Você já ouviu falar no termo "mudança de código" ou "code switching"? Pois é, essa pode ser uma estratégia de camuflagem autística bastante utilizada, mas pouco comentada. O termo em inglês "code switching" vem da linguística e, basicamente, significa alternar entre um idioma e outro ou entre um código cultural e outro.
Mas antes de começar a explicar esse termo mais precisamente, se você ainda não me conhece, meu nome é L. Pereira. Eu costumo compartilhar aqui conteúdo sobre autismo, altas habilidades e outras condições também que nos tornam únicos, singulares.
Aqui, o nosso objetivo não é apenas falar sobre problemas; pelo contrário, a meta é elevar o seu nível de autoconhecimento e facilitar a apropriação das suas características espectrais. Então, se você deseja receber todos os novos conteúdos, os vídeos, as publicações em primeira mão, basta se inscrever aqui no botão abaixo. Voltando ao "code switching" linguístico ou "code switching" neurotípico, eu vou dar um exemplo para deixar esse termo, essa expressão, mais clara.
Imagine que uma pessoa italiana está aqui no Brasil e talvez precise falar o português quando estiver conversando com o atendente numa loja. Às vezes, ela vai a uma clínica ou está no transporte público. Mas se essa pessoa receber uma ligação da sua família italiana no mesmo momento, ela precisa virar a chave, sintonizar a sua fala no idioma nativo, e aí, no caso, o italiano.
É tão interessante porque essa mudança não envolve apenas as palavras; ela não muda apenas o idioma. Essa pessoa também incorpora novos gestos, uma tonalidade diferente, até a postura característica referente àquele idioma, as suas vivências no outro país e em situações cotidianas. Mesmo que você esteja no seu próprio país, no Brasil, por exemplo, também é natural que você adeque o seu modo de falar, o vocabulário que usa.
Se você estiver em uma situação formal, talvez evite gírias; se você for conversar com um professor mais sério, também vai adequar o vocabulário, a sua postura. Ou, ao contrário, você pode ficar mais descontraída, mais descontraído se estiver num ambiente informal com os seus amigos, num churrasco, numa festa, numa cafeteria. Então, quando isso acontece com pessoas neurotípicas ou com pessoas neurodivergentes também que estão generalizando seus aprendizados, nós não vamos chamar isso de camuflagem; o nome é adaptabilidade ou expressão do seu repertório cultural, ou "code switching", e é uma estratégia funcional, é uma estratégia adaptativa.
Acontece que as pessoas autistas podem ter muita dificuldade para flexibilizar o seu modo de ser, o seu modo de falar, talvez o jeito de se expressar, de se vestir. Por isso, elas podem parecer sempre muito formais em todos os lugares, mesmo em ambientes familiares. Se a autista aprendeu regras de etiqueta de postura, como se sentar à mesa, ela pode seguir esse alto padrão de educação e parecer muito snob, parecer arrogante.
A comunicação não verbal também pode acabar ficando muito rígida, muito séria. Às vezes, por exemplo, eu mesma recebo alguns feedbacks, que as pessoas me perguntam por que sou tão formal, por que não converso de maneira mais fluida no WhatsApp, por que me sinto tão retinha. E isso acontece porque eu aprendi isso; eu tinha problema postural, então dancei balé, e eu faço isso naturalmente.
Não é porque eu queira me distanciar das pessoas, mas é aí que o "code switching" autístico aparece. No contexto do autismo, o "code switching", ou mudança de código, se refere à prática que as pessoas autistas têm de alterar o seu comportamento, a sua linguagem, os seus maneirismos para conseguirem se adequar melhor às expectativas sociais neurotípicas. Então, por isso, é um tipo de camuflagem; a pessoa vai se adaptando para parecer mais neurotípica.
Ou seja, diante de tantos feedbacks, às vezes negativos, a pessoa autista pode se sentir compelida a fazer muitos ajustes, se monitorando demais e ajustando, corrigindo o seu jeito de ser. E aí ela vai mudando o seu código de postura, de linguagem, até o seu jeito de vestir, para usar esse idioma neurotípico. Por esse motivo, nós falamos agora de uma estratégia de camuflagem que pode chegar a extremos.
Como você vai ver aqui na nossa listinha, o sétimo item é essa estratégia, essa mudança de código extrema. Então, nós vamos falar sobre sete sinais de mudança de código nas pessoas autistas, e o primeiro deles é a adaptação social. Assim como na mudança de código linguística, onde nós vemos a alteração do idioma ou dessas referências culturais, no caso das pessoas autistas, nós percebemos a aproximação ou, pelo menos, a tentativa de se aproximar da postura neurotípica.
Então, suprimir estereótipos, mudar o jeito de falar, fazer contato visual, tudo que nós vemos sobre a camuflagem pode ser inserido, pode ser assimilado como estratégia adaptativa. Às vezes, mas nós vamos ver que tem custos. O segundo sinal é o mascaramento, o "masking".
Então, esse termo "mascarar" vai descrever essa tendência da pessoa se monitorar muito e corrigir as suas características, o seu jeito de ser, o seu modo de falar, ou às vezes a sua gesticulação para parecer mais típica. Às vezes, a pessoa fica até hipervigilante e vai corrigindo os comportamentos que pareçam gerar algum tipo de estigma, causar algum tipo de discriminação. Então, a pessoa força contato visual, mesmo que seja desconfortável para ela, mas porque ela sente um benefício social.
O terceiro sinal é a assimilação, que está na característica fundamental na tendência de se assimilar ao grupo para não parecer diferente, se comportar de uma maneira às vezes em casa e de outro jeito na escola, só para não parecer diferente. Ou então, assimilar características ou comportamentos normativos para que ela também pareça mais neurotípica e não chame atenção. O quarto sinal é a compensação, e nada mais é do que a aprendizagem de habilidades sociais.
Então, realmente é o ganho de competência social e, inclusive, é. . .
A única das estratégias que tem um bom prognóstico porque aprender leva a pessoa a navegar melhor por outros ambientes, a generalizar melhor. Então, talvez a pessoa faça isso com consciência, aprenda em filmes, em livros ou mesmo na vida real comportamentos que vão ajudá-la. Mas, geralmente, tem um custo, porque exige um esforço consciente, exige prática, exige repetição.
Então, como não é intuitivo, talvez a pessoa tenha dois trabalhos: né? O trabalho formal e o trabalho de aprender habilidades sociais. O quinto sinal fala sobre um desejo muito forte de cultivar, de construir a sua própria identidade e de se sentir pertencente.
E aí mora o perigo, porque é claro que todos nós queremos o pertencimento, queremos ter uma identidade coesa, uma identidade singular, muito própria, que valorize a nossa essência. E isso é ótimo, mas quando nós estamos falando aqui de código de mudança e, principalmente, em pessoas autistas, quando estamos falando de camuflagem, é muito comum que a gente perceba que a pessoa autista vai capturando, vai assimilando características dos outros. Então, ela admira, ela percebe que uma moça é popular na escola, então ela observa: "Ah, então ela é loira, ah, ok!
Ah, então ela se veste de tal modo. " E a pessoa autista, por ter dificuldade na cognição social, pode captar esses sinais muito materiais, muito concretos, e incorporar, imaginando que, para ser popular, para ser sociável, para ser aceita, ela precise apenas de tingir os cabelos e de se vestir, de usar um tênis específico ou caderno com determinado personagem. E aí, muitas vezes, ela se frustra, porque aquilo não é autêntico.
Outro problema é uma confusão diagnóstica. Às vezes, isso desvia o raciocínio clínico, porque essa pessoa parece não ter personalidade ou parece realmente imitar os outros. Então, pode levar o médico ou o psicólogo a suspeitar de um transtorno de personalidade histriônico ou um transtorno de personalidade borderline, porque a pessoa parece vazia e ela está captando, assimilando esses sinais, essas pistas do ambiente, que ela está reunindo, engordando, como se fosse um Frankenstein, e ela não se sente realmente pertencente, ela não sente realmente que aquela identidade seja própria.
Então, apesar do esforço, tudo isso pode parecer em vão e a pessoa continua sofrendo. Então, temos que ter bastante atenção nesse caso, fazer uma entrevista ampla, escutar bem a nossa cliente, porque, se no transtorno de personalidade, a pessoa realmente sente um vazio muito grande, e ela acaba por não ter a própria personalidade, querer buscar isso fora dela, no caso da pessoa autista isso é diferente, é pela baixa cognição social mesmo. Então, ela faz uma interpretação equivocada, mas quando a gente mostra para ela que ela tem, sim, uma personalidade, que ela já tem uma identidade própria, que às vezes é uma identidade colorida, diferente, espectral, e valoriza essa identidade, ela se sente mais livre, liberta, tranquila, e acaba se apropriando dessas características, se ela tiver o suporte e a validação necessária.
Então, são aspectos distintos e é importante reconhecer se é uma condição ou outra, porque o suporte também vai ser diferente. O sexto sinal é a conformidade social como estratégia de sobrevivência. Então, realmente, isso é instintivo.
Desde pequenininhos, nós fazemos a imitação dos gestos, dos sons, da expressão facial de quem está à nossa volta. O bebê já começa a imitar a expressão facial da própria mãe: o fazer o contato visual e o sorriso também. Então, isso é natural, mas eu tenho certeza que a sua mãe já disse, quando você falou: "Ah, eu quero fazer tal coisa porque todo mundo está fazendo", aí sua mãe fala: "Mas você não é todo mundo".
Então, ela está te dizendo que não é bom se conformar, não é bom seguir a manada, não é bom fazer algo como todas as pessoas, como a massa está fazendo, porque você é uma pessoa única, você é diferente. E se a pessoa autista sente que, para que ela não sofra com preconceito, discriminação, capacitismo, estigma social, ela precisa se adequar, ela precisa se diminuir para se encaixar, isso pode ser bastante perigoso, pode ser drenante, pode levar a um burnout. E, às vezes, em ambientes hostis, como ou a pessoa é muito ingênua, talvez ela não perceba o risco e aí seja muito submissa, pareça muito compreensiva, e porque as pessoas à sua volta talvez percebam que ela é muito competente, mas que sim, ela parece bobinha.
Então, a pessoa autista, para se proteger ou como ela percebe que precisa sobreviver naquele território e talvez não enxergue alternativas, acaba assumindo essa postura mesmo, de muito submissa, muito pacata, e é outro risco. E, finalmente, a sétima estratégia, como eu disse antes, é bem radical, é bem extrema e, no caso, é uma mudança literal do código: o código postal ou o seu CEP. E muitas pessoas autistas dizem se sentir mais livres de julgamento quando elas têm a possibilidade de sair do seu espaço físico familiar ou do seu país, porque, quando ela é realmente estrangeira, quando essa pessoa que se muda para um novo território é vista como diferente pelo seu idioma, pela sua cultura, e não mais pelo seu jeito estranho ou atípico de ser, ela se sente mais segura.
Eu mesma, quando estudei na Suíça, eu me senti muito acolhida, eu me senti muito à vontade, sem me camuflar. Na verdade, eu não sou muito boa em camuflagem mesmo, não. Então, o que mudou foi o olhar do outro, o olhar das outras pessoas sobre o meu modo de ser, que, às vezes, realmente é mais formal.
Eu tenho a tendência a fazer muitas perguntas, eu quero saber mais, participar da aula, não faço contato visual, por exemplo, e ninguém achou isso estranho, pelo contrário. Então, só o fato de ter alterado o código postal, só de ter alterado o CEP, o país, isso já me trouxe conforto social. E não é à.
. . Toa, que essas estratégias surgem e são compartilhadas por várias pessoas autistas.
Pois bem, é importante dizer agora que, embora a mudança de código postural, código postal ou código cultural possa ser útil, principalmente quando nós estamos falando de pessoas autistas, é bastante frequente que esse comportamento, esse automonitoramento, a hipervigilância e, principalmente, a tentativa de parecer uma pessoa que você não é, uma pessoa neurotípica, possa vir com altos custos emocionais. Então, assim como o code switching linguístico pode ser cansativo alternar entre um idioma e outro, a camuflagem autística também frequentemente tem esse alto custo energético, um alto custo emocional, e pode deixar a pessoa autista drenada, pode levar ao burnout, inclusive pode deixar a pessoa muito estressada e sem reconhecer quem ela é de fato. De todo modo, muitos autistas não veem outra alternativa, porque para navegar em um mundo neurotípico com muitas exigências, os meus alunos falam que às vezes ficam incomodados com a meritocracia, com o capacitismo.
Então, para ter um trabalho convencional, para se relacionar com os amigos na escola, existe essa necessidade de se conformar, pelo menos um pouquinho. Eles sentem isso, sentem essa necessidade, e, infelizmente, essa é a verdade para uma grande parcela da população, e essa é a razão para eu trazer esse tópico, esse tema, aqui para a nossa conversa de hoje. Porque reconhecer essas estratégias é fundamental, tanto se você é a pessoa autista quanto se você é um profissional da educação ou um profissional da área da saúde.
Porque se você ganha consciência e nomeia o que é isso, né? Essa estratégia de camuflagem, que é mudança de código, e percebe que é uma estratégia de camuflagem, isso facilita a sua avaliação e também pode contribuir muito para a psicoeducação. Como eu disse, para que a pessoa se aproprie das suas reais características.
Já se você é uma pessoa autista, eu espero que esse conhecimento também deixe a sua vida mais leve, que você aprenda a mudar de sintonia, de tribo ou de CP, apenas quando você realmente sentir necessidade ou quando realmente for importante para você. E agora, por favor, conte aqui nos comentários se você já conhecia essa expressão e se esse conceito de mudança de código a AD para o universo autista surpreendeu você ou se você já praticava esse code switching inconscientemente ou sem saber nomeá-lo. Aproveite para curtir o vídeo e se inscrever no canal também, para que você receba todos os próximos conteúdos.
Um grande abraço e até breve. Tchau, tchau!