Estamos no capítulo 4 do Eclesiástico e o autor faz um louvor à sabedoria. Ele diz: "A sabedoria comunica a vida a seus filhos e acolhe os que a procuram". A primeira coisa que chama muito a atenção é o fato de que o autor trata a sabedoria com prerrogativas divinas.
Mais adiante, isso ficará ainda mais claro. Também ele trata a sabedoria como um dom, ou seja, ela nos é dada por Deus, mas não um dom qualquer. Ele diz: "A sabedoria comunica a vida.
" No grego, é a palavra "zoen". A sabedoria comunica a vida a seus filhos e acolhe os que a procuram, ou seja, para Jesus Benac, a sabedoria não é difícil de ser alcançada, desde que nós a procuremos. Ele diz: "Os que a amam amam a vida; os que a procuram desde manhã cedo serão repletos de alegria pelo Senhor".
Buscar a sabedoria desde manhã cedo. Os autores espirituais, especialmente os cristãos, sempre recomendam que comecemos o nosso dia com um tempo prolongado de meditação das Escrituras, quando o coração ainda está tranquilo, quando não está agitado pelas demandas do mundo, quando ainda não está provocando pelas próprias ansiedades. É aí que o homem, em primeiro lugar, precisa buscar ouvir a Deus: "Buscai primeiro o reino de Deus, e tudo mais vos será acrescentado", nos diz Jesus.
Buscar a sabedoria, buscar a Deus, buscar ouvir a Deus já desde as primeiras horas da manhã. Quem a ela se apega herdará a glória; para onde for, Deus o abençoará. O autor dá aqui uma promessa de vida eterna: quem a ela se apega herdará a glória, exatamente como Santo Afonso Maria de Ligório diz: "Quem reza se salva; quem não reza se condena.
" E como ele também ensina: "Aquele que medita para de pecar". De duas uma: ou para de meditar ou para de pecar, porque a meditação e o pecado não podem conviver. Quem se apega à sabedoria, quem coloca sua alma na meditação, esse será salvo.
É por isso que a Santíssima Virgem disse que aqueles que rezarem o terço diariamente irão para o céu, pelas mesmas razões que Santa Teresa diz que quem faz 15 minutos de meditação por dia vai para o céu. É a mesma coisa. Ou seja, quem mergulha na oração, quem escuta a Deus, quem dá primazia a Ele, aquele que busca a sabedoria, que é dom Dele, esse vai para o céu.
Mas ele diz: "Para onde for, Deus o abençoará. " É claro, se ele procura escutar a Deus para ser conduzido por Ele. Como é que Deus não o abençoará, se ele procura agir não guiado pelos seus próprios sentimentos, não movido pelas suas próprias forças, mas instruído pelo Espírito do Senhor?
Como ele não será abençoado? Diz: "Os que o adoram", o texto grego fala "os latreuentes", "os que adoram". Culto, liturgia ao Santo, pois Deus ama os que a amam.
Ou seja, adorar a sabedoria é adorar Deus. No cristianismo, nós sabemos que a sabedoria é uma pessoa: é Jesus Cristo. Ele é a sabedoria eterna que se encarnou.
Portanto, os que têm a Cristo como Mestre, os que o adoram, escutando-o, deixando-se instruir por Ele, prestam culto. Esta é a verdadeira liturgia: é adorar Cristo, deixando-se instruir por Ele. Este homem é amado por Deus, mas amado no sentido mais particular da palavra amor.
Ou seja, estes são aqueles de quem Deus gosta. Deus ama todos, mas ele gosta mesmo de alguns, que são os amigos d'Ele. Deus ama todos, mas de Abraão Ele diz: "Ele é meu amigo.
" Ou seja, aquele que busca escutar a Deus, aquele que tem um coração atento ao Senhor, esse é de quem Deus gosta. Davi foi um homem que pecou muito, mas ele tinha reverência, temor pelo Senhor. Então, tudo que ele fazia, ele consultava.
Ele perguntava, ele ouvia os profetas, ele escutava Samuel e ele fazia de tudo para não fazer algo que estivesse fora da vontade de Deus. E por isso Deus diz de Davi, apesar de todos os seus pecados: "Ele é um homem segundo o meu coração", porque aquele que escuta o Senhor, esse de fato o ama. Quem escuta julgará as nações, no sentido de que quem escuta Deus, quem tem a sabedoria, analisa todas as coisas.
São Paulo diz, na primeira carta aos Coríntios, no final do capítulo dois: "O homem espiritual julga tudo e não é julgado por ninguém," no sentido de que a luz da sabedoria divina o ajuda a contemplar todas as coisas de uma perspectiva mais alta. Quem se dedicar à sabedoria viverá em segurança, no sentido de que saberá muito bem cada passo que está dando. Se alguém confiar nela, vai receber em herança e na sua posse continuarão seus descendentes.
Sim, porque a ciência é importante, mas sem a sabedoria, ela é apenas um conjunto de informações. Nós vivemos num mundo em que há homens cheios de ciência, mas vazios de sabedoria. A ciência ilustra a sabedoria; arrasta, porque ela convence o entendimento.
E é por isso que aqueles que amam a sabedoria, esses serão seguidos pelos seus descendentes. Aqui, no versículo 18, há uma afirmação muito interessante: ele diz no começo: "A sabedoria o acompanha por caminhos contrários. " Talvez a melhor tradução do texto grego seria "por caminhos tortuosos".
E isso é muito admirável, pois talvez nós compreendêssemos de uma maneira mais clara se Eclesiástico tivesse dito assim que a sabedoria o acompanha por caminhos retos. Mas por que a sabedoria acompanha o homem por caminhos tortuosos? O que o autor está nos dizendo aqui?
O que o autor está nos dizendo é que a sabedoria nos ensina a viver; a vida não é geométrica. Nós não somos figuras geométricas que precisam se encaixar umas nas outras. Se nós pegamos uma árvore, por exemplo, ela é toda torta.
Se nós pegamos uma floresta. . .
Meu Deus, se nós pegamos. . .
Qualquer coisa da vida, ela não é retilínea. Ou seja, a sabedoria nos conduz a nós nos ajustarmos à realidade da vida. Nós, seres humanos, não devemos nos tornar pessoas rígidas, pessoas que têm um idealismo exacerbado ou que são profundamente teimosas.
Não! A sabedoria nos confere maleabilidade, jogo de cintura, capacidade de adaptação, flexibilidade. Nós nos tornamos dóceis.
É por isso que os caminhos tortuosos são os caminhos pelos quais somos levados à sabedoria. Deus nos leva por aí. Somos nós que colocamos na nossa cabeça, por exemplo, que a nossa casa deveria ser geometricamente perfeita.
Aí você vai para as escrituras e vê a história dos homens de Deus; aí você vê que na casa deles houve incesto, teve adultério, teve triângulo amoroso, teve todos os problemas que nós temos. A vida não é reta, a vida é tortuosa, mas a sabedoria nos acompanha por caminhos tortuosos, trazendo temor e tremor, trazendo temor e tremor. Ou seja, nos fazendo ter aquela atitude reverente de respeito, de quem não se precipita, de quem não acha que entendeu, de quem tem uma autodesconfiança tão grande que diz: "Olha, será que é assim mesmo?
Eu vou com cuidado para não causar um problema maior do que aquele que estou tentando resolver. " A sabedoria começa a prová-lo com a sua disciplina até que ele a tenha em seus pensamentos e nela deponha a sua confiança. Ou seja, a sabedoria não entra em nós de uma maneira direta; é um processo.
É por isso que nós precisamos perseverar na oração, porque as coisas demoram. Nós demoramos para nos converter. A oração vai nos transformando muito vagarosamente.
No começo, o homem está cheio de inclinações ruins e, aos poucos, Deus vai tirando aquelas inclinações e colocando novas inclinações que são inclinações virtuosas. E aí a sabedoria entra nele, entra em seus pensamentos, mas demora. Quando você começa na vida espiritual e uma pessoa pisa no seu calo, você tem vontade de se vingar, mas, na medida em que você medita nas escrituras, o seu pensamento vai alterando.
E aí você entende que é muito mais sábio não fazer nada, deixar pra lá. Ou seja, a sabedoria começa a prová-lo com sua disciplina até que ele atinja seus pensamentos e nela deposite a sua confiança. O que tem de cristão que não mudou os seus pensamentos não está escrito.
Ou seja, são pessoas que mudaram plasticamente, externamente, mas não nos seus pensamentos. Não tiveram metanoia, ou seja, transformação do modo de pensar. Então, continuam tão vingativos quanto antes, só que agora eles colocam Deus na jogada.
Então, rezam contra e fazem tudo quanto é avaliação errada, que diz que o outro é o diabo, enquanto ele é de Deus. São ingratos, então recebem benefícios e desprezam depois os seus benfeitores. São mesquinhos, covardes, hipócritas; têm uma vida escondida e querem parecer o que não são.
Meu Deus! Mas aquele que medita, a sabedoria vai mudando os seus pensamentos. Então, voltará a ele em linha reta, o confirmará e lhe dará alegria, lhe revelará os seus segredos e lhe dará o tesouro da ciência e da compreensão da justiça.
Ou seja, é na medida em que o homem persevera buscando a sabedoria de Deus pela meditação da Sua palavra que ele vai se tornando retilíneo. As coisas vão se tornando simples para ele. Deus mesmo começa a lhe revelar, a lhe trazer revelação.
Ou seja, você vai entrando na contemplação; Ele revela os seus segredos. Deus vai te chamando para a Sua intimidade. Como há pessoas que são atrevidas na vida espiritual, todos os mestres espirituais cristãos sempre nos ensinaram que nós temos que começar nos concentrando em Jesus Cristo, na palavra eterna encarnada, na sabedoria eterna que Ele é.
E apenas quando nós somos assimilados a Cristo, ou seja, nós somos desmanchados, a graça nos desfaz, ela nos purifica, é então que Deus nos leva para a Sua intimidade no divino. Ou seja, nós começamos a navegar no oceano da Santíssima Trindade pela nossa união com Cristo. Deus só revela os altos segredos da contemplação a quem passa por um longo caminho de disciplina e de reforma interior, sendo desconstruído e reconstruído a partir da Sua palavra.
Se, porém, se desviar, a sabedoria o abandonará e o entregará às mãos de seu inimigo. Isso é muito sério, porque de Judas a escritura diz: "Antes não tivesse nascido. " Por quê?
É melhor ser incrédulo do que abandonar a fé depois de conhecer a Deus. Aquele que abandona a fé, aquele que se desvia de Cristo. .
. O que está escrito aqui é muito sério. Se, porém, se desviar, a sabedoria o abandonará e a sabedoria o entregará nas mãos do diabo, porque ao invés de um homem se unir a Deus, ele se cegou para Deus.
É o caminho, por exemplo, do faraó. As pragas começaram, na quarta praga, os magos do Egito disseram: "Olha, aqui tem o dedo de Deus. " O faraó desprezou, e a escritura diz que Deus endureceu o coração do faraó.
E daí foi até o fim, até a sua morte, até o seu extermínio. Algumas pessoas ficam escandalizadas: "Como é que Deus pode endurecer o coração do faraó? " Não, não é que Deus endureceu o coração do faraó por maldade, mas é que o mesmo sol que derrete o gelo é o sol que endurece o barro.
Aquele que resiste a Deus vai se tornando mais ruim, e quando vê, já está no inferno. Tudo isso nos deve fazer entender a seriedade da sabedoria e o quanto nós precisamos, em nosso coração, pedir ao Senhor que infunda em nós um grande amor pela meditação das escrituras e pela oração, porque é aí que nós encontraremos a sabedoria infusa, aquela que nos desviará do mal e nos aproximará mais e mais do Espírito de Deus.