Eu gosto de ciência, obviamente. E por isso eu vejo shots de ciência nas minhas redes sociais. E de vez em quando essas redes sociais me mostram algo que me assusta um pouco.
Máquinas de energia infinita. Você mesmo talvez já tenha visto alguma versão desses vídeos nas suas redes sociais. A versão inocente dessa ideia é aquele brinquedo que fica jogando uma bolinha em loops de novo, de novo e de novo.
A versão menos inocente são vídeos de motores em configurações estranhas, aparentemente desconectados de qualquer fonte de energia, produzindo eletricidade e alimentando lâmpadas e outros aparelhos domésticos. Os criadores desses vídeos indicam que eles estão produzindo energia basicamente de graça. Alguns canais inclusive fazem séries de vídeos mostrando o segredo da energia infinita.
É incrível, no sentido semântico da palavra. In-crível. Não é crível.
IN-CRIVEL. NÃO É CRIVEL. Não dá pra acreditar que essas máquinas produzem energia como seus criadores afirmam.
Se tem uma coisa que a ciência descobriu em séculos inventando todo tipo de motor e gerador de energia concebível, é que gerar energia grátis não é possível. Afirmar que gerar energia infinita é possível é uma mentira. E o que me assusta é que eu quero acreditar.
Eu quero ser convencido. Eu quero achar que é possível criar um motor de energia infinita. Mais do que uma fonte de energia barata, um motor desse seria uma evidência de que é possível escapar do futuro certo de tudo o que existe.
Nós vivemos em um mundo de lenta, mas constante degradação. Máquinas enferrujam e param de funcionar. Baterias se esgotam e ficam viciadas.
E os nossos próprios corpos perdem a capacidade de se regenerar conforme nós ficamos mais velhos. Motores não produzem energia infinita porque tudo tem que acabar, até mesmo energia útil. A busca pelo motor perfeito, por um motor que funciona pra sempre e cria energia infinita, é uma luta contra a tendência de degradação do mundo natural.
E uma parte de mim quer conseguir escapar da lenta marcha do tempo, e a outra. . .
sabe que isso não é possível. É, vocês acharam que não ia ter crise existencial nesse vídeo, né? Existem registros de mais de 1200 anos de inventores tentando buscar uma máquina perfeita.
O próprio matemático e astrônomo Bhaskara, que não é o inventor da fórmula que você aprendeu com o nome dele, descreveu uma roda que girava para sempre. Um dos primeiros registros gráficos de uma dessas rodas perfeitas vem do desenho Movimento Perpétuo de Villard Honnecourt, um artista francês do século XIII. O título do desenho era a versão medieval de um título enganoso.
A roda com certeza não girava para sempre. O desenho representa uma roda com pesos livres fixados nas extremidades. A ideia é que conforme a roda gira, os pesos são jogados de um lado para o outro de forma a sempre renovar a rotação da roda.
Diversas dessas máquinas supostamente perfeitas foram inventadas nos séculos seguintes. E elas eram mais atrações divertidas do que algo importante. Até porque o mundo era bem diferente.
Produzir e usar energia de forma eficiente não era uma preocupação até industrialização. A história moderna de máquinas de movimento perpétuo começa com a revolução industrial e a invenção dos motores. A partir do século XVIII, o mundo começou a ficar mais conectado graças à invenção do motor a vapor.
E a sua principal aplicação? Trens. E pra entender motores, era preciso entender melhor a energia que motores usavam para mover trens.
Um entendimento mais profundo de energia significava trens mais eficientes, fábricas melhores e mais lucro para todo tipo de indústria. E é com esse objetivo bem direto e bem aplicado que a área da termodinâmica começou. A termodinâmica é o estudo de transformação de energia e prometia responder principalmente três perguntas.
Como a energia move um trem? O quão eficiente é esse processo? O quão eficiente o motor de um trem pode ser em teoria?
E eu vou responder essas três perguntas no vídeo. Mas mais do que isso, responder essas três perguntas vai revelar algumas das leis mais importantes da física e do universo. E tudo começa com um simples motor.
Só antes vocês sabiam que Joule na verdade se pronuncia j lle que Huygens se pronuncia Hr rrensEu aprendi isso na Babbel, que é um dos melhores aplicativos de aprendizado de idiomas do mundo. Eu já falo inglês fluente, mas eu decidi que eu queria começar a aprender a falar francês. Eu quase sempre estou aqui no estúdio trabalhando, então para conseguir aprender uma nova língua, eu precisava que as aulas estivessem disponíveis quando eu tivesse tempo.
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E agora eles oferecem a opção de fazer o pagamento em parcelas mensais. E agora sim podemos falar de motor. Na definição mais geral, um motor é uma máquina que transforma energia em trabalho e no processo emite calor.
Trabalho é simplesmente energia útil, energia que está ativamente movendo objetos no mundo e que nós podemos usar de alguma forma. E o calor é ao contrário. Calor no contexto de motores é energia inútil.
Ela não pode ser usada para gerar movimento. O motor do seu carro transforma a energia química da gasolina em trabalho na forma de rotação das rodas do carro e calor na forma de aumento de temperatura. O seu celular transforma a energia da bateria em eletricidade, que é o movimento de cargas elétricas.
E é essa eletricidade que acende a tela do seu celular e permite que os processadores funcionem normalmente. E sim, do ponto de vista termodinâmico, o seu celular é um motor. E é aqui que entra o verdadeiro poder da termodinâmica.
Nós não precisamos saber como os motores funcionam para saber como os motores funcionam. Parece meio contraditório, mas o ponto é o seguinte, tudo o que nós precisamos fazer é focar nas transformações de energia que o motor faz. Não importa quais partes do motor fazem o motor funcionar, tudo que importa são as transformações de energia que acontecem dentro dele.
Os detalhes são um assunto de engenharia, não de termodinâmica. E é por isso que responder aquelas três perguntas simples sobre motores acidentalmente revela duas leis da natureza que valem para todos os fenômenos naturais conhecidos, sem exceção. Então, se você quiser descobrir algumas verdades fundamentais do universo, entra no carro.
E para começar a revelar esses segredos universais, nós vamos à primeira pergunta. Como o motor funciona? Já que estamos falando da termodinâmica de uma maneira histórica, vamos olhar o mesmo motor que eles estudaram.
Os motores a vapor. Vapor de água em alta pressão quer se expandir. Então se você botar um obstáculo no caminho da expansão, o vapor vai mover o obstáculo, gerando trabalho, que é energia útil.
Em mais detalhes, o processo começa com água líquida sendo aquecida a altas temperaturas sob alta pressão por algum combustível. No caso de locomotivas, o combustível era carvão ou madeira. O vapor em alta temperatura é guiado até pistões e o vapor pressurizado move os pistões ao se expandir.
E nesse processo, a energia do vapor quente é transformada em movimento, que gira as rodas do trem. E depois de mover o trem, o vapor de água é resfriado para água líquida novamente. Então a água pode ser aquecida pelo combustível mais uma vez para repetir o ciclo e mover os pistões e a roda do trem.
Tchuuu tchuuu! É assim que um motor a vapor funciona. E nós podemos simplificar tudo isso em apenas três passos.
Primeiro passo. A energia do combustível é transmitida para a água e ela vira vapor pressurizado. Segundo passo.
A energia do vapor move as rodas do trem ou, em outras palavras, é transformada em trabalho. E o terceiro e último passo, o resto da energia é perdida na forma de calor quando a água é resfriada para começar o ciclo de novo. E vale reforçar o significado do terceiro passo.
Nem toda a energia do combustível é transformada em movimento. Parte dela é perdida no processo na forma de calor. Ou seja, se o motor a vapor desperdiça energia, ele não é 100% eficiente em converter a energia do combustível em giro das rodas.
E só uma nota importante. Eu sei que no dia a dia a gente usa a palavra calor para muitas coisas, mas falando de motores, ele é especificamente a energia que é desperdiçada. No caso do motor a vapor de trens, só 5% da energia produzida na queima do combustível de fato move o trem.
95% da energia vira calor e faz tchu tchu. Então de toda a energia que um trem produz, só uma parte, a cada 20, contribui para o movimento do trem. O resto é só calor inútil.
É tipo comer um prato de comida, mas a cada garfada que você comer, você joga outras dezenove fora. A relação entre energia, calor e trabalho tem um nome especial, primeira lei da termodinâmica. E a primeira lei da termodinâmica nos diz três coisas sobre energia.
Primeiro existe energia em duas formas, calor e trabalho. Calor é energia inútil e trabalho é energia com utilidade. Segunda, a energia total é o calor mais o trabalho.
Não existe um terceiro tipo de energia. Toda energia ou é calor ou é trabalho. E a terceira e mais importante, diz que a energia nunca surge do nada.
Se você quer aumentar a energia no motor, você tem que adicionar mais combustível. Ponto final. Essa terceira afirmação é o princípio de conservação de energia.
E é esse princípio que as máquinas de energia infinita da internet violam. O que a primeira lei da termodinâmica diz é que um motor não consegue criar energia do nada. Toda energia que um motor usa precisa vir de alguma fonte externa, como combustível fóssil ou energia elétrica.
De outra forma, nenhum motor pode ter eficiência maior do que 100%. Não dá pra gerar mais trabalho do que ele tem de energia. Isso é tipo tentar espremer um litro de suco de laranja de uma única laranja.
Uma laranja sozinha não tem esse tanto de suco. Mas é exatamente isso que os vídeos de internet de energia grátis afirmam fazer. Eles afirmam produzir um monte de energia de só um pouco de energia inicial.
Se você visse alguém transformar uma laranja em um litro de suco de laranja, você pensaria que é um truque de mágica. E da mesma forma, qualquer motor ou gerador de energia infinita tem algum truque por trás. Quando nós falamos em criar energia, nós estamos falando em extrair energia da natureza e transformar em alguma forma de energia que a gente consiga controlar.
Não é possível criar energia, só transformá-la. E é isso que a primeira lei da termodinâmica diz. E aqui vale a pergunta, como é que nós temos tanta certeza de que as leis da termodinâmica são verdadeiras?
Como é que nós sabemos que realmente não é possível violar a primeira lei? A principal prova das leis da termodinâmica não são provas matemáticas, e sim séculos de experimentos. Nenhum físico, engenheiro ou inventor jamais encontrou uma máquina que consegue violar a conservação da energia ou qualquer uma das leis da termodinâmica.
E mais, as leis da termodinâmica são aplicáveis a todos os fenômenos naturais conhecidos atualmente, da biologia, a química até a física nuclear. Inclusive, vários desses fenômenos só foram descobertos depois das leis da termodinâmica. As leis da termodinâmica são um dos fatos experimentais mais bem comprovados de toda a ciência.
Qualquer máquina baseada em um processo físico conhecido vai respeitar a lei de conservação de energia. Não importa se a fonte da energia for química, elétrica, nuclear ou edição de vídeo. Nenhuma máquina gera energia do nada.
Inclusive, máquinas que dizem gerar energia de graça são chamadas de motores perpétuos do tipo 1, justamente por violar a primeira lei da termodinâmica é motores perpétuos do tipo 1 não existem. Mas peraí, e a roda de movimento perpétuo do Villard Honnecourt? E todos os outros projetos de máquinas de movimento perpétuo?
Essas máquinas parecem perfeitamente razoáveis segundo a primeira lei da termodinâmica, mas no fundo o que a roda de Villard faz é só reciclar energia. A energia da rotação está sendo simplesmente muito bem conservada e não criada. Isso não viola a primeira lei da termodinâmica, só a segunda.
Se a primeira lei às vezes é chamada de lei de conservação da energia, a segunda lei poderia ser chamada de lei da deterioração da energia. Para entender a segunda lei, nós vamos voltar à terceira e última pergunta sobre motores. O quão eficiente um motor pode ser, em teoria?
A eficiência de um motor a vapor é de apenas 5%, mas o quanto que dá para melhorar ele? Vamos supor que a eficiência máxima teórica fosse de 6%. Então, um motor que atinge 5% é praticamente perfeito.
Mas e se ela fosse de 50% e a tecnologia atual só permitisse que a gente chegasse nos 5%? Isso significa que o nosso motor é 10 vezes pior do que ele poderia ser. Então, qual que é a eficiência máxima de um motor?
A primeira pessoa a responder essa pergunta foi o engenheiro militar francês Nicolas Carnot. Ele fez isso inventando o melhor motor possível. Na teoria, não na prática.
Nicolas Carnot criou um motor idealizado que hoje nós chamamos de motor de Carnot. E ele provou que qualquer motor real tem que ser menos eficiente do que o motor de Carnot. E nem mesmo o motor de carros não é perfeito.
Ele não chega nos 100% de eficiência porque ele também perde parte da energia útil na forma de calor inútil. Nem no reino da teoria um motor consegue converter energia em trabalho perfeitamente. Sempre vai existir algum tipo de perda de calor durante qualquer transformação de energia.
De outra forma, todo motor produz pelo menos um pouco de calor inútil. E por consequência, cedo ou tarde todo motor para de funcionar se não for abastecido. E esse fato é conhecido como a segunda lei da termodinâmica.
Toda transformação de energia cíclica sempre gera um pouco de calor. Não existem motores perfeitos. Um motor perfeito com 100% de eficiência é um motor perpétuo do tipo 2.
E uma das formas de escrever a segunda lei da termodinâmica é justamente motores perpétuos do tipo 2 não existem. O melhor motor possível é o de Carnot que não tem 100% de eficiência. Então, qual é a eficiência do motor de Carnot?
A eficiência do motor de Carnot é determinada pelas temperaturas máximas e mínimas usadas pelo motor para operar. Quanto menor for a temperatura mínima e maior for a temperatura máxima, mais eficiente é o motor de Carnot. E a eficiência do motor de Carnot representa a maior eficiência possível para qualquer motor operando nas mesmas temperaturas.
Por exemplo, em um motor a vapor, a temperatura mínima é a temperatura da atmosfera, de uns 20 graus Celsius. E a temperatura máxima é algo como 300 graus Celsius, dependendo do nível de pressurização da água. Usando esses valores, um motor de vapor em situações ideais tem uma eficiência de mais de 50%.
Ou seja, um motor de vapor ideal transforma mais da metade da energia do combustível em trabalho para girar as rodas do trem, o que é bem mais do que os 5% de eficiência das primeiras locomotivas. Graças ao trabalho de Carnot que nós podemos confirmar que os motores a vapor eram péssimos. Tanto é que os geradores de eletricidade à base de vapor de água modernos têm eficiência em torno de 40%.
Ou seja, 40% da energia do combustível queimado é transformada em energia elétrica. Isso é muito bom! E muito melhor do que isso!
Além de nos dar um critério para avaliar o quão bom o design de um motor realmente é, as descobertas de Carnot nos garantem que a roda de V-Lar vai parar de girar. A cada giro da roda, parte da energia da rotação vai ser perdida na forma de calor, de um jeito ou de outro. Seja por atrito, ou pelo som gerado pelo impacto dos pesos, ou por outros efeitos menores.
A energia se conserva, mas não perfeitamente. Cada vez que a roda gira, parte da energia vira calor inútil e para de contribuir para a rotação da roda. E cedo ou tarde, a roda não vai ter mais energia para uma rotação completa.
E essa constante perda de energia por calor é uma forma de anunciar a segunda lei da termodinâmica. O conceito da roda de vilai de brinquedos de loop infinito como esses que nós vemos constantemente em vídeos na internet, representam uma busca por uma máquina eterna que viola a segunda lei da termodinâmica. E essa é a lei por trás da degradação natural de tudo ao nosso redor.
Motores param de funcionar, nosso corpo envelhece e toda a energia do universo é lentamente convertida em calor inútil. E esse processo de degradação da energia também tem outro nome, aumento de entropia. Entropia é justamente uma medida da degradação da energia.
Toda vez que a energia é transformada, a entropia cobra um custo de conversão, e parte da energia é perdida em calor. Cedo ou tarde, toda a energia vai ser degradada e a entropia vai atingir o seu máximo. E a partir daí, nada mais vai acontecer no universo.
Todos os motores vão ter parado, toda a vida vai ter deixado de existir, e até mesmo a matéria que hoje nos compõe vai ter se transformado em radiação de baixa energia. Essa é a verdade da segunda lei da termodinâmica. As máquinas eternas prometidas por inventores do passado e criadores de conteúdo do presente são uma tentativa de lutar contra a entropia e seu aumento natural.
Se você parar pra pensar, o que todos eles buscam é algo que dure pra sempre. Algo que esteja imune ao fim do universo e de tudo o que existe. Não é só sobre entropia ou leis da física sendo violadas.
Máquinas de motor perpétuo também revelam que seres humanos muitas vezes têm um problema de aceitar que as coisas têm fim. Mas não importa o quanto você lute contra, a vitória sempre vai ser das leis da natureza. Todo motor para, todo trabalho cessa e todo vídeo acaba.
Incluindo esse. Mas não fiquem tristes. Faz parte da degradação natural do YouTube.
Muito obrigado e até a próxima.