Irmãos e irmãs, ontem a liturgia nos remeteu ao tema da oração. Hoje e amanhã, Jesus nos leva ao tema da caridade. Aqui, nessa primeira parte do Sermão da Montanha, falamos de uma caridade mais baseada no seu aspecto, diria, negativo, porque Jesus comenta o mandamento de não matar.
Todos nós temos a ideia de que matar é uma coisa terrível. É impressionante como nós, às vezes, até nos orgulhamos disso. As pessoas dizem: "Eu nunca matei, eu nunca roubei", como se fosse um direito, como se fosse algo digno de ser feito.
Não suprimir a vida de alguém é o que há de pior. Porém, por detrás do mandamento de não matar, existe uma raiz que é o que leva ao desejo e à ação homicida, e essa raiz é a ira. Jesus diz: "Todo aquele que se ira contra o seu irmão será réu em juízo.
" Ou seja, Ele começa o comentário aos mandamentos dizendo que a nossa justiça tem que ceder à justiça dos fariseus e mestres da Lei; deve exceder, não do ponto de vista exterior, mas do ponto de vista da interioridade. Ou seja, tem que ser um mergulho que nos leva até os princípios últimos e práticos da lei de Deus. Ou seja, quando eu me enraivo, quando eu me encolerizo, estou começando a matar o meu irmão, porque o que é a raiva?
A raiva é um desejo de supressão. Eu não quero aquela pessoa ali; eu quero, por causa da minha aversão, retirá-la da minha vista. Eu me enfureço contra ela e me levanto com a atitude decidida de que, se a minha paixão, se o meu sentimento pudesse chegar à sua conclusão, eu a suprimira diante de mim.
Isso é raiva. Quando você está no trânsito e o motorista te corta, e você fica com raiva, o que você está dizendo emocionalmente? "Por que esse cara não sai daí?
" É isso. Ora, nós muitas vezes nos limitamos a tratar os nossos atos de agressividade desde a perspectiva exterior. Ao contrário, Jesus começa pelo coração.
Você precisa aprender a exprimir as raivas que existem dentro do seu coração, como quem espreme uma espinha, uma ferida purulenta cheia de pus. Eu tenho que ser purgado de todo o sentimento de raiva. Há muitas pessoas que são nervosinhas, que ficam a vida inteira revoltadinhas, batendo pé, fazendo cara feia.
Ora, nós precisamos espremer essa raiva para fora; ela tem que sair de nós. Jesus vai mais longe: "Quem disser ao seu irmão: 'Pati', será condenado pelo tribunal. " Ele estabelece três níveis: primeiro, será condenado em juízo; depois será condenado no tribunal e, por último, irá para o inferno.
Mas Ele está dizendo que quem passar da raiva para a verbalização da raiva, que se dá através do xingamento, através de palavras de ódio, através de palavrões, de raiva, de atitudes, quem passar do sentimento para isso será condenado pelo tribunal. Quantas vezes nós usamos a nossa boca para murmurar, para reclamar, para proferir? Não precisa ser através de uma briga; nós podemos fazer isso também, por exemplo, através da fofoca, da maledicência, dos comentários falsos.
Quando as pessoas dão as costas, utilizamos a nossa língua ferina para, de alguma maneira, atingir, ainda que não diretamente, mas através do nosso comentário, através das nossas palavras. Por fim, quem chamar o irmão de "Tolo" será condenado ao fogo do inferno. Essa palavra é a palavra "raca" no aramaico.
É uma espécie de palavrão que significa "nada", como se você chamasse alguém de "seu nada". Você esvaziaria aquela pessoa de sentido. É como se você estivesse matando.
A gente faz isso quando coloca os outros no ostracismo, quando bota os outros na geladeira, quando ignora as pessoas, quando a gente vira o rosto, quando a gente deixa de falar com alguém e exclui aquela pessoa do nosso convívio. Isso é chamar de "raca". Queridos irmãos, Jesus diz que quem fizer isso vai para o inferno.
Nós temos que nos examinar: quais são os sentimentos de raiva que nós temos? Quem são aquelas pessoas que nós detestamos? Aquelas que nós dizemos: "Eu não quero nem olhar pra cara dela.
Eu já decidi, eu sei que ela é uma pessoa manipuladora, má, não quero conviver; ela não presta, não gosto dela. " Nós temos que identificar aquelas pessoas contra quem usamos a arma da nossa língua. Então nós ficamos ali, nos dedicando a murmurar, a comentar os defeitos.
E o que acontece é que este esporte de, o tempo todo, falar dos defeitos alheios muitas vezes é um mau hábito desgraçado que as pessoas aprendem até de família, como ficar metendo apelido nos outros, ficar chamando os outros disso ou daquilo. Uma hora vamos ser flagrados; alguém vai nos identificar. Quem são as pessoas de que nós falamos mal?
Quaresma, vamos disciplinar essa língua venenosa, jogar esse veneno para fora, ao invés de ficarmos criticando. Isso não é penitência, não é importante isso, né? Tem gente que fala assim: "A minha penitência de quaresma é não fofocar.
" Como assim? A gente oferece penitência daquilo que é lícito fazer, e a gente não faz porque é penitência. Então, é lícito almoçar?
Não, eu não vou almoçar por penitência. É lícito dormir 8 horas? Vou dormir 6 horas por penitência.
É lícito dormir até às 8 da manhã, mas vou acordar às 4 por penitência. Falar mal dos outros é pecado; isso não é penitência. Portanto, nós temos que tirar o veneno de dentro de nós.
Precisamos purgar a nossa alma de todo o ódio, de toda a raiva. Pois, veja, Jesus diz no evangelho que se alguém chega diante do altar para fazer a sua oferenda e alguém tiver algo contra ele, tem a obrigação de se reconciliar. Não adianta nada você jejuar se o seu coração estiver cheio de raiva.
Se você quiser a vida inteira ficar dando troco nos outros, querer comprar briga, querer, de alguma maneira, ainda que não diretamente, não adianta nada. Não adianta nada você levantar as suas mãos em oração; essas mesmas mãos que você usa para agredir os outros, que estão manchadas de sangue e de lágrimas. Não, essa língua que recebe a Eucaristia não pode ser uma língua manchada pela maledicência, uma língua manchada pela fofoca, pelo xingamento.
Aí você me diz: como é que eu faço para gostar daquela pessoa que é insuportável, aquela pessoa que me dá todos os motivos para eu ter raiva, que me detesta, que me persegue? A primeira coisa que eu tenho que entender, querido, é que se ele está fazendo isso é porque ele é uma fera ferida. Ele tem machucaduras muito profundas na sua alma; essa pessoa tem uma alma imortal.
Jesus morreu por ela; ele quer que essa pessoa se salve; ele quer que ela esteja ao seu lado no céu. Jesus te manda perdoar, porque se ele agride é porque ele tem medo, está tentando se defender da vida, mas ele sabe a vulnerabilidade que existe dentro dele, o quanto ele é frágil. Troque o pensamento de raiva pelo pensamento da fraqueza, da limitação, da ferida, do sofrimento, da incapacidade.
[Música] E aí você vai ter compaixão. Jesus diz que se ele tem algo contra você, você vai lá para se reconciliar com ele. Aí, você vai, inclusive tendo feito esse caminho mental, esse caminho psicológico.
Você vai conseguir ir lá e falar: olha, essa criatura é tão ferida que se eu não for lá para me reconciliar, essa guerra não acaba. Então, eu vou embora; quem tem algo contra mim é ele e não eu. Eu preciso espremer toda a raiva que está dentro de mim; tem que sair.
Nós temos muita raiva guardada, muita revolta pelo que não deu certo, pelo que não aconteceu, pela oportunidade que não nos deram, pelas vezes que nos sacanearam, pelos sonhos que nós perdemos, pelas dificuldades que nós enfrentamos na nossa história, na nossa família, pelas privações que tivemos de suportar, pelas doenças que chegaram na nossa vida, pelas traições pelas quais sofremos, por todo tipo de dívida que fizeram e que, de alguma maneira, nos prejudicaram, nos lesaram economicamente. Nós temos muita raiva guardada por baixo de uma máscara de bondade e de santidade; tem muita raiva aí, e ela precisa ser tirada daí de dentro. E só um pode fazê-lo: Cristo.
A boa notícia é que ele quer fazer isso, derramando o seu amor e fazendo-nos receber a vida plena que só ele pode dar; é uma vida espiritual. É aquilo que nós desfrutaremos na Páscoa. Para já, que nós façamos o exercício de desterrar do nosso coração todo e qualquer sentimento ruim, porque este é o princípio de vida, de ressurreição.
E se nós não o fizermos, a graça não pode viver em nossa alma.