O universo é tão antigo, mas tão antigo, que é impossível a gente dimensionar todo o tempo que se passou desde que ele surgiu. Afinal, é literalmente todo o tempo do mundo, já que o próprio tempo se originou junto com o universo, no Big Bang. Ou seja, é impossível a gente sequer pensar em algo mais antigo do que o universo.
E isso faz parte de uma incapacidade natural do ser humano. Assim como uma calculadora pode não conseguir exibir um resultado gigantesco, que seja além da sua capacidade de processamento, nosso cérebro também sofre com algumas limitações ao processar números muito grandes. Um exemplo disso é quando a gente pensa nos significados de um milhão e um bilhão.
Ambos são números enormes, mas você já parou para refletir o quão distantes eles estão um do outro? Pense no seguinte, um período de um milhão de segundos equivale a 32 anos. E isso também vale para o dinheiro.
Quem é milionário está muito mais perto de que tenha a conta zerada do que de um bilionário. Olhar os números sobre essa perspectiva nos ajuda a ter uma dimensão melhor sobre as diferentes ordens de grandeza. E isso é especialmente útil quando a gente está falando de períodos gigantescos de tempo.
Esse é o chamado tempo profundo. Esse conceito foi desenvolvido ainda no século 18 pelo geólogo escocês James Hutton. Ele é considerado o pai da geologia moderna, já que ele foi o responsável por observar que os ciclos de destruição e renovação da superfície terrestre são processos extremamente lentos, que só acontecem ao longo de bilhões de anos.
Hutton resumiu a história da Terra com a seguinte expressão, sem vestígio de um começo, sem perspectiva de um fim. E olha que ele estava falando só sobre o nosso planeta, que surgiu há apenas 4 bilhões e meio de anos, segundo os estudos atuais. Já quando a gente pensa num universo como um todo, que tem cerca de 14 bilhões de anos, fica ainda mais complexo de se compreender toda essa passagem do tempo.
E isso acontece porque, além da nossa dificuldade de absorver números gigantescos, a nossa percepção sobre o próprio tempo também é muito falha. Você certamente já se confundiu a tentar lembrar quando alguma coisa aconteceu. Se foi há poucos dias ou algumas semanas, e geralmente há alguns anos atrás.
Quanto mais o tempo passa, mais a nossa percepção fica sujeita a erros. Quando você tenta lembrar de algo da sua infância, você provavelmente não se lembra em que ano exatamente aquilo aconteceu. E além disso, você também já teve aquela impressão de que o tempo antigamente passava mais devagar?
Quando a gente era criança, a sensação era de que a infância duraria para sempre. Os anos eram longos e parecia que a vida adulta nunca ia chegar. Caso você ainda seja criança, alerta de spoiler, ela vai chegar.
E você vai morrer de saudade da infância. Então, aproveite por mim. Mas por que a gente tem essa impressão na infância e aí quando a gente vira adulto os anos parecem passar cada vez mais rápido?
A explicação é meio que matemática. Pensa comigo. Quando você tem 10 anos de idade, um período de 1 ano é equivalente a 10% de tudo o que você já viveu.
Ou seja, esperar até o seu próximo aniversário, por exemplo, significa viver novamente 10% de tudo o que você conhece como vida, desde o início da sua existência aqui na Terra. Isso sem levar em conta que os primeiros anos você não lembra praticamente nada. Já quando você tem, sei lá, 50 anos de idade, o período de 1 ano é equivalente a apenas 2% de tudo o que você já viveu.
Isso quer dizer que, até completar 51 anos, você vai viver novamente só 2% de todo o período que se passou desde que você nasceu. Ou seja, o ano vai parecer muito mais curto. Imagine então para quem chega até os 100 anos de idade.
Nesse caso, cada ano representa só 1% de toda a história daquela pessoa. Ela nasceu antes da primeira Copa do Mundo, antes do governo de Getúlio Vargas, antes da Segunda Guerra Mundial. Para quem viu tudo isso acontecer, um ano parece passar super depressa.
Isso ajuda a gente a entender por que a nossa visão sobre o tempo é disforcida. Ela é extremamente subjetiva. Nós próprios somos seres efêmeros, sujeitos à passagem do tempo.
Então, nós não temos o distanciamento necessário para compreender o fluxo do tempo de maneira objetiva e imparcial. E por isso, a melhor maneira de resolver esse problema é buscando justamente esse distanciamento, colocando o tempo em uma perspectiva diferente daquela que a gente está vivendo. E essa ideia pode ser usada, inclusive, para a gente entender melhor o tal de tempo profundo.
Ou seja, se ao invés de pensarmos nos 14 bilhões de anos em si, nós transportarmos esse período para uma janela diferente e bem menor, fica muito mais fácil de a gente visualizar a história do universo. E foi pensando nisso que o cientista americano Carl Sagan desenvolveu um raciocínio simples, mas perfeito para a gente observar melhor como as coisas aconteceram desde o Big Bang. E eu estou falando do calendário cósmico.
Só antes eu queria dizer que essas camisetas fazem parte da nova coleção da Loos, e que você tem 15% de desconto. É só clicar no link da descrição e ler as regras. E agora sim, vamos falar sobre o calendário cósmico.
A ideia aqui é pegar toda a história do universo e condensá-la no período de um ano. Ou seja, é a gente imaginar que o Big Bang aconteceu exatamente à meia-noite do dia 1º de janeiro e que o tempo presente em que você está vendo esse vídeo é o momento exato da virada do ano entre o dia 31 de dezembro e o 1º de janeiro do ano seguinte. Isso significa que dentro dessa escala, os 14 bilhões de anos viram apenas 365 dias.
Ou seja, cada segundo nesse calendário equivale a quase 500 anos da história do universo. Com o tempo comprimido dessa forma, essa minha frase começou quando o ser humano ainda não tinha nem começado a construir as pirâmides do Egito. E ele está terminando na era da inteligência artificial.
É incrível como o tempo voa. Observando desse jeito, a gente consegue entender melhor a distância que separa determinados eventos cósmicos e geológicos. Isso também nos permite compreender qual é a relevância do ser humano em relação ao universo.
Mais um alerta de spoiler? Nenhuma. Você não é especial.
Sem mais demoras, vamos começar a folhear as páginas desse calendário cósmico. Dia 1º de janeiro, meia-noite em ponto. Os fogos começam a estourar no momento exato em que aconteceu o início de tudo, o Big Bang.
Doze minutos depois, os fogos ainda estão estourando. E já começam a surgir os primeiros átomos. Mas tudo ainda é muito escuro, por isso essa é conhecida como a Idade das Trevas, que durou cerca de 490 milhões de anos.
E aqui a gente já tem um primeiro choque de realidade. É sério, olha isso. Até onde nós sabemos, o período de escuridão total durou quase 500 milhões de anos.
É muito tempo. Dentro da nossa escala, seria o equivalente a 12 dias, quando então surgiram as primeiras nebulosas, que são regiões do espaço com hidrogênio, hélio e outras moléculas. As nebulosas são consideradas berçários de estrelas, ou seja, foi aí que elas passaram a brilhar em meio à escuridão.
Só no final de janeiro que as primeiras galáxias começaram a se formar, e então vem um longo período de tédio sideral. O mês inteiro de fevereiro passa sem nenhum acontecimento relevante no universo. Nem um bloquinho de carnaval pra dar aquela agitada.
Nada! E assim fica a situação ao longo de março, abril, até que em 1º de maio, finalmente surge a nossa galáxia, a Via Láctea. Mas é só no dia 9 de setembro que, dentro dela, nasce o Sistema Solar.
E alguns dias depois, enfim, é construída a nossa casa. Em 14 de setembro surge o planeta Terra. Só que nos próximos 10 dias do nosso calendário, a Terra é um ambiente completamente inóspito.
A vida só surge por aqui aproximadamente no dia 25 de setembro. E em outubro aparecem os fósseis mais antigos de que a gente tem conhecimento hoje em dia. Bactérias e algas.
Já em novembro é a vez dos primeiros fósseis de plantas capazes de fazer fotossíntese. E é ainda quando surgem os primeiros seres eucariontes, que têm uma célula com núcleo, e também as primeiras rochas que a gente conhece. E só então a gente chega em dezembro.
Ou seja, já se passaram 11 dos 12 meses do calendário cósmico e a gente ainda está falando basicamente de pedras e seres extremamente primitivos. No dia 1º de dezembro começa a surgir a atmosfera terrestre. E só agora, no último mês do ano, é que a vida começa a evoluir em ritmo mais acelerado no nosso planeta.
No dia 16 de dezembro surgem os primeiros vermes. No dia 17 começa o período cambriano, que é marcado pela explosão da vida na Terra. Primeiro com os invertebrados, e no dia seguinte com os trilobitas, os primeiros artrópodes marinhos.
E mais um dia depois com os peixes e os primeiros vertebrados. Em 20 de dezembro aparecem as plantas vascularizadas, que começam a colonizar todo o planeta. E no dia 21, um ponto de transformação na escala evolutiva.
Os primeiros animais começam a viver em terra firme. Ou seja, foi faltando somente 10 dias pra acabar o calendário cósmico que a vida deixou a água. Ao longo dos dias seguintes, muitos animais foram surgindo.
Até que na véspera de Natal, adivinha qual foi o presente que a Terra ganhou, isso mesmo, dinossauros. Só na última semana do ano eles começaram a reinar no nosso planeta. Um período que durou mais de 150 milhões de anos, o que equivale a pouco mais de 3 dias no nosso calendário cósmico.
O meteoro que levou à extinção dos dinossauros caiu lá pelo dia 28 de dezembro. E então, na reta final do ano, milhões de outras espécies continuaram a surgir e a evolução do lobo frontal no cérebro dos primatas finalmente permitiu o aparecimento dos primeiros hominídeos no dia 31 de dezembro. E é nesse ponto que a gente precisa deixar de lado o nosso calendário cósmico e passar a olhar, na falta de outra expressão, para o relógio cósmico.
Porque justamente nas horas finais do ano em que acontece toda a história da humanidade, às dez e meia da noite, surge ele, ou eu. Enfim, surge o ser humano. Às 11 horas, a nossa espécie começa a usar instrumentos feitos de pedra.
Às 11h46, vem o domínio do fogo. E às 11h59, surgem as primeiras pinturas upestres. Ou seja, falta um minuto para o ano acabar no calendário cósmico.
E a gente ainda está na Idade das Cavernas. Começa, então, a contagem regressiva. Faltando 40 segundos para o fim do ano, o ser humano desenvolve a agricultura.
Faltando 25 segundos, surgem as primeiras cidades. 10 segundos. Aparecem as grandes civilizações, como as do Egito e da Mesopotâmia.
9. Surge o alfabeto. 8.
O código de Hamurabi, as primeiras leis que a gente tem conhecimento. 7. A metalurgia com o bronze.
6. A metalurgia com o ferro. 5.
O nascimento do primeiro Buda. 4. O nascimento de Cristo.
3. O fim do Império Romano. 2.
O início das cruzadas. 1. A chegada dos europeus na América.
Então, calma que agora a gente precisa trabalhar com os décimos de segundos. Às 11 horas 59 minutos 59 segundos e um décimo surge o calendário gregoriano. Dois décimos, William Shakespeare escreve Romeu e Julieta.
Três décimos, Isaac Newton descreve a gravidade. Quatro décimos, surge o movimento iluminista. Cinco décimos, a revolução industrial.
Seis décimos, Napoleão Bonaparte se torna imperador. Sete décimos, o Brasil vira uma república e acaba com a escravidão. Oito décimos, a Primeira Guerra Mundial.
Até que às onze horas, cinquenta e nove minutos, cinquenta e nove segundos e nove décimos, o ser humano pousa na Lua. E então. .
. Calma de novo porque agora a gente vai para os centésimos finais do ano no calendário cósmico. Enquanto você está praticamente estourando a garrafa de champanhe e faltando apenas nove centésimos para o ano novo, Michael Jackson revoluciona o mundo da música.
Oito centésimos termina a ditadura militar no Brasil. Sete cai o muro de Berlin. Seis nasce por clonagem a ovelha Dolly.
Cinco o atentado contra o World Trade Center. 4 surgem as primeiras grandes redes sociais, como o Orkut e o Facebook. 3, o WhatsApp é inventado.
2, o Ciência Todo Dia é inventado. E então chegamos no último centésimo do calendário cósmico. O instante em que você está aí, no celular, na TV ou no seu computador, assistindo esse vídeo.
Esse é o ponto final. Ou melhor, é a reticência do universo. momento em que toda a evolução da nossa galáxia, do nosso planeta e da nossa espécie enfim culmina no presente, chegando à página atual da história de tudo.
E que história! Como eu falei no começo desse vídeo, esse exercício ajuda a gente a colocar em perspectiva os principais acontecimentos geológicos e cósmicos do universo. A opção de usar um calendário foi feita por Carl Sagan, mas nada impede que a gente crie as nossas próprias formas de repensar todo esse período de tempo.
A gente pode usar, sei lá, uma gestação. Considerando que o Big Bang tenha acontecido no momento exato da fecundação, o ser humano só vai ter surgido enquanto o bebê estiver nascendo praticamente. Já se compararmos com uma partida de futebol, ele só surgiria nos acréscimos do segundo tempo.
E usando como base a duração desse próprio vídeo, nesse ponto em que eu estou falando essa frase, a nossa espécie não estaria longe de aparecer. Ou seja, a mensagem aqui, como eu também adiantei um pouco mais cedo nesse vídeo, é que o ser humano é totalmente irrelevante em relação ao universo. A gente acabou de surgir, tudo já existia muito antes de a gente chegar e provavelmente vai continuar existindo muito depois que a gente for embora.
Mas eu não quero criar uma crise existencial na sua cabeça, pelo contrário. Pense o quão fascinante é poder olhar pra trás e ver tudo que nos trouxe até esse momento. Foram bilhões de anos de transformações e evoluções que criaram uma combinação única e perfeita que deu origem ao nosso universo, e também à nossa galáxia, e também ao nosso planeta.
Mesmo contra todas as probabilidades, a vida surgiu exatamente do jeito que ela precisaria ser para que a gente estivesse aqui do jeito que a gente está. E isso permite que a gente testemunhe a sorte que é simplesmente existir. Por isso, enquanto você estivesse sentindo mal, pense que dentro de toda essa escala geológica, os nossos pequenos problemas do dia a dia não significam absolutamente nada, mas que o privilégio de nós estarmos vivos nesse momento significa tudo.
Então vamos celebrar que nós chegamos até aqui e descobrir juntos o que nos espera nas próximas páginas do calendário cósmico. Ou em outras palavras, feliz ano novo. Muito obrigado e até a próxima!