música] O que aconteceu em mais de 2 anos desde a declaração da emergência humanitária? As respostas que buscamos estão sob a densa floresta.
Em janeiro de 2023, nos deparamos com uma invasão de garimpos dentro das aldeias. Crianças e idosos tão desnutridos que poderiam morrer se não fossem resgatados. Um pequeno paciente que havia sido resgatado na tarde anterior vai ser removido pela UTI aérea.
A gente fez todo o suporte que tínhamos, né? Transporte [Aplausos] [Música] respiratório. Reencontramos a enfermeira Clara Opochina na aldeia de Minaú.
Há um mês, ela veio abrir um posto provisório erguido pelos indígenas. [Aplausos] Ó a régua para medir as crianças. Aqui a gente fez as prateleiras.
Aí tem tudo antibiótico, tudo lá da cozinha aqui. É o nono posto que ela bota para funcionar em dois anos. Era uma cena de guerra, um desgaste pra gente muito grande.
Eh, muitas pessoas debilitadas, muitas pessoas desnutrida, pessoas convulsionando. A gente tinha pouco tempo para comer, para se alimentar, para dormir. Crianças e idosos gravemente desnutridos, doenças como malária, Covid e gripe sem controle.
Houve momentos que eu saí assim do barraco para chorar, eu agachava assim no chão e ficava ali chorando sozinha. E esse momento que que eu me lembro que eu olhei pro céu um dia e vi aquele céu estrelado, vi aquelas estrelas e eu senti uma força muito grande, um amor muito grande. Eu entrei para dentro e eu olhei aquelas pessoas, falei: "Que bom que a gente tá aqui, que bom".
Sabe? E a partir de quando que você sentiu, Clara, que começou a ficar mais tranquilo? até meio do ano passado ainda tava muito pesado.
Eh, mas é agora é a primeiro lugar que a gente faz uma estrutura emergencial em que aqui tá, olha, temos dois internados aqui, duas pessoas. [Aplausos] O posto tem energia solar e internet. Assim, eles sabiam da nossa chegada.
[Música] Há muitos anos não havia motivo de festa por aqui. [Aplausos] [Música] Os chamã são sobreviventes do massacre de 1993 que levou a única condenação por genocídio na história do Brasil. Mataram crianças, idosos, mulheres.
Eu vi, eu fugi e eu vi aqui há pouco tempo crianças envenenadas de água. Então, não quero ver uma terceira onda de morte de Anomame. Hoje a terra, a água, o ar estão se limpando, por isso eu tô feliz.
Por favor, protejam a gente. O outro chamã alerta: o equilíbrio entre o céu e a terra foi abalado com a destruição da floresta. Se voltarem os garimpeiros, a terra e o céu vão se assustar de novo.
O céu e a terra podem se inverter e vai cair muita água na terra. Em 2023, quando foi declarada a emergência, 30. 000 garimpeiros estavam na terra anomami.
Centenas de aviões e helicópteros faziam o suprimento do garimpo. A operação de combate aos invasores e distribuição de cestas básicas começou forte, mas um ano depois, quando voltamos, vimos que ainda havia garimpo e fome no território. O governo então mudou a estratégia.
O outro avião que tá se aproximando aqui da pista, das imagens satélite, né, da questão do garimpo, tudo passou a ter coordenação única. Em Boa Vista, todos os agentes envolvidos, Forças Armadas e Policiais, agências regulatórias e sete ministérios sob o mesmo teto na casa de governo. Desde então, R$ 369 milhões deais em motores, balsas, aeronaves, combustível e equipamentos das organizações criminosas foram destruídos.
O garimpo dentro do território caiu 96,5%. Qual é a dificuldade de zerar isso? A grande dificuldade hoje é que a o garimpo mudou o seu a sua metodologia, né?
Antes você tinha o garimpo trabalhando próximo dos rios, nascava. Hoje essa atividade se foi para dentro da floresta, né? Pros igarapés no interior da floresta.
o que muda a nossa dinâmica de trabalho. A força tarefa inutiliza pistas e busca os acampamentos escondidos sob as copas das árvores. A nossa parte de inteligência de imagens e também a inteligência de sinais e são muito importantes para descobrirmos a esses acampamentos do dos garimpeiros.
Mas muitas operações foram transferidas para o outro lado da fronteira. Ficam em regiões de fronteira, em locais ali escondidos, de modo a burlar a fiscalização. A partir da Venezuela.
A partir da [Música] Venezuela. Do lado brasileiro, os rios que dão acesso à terra indígena foram bloqueados. Esse correntão é uma solução simples, mas extremamente eficiente para sufocar a linha de suprimentos pro garimpo.
Um grupo de indígenas foi treinado para patrulhar a área e identificar vestígios da presença de garimpeiros. Quando encontram, chamam a Força Nacional. Há tr anos, quando tentaram eles mesmos apreender coisas do garimpo, a aldeia foi atacada.
Aí eles desceram para cá, eles tiraram a gente, teve o tiroteio aqui nessa comunidade. Na Polícia Federal, quase 350 inquéritos investigam os grupos que operam o garimpo e seus braços armados. A justiça autorizou o sequestro de mais de 2 bilhões de reais de financiadores do garimpo, mas só 24 milhões foram localizados e bloqueados.
Dentro do território, uma base do exército é em Caianaú. Foi aqui que no ano passado a gente encontrou o posto de saúde incendiado e os indígenas pedindo socorro para remover pacientes da aldeia. [Música] Os doentes agora são atendidos nessa estrutura provisória.
Seguimos para Aldeia do Tirei, onde havíamos encontrado uma situação devastadora. As bombas do garimpo estão ali a poucos metros e os garimpeiros também. E há muita gente precisando de ajuda.
O garimpo tá praticamente dentro da aldeia. Toda essa água foi contaminada. não dá mais para beber.
Agora o que a gente vê e são algumas das cicatrizes deixadas pelo garimpo e a vegetação começando a crescer de novo. Restos de equipamentos destruídos pelo Ibama, lixo deixado pelos garimpeiros e centenas de buracos com água parada, criadouros de mosquitos. O número de casos de malária, que já era alto, no ano passado subiu 10%.
Tem mais de um caso para cada indígena. Segundo o Ministério da Saúde, isso é reflexo do aumento de testes. As mortes por malária caíram 42% ano passado.
Mas não é só isso. Essas poças estão contaminadas com mercúrio, combustível, metais pesados. são o risco permanente à saúde do Zenomame.
Onde a água corre já está limpa, as roças foram refeitas e as vidas também. Há dois anos foi o Júnior Recurara que nos trouxe aqui. Da outra vez que a gente teve aqui, você chorou muito, né, Júnior?
Isso. Eu chorei bastante e agora a gente ver, né, eh, outro olhares, crianças saudável, né, brincando, olhando, rindo, eu fico muito feliz. As crianças resgatadas eram levadas pro posto de Surucucu.
Feito para atender até 30 pacientes leves, parece um campo de refugiados. Entre adultos e crianças, mais de 100 pessoas estão aqui. E tem mais chegando o tempo [Música] todo.
Agora encontramos 13 pacientes internados. No primeiro mês que eu entrei em área, a gente tinha uma média de 100 a 130 pacientes ainda internados. Então foi uma melhora, eu diria que uns 90% a gente conseguiu reduzir em um [Música] ano.
Um novo hospital deve ser inaugurado nos próximos meses. Está sendo feito em conjunto por uma ONG alemã e a central Única das favelas, a CUFA, que arrecadou doações de empresas e da sociedade civil. A intenção é que esse equipamento aqui ele atenda uma população de cerca de 10.
000 indígenas e Anomami. O Fantástico teve acesso em primeira mão ao relatório do Ministério da Saúde que contabilizou 337 mortes de indígenas no território Yanumami no ano passado. Esse número é 21% menor do que em 23, mas ainda muito parecido com o de 22 antes do início da força tarefa.
Segundo o relatório, isso acontece porque só agora as equipes de saúde estão tendo acesso a lugares que estavam ocupados pelo garimpo e, portanto, estão registrando mortes ocorridas no passado. [Música] A Regiane é nutricionista e estava aqui no meio da crise. A gente tava apagando fogo, tava fazendo emergência.
Agora não, estamos fazendo a saúde de fato, promoção à saúde com os povos de Anomam, né? Hoje são três crianças internadas, às vezes pegam a malária, a malária dá muito, tá de arreivo, né? Então eles perdem peso.
O acompanhamento nutricional já chegou a quase 80% das crianças no território, mas metade ainda não atingiu o peso adequado. A desnutrição grave, ela leva um tempo, geralmente 2 a 3 anos. 35 crianças morreram ano passado por desnutrição.
Do pelotão do exército de Surucu partem aeronaves que fazem tanto o combate ao garimpo quanto a assistência nas aldeias e a distribuição de cestas básicas. Foi acompanhando a entrega de cestas que em 23 fomos à aldeia de Reueteu. Parecia vazia.
Aos poucos as crianças se aproximaram. Duas irmãzinhas muito frágeis e desnutridas. Os rostos pintados com cinza indicavam o luto na aldeia.
Morreu de quê? Por que que ele morreu? De novo.
O resgate é inevitável. Tem que levar. não vai morrer.
Como não se comover com o gesto de proteção de uma irmãzinha? Com tantas crianças para levar ao posto, coube a mim carregar a [Música] menorzinha. Hoje uma nova maloca foi feita onde havia restos de outra queimada.
Aqui não tem internet nem rádio. Chegamos de surpresa na maloca. Reconheço o rapaz que havia falado sobre as mortes e a mulher que trouxe as crianças para o helicóptero.
É a tia das irmãzinhas. Elas que você que tu pegou. É verdade.
Ei, olha aqui como elas estão gordinhas. Meu Deus do céu. Foi elas.
Oi. Foi ela que eu carreguei. Foi.
Olha só como você tá forte. Vem cá, pegar aqui. Ai, que linda.
Como você tá grande. Meu Deus do céu. Deixa eu ver se você tá pesada.
Vem, vem cá. Deixa ver se você tá pesada. Opa, agora tá difícil de pegar no colo.
Olha só o tamanhão que ela tá. Que linda, meu Deus, que ela tá. que nossa que alívio de ver.
Olha brilho no olho, lindinho. Achei que ela ia me estranhar. Chegar uma estranha aqui na bonitinha.
Tá tão bonita. E você? Vem cá.
Deixa eu ver. A irmãzinha tá grandona. Olha só essa.
Então, ó. Ó. [Risadas] Gente, ela tava que era só pele e osso.
Como tá linda, [Música] gente. Que alegria, né, de ver essas crianças bem. Olha que tá gordinha, tá pesada.
Não vou poder ficar segurando muito tempo. Era assim que elas estavam. As meninas ainda não tm nome.
A escolha entre os ianomamis é feita só quando as crianças ficam maiores. A diferença em do anos é [Música] imensa. As nove crianças resgatadas aqui naquele dia estão bem.
Pergunto à tia que lembranças ficaram daquele episódio? medo. Ela disse que sentiu muito medo, mas depois ficou tranquila.
E agora os animais estão voltando. Por isso os pais das meninas não estão aqui. Saíram para caçar.
A conversa é carinhosamente [Música] interrompida. A irmãzinha mais querida do mundo. Ela foi cuidando da irmãzinha no avião, né?
Eles querem mostrar as roças que fizeram depois que o garimpo saiu. A pequena guia me leva pela mão. Mas é difícil seguir esse passo rápido.
[Música] A produção já começou. Em pouco tempo. As cestas básicas não serão mais necessárias.
Plantação de macaeira, taiopa, banana. A segurança do Zanomami ainda é frágil. Se a vigilância não for mantida, o garimpo e a fome podem voltar.
Mas hoje um raiozinho de esperança caminha alegre pela floresta.