Eu tenho 100% de certeza que um certo recorde não vai ser batido nessas olimpíadas. E nem nas próximas. E olha que é um recorde bem antigo.
Ele foi atingido também em Paris, mas já tem mais de um século. Foi nos Jogos Olímpicos de 1900. E eu estou falando do recorde de.
. . Pombos mortos na modalidade de tiro ao pombo.
É sério, esse esporte realmente existia no passado? Será que dá pra chamar isso de esporte? Seja como for, ele foi disputado somente uma vez e registrou cerca de 300 pombos mortos.
A modalidade, por motivos óbvios, foi muito criticada, e aí os pombos acabaram sendo substituídos nas Olimpíadas seguintes por pombos de argila, que eram lançados no ar para serem atingidos pelos competidores. Mas essa não é a única modalidade bizarra que já fez parte das Olimpíadas. Nos Jogos de Atenas de 1906, por exemplo, houve o duelo com pistolas.
Sim, é isso mesmo. Tipo aqueles de velho oeste em que cada competidor caminha numa direção e tem que atirar o mais rápido possível. Só que ao invés de atirar um no outro, os participantes tinham que disparar contra manequins.
E aí perdeu toda a graça. Outros exemplos de antigos esportes olímpicos incluem, por exemplo, a corrida de bicicleta durante 12 horas, a natação com obstáculos, o nado subaquático, a subida na corda e até o cabo de guerra. Nesses casos, também por motivos óbvios, os recordes do passado nunca vão ser quebrados.
Mas existem outros esportes que são disputados até hoje nas Olimpíadas e que mesmo assim têm recordes considerados por muita gente como imbatíveis. E nesse caso, eu estou falando inclusive de modalidades muito tradicionais, como por exemplo, a natação. E o principal motivo para isso é a tecnologia.
Isso pode parecer uma espécie de contradição. Afinal, se a tecnologia sempre continua evoluindo, por que ela seria responsável para que um recorde não seja mais batido? A ciência e a tecnologia sempre foram aliadas desde o surgimento dos esportes.
Mas quando foi que isso aconteceu? É difícil cravar exatamente quando o ser humano começou a praticar esportes. Para alguns historiadores especialistas no assunto, o primeiro hábito do ser humano que pode ser considerado uma espécie de esporte foi a caça.
Isso porque, dezenas de milhares de anos atrás, os humanos que viviam nas cavernas precisavam caçar para sobreviver. E para decidir quem exatamente iria atrás dos animais, era comum fazer uma espécie de competição, até para descobrir quem conseguia arremessar a lança mais longe ou com mais força. E aqui, a ciência e a tecnologia da época já se tornaram cruciais.
Afinal, mesmo que de maneira intuitiva, os caçadores tinham que descobrir qual era o melhor ângulo para arremessar uma lança, ou qual era a melhor forma de cortar a ponta dessa mesma lança para conseguir abater uma presa. E essa mesma lógica de melhorar as técnicas de maneira intuitiva se aplicou para todas as outras práticas esportivas dos seres humanos, inclusive quando os esportes se tornaram apenas uma forma de lazer. Foi o que aconteceu quase 3 mil anos atrás, quando os gregos começaram a disputar as Olimpíadas da Antiguidade.
Eram poucas modalidades, que eram praticadas de maneira rudimentar, mas que serviram como a semente dos esportes disputados até hoje. O hipismo e diversos tipos de corridas e de lutas conhecidas atualmente tiveram suas origens nessa época. Com o passar do tempo, conforme os esportes evoluíram e se profissionalizaram, a utilização da ciência e da tecnologia também foi avançando.
Até que hoje em dia elas são indispensáveis na maioria das modalidades. A começar, por exemplo, pelo esporte mais famoso do mundo e mais praticado aqui no Brasil. Futebol.
É só a gente falar do VAR, também conhecido como Árbitro de Vídeo. A possibilidade de ver e rever jogadas em dezenas de ângulos para conferir se aconteceu uma falta ou se um lance estava impedido, por exemplo, revolucionou o esporte na última década. Exceto quando anulam um gol do seu time.
Aí eu aposto que você diz que esse tal de VAR não presta. Outra tecnologia fundamental nos jogos profissionais é o chip implantado nas bolas que enviam um alerta imediatamente pro árbitro quando ela entra no gol, acabando com qualquer dúvida de se a bola cruzou ou não a linha em alguns casos mais polêmicos. Sistemas parecidos também são usados em outros esportes.
É o caso do Hawk Eye, ou olho de falcão, utilizado no vôlei e no tênis. Esse sistema usa sensores e câmeras de alta velocidade pra recriar a quadra esportiva em um ambiente em três dimensões e permitir que a trajetória da bola seja reproduzida em um mundo digital. E com isso dá para descobrir na hora se a bola quicou dentro ou fora das linhas.
A tecnologia de ponta também é fundamental para detectar possíveis fraudes nos esportes, especialmente envolvendo uma tendência que sai em alta nos últimos anos. Casas de apostas. É aí que entra o UFDS, sigla em inglês para Sistema Universal de Detecção de Fraudes.
Esse sistema cruza os dados de mais de 800 mil partidas esportivas todos os anos com as apostas feitas em mais de 600 sites especializados. E aí uma inteligência artificial monitora todo tipo de movimento atípico que fuja do padrão esperado. Por exemplo, o sistema detecta que, do nada, centenas de pessoas de um mesmo lugar que nunca tinham apostado em jogos de um determinado time decidem apostar ao mesmo tempo uma fortuna para que um determinado jogador receba um cartão amarelo numa partida.
E eis que esse jogador realmente leva um cartão amarelo nesse jogo. Nesse caso, o sistema vai informar aos operadores humanos que existe uma suspeita, e essas pessoas vão investigar para descobrir se foi só uma coincidência ou se realmente pode ter acontecido um esquema fraudulento. Mas nem sempre é preciso recorrer a tecnologia super avançada de inteligência artificial para revolucionar um esporte.
Às vezes basta velha inteligência natural e bastante conhecimento de matemática para mudar para sempre a história de uma modalidade. E o exemplo mais famoso disso vem do beisebol nos Estados Unidos. No início desse século, o Oakland Athletics era um time modesto, com pouco dinheiro e uma estrutura meio precária.
Eles já não eram campeões há um tempo, e os principais jogadores estavam indo para outras equipes maiores. Até que, para mudar o rumo dessa história, eles decidiram contratar um economista. Paul DePodesta era um apaixonado por estatísticas, e ele implantou um novo sistema para a seleção de novos jogadores.
Ele analisou milhares de dados e desenvolveu uma série de cálculos para descobrir exatamente quais atletas o time deveria contratar para formar a equipe ideal, mesmo gastando pouco. A ideia era esquecer a busca por grandes estrelas que recebiam salários milionários e escolher jogadores menos conhecidos ou em fim de carreira, mas que preenchiam exatamente os critérios estatísticos estipulados por Paul. O resultado?
O Oakland Athletics venceu 20 jogos seguidos, quebrando o recorde de mais vitórias consecutivas na história da competição. E aí, no fim do campeonato, eles perderam. E não foram campeões.
Mas o mais importante é que eles criaram um método de análise de desempenho inovador. Mas talvez a principal forma com que a ciência e a tecnologia contribuíram para o avanço do esporte nos últimos anos veio dos equipamentos utilizados pelos atletas. E um dos maiores exemplos disso aconteceu na natação.
Em 2008, na época das Olimpíadas de Pequim, uma marca lançou um maiô super tecnológico. Ele não tinha costuras e era feito de poliuretano, que é um material que repele a água. E com isso ele prometia cerca de 5% a menos de atrito e 4% a mais de velocidade.
Prometia e entregava. Foi por isso que durante aquela Olimpíada, mais de 20 recordes mundiais foram batidos na natação. E no ano seguinte, com outras empresas imitando a tecnologia, a enxurrada de recordes foi ainda maior.
No Mundial de Natação de 2009, foram estabelecidos impressionantes 43 novos recordes mundiais, muitos dos quais existem até hoje, 15 anos depois. É o caso dos recordes masculinos dos 50 metros livres, dos 200, dos 400, dos 800, além do nado costa masculino, borboleta feminino, revezamentos, enfim, todos esses recordes foram batidos em 2009 e ainda não foram superados. Pelo menos, não até o momento em que eu tô gravando esse vídeo.
Mas aí você pode se perguntar, tá, a tecnologia parou de avançar? Por que que esses recordes não foram batidos depois de 2009? Talvez com maiôs ainda mais super ultra hiper mega tecnológicos.
Em 2009 a federação internacional de natação considerou que esse maiô era uma espécie de doping tecnológico e baniu a utilização desse tipo de roupa dali em diante. Mas os recordes que já tinham sido quebrados até então não foram anulados. Eles continuam valendo e por isso são considerados muito difíceis de serem batidos hoje em dia.
O que você acha disso? Será que esses recordes conquistados com material banido deveriam ser anulados? Deixe sua opinião aqui nos comentários.
Além desse exemplo da natação, um caso parecido aconteceu em outra modalidade nobre do esporte mundial, a maratona. Alguns anos atrás, uma marca de calçados lançou um tênis super moderno chamado Vaporfly. Ele é extremamente leve e possui uma placa de carbono na sola, que oferece um retorno de energia que impulsiona os corredores.
E com isso, a performance dos atletas chega a ser 4% melhor. No caso de uma prova como a maratona de 42 km, isso pode representar quase 4 minutos a menos no tempo de corrida. Assim como no caso do Maillot, a consequência dessa tecnologia pode ser vista nos pods.
No ano seguinte ao lançamento do modelo, 36 corredores conquistaram medalhas nas principais competições do mundo. E 31 deles estavam usando o Vaporfly. E também, como no caso da natação, os fernes tecnológicos foram alvo de muita polêmica.
Uma versão ainda mais avançada, chamada AlphaFly, chegou inclusive a ser barrada pela Federação Internacional de Atletismo. E era esse o modelo utilizado pelo keniano Eliud Kipchoge quando ele atingiu uma marca histórica, a do primeiro atleta a completar uma maratona em menos de duas horas. E agora que o modelo foi barrado, a gente se pergunta, será que alguém vai conseguir superar essa marca e atravessar os 42 km da maratona em menos de duas horas?
A resposta é que eu não sei. Só o tempo vai dizer. Afinal, o ser humano é conhecido por desconhecer limites e por quebrar até mesmo os recordes que sempre parecerem batíveis.
E aí surge uma outra pergunta. Será que algum dia algum atleta vai correr simplesmente mais rápido possível? Ou seja, existe a chance de alguém atingir uma velocidade que seja literalmente insuperável?
Para tentar chegar nessa resposta, a gente precisa voltar nossa atenção para outra prova nobre das Olimpíadas. Os 100 metros rasos, que costumam ser utilizados como parâmetro para medir quem é o ser humano mais rápido do mundo. E faz sentido, porque ela é a competição ao ar livre e sem obstáculos mais curta de todas, disputada desde os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, em 1896.
O recorde mundial atualmente pertence ao homem que tem ralho até no nome. É o jamaicano Usain Bolt, que em 2009 atravessou os 100 metros em 9 segundos e 58 centésimos. Será que dá pra ficar mais rápido do que isso?
Muitos cientistas acreditam fortemente que sim, mas o quão mais rápido ainda é o mistério. O professor de matemática da Universidade de Cambridge, John Barrow, aposta em pelo menos 9 segundos e 45 centésimos. Ele diz que essa marca poderia ser alcançada com mais facilidade, dependendo, por exemplo, da direção do vento ou até da altitude, que interfere na resistência do ar.
Já o físico Filippo Hadditch é mais ousado. Num estudo em que analisou a melhora relativa nos empenhos dos atletas desde o século XIX, ele prevê que um limite hipotético a ser alcançado pelo ser humano no futuro pode ser na casa dos 8 segundos e 28 centésimos. E olha que esse é só um dos muitos recordes que desafiam os atletas nos Jogos Olímpicos.
Existem outras marcas que permanecem intactas há muito mais tempo do que a de 100 metros rasos. É o caso, por exemplo, do recorde de salto em distância, que é o mais duradouro da história. Nos Jogos de 1968, na Cidade do México, o americano Bob Beeman saltou uma distância de 8,90 metros.
Até hoje, 56 anos depois, ninguém foi capaz de saltar mais longe em jogos olímpicos. Já entre as mulheres, um recorde difícil de ser quebrado numa Olimpíada é o de recorde a ser quebrado mais rapidamente numa Olimpíada. Eu sei que isso ficou confuso, mas calma que eu vou explicar.
Essa história aconteceu nos Jogos de Munique, em 1972, no pentátulo. e Depois, a britânica Mary Peters finalizou a prova com 10 pontos a mais, batendo instantaneamente o recorde que tinha acabado de ser batido. E com isso, ela quebrou o recorde de recorde quebrado mais rapidamente.
E sabe qual foi a premiação que ela ganhou por isso? Nenhuma! Só ser citada aqui no Ciência Todo Dia, que já é uma honraria e tanto.
O fato é que esse e todos os outros recordes que eu trouxe até aqui podem ser quebrados nessa ou em qualquer outra Olimpíada, quer dizer, exceto aquele de pombos mortos. Mas os outros, por mais difíceis que pareçam, podem ser batidos quando menos se espera. E é isso que torna as olimpíadas um evento tão fascinante.
É uma época em que o mundo se une para assistir à luta do ser humano contra os próprios limites. As diferenças políticas, econômicas e sociais são todas deixadas de lado por um instante e só o que importa é a busca pela glória no esporte. A cultura e a ciência se unem enquanto homens e mulheres disputam sobre os holofotes de um planeta inteiro a chance de eternizar os seus nomes no hall daqueles heróis que desconhecem o significado do impossível.
Já a nós, que talvez não tenhamos a habilidade e o talento de um grande atleta, cabe a honra de testemunhar a história do esporte e do ser humano sendo escrita bem na nossa frente. Exatamente 100 anos atrás, quando os jogos também foram disputados em Paris, em 1924, foi criado o lema olímpico em latim, que é utilizado até hoje. Sitius, altius, fortius.
Ou, em português, mais rápido, mais alto, mais forte. Quase uma música do Daft Punk. Ele define perfeitamente a busca incessante do ser humano pela superação de todas as barreiras, que vençam os melhores.
Mas, nossa opinião, qual recorde talvez não vai ser quebrado tão rápido? Vale tudo, até fora da Olimpíada. Muito obrigado e até a próxima.
e tudo até fora da Olimpíada. Muito obrigado e até a próxima!