A juventude da Europa não quer trabalhar tanto. Está exigente. Em parte, porque não associa dignidade a uma vida dedicada a um único ofício.
A do Brasil vai pelo mesmo caminho. Algumas vezes, por escolha. Mas muitas outras, pela falta dela.
Existe um grupo, sim, que é mais vulnerável a estar na condição de não estudar nem estar ocupado. Então você tem um acúmulo de estigmas. Você tem um estigma da classe social, você tem estigma da raça, você tem estigma do gênero.
É uma geração que estava no caminho do seu projeto de vida de acesso à universidade, do final do ciclo universitário, de acesso ao mercado de trabalho formal. E que tem esse sonho interrrompido. Os entrevistados se referem aos jovens nem-nem.
Não têm trabalho nem estudam. Será que estamos errando ao rotular essa população? Ou os “zoomers”, referência popular à geração Z, estão mesmo desinteressados em construir uma carreira?
Não vou fazer mistério. Carreira soa uma palavra meio envelhecida. Uma herança que os mais jovens estão recusando.
A ideia de estar num mesmo emprego por um tempo a perder de vista não parece tão atrativa. Como um dia foi para muitos brasileiros, especialmente nascidos ali pelas décadas de 50, 60. Para falar a verdade, até para mim, que sou dos anos 80.
A referência de sucesso ou bem-estar com a qual eu e tantos outros da minha época crescemos era a estabilidade no trabalho. Quem pudesse que agarrasse uma oportunidade de garantir a aposentadoria. Mas a história tomou um outro rumo.
Em 2022, por exemplo, vieram a público dados do governo brasileiro que confirmam uma nova tendência entre os mais jovens. O chamado “job hopping”. Pular de emprego, em inglês.
A pesquisa indicou que jovens com menos de 25 anos são o grupo que mais muda de emprego em menos tempo. Eles buscam equilíbrio e mais qualidade de vida. Além de um serviço que não só gere um salário no fim do mês, mas que faça sentido.
Claro, estamos falando aqui de uma maneira generalizada. A pesquisa indica que quase 25% dos brasileiros entre 18 e 24 anos aderem ao “job hopping”. Ou seja, ficam menos de três meses no mesmo trabalho.
O que você pode achar que não é muito. Mas ainda assim são quase 10 milhões de pessoas. E um número quatro vezes maior do que o da faixa etária entre 30 e 39 anos.
Além disso, é gente com possibilidade de escolha. Muita, inclusive, dependendo da área de atuação; tecnologia, por exemplo. E um perfil que não necessariamente fica desamparado se não tiver uma renda mensal.
Ou seja, se nem tiver a fim de trabalhar. Você e eu sabemos. Essa não é a realidade para a maior parte dos brasileiros.
Menos ainda para tantos da geração conhecida como nem-nem. -- Antes de avançar nessa discussão, vou dar um panorama rápido do cenário europeu. Sem o objetivo direto de comparar.
É porque aqui o comportamento da juventude nascida entre os anos 90 e 2000 é meio parecido. Embora em circunstâncias e condições muito diferentes. Vamos lá.
Primeiro, os números. Enquanto no Brasil um em cada cinco jovens está sem trabalhar e estudar ao mesmo tempo, na União Europeia é mais ou menos a metade disso. Em porcentagem, seria uma média de 11,2% de pessoas com idade entre 15 e 29 anos desempregadas e sem vínculo com uma formação profissional.
Levando em conta só a Alemanha, esse número é até um pouco menor: 9%. O que a Comissão Europeia diz que é a meta para todos os Estados-membros até 2030. Mas não é sobre isso que esse vídeo vai falar.
É só mesmo para você ter na cabeça que os nem-nem são um fenômeno praticamente global. E que trabalhar nos moldes antigos não é o que a juventude mais quer da vida. Agora, vamos focar no caso brasileiro.
Quando falamos em não querer trabalhar, isso pode ser interpretado como coisa de preguiçoso. Mas não é não. Tem os casos, sim, em que não querer é uma questão pessoal, temporária ou não, de alguém com uma rede de apoio boa.
. . que não precisa viver da própria renda.
Só que a maioria dos nem-nem do Brasil estão numa situação de vulnerabilidade. Sob intensa pressão social. Eles são fruto de desigualdades históricas.
Não de escolhas individuais, como afirma a Denise Freire, analista de indicadores sociais do IBGE. Existe um grupo, sim, que é mais vulnerável de estar na condição de não estudar nem estar ocupado. E que é justamente das mulheres pretas ou pardas.
Esta reportagem publicada na página da DW Brasil confirma a fala da entrevistada com dados. De acordo com o texto, baseado em informações do próprio IBGE, 61,2% dos nem-nem brasileiros são pobres, e 63,4%, mulheres. Quase metade pretas ou pardas.
O que torna, no contexto brasileiro, esse um debate também racial, na avaliação do Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da USP. Então você tem um acúmulo de estigmas. Você tem um estigma da classe social, você tem estigma da raça, você tem estigma do gênero, e me parece que esse setor é tão importante em termos quantitativos no caso brasileiro.
Hoje, pelos dados do Censo, são em torno de uns 11 milhões de jovens que não estudam nem trabalham. Esse grupo é bastante estigmatizado por isso. Considerando a predominância de mulheres, os especialistas chamaram atenção para um detalhe que escancara uma injustiça: elas são mais escolarizadas que os homens no Brasil.
O que deveria fazer com que fosse mais fácil arranjar um trabalho. O problema é a desigualdade, o acúmulo de funções domésticas e familiares, que nem sempre são socialmente vistas como trabalho: cuidar de um filho ou de um parente próximo. E isso sufoca sonhos de um monte de meninas, na análise da Bárbara Barboza, coordenadora de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam, uma organização civil internacional.
Era uma geração que estava no caminho do seu projeto de vida de acesso à universidade, do final do ciclo universitário, de acesso ao mercado de trabalho formal. E que, por exemplo, tem esse sonho interrompido. Por ter essa mulher negra jovem periférica que cuidar da sua família, que cuidar dos mais velhos, que cuidar dos mais novos, que é mãe e que tem dupla, tripla jornada de trabalho.
Essa precarização se intersecciona justamente nesse corpo dessa mulher jovem periférica. No caso dos homens, não é que eles estejam numa situação melhor, não. A gente também tem que olhar com muita com muita atenção para os meninos, para os jovens negros periféricos, que também têm uma grande dificuldade de acessar o mercado de trabalho formal e têm encontrado, infelizmente, no trabalho mais precário e mais perigoso a sua existência.
É esse trabalho de motocicleta, de bicicleta, em que ele não tem garantia nenhuma de segurança, de direitos, ele encontra ali uma forma de renda imediata. Se bem que segurança a juventude não tem mesmo em funções com garantias legais. Os jovens, por exemplo, costumam ser demitidos primeiro em circunstâncias de crise econômica.
As empresas preferem demitir de imediato os jovens porque os custos trabalhistas são menores, e as empresas não querem ter o ônus de ficar investindo em formação dos trabalhadores. Elas preferem manter os trabalhadores mais experientes. Então isso tem um impacto.
Ou seja, as decisões que são tomadas, elas incidem mais sobre os jovens. Os especialistas ouvidos pela nossa reportagem citaram também uma ausência de oportunidades de modo geral para os mais novos. Mas, claro, especialmente para aqueles com menos qualificação profissional e experiência.
É a questão da necessidade de as empresas abrirem oportunidades para aqueles jovens que querem ingressar no mercado de trabalho. O jovem nessa condição, quando a gente olha os dados, a gente vê, a gente observa, que muitos estão nessa condição também por falta de experiência, aquela dificuldade do primeiro emprego. Se o jovem – por vontade ou não – não se qualifica, não entra nem se mantém no mercado de trabalho, é a receita para uma bomba-relógio previdenciária.
Sem dúvida nenhuma que é uma bomba relógio do ponto de vista previdenciário. A gente está falando de 11 milhões de jovens, jovens entrantes ou jovens que deveriam estar no mercado de trabalho, nas suas práticas laborais garantindo renda para suas famílias. E isso tem um impacto, tem um custo enorme.
Se você tem menos gente apta a trabalhar entrando no mercado de trabalho, isso significa que o sistema como um todo tende a se fragilizar. Já deu para perceber, não é? Estamos discutindo e descrevendo uma geração heterogênea demais.
Tem os que não querem trabalhar, os que não conseguem. . .
os que conseguem por um tempo. . .
os que não conseguiram se preparar. . .
e por aí vai. No caso do Brasil, um país continental, existe ainda a diferença de uma região para outra. A probabilidade, por exemplo, de um jovem acabar se tornando nem-nem é maior se ele vive em áreas rurais e nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte do país.
O avanço da tecnologia, pandemia, crises econômicas. . .
tudo isso deixou o futuro da juventude muito mais incerto. O que coloca sobre ela um fardo. Talvez pesado demais.
Tanto que os especialistas ouvidos pela nossa reportagem consideram injusto esse rótulo de nem-nem. Ele vem da sigla em inglês NEET, que em tradução seria fora da educação, emprego ou formação profissional. Serve para se referir a indivíduos desalentados, mas que podem estar numa categoria transitória.
Existe um processo de entrada e saída contínuo de jovens nessa condição. Então não é uma condição permanente, não é uma condição estrutural para todos esses jovens. Estrutural mesmo é a desigualdade que dificulta muitos brasileiros nem-nem de sair de onde estão.
E quanto mais o tempo passa, pior é para achar uma porta que se abra. Infelizmente isso não é bom para ninguém, nem para as empresas, nem para a sociedade, nem para as universidades, nem para os governos. É preciso se investir em políticas públicas voltadas para, de fato, um empreendedorismo que faça sentido para essa juventude.
Os jovens nas regiões Norte/Nordeste do país, já têm uma condição um pouco mais precarizada porque eles têm mais dificuldade de acesso ao mercado de trabalho por serem de regiões menos desenvolvidas. Então a gente precisa colocar também a questão regional nessa discussão para que esse cenário melhore a médio prazo e longo prazo. Não existem soluções fáceis e isso tudo precisa ser muito debatido, muito pactuado, muito conversado com os diferentes atores: dos sindicatos, do governo às empresas.
A gente precisa de políticas públicas que apostem nesses eixos de investimento em educação em tempo integral, em escola e ensino vocacional, em políticas que apostem na igualdade de gênero, na igualdade racial e que distribuam renda e estimulem a aquisição de novas qualificações.