Como professor crítico, sou um “aventureiro” responsável, predisposto à mudança, à aceitação do diferente. Nada do que experimentei em minha atividade docente deve necessariamente repetir-se. Segundo Paulo Freire, este poderia muito bem ser o ponto de partida da nossa compreensão sobre educação: o inacabamento do ser humano.
Esse caráter inconcluso de nós, seres humanos, é próprio de nossa existência. Nós já falamos sobre isso. Não somos seres perfeitos, definitivos.
A humanidade e os conhecimentos que nós produzimos são dinâmicas imperfeitas, limitadas e ainda estão em desenvolvimento. Na verdade, onde há vida, há inacabamento. Só existe vida onde há transformação.
Nada que é vivo está cristalizado, nada que é humano é definitivo. Agora, a questão é que só entre seres humanos é que esse inacabamento se tornou consciente. A forma como construímos a nossa experiência humana a partir do que fomos capazes de transformar da natureza fez com que aquilo que era apenas um suporte para a nossa vida biológica se transformasse no nosso mundo histórico e cultural.
Seres humanos não se definem pela sua capacidade de se "adaptar" à natureza. Nos tornamos culturais justamente quando interferimos na realidade e superamos a nossa condição exclusivamente natural. A experiência humana no mundo muda de qualidade em relação aos vínculos estritamente biológicos que temos com a natureza.
A natureza é o suporte para que os animais possam se adaptar, crescer, caçar e defender-se dos predadores. No mundo natural, os comportamentos dos indivíduos são explicados a partir da espécie que pertencem. Há um instinto que determina a maneira como cada criatura vai se comportar no seu grupo.
Alguns animais podem até mesmo ser domesticados e adestrados para reproduzir alguma ação. Mas a novidade que caracteriza os seres humanos é a complexidade de sua linguagem, que permitiu a autoconsciência, o aprendizado constante, a progressiva compreensão sobre o seu mundo e o espanto existencial diante o mistério da vida. Agora, na medida em que o ser humano transformou a natureza, produziu cultura, passou a pensar sobre si mesmo e descobriu que era possível aprender e superar a sua própria condição, esse mundo passou a ser preenchido de uma dinâmica de novos sentidos formulados pela própria humanidade.
Nesse processo contínuo para nos inventarmos e nos compreendermos, um processo que ainda está em andamento, nós, seres humanos, temos desenvolvido a linguagem e a comunicação em níveis qualitativamente diferentes do que ocorre no ambiente estritamente natural. E é assim que a possibilidade de ou embelezar ou deturpar a natureza e a humanidade isso faz com que homens e mulheres tenham que necessariamente se assumirem como sujeitos éticos. Éticos porque capazes de formular juízos de valor, de comparar, de escolher e de intervir no mundo.
Os mesmos seres humanos capazes de grandes ações que dignificam a humanidade também são capazes de atos de extrema perversidade. É justamente a liberdade advinda da condição de sujeitos éticos que possibilita aos seres humanos o rompimento com a ética. E isso tem que ficar claro.
Não é possível existir como ser humano, em liberdade, sem estar sujeito à tensão radical e profunda entre a generosidade e o egoísmo, entre a intolerância e a compaixão, entre a degeneração e a transcendência. Ou seja, não é possível existir humanamente sem assumir o direito e o dever de escolher, eticamente, diante os princípios que definem o ser humano. É nesse sentido que a dimensão ética da humanidade se configura como uma escolha política.
Porque sabendo que o mundo está em permanente transformação a partir da ação humana, nós não podemos deixar de levar em consideração a consciência de que a dinâmica deste mundo vivo, e portanto inacabado, tanto pode melhorar, como pode também piorar. Não há linha reta na história. Não há um rumo, um objetivo predeterminado.
Não há uma evolução histórica natural, que se desenvolveria por inércia. Assumir-se como ser humano imperfeito, limitado e inacabado impõe a consciência de que não há nenhuma garantia prévia de que seremos, a priori, sujeitos necessariamente e incondicionalmente justos, dignos, honestos, decentes, capazes de respeitar o outro, de dizer a sempre verdade, de compreender o mundo e de impedir que a nossa raiva ou que a inveja que sentimos pelo outro nos leve a fazer o mal. Assumir-se como ser humano é desenvolver a consciência de que a nossa atuação no mundo não é predeterminada, preestabelecida.
O destino não está dado, mas é algo que nós construímos historicamente a partir da nossa atuação concreta, sempre imperfeita e limitada. E é por isso que não podemos nos eximir da responsabilidade pela nossa própria atuação no mundo. A história da humanidade que cada um de nós, sem exceção, estamos construindo, nesse monumental esforço coletivo, é uma história de possibilidades, e não de determinismo.
Este é o raciocínio que leva Paulo Freire a firmar uma crítica permanente contra a aceitação passiva dos conhecimentos, da realidade e de um destino supostamente inexorável. E assim fica claro a importância deste conceito para a educação. Um mundo vivo, em transformação, exige uma educação igualmente dinâmica que prepare o estudante para apreender criticamente, interferir na realidade e participar desse processo histórico inacabado de humanização do mundo.
No próximo vídeo a gente continua esse debate para explicar que a consciência de que somos condicionados pela realidade não significa que somos determinados por ela. E como sempre, a sua participação é indispensável. Não deixe de curtir e compartilhar o vídeo para convidar os seus amigos ao debate.
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