A gente foi lá pro alto, chegamos em Deus, chegamos no amor, na luz, na entrega, fomos de todas as coisas bonitas. Agora a gente vai ter que ir lá para baixo de novo, porque quem sou eu e qual é a minha intimidade? São então perguntas diferentes, diferentes.
Eu usei eu e pessoa como sinônimos, mas não são. Existe um eu e, por outro lado, existe uma intimidade livre, coexistente, aberta, iluminada e cheia de amor. Mas essa intimidade, ela não sobrevive por si mesma.
A gente lembra que o ser humano, que a pessoa é a demais. E por ela ser a demais, ela está além das nossas condições biopsíquicas, além do meu corpo e além da minha alma. Ela tá totalmente além, totalmente a demais.
E ela tem um fim próprio, um fim que é só meu e que não é mais de ninguém. O eu, por outro lado, ele não é essa pessoa. O eu, ele está além, mas ele não está totalmente além.
Ele não está totalmente a demais. Pelo contrário, o eu dialoga com as minhas circunstâncias, o eu dialoga com a minha o meu momento psicofísico, o meu momento biológico, a minha vida intelectual, a minha vida da vontade e do desejo. Então, qual que é a diferença do eu para a pessoa?
O eu é a manifestação real e histórica da pessoa no espaçotempo. Então, a pessoa existe em toda a sua infinidade, em toda a sua maneira indefinida de ser, infinita de ser. Mas o eu não se dá dessa maneira.
O eu se dá através das manifestações. Então, se por um lado ninguém pode conhecer de verdade qual é a pessoa que eu sou dentro da minha intimidade, é possível sim conhecer o eu. E dessa maneira é possível entender o eu de forma profunda, não tão profunda quanto a intimidade, mas também de forma profunda.
E da onde vem o eu? O eu, ele tem duas divisões. O eu se dá dentro de uma visão e o eu se dá dentro de um querer.
O eu é visão através do conhecimento pessoal. Então, o conhecimento pessoal íntimo de quem eu sou e que somente eu sou enquanto sou a minha pessoa, ele vai até a as manifestações biopsíquicas do corpo e da alma. Por outro lado, o amor e a liberdade também descem para o eu para fazer com que nós conheçamos aquilo que queremos.
dentro da vida prática, dentro do dia a dia e dentro das escolhas morais do dia a dia. Então, como a gente já observou, tanto a liberdade quanto o intelecto, quanto o amor não fazem parte nem da vontade, nem da inteligência, mas estão superiores a essas faculdades justamente por darem sentido a essas faculdades, darem sentido ao conhecimento e darem sentido às escolhas e as maneiras de ser da vontade. O eu, então, é justamente aquilo que nasce da intimidade humana, aquilo que é consequência necessária da intimidade humana é o eu.
O eu se manifesta historicamente, o eu seif biograficamente, o eu se manifesta psicologicamente. Então, dá para ver isso e hoje em dia tá muito na moda essas coisas. que são, por exemplo, as camadas da personalidade.
Também dá para falar dos tipos de psiquê. O eu se dá através de uma manifestação biográfica. Biográfica é uma manifestação histórica que pode ser classificada de acordo com critérios racionais.
Então, ao mesmo tempo que o eu não é a incomunicabilidade da intimidade humana, o eu dialoga com a o meu corpo, o eu dialoga com a minha psiquê, o eu está dentro de mim e eu posso sim classificá-lo. Então, ao contrário da intimidade humana, da pessoa humana, que é o meu íntimo íntimo que ninguém conhece, o eu não carece de réplica. O eu não carece de réplica, mas corresponde a um você.
Então, todo eu tem um você pelo qual ele se relaciona. E a maior comunicação que se pode dar entre dois eus é a amizade. Um eu e um você podem ser amigos e trocar essas manifestações.
Então, existe uma realidade intocável que se dá através da liberdade, da coexistência e do amor e do conhecimento pessoal. E existe uma realidade tangível, que é a realidade do eu. Se a gente entende que existe uma diferença entre o eu e a pessoa, entre a intimidade e o eu, a gente consegue aprender várias coisas, que é qual?
que os traumas psíquicos tão repetidos no século passado, que o complexo de édo, que o trauma que você teve lá na infância, quando alguém roubou teu doce, esses traumas, o divórcio dos seus pais, esses traumas, a menininha que te rejeitou, esses traumas impedem o acesso à intimidade, mas eles não são requisito de aperfeiçoamento. da pessoa. A pessoa é perfeita, nova, totalmente irrepetível por si mesma.
Por si mesma. Não existe na pessoa algo que faça equivalência entre dignidade e sucesso. O sucesso do eu independe da dignidade da pessoa.
A pessoa se dá através da intimidade totalmente nova e totalmente valiosa. O eu, por outro lado, é uma manifestação histórica, biográfica, que pode falhar. pode falhar.
Uma pessoa pode falhar a vida inteira e ela continua sendo extremamente valiosa. Um eu pode falhar a vida inteira e ele vai se tornar um pobre eu. Por isso, nós não podemos julgar as pessoas pelas maneiras pelas quais o eu se manifesta.
O eu se manifesta de maneira diferente e de maneira claramente inferior à pessoa humana. Claro, é importante ter noção do eu, é importante ter noção do propósito biográfico, é importante ter noção da narrativa. A vida humana é narrativa.
Em certo sentido, a vida humana é narrativa, mas a pessoa humana não é narrativa. Pelo contrário, a pessoa humana pode se redescobrir, a pessoa humana pode se reinventar de maneiras que superem o andamento comum da narrativa e da manifestação histórica do eu. Então, o eu se dá dentro do espaço templo.
O eu se dá na medida pela qual a minha intimidade se manifesta, mas essa intimidade pode ser cortada. Então, eu tenho uma narrativa do meu eu. Eu vivo minha infância.
Eu tenho as memórias da minha infância, memórias dos meus pais, memórias dos meus amigos, memórias dos meus inimigos. Essas memórias elas elas são todas manifestações narrativas que não são a mesma coisa que a intimidade humana. Então, do meu eu, eu posso ter uma uma linha do tempo, uma cronologia.
E essa cronologia equivale à série de manifestações que eu faço da minha vida. Isso é extremamente importante. Isso é extremamente crucial para nós entendermos de maneira indireta qual é a nossa pessoa.
Mas essas manifestações, esse agir humano dentro da história, ele não equivale a minha pessoa. A intimidade de alguém não é e nunca será a mesma coisa pela maneira com o qual eu me eu me retrato na história, não é? Não é?
Então, o amor se manifesta de certas maneiras. O conhecimento e a liberdade, eles podem se manifestar de certas maneiras deficientes por falta de entrada e por falta de intimidade humana. Mas esses fracassos não correspondem a uma a uma diminuição de dignidade da pessoa.
Então, alguém que esteja, por exemplo, numa camada da personalidade, que ela só pensa em sexo, que ela só pensa em bebedeira, que ela só pensa em não sei o quê, ela não é inferior ao santo, não é. Ela só é inferior em nível narrativo biográfico, mas toda pessoa é completamente única e irrepetível. Então, a novidade de cada um se dá por meio dessas manifestações e o meu eu pode ser realmente conhecido pelos outros.
Então eu disponho do meu eu. A minha pessoa dispõe do eu. Ela dispõe dessas do conhecimento que o eu pode fazer, das coisas do mundo e pelas escolhas que o eu pode fazer.
Então, eu só conheço o meu eu na medida que eu ajo conforme e estou dentro, em contato com o espaço físico, com o espaço histórico e com o espaço inter, não pessoal, mas interrelacional. A intimidade humana é totalmente diferente desse eu, apesar de que a intimidade humana ela se reflete nesse eu. Então, por isso, um bebê na barriga da sua mãe é pessoa, mas o seu eu não está desenvolvido, entende?
Eh, nesse sentido que uma pessoa que teve uma história inteira de vida e no final da sua vida entra em coma e fica anos em estado vegetativo, continua tendo a sua dignidade, porque o seu eu não está sendo manifestado, não significa que a sua intimidade não exista, apesar dela não poder ser manifestada imediatamente. É muito importante separar eu de pessoa, porque se a gente não separa o eu da pessoa, acontecem crimes contra a humanidade. Existem crimes que se colocam na medida que a gente não aceita que uma pessoa desenvolvida em relação à sua vida histórica, biográfica, seja pessoa.
Então, uma pessoa com síndrome de Down, uma pessoa com uma pessoa com deficiências, ela tem toda dignidade e toda a o respeito e intimidade que qualquer um merece. Isso é extremamente importante porque isso nos leva a entender que os nossos fracassos não equivalem a uma diminuição de valor de quem nós somos. e que o a egolatria, o estar totalmente envolvido no meu eu e nas manifestações da minha vida, o egoísmo leva a uma decapitação da pessoa.
A pessoa se decapita, a pessoa se infertiliza em relação à sua intimidade, em relação ao seu infinito interior. Ela corta o acesso a Deus, corta o acesso às luzes, corta acesso à liberdade e se torna um escravo de si mesmo na medida que ela vive nesse labirinto interior. Isso é muito deletério, isso é muito ruim, porque nós paramos de estar na lógica do amar, do dar e do aceitar e do entregar e passamos a estar somente na lógica do possuir.
E a posse não é o que faz o homem homem. O homem, a pessoa humana, ela está em contato com o mundo, mas não é isso que dá ela dignidade. A verdade é que o inferno será quando, depois que morremos, Deus poderá mostrar para nós tudo que poderíamos ser, tudo que as nossas manifestações poderiam ter alcançado em nossas vidas, tudo que nós poderíamos ter alcançado se fôssemos coerentes com a nossa pessoa, com aquilo que ele chamou a gente para ser.
Se nós não cumprirmos a nossa vocação, se o nosso eu não seguir a nossa pessoa, seremos fragmentados e isso será totalmente terrível. Então, o eu, ao mesmo tempo, que é o modo pelo qual a nossa liberdade se manifesta, o eu não é a nossa intimidade. E se eu for forcar na minha vida, se eu for buscar na minha narrativa a essência da minha vida e não fechar os olhos e falar com a minha pessoa e com a minha intimidade, o que sou eu e qual é minha vocação, eu corro um risco tremendo de falhar enquanto eu, apesar de que minha pessoa nunca vai falhar, eu tenho que ser coerente com a minha intimidade.
Se eu não sou coerente com a minha intimidade, se eu não tenho uma unidade entre eu e entre a pessoa, o que vai acontecer? A minha vida vai se multiplicar deus. E aí a gente vai ter para cada situação social, para cada lugar, para cada momento da nossa vida, nós vamos botar uma máscara.
E essa máscara que a gente coloca não é a nossa intimidade. Nós estamos traindo a nossa intimidade. E na medida que a gente trai a nossa intimidade, nós converamos pessoas falsas e pessoas que estão escravas das circunstâncias e das manifestações.
E se nós estamos escravos das nossas manifestações, o que vai acontecer é que a nossa liberdade e a nossa coexistência com os outros, ela vai começar a se tornar cada vez menos livre. nós vamos ficar cada vez menos livre na nossa na nossa vida. Só para então conseguir entender quais são essas falsidades do eu ou os vários eus que podem estar na nossa vida.
Tem dois exemplos muito bons. O primeiro é o garçom ou a garçonete que vão tratar super bem os clientes, sorrir, olhar, está muito preocupado e vai cuspir no prato, vai falar mal dos clientes ou vai ser falso. Ou seja, existe todo um mundo exterior, né, onde a pessoa bota uma máscara, bota uma fachada e atrás do restaurante, junto com os outros funcionários, é outra pessoa.
ou até os professores que têm que fingir que são duros nas primeiras aulas, que são malvados, que são duros, que vão suspender, que vão repetir o aluno de ano, mas na verdade são totalmente apaixonados pelos alunos e querem que os alunos façam bem as provas, que querem que os alunos aprendam. Ou seja, existe um caráter exterior e existe um outro caráter que se dá em outros ambientes. Esses vários eus, eles podem servir em alguns momentos, em outros momentos não servir.
Então, por exemplo, eu tô com muita fome, mas tem uma pessoa muito chata querendo almoçar comigo. Então, falo, pego lá e minto na cara dura. Não estou com fome.
De repente a minha barriga ronca e aí a pessoa fala: "Claro que você tá com fome. O que aconteceu? A minha máscara quebrou, a minha fachada quebrou e eu fui declarado alguém falso perante a sociedade.
Essas dinâmicas do eu, elas não podem ser vividas por nós. Elas só são vividas na medida que o eu e a pessoa ficam incoerentes entre si. É claro, existem momentos que é preciso ser mais duro, sim, mas não precisa ser mal, não precisa mentir quando você é professor, por exemplo.
Mas existe uma necessidade de sempre ser a mesma pessoa e o eu refletir aquilo que você vive na sua intimidade. Se você não vive a sua intimidade bem, o eu será totalmente desconexo e o eu conseguirá em cada um dos lugares viver uma personalidade diferente. Isso seria terrível.
Isso seria muito ruim. Então, a biografia não é tudo. A nossa glória não é tudo.
A gente não quer ter glória humana. A gente não quer ficar, ser grandes, ser lembrados pro resto da história. Isso é idiota.
Isso é idiota. Nós queremos ajudar os outros. Nós queremos nos entregar aos outros.
Não queremos viver nessa egolatria. Nós queremos entender o nosso eu a partir do que somos chamados dentro da nossa intimidade. Ah, mas como que eu provo a intimidade?
Não prova. Olha para dentro. Você vai ver.
Você vai ver que você pode estar traindo a sua consciência nesse exato momento. Você vai ver que você pode estar traindo o que você deveria ser. Você vê, você sabe.
Eu sei que você sabe. Então, a gente precisa entender então a humanidade, quem sou eu a partir da pessoa. A pessoa define quem sou eu.
A minha intimidade define quem sou eu. E um fracasso humano não equivale a um fracasso da pessoa. Pelo contrário, a pessoa é sempre valiosa.
A pessoa é sempre digna de respeito. E na próxima aula a gente vai falar de uma pessoa que alcançou muito, mas falhou miseravelmente, pra gente entender exatamente como a biografia e a pessoa são coisas totalmente diferentes.