No vídeo anterior falamos sobre aquela tradição antipedagógica que se preocupa apenas com a transferência de conteúdos em sala de aula, mas que olha com descaso todas as outras experiências escolares - que são igualmente indispensáveis para a educação. Para Paulo Freire, aquilo é resultado de uma compreensão estreita do que é educação e do que é aprendizagem. Este vídeo vai prosseguir esse debate.
Nós vimos no decorrer da série que aprender veio antes de ensinar. Ao longo da história nós aprendíamos socialmente nas nossas próprias práticas cotidianas e só mais tarde descobrimos que era possível sistematizar as práticas de ensino. É preciso ficar claro: desde sempre, e principalmente a partir do século 21, é óbvio que os alunos não aprendem apenas na escola.
Aprendem com a família, com os primos, com os amigos, aprendem nas ruas, nas praças, nos parques, nos clubes, no supermercado, no shopping, na televisão, na revistinha em quadrinhos, nos desenhos animados, na Internet, nos videogames, E além disso, mesmo dentro da escola, os alunos não aprendem apenas o conteúdo do material didático ministrado pelo professor em sala de aula. Mas aprendem com os colegas, com os funcionários da escola, com os pais dos amigos na entrada, aprendem nas brincadeiras e nas conversas paralelas dentro e fora de sala de aula, aprendem no recreio, na quadra de esportes, no pátio. .
. Ou seja, toda a comunidade escolar ensina. As mais variadas experiências de aprendizagem com os demais colegas, com o pessoal administrativo e com professores que se entrecruzam cheios de significação no ambiente da escola são altamente formadores.
E esse aprendizado às vezes pode ser até mais intenso e duradouro do que a própria sala de aula porque é um aprendizado fruto de um testemunho autêntico, vivo, e não daquela repetição mecânica de uma aula meramente burocrática. Ou seja, não são conteúdos que a gente decora para depois esquecer. São formações e deformações que a gente aprende e incorpora na nossa vida.
Por isso Paulo Freire diz que não devemos desprezar esses espaços de aprendizagem. Como o educador pode cobrar das crianças um mínimo de respeito às carteiras escolares, às mesas e às paredes se o próprio poder público ensina, através de seu exemplo, o seu descaso com a escola e, por consequência, com a educação? O discurso silencioso que uma escola pronuncia com paredes mal pintadas, com carteiras quebradas, goteiras, mofo e um ambiente mal cuidado também é formador.
Ou melhor, deformador. E é claro que um espaço acolhedor, um pátio limpo e uma sala de aula bem cuidada também pronunciam um discurso. Todos os espaços da escola e todas as relações que se travam no ambiente escolar têm necessariamente uma função pedagógica ou antipedagógica.
Alunos se formam ou se deformam muito com essas “aulas silenciosas” durante a sua permanência na escola. Há um currículo oculto tanto no espaço como nas relações instituídas no ambiente escolar. Por isso, até mesmo esses pormenores no cotidiano de professores e alunos, que muitas vezes não são sequer considerados como questões pedagógicas, têm na verdade um peso significativo na aprendizagem.
E mais uma vez, é preciso ficar claro que a ideia não é repetir mecanicamente um gesto ou fingir consideração e respeito aos alunos. Isso não funciona. O que importa é a compreensão do valor pedagógico do respeito às identidades culturais dos estudantes, do ambiente em que eles aprendem, das emoções, dos sentimentos, das inseguranças a serem superadas e do medo que, ao ser educado, vai se transformando em coragem.
Com este vídeo completamos o primeiro capítulo de Pedagogia da Autonomia. Se você quiser rever todos os vídeos anteriores na sequência, ou se quer conhecer a série completa, acesse o link indicado aqui no vídeo. E no próximo vídeo a gente vai começar a conversar sobre os temas do segundo capítulo.