Olá! Bem vindes todas, todos e todes ao encontro de encerramento da programação do Dia M de 2021, nossa festa de aniversário de Karl Marx que acontece pelo segundo ano em quarentena. A programação é realizada pela Boitempo, a casa editorial de Marx e de Engels no Brasil, com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo e da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco. No encontro de hoje, transmitido simultaneamente pela TV Boitempo e pelo canal Tese Onze, teremos uma conversa entre Kohei Saito e Sabrina Fernandes, com mediação de Guilherme Prado. Essa atividade marca o lançamento da edição brasileira do livro
“O ecossocialismo de Karl Marx”, obra escrita por Saito, com apresentação de Sabrina Fernandes, que recebeu o Deutscher Memorial de 2018. Termina hoje a promoção do Dia M que começou no dia último dia 03 de maio em que todos os livros publicados pela coleção Marx-Engels da Boitempo, além de uma seleção especial de obras sobre marxismo, estão com descontos de 20 a 40% em nossa loja virtual e em livrarias parceiras de todo o país. Quem adquirir livros nesse período no site da boitempo, receberá cartões postais e marcadores exclusivos, além de um belíssimo cartaz com ilustração de Cássio
Loredano para compras acima de 100 reais. Para quem preferir ler em e-books, termina hoje também, a promoção em que todas as versões eletrônicas das obras de Marx e Engels estão à venda nas principais lojas do ramo com preços de R$1,99 a R$19,90, além de desconto de 30% sobre nossos e-books a respeito do marxismo. Convidamos a se inscreverem em nosso canal do Telegram para receber notícias de nossos livros, eventos e autores pelo link t.me/boitempo. Quem se inscrever ainda hoje receberá um pacote especial de figurinhas marxistas para usar em seu celular. O encontro de hoje marca o
lançamento do livro de Kohei Saito no Brasil “O ecossocialismo de Karl Marx: capitalismo, natureza e a crítica inacabada à economia política”. O trabalho por trás de um livro é frequentemente invisibilizado, então gostaríamos de registrar o trabalho de tradução de Pedro Davoglio, com edição e preparação de Tiago Ferro, coordenação de produção de Livia Campos, assistência editorial de Carolina Mercês, revisão de Carmen Costa, diagramação de Mika Matsuzake e capa de Maikon Nery. O texto de apresentação é de Sabrina Fernandes, a orelha é de Murillo van der Laan e a quarta capa é de Kevin Anderson e de
Michael Heinrich. Gostaria de aproveitar esse último encontro do Dia M para nomear, também, a equipe de comunicação que tornou esse ciclo realidade. Marissol Robles, Jéssica Soares, Artur Renzo, Heleni Andrade, Marina Valeriano, Isabela Meucci, e também agradecer a toda a equipe da Boitempo que está por trás de tudo aquilo que a gente tem feito nesses últimos 25 anos. Passo agora a palavra para Guilherme Prado, que mediará a conversa. Guilherme é professor, pesquisador, mestre em ciências humanas e sociais pela UFABC e fundador e cooperado da Livres Coop, rede agroecológica de produção e consumo. Bom debate para todos.
Olá! Bom dia, boa noite, boa tarde para todos que assistem. Muito obrigado, Kim, pelo convite e pela apresentação. Parabenizo, também, a Boitempo, essa editora necessária, afinal é mais um livro muito necessário, “O ecossocialismo de Karl Marx” que a gente está aqui hoje para debater sobre. É uma honra muito grande participar dessa discussão até porque eu, como trabalhador associado de uma rede agroecológica, que busca criar uma economia sem atravessadores, sem agrotóxico e sem exploração, de alguma forma já consigo e tento colocar em prática esse ecossocialismo real que a gente tanto precisa, né? Então para mim é
um prazer muito grande estar nessa discussão aqui hoje e também porque é mais um aniversário do velho barbudo, esse espécime tão necessário para entender a realidade. É também muito especial esse debate, esse debate quente porque estamos em um planeta cada vez mais quente e em meio a uma crise da vida que já ameaça pelo menos uma a cada oito formas de existência, estamos em meio a uma grande aceleração de uma extinção em massa. Então, estamos no meio de um debate quente, numa nova era geológica, seria o antropoceno, ecoceno, capitaloceno? Será que o capitalismo é o
grande motor por trás disso? Bom, não vou ser eu que vou responder isso, vai ser os nossos painelistas aqui, os nossos parceiros e parceiras que vão estar debatendo esse momento tão crucial para gente e um deles é o Kohei Saito, que é professor associado de economia política na Universidade de Osaka no Japão, tá aqui com a gente para estrear este novo livro “O ecossocialismo de Karl Marx”, em parceria com a Boitempo. Também vamos ter a Sabrina Fernandes, uma pessoa muito especial para o nosso público brasileiro que é doutora em sociologia, fazendo pós doutorado agora com
a Fundação Rosa Luxemburgo e a UnB e a autora de “Sintomas mórbidos” e “Se quiser mudar o mundo” além de produtora da Tese Onze. Prazer imenso estar com vocês. Que seja um ótimo debate! Vamos lá, ao Kohei Saito para abrir esse nosso debate de hoje. Oi! Muito obrigado pela apresentação e muito obrigado a Boitempo por ter publicado o meu trabalho em português. Eu estou muito orgulhoso do meu… Eu sou o primeiro autor japonês a publicar na Boitempo. E hoje é uma ótima oportunidade para conversar com a Sabrina, que é a ecossocialista mais famosa do Brasil
e eu estou muito animado com esse evento hoje. Então, nessa pequena apresentação, deixe-me introduzir algumas das ideias chave do meu livro. Basicamente, hoje nós falamos sobre isso, nós estamos na era antropoceno que é caracterizado pela crise ecológica global. Não há mais natureza intocada porque a atividade humana ou a atividade do capital cobriu inteiramente a superfície do mundo todo. E Bill McKibben falou uma vez sobre o extermínio da natureza, mas nós estamos, na realidade, testemunhando o fim da civilização. Depois de vinte ou trinta anos da tese “O fim da História” de Francis Fukuyama, hoje nós estamos
testemunhando um fim totalmente imprevisível, o fim da civilização humana. Essa é uma forma muito inesperada do fim da história, mas é real em vista do aprofundamento da crise ecológica, a forma como o clima muda, a desertificação, a erosão do solo, e a extinção de espécies. É por isso que nós falamos frequentemente sobre a necessidade de uma revolução ecológica, porque um exemplo é a emissão de carbono que precisa ser reduzida a 0 até 2050 se nós quisermos manter o aquecimento da terra em 1.5 em 2100, mas o problema é que o atual sistema não pode oferecer
uma solução muito efetiva para reduzir a emissão de carbono a 0 até o ano de 2050. Por isso muitas pessoas começam a falar sobre uma mudança do sistema e não do clima. Porque esse sistema de acumulação de capital infinito e o crescimento infinito da economia é simplesmente incompatível com os limites do planeta. Mas a questão aqui é: qual tipo de revolução ou qual tipo de mudança de sistema nós devíamos planejar depois? Hoje falamos muito sobre o Green New Deal e a recuperação do verde e esse tipo de coisa, mas basicamente o que se supõe com
isso é uma mudança gradual do capitalismo ganancioso ou do neoliberalismo ganancioso para um tipo de capitalismo mais dócil e verde. Esse sistema não está mudando em sua base, mas pelo menos nós acabamos com a austeridade neoliberal e com o capitalismo financeiro. Na verdade, nós falamos sobre a recuperação do verde também, e a pandemia mostra como não podemos lidar com essa crise sob um regime neoliberal e nós estamos testemunhando, ou o capital está testemunhando, uma nova fronteira de expansão pelo investimento em energia verde, renovável ou veículos elétricos, etc. Mas o risco agora é que essa grande
expansão do mercado verde, ou mesmo do capitalismo, provavelmente apenas reforçaria o modo de viver imperial sugerido por Ulrich Brand e Markus Wissen. Então isso somente criaria um espaço para atender a um novo tipo de compromisso de classe entre a classe capitalista e outras subordinadas estimulando o crescimento econômico de investimentos verdes. Mas isso simplesmente destruiria tanto o meio ambiente no Sul global como a vida das pessoas em tantas outras partes do mundo. O que precisamos reconhecer é que não há, na verdade, nenhum tipo de capitalismo verde funcionando, ou que pode até funcionar no futuro, mas o
problema é que esse capitalismo verde não é rápido o suficiente para acabar com a crise climática. Enquanto o lucro rápido for o objetivo principal do capitalismo isso não será compatível com o metabolismo universal de longo prazo da natureza. Nesse sentido, eu fico preocupado com esse Green New Deal, porque o Green New Deal pode acabar apenas fortalecendo e reforçando o imperialismo ecológico e também acabar reforçando a desigual troca trabalho, recursos e dano ambiental. E o que provavelmente vai acontecer, como eu disse, é que reduzindo a emissão de carbono no Norte global vai resultar apenas em uma
alienação mais intensa e extensiva da natureza do Sul global. Na verdade, o preço do lítio, cobalto, níquel está aumentando e vai ficando cada vez mais intenso na competição capitalista entre os Estados Unidos e a China. Então, o que vai acontecer nesse cenário é que a acumulação de capital pode continuar através do investimento massivo em tecnologias verdes, mas enquanto mantivermos esse tipo de sistema e crescimento econômico, nenhum desenvolvimento humano sustentável será possível. Então, a crise econômica pode ser adiada, mas assistiremos a uma crise ecológica, simplesmente. Nesse sentido, eu não vou entrar em detalhes dessa possibilidade de
capitalismo verde, mas o ponto é que não podemos realmente acreditar na sustentabilidade do capitalismo verde, precisamos ser muito mais radicais. Por isso há muitas pessoas falando sobre o ecossocialismo e tantas outras falando sobre decrescimento. E até mesmo hoje quem critica abertamente o neoliberalismo também fala sobre ecossocialismo como a melhor alternativa para garantir a sobrevivência humana e isso é, com certeza, um passo à frente para as políticas ecológicas radicais que sumiram nos últimos 30 anos depois do colapso da União Soviética. Nesse contexto, Marx também está ressurgindo e as pessoas têm falado sobre Marx até mesmo no
Japão, recentemente. Isso é novo, porque muitas pessoas criticam Marx, que ele não é um pensador ecológico, que a ecologia de Marx é impossível, por isso que muitas pessoas simplesmente denunciam o produtivismo ou o prometeísmo notório de Marx. É basicamente a ideia de domar a natureza como condição para a liberdade humana. Então, de acordo com essa visão, Marx propagou o crescimento total das forças produtivas e o desenvolvimento total da tecnologia para que nós possamos simplesmente manipular a natureza ou superar qualquer tipo de limite natural. Mas essa não é a história completa, certo, como sabemos e eu
espero que vocês estejam familiarizados com pessoas como Paul Burkett, ou John Bellamy Foster, ou Joel Kovel e tantos outros ecossocialistas nos Estados Unidos, especialmente, que redescobriram a ecologia de Marx. Eles enfatizam a importância do projeto de Marx de uma economia política para qualquer crítica ecológica. Porque sem esse tipo de crítica radical ao capitalismo, a nossa crítica ecológica será simplesmente subsumida ao capitalismo. E é por isso que muitas pessoas agora estão falando sobre uma crítica sistemática do capitalismo de uma perspectiva ecológica, mas ao mesmo tempo há muitas críticas, novas críticas contra essas visões da ecologia. Um
exemplo é Jason Moore, mas há outras pessoas que basicamente disseram que John Bellamy Foster exagerou sobre o interesse de Marx sobre ecologia e seu caráter sistêmico, que basicamente Foster levantou passagens irrelevantes de cartas, manuscritos e outros escritos, e isso fez parecer que Marx era ecologista. Mas, no meu trabalho sobre o ecossocialismo de Karl Marx, eu me atentei a refutar essas novas críticas através de pesquisas dos cadernos de Marx publicados pela MEGA, a Marx-Engels-Gesamtausgabe, esse é um trabalho completo de Marx e Engels e a MEGA publicou basicamente os cadernos e eles contém muitos trechos de livros
de ciências naturais. Então, Marx era notoriamente engajado com a crítica de Justus von Liebig da alienação da natureza, da agricultura, mas Marx não ficou apenas com Liebig, ele também leu vários livros, não apenas sobre esgotamento do solo, mas sobre desertificação, doenças de animais e até a extinção das espécies. E através desses cadernos eu demonstrei que Marx abandonou completamente sua visão otimista de progresso e, especialmente em seus últimos anos, ele focou na ruptura metabólica como uma manifestação sobre a contradição do capitalismo. Ele acabou não somente incorporando Liebig, mas foi além disso, porque ele escreveu muitos livros
criticando Liebig e ele queria expandir constantemente sua crítica ecológica do capitalismo baseado nas ciências mais recentes disponíveis na época. Ele sabia que seu conhecimento sobre ciências naturais era incompleto e… a ciência da época, principalmente no século XIX era limitada, mas é por isso que ele continuou constantemente a ler novos livros, novos artigos e jornais e continuou tomando notas em seus últimos anos. E esse cadernos estão disponíveis agora na MEGA e lendo eles, como eu disse, nós vemos como o seu horizonte de críticas ecológicas expandiu depois de 1868, nos últimos 15 anos de sua vida e
ele realmente considerou essas várias contradições ecológicas precisamente como resultado do desenvolvimento das forças produtivas. Então ele não é mais produtivista. Ele viu que as tecnologias capitalistas eram o real problema que geram a ruptura metabólica. E por um lado a tecnologia sempre tentou… as novas tecnologias sempre aparecem como na engenharia geográfica ou a captura e armazenamento de carbono, hoje em dia. Mas o problema é que essas novas tecnologias criam novos problemas. Elas simplesmente mudaram a ruptura, então acabaram criando crises ainda piores por outro lado. Marx focou nas duas faces: no aperfeiçoamento constante de tecnologia, mas ao
mesmo tempo no aprofundamento constante da crise ecológica. Por isso ele continuou debatendo sobre o que aconteceria com essas duas tendências contraditórias. Mas ele estava convencido de que no fim, enquanto o capitalismo persistir, o desenvolvimento sustentável da humanidade não será possível. É por isso que ele reivindicava que somente os produtores associados livres podem controlar a própria interação metabólica com a natureza de uma forma sustentável. E eu acredito que esse pensamento básico é bem fundamental para qualquer tentativa ecossocialista hoje, nós não temos que assumir que Marx explicou tudo, ele sabia que seu estudo não estava completo, e
é por isso que eu falo que suas críticas estavam inacabadas, sua teoria está aberta para novas descobertas. Por isso temos que desenvolver seus pensamentos ecológicos baseados no que ele deixou para trás no século XIX. Nós podemos construir uma nova visão ecossocialista na era do antropoceno para não acabarmos com nossa história. Muito obrigado! Obrigado Kohei, pela contribuição. Já estou cheio de perguntas aqui, e ansioso pra fazermos o nosso debate, mas antes disso queria chamar a queridíssima Sabrina Fernandes, um personagem muito importante do ecossocialismo brasileiro que eu tenho muita admiração e que agora vai fazer alguns comentários
para daqui a pouco a gente discutir. Sabrina, bem vinda, é bom tê-la aqui! Obrigada Guilherme, queria agradecer também a Boitempo por propiciar esse encontro, por me colocar para fazer a apresentação desse livro que eu já conhecia há mais tempo, porque eu considero que o trabalho do Kohei Saito surge num momento que é muito importante justamente para resolver essa contradição entre primeiro e segundo estágio de ecossocialismo que ainda brigam sobre qual é o legado de Marx sobre a ecologia. Eu acredito que o livro “O ecossocialismo de Karl Marx” ele concretiza e coloca um ponto final nessa
dúvida se haveria ecologia em Marx ou não. Então aquela pergunta que o John Bellamy Foster começa a explorar em "A ecologia de Marx", eu acredito que o trabalho de Saito consegue finalizar muito bem de forma a não deixar nenhuma dúvida aqui e isso também permite que a gente siga explorando outras questões por aí. Então, por exemplo, ano passado o Bellamy Foster lançou “O retorno da natureza”, “The return of nature”, e com isso a gente pega um pouco mais de quais eram essas relações, o que a gente pode aprender mais com Engels. Ano passado a Boitempo
propiciou aqui um encontro, também, muito gostoso em relação a Engels e a gente falou da dialética da natureza, a gente falou de anti-Dühring e falou da importância de compreender que a questão da ecologia está totalmente entrelaçada com a concepção do materialismo histórico e dialético. Não é algo que aparece depois. Mas as nossas grandes referências, Marx e Engels, já tratavam disso, já eram muito curiosos sobre isso e eu acredito que é algo que traz a gente de volta para essa discussão de metabolismo. Porque é isso que está em jogo. Quando o Saito apresenta aqui, pra gente,
que é uma questão sobre o fim da história humana na terra, o que pode acontecer com a gente, a gente tá falando de metabolismo, o que nos permite viver e como nós mediamos a nossa realidade aqui, então é uma questão da nossa produção e do nosso consumo e como isso também é dialético, não dá pra tratar de forma isolada e o tal do “capitalismo verde”, entre aspas aqui, é uma perspectiva que muitas vezes tenta fazer um jogo dúbio. Apresenta como se fosse simplesmente uma questão de consumo individual, então basta você corrigir algumas coisas do seu
comportamento, muitas vezes isso é feito de forma moralista, coloca pra pessoa se sentir muito mal sobre o que ela faz e aí ela nunca vai parar pra olhar qual que é o desperdício de água no agronegócio, ela nunca vai parar pra olhar para as grandes emissões da indústria do plástico que na verdade enfia o plástico em todas as coisas, não é só no canudo na hora de você tomar um suco ou algo assim, então distrai. E ao mesmo tempo há uma distração do lado da produção porque além de trazerem essas falsas soluções, como a questão
do mercado de carbono, por exemplo, uma outra coisa que ocorre é que nós precisamos continuar com a provocação de falar sobre produtivismo sim, mas compreendendo que não é porque Marx era produtivista. Na verdade é porque há uma ala da esquerda que insiste que só há uma forma de se industrializar, só existe uma forma de se desenvolver. E que aí nós precisamos continuar extraindo recursos naturais porque essa extração... então aqui a gente vê uma diminuição, uma redução da natureza na sua forma como recurso, porque como recurso ela é extraível aqui, e aí quando isso ocorre, é
isso que vai garantir a nossa soberania, é isso que vai garantir que nós possamos avançar com a classe trabalhadora. E essa é uma confusão que nós devemos evitar. Essa é uma confusão que ainda é viciosa na esquerda, sobretudo na esquerda marxista, porque se confunde muitas vezes o que foi esse processo de industrialização do capital com como deve ser o desenvolvimento socialista em si. E aí isso a gente vê uma grande provocação que o ecossocialismo traz pra gente, como uma corrente que é muito mais recente no decorrer do debate marxista socialista, mas que trouxe essa curiosidade
necessária de focar ali na ecologia como um elemento central do marxismo. Eu acredito que nenhuma pessoa que se depara com essas duas obras lado a lado, "A ecologia de Marx" do Bellamy Foster e “O ecossocialismo de Karl Marx” do Kohei Saito consegue olhar pra aquilo ali e falar “não, realmente, Marx era um produtivista, era um prometeano” ainda há quem insista, mas eu gostaria que essas pessoas que ainda insistem nisso olhassem com um maior cuidado para compreender que não há nenhuma possibilidade da gente pautar socialismo em terra arrasada. Então nós estamos aqui lidando com uma questão
de condições. Quais são as nossas condições materiais para poder falar de revolução? Pra poder falar de superação do capitalismo? E se a gente vai falar de superação do capitalismo, entra como nossa obrigação também superar os vícios capitalistas, a forma capitalista de lidar com a natureza. Então a gente passa a compreender que socialismo não é simplesmente a mudança dos donos dos meios de produção, não se trata simplesmente de socializar os meios de produção, tirando da propriedade privada e passando para a classe trabalhadora, mas passa também de mudar o sentido dessa produção. O que nós queremos? Qual
é o nosso objetivo de vida? O que que é uma sociedade próspera no socialismo? É por isso que a gente encontra com muita força no trabalho de ecologia marxista dos ecossocialistas uma preocupação frequente com a questão do imperialismo ecológico, como o Saito já mencionou aqui, uma preocupação muito forte com a mudança climática que é a grande questão do nosso século. Nesses últimos dois anos parece que é a pandemia, mas é bom a gente lembrar que a pandemia, ela não é singular quando a gente coloca a mudança ecológica na nossa consideração. O modo de produção em
que a gente está envolvido no momento é o modo de produção que gera pandemias. Então precisamos ficar alertas porque há várias formas de haver o fim da história humana nesse século e no próximo. Considerando isso, eu vejo que algo que é muito interessante, às vezes no título do livro “O ecossocialismo de Karl Marx” algumas pessoas… já li algumas resenhas que apontavam que “é, mas não seria anacrônico falar disso? Porque não existia ecossocialismo na época de Marx". E aí, pra essas pessoas eu respondo: o que a gente está procurando aqui é a base. O ecossocialismo nos
permite olhar e procurar uma base para encontrar essa base ecológica e compreender que não dá pra fazer as coisas mais da forma de antes. Um pouco dessa atenção para aclimatizar as pessoas que não estão tão acostumadas com o debate do ecossocialismo em si, mas que o Saito apresenta ali inclusive na introdução do livro e eu tento enfatizar na apresentação, é que no começo do debate ecossocialista ele surge muito dessa necessidade de reconhecer os limites da natureza, de reconhecer que estamos realmente empurrando os limites metabólicos da natureza. Isso tem uma influência do que a gente vai
ver ali como a rejeição da "revolução verde", outro verde muito estranho aí, da agroindústria, e a gente vê também como uma reação a esse próprio desenvolvimento do debate sobre a mudança climática, então é preciso que o socialismo seja ecológico. Mas muitas vezes eu… e isso é uma impressão que a gente tem quando a gente pega esses debates, é que talvez na vontade de expressar rejeição a vícios produtivistas que foram vistos nas experiências socialistas do século vinte, acabaram atribuindo isso também a Marx e Engels. Então o erro acabou sendo extrapolado. E de uma forma ou de
outra também a gente encontra um problema de que até essas experiências socialistas foram colocadas como se fossem completamente homogêneas. Inclusive há um tempo atrás o Bellamy Foster trouxe junto com algumas referências, por exemplo, o Stephen Brain que escreveu “Song of the forest” falando dessas contradições sobre o ambientalismo e sobre o conservacionismo na União Soviética, mostrando que as experiências não são tão homogêneas assim. Nós precisamos compreender onde que as coisas erram, onde que a gente acaba favorecendo esse rompimento, essa ruptura metabólica ou não. Então nós temos muitas lições. Não é uma questão de negar o passado,
é uma questão de aprender e o ecossocialismo tem essa provocação muito ativa, é uma questão de uma curiosidade atenta, relacionada à possibilidade de vida na terra. E o que nós enfrentamos, trazendo aqui pro contexto do Brasil, e a razão pela qual eu acho que essa obra é muito importante de estar presente no debate é que não há nenhuma possibilidade da gente superar essa situação de capitalismo dependente no Brasil, de uma subindustrialização, de um país que ainda é muito vulnerável às ações imperialistas sem a gente trazer a natureza para a conversa. Porque se a gente traz
a natureza pra conversa, a gente consegue realmente preservar, a gente consegue proteger devidamente. Há uma impressão que eu critico como uma impressão muito falsa em certa parte da esquerda de que a melhor forma, por exemplo, de proteger o petróleo brasileiro do grande imperialista é gastando todo o petróleo nós mesmos. Então nós vamos explorar tudo e cem anos de petróleo vai garantir muito desenvolvimento para a saúde, para a educação, mas estaremos aqui? O Brasil como é hoje já é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do planeta. Isso também é muito relacionado com a
indústria do agronegócio, com a carne em si, com a exportação de commodities. Então esse modelo de capitalismo dependente em que os países da América Latina estão inseridos é um modelo que também precisa ser criticado via ecossocialismo. Porque inserindo a natureza no debate a gente percebe muito mais essas conexões. E que que é quando a comida vira commodity? O que acontece quando a gente vive num país, hoje no Brasil em que mais da metade da população se encontra em situação de insegurança alimentar e cerca de 20 milhões de pessoas em situação realmente de fome? E ainda
assim o agronegócio aponta recorde de lucro, safras recorde, estão muito felizes porque está chovendo mais, então a safra da soja tá sendo uma beleza. Mas o que isso significa para a população em si? Então se a gente vai superar este modelo do capitalismo dependente, eu acredito que a gente não tem tempo mais para errar. Não tem tempo para a gente fazer a superação desse modelo passando por cima com uma industrialização suja, explorando todo o petróleo porque a gente já tem ele mesmo e se a gente não pegar alguém vai vir e vai roubar. Nós precisamos
tratar de soberania de forma ecológica, porque não tem como você lutar contra o imperialismo ecológico sem ser ecológico. Porque na verdade, apesar desse termo que o Crosby tratava de imperialismo ecológico, a gente sabe que isso significa imperialismo antiecológico, que é o roubo da natureza, que é a troca desigual, a troca ecologicamente desigual, como a gente fala no conceito em si e que inclusive hoje em dia se vê cálculos que algumas coisas que o próprio Saito menciona ali no livro em relação aos Estados Unidos, o guano por exemplo, existem cálculos que já foram feitos mostrando essa
troca ecologicamente desigual e como isso acontece hoje em dia no Brasil. Porque se a gente exporta a quantidade de soja que a gente exporta hoje... e o maior importador de soja hoje do Brasil é a China, por exemplo. Se exporta esse tanto de soja a gente também tá exportando água. A gente também está exportando fertilidade do solo, que é o que chama muito a atenção do Marx quando ele está estudando o Justus von Liebig mas também não se resume a isso, como o Saito também já mencionou. Então nós percebemos que essas trocas que nós temos
com os outros países exigem que a gente pense com muito cuidado. Porque a troca ecologicamente desigual não se dá somente quando você tem uma intervenção direta colonial do centro do capitalismo. Ela dá quando a gente se permite continuar extraindo da natureza neste mesmo ritmo, confundindo a própria questão da soberania com uma posse e um direito de explorar infinitamente recursos que são finitos. Então isso é muito prejudicial para a nossa perspectiva, então se for pra gente falar… se a gente está vulnerável a uma intervenção imperialista, o melhor que a gente pode fazer é realmente trabalhar na
nossa soberania. Mas, pra mim, soberania energética tem muito mais a ver com a gente pular a fase, a gente trabalhar com essa transição pulando o máximo possível a fase dos combustíveis sujos para que a gente possa estar trabalhando cada vez mais cedo com renováveis, investindo em pesquisa, em educação, quebrando patentes. Essa questão do capitalismo verde que hoje domina, aliás, sempre dominou os debates na ONU sobre a mudança climática, é um debate que é quase inócuo, ele não faz nem cosquinha na questão da mudança climática. Porque a própria questão da propriedade privada de tecnologias que são
importantes para a transição não é questionada. Chegaram a levantar esse ponto em 2010, em Cancun, e depois foi abandonado porque não está no interesse. É por isso que o capitalismo verde é muito lento, porque ele tenta conciliar coisas inconciliáveis, o lucro maximizado e tentar garantir uma transição que possa nos afastar do pior da mudança climática. Para finalizar esse ponto no geral, o que eu acredito que é muito importante pra gente é pensar se o ecossocialismo é esse horizonte em radical, como que nós chegamos a ele? Infelizmente não temos nenhum lugar no mundo que acredito que
seja possível fazer uma revolução ecossocialista amanhã e já servir de exemplo e as outras pessoas se inspirarem dessa maneira. Até porque essa fórmula não vai existir. Existe muito esse equívoco no meio da esquerda e é muito provocado pela própria direita que fala “ah, me mostre onde deu certo”. Essa busca por uma fórmula perfeita que nós vamos sair aplicando em todos os lugares. Mas a ecologia nos lembra que o contexto do Brasil é diferente do contexto do Japão, que é diferente do da Alemanha, que é diferente do da África do Sul. Então nós precisamos trabalhar dentro
das nossas bases, da classe trabalhadora, percebendo junto a eles que já nos ensinam que a própria questão de empregos, que a própria questão de viabilidade de trabalhar, de pagar suas contas está relacionado com essas condições materiais que são ecológicas. Lá na "Crítica ao programa de Gotha" o Marx já tratava dessa questão de onde vem a riqueza, da natureza, nós trabalhamos em cima dela. Então nós precisamos ter isso em mente para que apresentemos soluções que sejam realmente diferentes do sistema que nós queremos superar. Não adianta mudar apenas uma coisinha aqui e outra ali. E aí é
onde entra essa disputa que acontece nesse momento sobre o tal do Green New Deal, que é um termo que hoje já virou quase um termo guarda-chuva para falar de programas de transição, mas que a maioria do é pautado hoje sobre Green New Deal ainda se encontra nos termos do capitalismo verde e também em termos muito nacionalistas. Então a gente pode pegar esses projetos e perceber que estão falando do que podem fazer dentro do seu país, mas os recursos virão de onde? E como isso se relaciona com outros lugares. Então nós não podemos permitir que o
que aconteceu com as vacinas agora, que é um sistema de apartheid de vacina, que é um sistema em que um país, por exemplo, como os Estados Unidos conseguiu acumular uma quantidade tão grande de vacinas que já estão vacinando os mais jovens. Enquanto a maioria dos países do restante do mundo não conseguiu vacinar nem uma porcentagem mínima dos seus vulneráveis. Então não dá pra pensar “primeiro o meu, depois o dos outros”, a ecologia nos coloca todos no mesmo barco, mas é da mesma forma que foi a questão do Titanic: aqueles que estão na classe trabalhadora não
vai ter bote sobrando e é justamente por isso que a classe trabalhadora é a que mais interessa de trazer um debate de transição ecológica que seja realmente radical, que nos permita reconciliar algumas dessas rupturas que aconteceram no metabolismo da natureza nessa era de antropoceno e de capitaloceno e a partir disso aí construir mais condições ainda para uma ruptura geral com o capitalismo voltada para o ecossocialismo para a gente sobreviver ao século XXI e chegar ao século XXII com tudo para viver uma vida boa, um bem viver. Excelente! Sabrina colocou muitas polêmicas, né. Certamente não é
um debate fácil para a esquerda porque tira muitos dos pressupostos que a gente teve, principalmente no século passado. A ideia do desenvolvimento como a gente vê hoje é uma fila: os mais desenvolvidos concentram atividades com mais tecnologia e mais limpas empurrando as tecnologias mais sujas e uma economia mais precarizada para o final da fila, a disputa pelo desenvolvimento de último é isso. A Amazônia é nossa, o petróleo é nosso. São nossos pra gente explorar até o fim? Não, eu acredito que a Amazônia tenha um papel de bem comum da humanidade. Mas é difícil debater tudo
isso. Eu queria chamar o Kohei agora, fazer uma pergunta para ele nessa mesma linha que a Sabrina colocou no final, o Kohei coloca muito bem em alguns momentos em sua fala, a questão do crescimento econômico e há uma forte correlação entre crescimento econômico e emissão de gases. Talvez a maior correlação de todas seja essa, tanto que tem uns números, Kohei, que mostram para gente que a emissão de gases só desacelera de forma forte mesmo em grandes crises. Em 2008 desacelerou muito, provavelmente agora, na pandemia, a emissão de gases também pode ter desacelerado, mas no capitalismo
não crescer é crise, é desemprego. Não crescer é impossível porque o capital precisa crescer sempre, precisa acumular. Kohei, se o Marx tivesse aqui com a gente nessa roda, nesse debate, ele seria um crítico do crescimento infinito num planeta finito? O Marx, como boa parte da esquerda, ainda estaria usando o PIB como um medidor de progresso? O que você acha disso, Kohei? Comenta para a gente, por favor. Sim, obrigado. Na verdade, ano passado eu publiquei um livro japonês “Capital no antropoceno", esse é meu segundo livro e estou trabalhando na sua versão em inglês, vocês provavelmente poderão
lê-lo no ano que vem. Basicamente, minha tese é que Marx em seus últimos anos defendeu não somente o ecossocialismo, mas também o comunismo decrescente. Eu acho que ele mudou sua visão radicalmente abandonando completamente o produtivismo como Sabrina enfatizou, mas ele também aprendeu muito com sociedades não ocidentais e pré-capitalistas. O ponto é que Marx, em seus últimos anos, não estudou somente ciências naturais, como também esses comuns nas sociedades não ocidentais. Por que ele estudou esses tópicos tão distintos? Porque estão relacionados. Eu indiquei, na última seção de “O ecossocialismo de Karl Marx” também, essas questões devem ser
conectadas na perspectiva de metabolismo. Pessoas em sociedades não capitalistas tiveram formas bem diferentes de conduzir a interação metabólica com a natureza e Marx ficou muito inspirado, inclusive, porque essa sociedade, ou aquelas sociedades pré-capitalistas, ou sociedades não ocidentais eram não somente iguais como eram sustentáveis. Por quê? A razão é simples: elas tiveram uma forte regra sobre a atividade produtiva, sobre a utilização da terra, etc. E o resultado foi o estado estacionário. Não teve crescimento, por isso aquelas sociedades eram bastante sustentáveis também. No final, especialmente em suas cartas para Vera Zasulitch em 1881 e 1882, Marx diz
explicitamente que nós precisamos aprender e retornar para aquelas sociedades pré-capitalistas numa escala maior. Eu li essa passagem de uma perspectiva de decrescimento comunista e ele estava na verdade endossando um tipo de sociedades pós capitalistas onde o crescimento da economia não é mais a prioridade para o desenvolvimento humano assim como a interação metabólica sustentável. Nesse sentido, eu não posso elaborar esses aspectos hoje nessa pequena conversa, mas o ponto é que Marx diria hoje, olhando para essa situação: “ok, vocês já estão desenvolvidos o suficiente e apenas precisam usar tecnologias diferentes e essas tecnologias capitalistas não podem ser
sustentáveis apenas mudando do proprietário privado para o estatal”. Esse é o ponto, porque as tecnologias capitalistas estão contribuindo para o desenvolvimento de forças produtivas em prol do capital, não da nossa interação sustentável. Então, eu diria que ele exigiria transformações radicais de tecnologias, que no curto prazo reduziriam as forças produtivas também, mas é necessário para que nós tenhamos uma interação metabólica mais sustentável e igual numa escala global. Então minha resposta é que ele diria simplesmente “desistam desse crescimento estúpido para serem mais sustentáveis nos limites do planeta”. Muito legal Kohei, pensar nas sociedades originárias como sociedades de
estado estacionário é muito interessante, eu nunca tinha pensado nisso. Ter um nível ótimo de circulação de recursos e materiais e energia. Sabrina, poderia comentar um pouco isso e talvez falar um pouco pra gente do que você diz ali no prefácio do livro sobre ruptura metabólica? Acho que esse termo é muito importante para nós ecossocialistas. Podia falar um pouco, também… eu como pesquisador tenho sempre essa preocupação em mostrar onde os conceitos aparecem. Você poderia dizer eventos ou fatos no Brasil e no mundo onde essa ideia de ruptura metabólica aparece? Perfeito, excelente! Eu acho que é importante
trazer a questão do decrescimento aqui porque sempre surge, faz parte do vocabulário, da conversa sobre transição, da luta contra a mudança climática. Mas é bom a gente compreender, também, que existem decrescimentos no plural. Existem várias perspectivas que a gente encontra por aí e quando a gente tá falando de países como o Brasil ou de países em situação de subdesenvolvimento é sempre um pouco delicado trazer essa discussão porque as pessoas ainda associam crescimento com melhoria de vida, então é preciso preparar o terreno para falar um pouco sobre isso. Então quando a gente fala sobre decrescimento eu
costumo introduzir falando, por exemplo, de decrescimento tático. Que indústrias precisam decrescer para que o saneamento básico na região norte do Brasil cresça. Então é sobre a nossa mudança de prioridades. É uma mudança de direção, então não é simplesmente questionar a ideologia do crescimento, que com certeza também está muito impregnada na esquerda, mas é também de questionar como nós lidamos com isso no dia-a-dia das nossas políticas públicas. Onde se investe e onde não deveria estar investindo mais. Então, isso entra muito no nosso debate. Inclusive é algo que eu tô sempre provocando toda vez… apoiando os nossos
trabalhadores da Petrobras no Brasil. Eu falo que… com certeza, toda vez… os ecossocialistas são enormes aliados dos petroleiros e muita gente fala “que esquisito! Vocês são aliados dos petroleiros?” Sim. Porque nós queremos que essas pessoas sejam estratégicas. Nós entendemos que o trabalho delas é estratégico na defesa de uma Petrobras pública para que a Petrobras possa passar por uma transição. Porque se estiver em mãos de interesses privados, somente, vai continuar jorrando petróleo. Então os trabalhadores nós conseguimos dialogar na consciência política ecológica e auxiliar. E alguns anos atrás, na época da Dilma, havia uma possibilidade, uma discussão
de mais renováveis na Petrobras, e coisas assim. Mas enquanto a gente estiver falando de uma empresa em que os acionistas contam muito para a conversa, sempre vai ser um pouco mais limitado. Então precisamos trazer o decrescimento com esses exemplos concretos de o que tem que mudar. O que a gente tá tirando aqui, onde a gente tá realocando e aí entra essa questão da ruptura metabólica, Guilherme, porque na discussão que o Marx faz em "O capital" vol. 3... é uma discussão que ele tá partindo de Liebig, que ele tá olhando para a fragilidade do solo e
aí ele começa a extrapolar porque um tempo depois ele vai falar, inclusive, de liberdade, ele vai falar do reino da liberdade. E aí nessa discussão fica muito evidente que Marx está falando de regulação, regular o nosso metabolismo com o metabolismo da natureza, então o metabolismo social com a natureza. Isso é fundamental porque a ruptura metabólica é a tendência do capital. Falamos aqui de um sistema que é totalizante e é um sistema que se pauta em cima da acumulação infinita, nós temos evidência concreta disso, basta olhar para a quantidade de bilionários, é muito simples. Então, se
pauta em cima da acumulação infinita num sistema finito e que quando a coisa começa a apertar surgem pessoas como Bill Gates, que pautam a geoengenharia como se fosse a grande solução para tudo, falando de tecnologias que são fantasias hoje. Meu querido camarada Alexandre Araújo Costa, nosso querido climatologista ecossocialista sempre fala: isso aí é conto de faz de conta, conto de fadas, porque estão falando de tecnologias que não são viáveis hoje, mas que ajudam a colocar na cabeça das pessoas que não precisamos mudar o sistema, essa tecnologia capitalista vai resolver. E às vezes, e aí é
onde me assusta, eu acabo ouvindo de gente do campo marxista que “não, não se preocupa com isso não. A gente vai começar a minerar meteoro agorinha”. Aí eu falo “então, gente, calma aí.” Quando a gente olha para a coisa concreta, é pouca coisa mapeada, o custo altíssimo. Então às vezes o pessoal tá imaginando coisas que nem funcionam em vez de reconhecer que, se esse sistema é de ruptura metabólica, o sistema alternativo não pode seguir a mesma lógica. E onde a gente vê a ruptura metabólica? O Brasil é um lugar que vemos isso o tempo inteiro.
Quando a gente olha para Mariana e Brumadinho, temos grandes exemplos de como a mineração provoca rupturas metabólicas, provoca a toxicidade, envenenamento de rios, mata a biodiversidade e isso é algo que prejudica não somente aquela visão que as pessoas têm da natureza como algo que está ali distante, separado, aquela unidade de conservação… Porque muita gente ainda pensa assim. Que a natureza é aquela unidade de conservação que tá lá. Não se insere. Parte do problema é justamente que a gente se perdeu dessa inserção da natureza. É algo interessante que quando a gente recobra os "Manuscritos econômico-filosóficos de
Paris", de 1844, e o Kohei problematiza um pouco isso quando os marxistas humanistas se empolgaram um pouco demais. Colocaram fé demais no manuscrito sem reconhecer que eram rascunhos. Parte do pensamento de Marx se desenvolvendo. Mas que ali a gente já encontra um pouco disso. Que essa separação do ser humano da natureza é algo nocivo. Então quando ele tá falando do comunismo com humanismo, com naturalismo, isso faz parte dessa intuição do Marx que “olha, eu preciso caminhar nessa direção para compreender melhor o que tá acontecendo aqui.” E nós vamos ver essa ruptura metabólica cada vez mais
frequente porque nós estamos chegando em níveis de esgotamento de várias coisas. Então há lugares em que a água já não é mais viável e eu poderia mencionar, ali no coração do império, Flint, nos Estados Unidos. Onde a população negra não tem água potável há anos, vai fazer sete anos agora. Sem água potável. Por uma questão de ruptura metabólica que é mantida pelo capital, porque é muito conveniente que a população negra não tenha acesso à água potável. E é muito conveniente que na própria Califórnia, trabalhadores de grandes extensões de amendoeiras tenham que importar água, que beber
água de garrafinha também, porque toda a água tem que ir para aquela quantidade de amendoeiras que não é viável naquele sistema de monocultura ao ponto que o próprio solo está afundando. Então nós vamos notando isso tanto no Sul global quanto no Norte global. E o que me assusta é que não tem mais gente mais assustada, porque deveria. Bacana, Sabrina. Acho que dentro do debate do livro do Kohei a gente vê muito essa questão da ruptura né, eu li atentamente a introdução do Kohei e isso eu queria chamá-lo para comentar. Eu tinha… fiquei meio desconfortável no
começo porque ele critica os primeiro ecossocialistas e eu gosto tanto deles… eu tinha essa concepção de que o Marx era contraditório, não conhecia as partes dos escritos que o Kohei vem a mencionar, então o Kohei defende que ele tem uma crítica mais estrutural ecológica, aí criticou Michael Löwy, eu pensei “caramba”, mas ele traz argumentos que começam a te convencer. Kohei, eu queria que você comentasse: onde que tá a virada do Marx? Porque de fato tem momentos em que de fato ele está mais fascinado com o desenvolvimento tecnológico do capitalismo que viria a trazer essa ruptura
metabólica, mas em algum momento tem uma virada né, Kohei. Onde está esse divisor de águas no pensamento do Marx? Se é que ele existe. Ok, sim. Eu, na verdade, eu falei que a ecologia de Marx é muito mais sistemática do que os ecossocialistas normalmente acreditam. Tendem a dizer que Marx tinha certas observações sobre ecologia de vez em quando, em "O capital", ou em “Crítica do programa de Gotha”, etc, mas não são sistemáticos, mas eu argumentei que é adequadamente combinado com a sua teoria do valor, é mediada pela teoria do metabolismo. Então nós tendemos a ignorar
que esse conceito do metabolismo, “stoffwechsel” em "O capital", desempenha um papel importante, mas não prestamos atenção o suficiente para discutir outros problemas como a teoria da forma do valor ou a exploração de trabalhadores ou crise, ou a queda da taxa de lucro, etc. Mas por focar demais na exploração nós acabamos prevendo um sistema socialista onde a exploração de trabalhadores não existe mais. Nós tendemos a falar do problema da propriedade. Transferir ou abandonar ou abolir o sistema de propriedade privada e mudar para o sistema de propriedade estatal ou comunal para que não haja mais exploração. Mas
esse não é o problema. Contanto que pensemos que a ruptura metabólica é um problema real, nós não podemos apenas solucionar essa ruptura apenas mudando a propriedade, é realmente mudando a interação entre seres humanos e a natureza, o que significa que temos que alterar a produção, a esfera da produção é a chave, não a esfera da propriedade. Marx começou a se atentar muito mais ao processo concreto de interação metabólica entre humanos e a natureza. Então, eu acho que um dos pontos de virada é, na realidade, no começo dos anos 1860, especialmente nos manuscritos de 1861 e
1863, que será editado mais tarde como a "teoria do mais-valor" agora chamado de "Manuscrito da economia de 1861 a 1863". Porque no “Grundrisse”, por exemplo, ele ainda está ambivalente, eu diria. Às vezes ele fala dessa alienação da natureza, etc, mas ao mesmo tempo ele fala sobre a grande influência civilizadora do capital, que poderia ser facilmente interpretado como o seu conformismo ingênuo sobre a tendência do progresso do capitalismo. Mas eu acho que nos anos 1860, como eu disse, ele começou a se atentar mais para a dimensão concreta, a dimensão material da interação metabólica entre seres humanos
e a natureza, e especialmente isso pode ser confirmado através do conceito de subsunção real do trabalho ao capital, e é assim que o capital organiza seu processo de trabalho em favor da acumulação de capital ou de dominação dos trabalhadores. E essa tecnologia ou ciência em favor da maximização de lucro cria uma nova forma de força produtiva de capital. Isso significa que a produção inteira é organizada. Essa produção significa… é a interação metabólica entre humanos e a natureza, isso é organizado pelo capital para acumulação capital. E o ponto é que entendendo essa dinâmica, ou transformação dinâmica
do processo de trabalho, Marx acabou percebendo que “espere aí, o capital realmente molda toda essa interação metabólica!”, então não podemos simplesmente dizer que… nós não podemos usar essa tecnologia ou ciência de uma forma sustentável, ou de uma forma igualitária. Porque essas tecnologias, ou essas formas concretas de interação com a natureza só servem sob a dominação despótica ou totalitária do capital do processo de trabalho. Então, no socialismo, quando os produtores associados de forma livre e democrática regulamentaram a produção inteira de uma maneira não hierárquica não podemos usar essas tecnologias antigas do capitalismo. Então foi por isso
que ele começou a focar na crítica desses aspectos negativos do desenvolvimento capitalista. Acho que o ponto de virada em que ele começa a enfatizar as consequências destrutivas e negativas do desenvolvimento do capitalismo, em vez de apenas frisar a grande influência civilizatória do capital. Então, depois dos anos 1860 eles ficou muito mais crítico dessas tecnologias e ainda nos anos 1870 e 1880 ele continuou estudando essas questões ecológicas e depois, no final, ele chegou à conclusão que nós realmente precisamos visualizar uma nova forma de sociedade ecossocialista aprendendo com sociedades não capitalistas ou não ocidentais. O Kohei já
deixa uma entrada ótima pra gente discutir a boa vida, né, Sabrina. Você toca nessa questão dos povos indígenas no prefácio do livro. Têm muitas pessoas na esquerda que falam que é uma coisa incompatível, às vezes, acredito que tem esse sentimento muito forte do desenvolvimento das forças produtivas ainda, que foi um paradigma né… Aí você olha, o que os povos indígenas tem a oferecer? Eu diria que é toda uma cosmovisão diferente, uma forma de encarar o mundo de outra forma e também há suas tecnologias, sua forma de se organizar, organizar o trabalho principalmente, já que a
gente não pode prometer que dar um patrão para todo mundo é a saída. O cooperativismo ainda é muito importante. Então, Sabrina, quando você traz a questão dos indígenas você vê pontes entre ecossocialismo e bem viver? Onde que estão as conexões pra gente se inspirar aqui no Equador, na Bolívia que têm movimentos tão fortes para superar esse momento, essa era geológica do capitaloceno? Sim, têm umas coisas que são muito interessantes sobre isso, Guilherme. Porque eu diria que o debate do bem viver hoje em dia ele já tomou vida própria, então quando a gente olha para o
Equador e para a Bolívia, ele já parece uma outra coisa, porque quando ele aparece na institucionalidade ele perde um pouco do seu brilho, ele perde um pouco da sua potencialidade. Tanto que lá no Equador vai ter um processo de absorção do debate do bem viver pela institucionalidade e depois uma rejeição às demandas dos povos indígenas, porque estavam indo contra as perspectivas do desenvolvimento local. Então, é uma questão muito delicada, mas eu acredito que o que nós precisamos compreender agora é muito central. Os lugares em que a natureza, hoje, se encontra em menos situação de ruptura
metabólica são os lugares que possuem proteção indígena. São territórios indígenas ao redor do mundo. Isso é um fator concreto. Então se a gente não leva isso em consideração nem menos o básico, não temos nenhuma chance de começar a resolver o problema. Porque precisamos compreender porquê que nesses territórios é tratado de uma outra maneira. Algo que eu acho interessante justamente por trazer essa questão do metabolismo, porque quando a gente pensa via teoria do metabolismo as coisas mudam. Eu penso muito no Mészáros, que não era um ecossocialista, a ecologia não era tão central na sua obra, mas
de vez em quando atravessava aqui e ali, e eu vejo uma potencialidade muito grande em trazer Mészáros para a conversa porque Mészáros estava preocupado com metabolismo social. E por estar preocupado com isso ele sabia que não era suficiente substituir o capitalismo, era necessário superar o capital, ir para além do capital, como o livro publicado pela Boitempo dessa grossura aqui nos mostra. Então, a partir de isso aí a gente verifica que a discussão ao redor do bem viver, que é muito melhor do que a gente falar de um conceito porque não é um conceito, são várias
visões, são múltiplas. Existem conhecimentos que inclusive podem entrar em conflito mas a discussão ela enriquece muito pra gente porque ela é uma discussão metabólica. Ela é uma discussão sobre “não posso passar deste limite, porque se eu passar desse limite eu também me coloco em risco porque eu também sou parte da natureza”. E isso pra gente é uma provocação muito saudável, ela é muito importante e ela nos lembra do propósito de trazer qualidade para a conversa. Que a nossa conversa não é sobre quantidade, ela é sobre qualidade. E aí para trazer o Michael Löwy, nem precisa
ficar preocupado Guilherme, porque o Michael é uma pessoa que trata de crítica de um jeito muito humilde, muito lindo. Então é muito gostoso ter ele como parceiro no ecossocialismo com isso tudo. Ele fala que o ecossocialismo é essa mudança civilizatória justamente porque ele coloca que a gente tem que parar de pensar em termos de quantidade. Então eu acredito que ele teria muito acordo com o Kohei aqui nessa discussão sobre abrir mão dessa discussão de crescimento e que o Marx poderia ter feito isso, inclusive. Porque algo que nós vemos como definidor é que o bem viver,
ele costuma trazer um sentimento ruim para parte da esquerda porque ele entra aqui na cabecinha e fala “vocês estão o tempo inteiro pensando no desenvolvimentismo como uma fórmula que copia o capitalismo” e se a gente fizer dessa forma a gente não vai superar o capital. Vai continuar pensando que desenvolvimento é sempre a mesma coisa. Então a gente passa a reconfigurar como é a nossa relação com a moradia. A gente passa a reconfigurar o que a gente entende por direito à cidade. A gente vai pensar de uma forma diferente como vai ser a mineração de agora
pra frente. Quando nós falamos de posse e extrativismo, não estamos falando que acabou a mineração ou que vai acabar o “Zoom”, vai acabar o computador, não vai ter mais canal no youtube, tá gente? Não quer dizer isso. Seria uma banalização de uma compreensão muito rica sobre o que é o extrativismo como um modelo predatório, que mantém uma estrutura de capitalismo dependente e que não nos permite renegociar do começo ao fim do ciclo do que produzimos. Porque nesse momento atual a gente tá pensando na mercadoria, é tudo o que importa é a mercadoria. Se tudo o
que importa é a mercadoria, a gente não pensa nos efeitos do começo ao fim do ciclo. Vira problema técnico. Não é algo que realmente faz parte da lógica da produção. Se externaliza, na verdade, né. O Estado que se vire, ou essa população pobre em Bangladesh que vai receber todo esse lixo eletrônico que se vire, fica mais ou menos assim. Já nós, se a gente coloca uma perspectiva que traz o metabolismo para dentro e pensa a qualidade de vida, a harmonia, a comunidade. Quando a gente fala de comunidade a gente vai falar de comum também… estranho,
né, como muitos comunistas abriram mão de falar do comum? Eu acho isso curioso. Porque não faz muito sentido, mas muitos abriram mão. E o bem viver traz essa provocação: temos que voltar a falar do comum. E se a gente traz isso novamente a gente é obrigado a pensar a produção do começo ao final do ciclo. Como que eu vou produzir uma coisa que depois vai ficar mil anos na natureza? E que na verdade dura 2 anos só. É por isso que o ecossocialista é obcecado em falar de obsolescência programada, que a gente tem que acabar
com isso. Então nós pensamos de uma forma muito metabólica, que acaba sendo muito holística, que traz todas essas coisas em consideração e é por isso que existem muitas lideranças indígenas hoje em dia que veem essa proximidade como algo muito bonito. Não estou falando que indígena tá virando marxista, nada disso não. A gente respeita as suas compreensões. A própria Sônia Guajajara que está sempre presente nas nossas discussões com o ecossocialismo, a gente pode falar da Querechu que é Guarani em Santa Catarina, o Bruno Canela no Distrito Federal, Kamuu Dan Wapichana e diálogos que estão sendo estabelecidos,
O Davi Kopenawa fez um diálogo recentemente com Guilherme Boulos, então tem coisas que estão fluindo nesses debates e que são maravilhosos. As pessoas estão reconhecendo o papel do Ailton Krenak como um pensador, então as pessoas entendem que estamos num momento da falência da civilização humana. Porque é muito crise ao mesmo tempo, é muita crise de morte ao mesmo tempo e as próprias pessoas estão falando: devemos nos voltar e prestar um pouco mais de atenção para o que os povos massacrados da nossa terra, os que sobreviveram nos dizem. E é por isso que é fundamental que
qualquer debate que toque na questão do socialismo, e o ecossocialismo enfatiza muito isso, é que sem demarcação de território indígena a gente não consegue avançar em nenhuma conversa. Isso é fundamental. Muito bacana, Sabrina! Eu também me pergunto, às vezes, por que os comunistas pararam de falar no comum. Quando a gente viu, por exemplo, o Equador naquela iniciativa do Yasuní-ITT, que infelizmente não deu certo no final muito pela relutância, aquilo ali era construir o comum né, não era construir uma nova mercadoria, falar que ali, naquele parque, naquela reserva não seria explorado o petróleo. É falar de
outras formas de apropriação. Acho que essa galera da esquerda que ainda tem uma resistência contra isso pensa numa dicotomia, em que só existem duas formas de propriedade: ou é estatal, ou é do mercado, propriedade privada. A gente precisa descolonizar nesse sentido. Então acho que o Kohei pode falar um pouco pra gente disso, porque ele tá no Japão. Eu queria dialogar com a realidade japonesa e com a atualidade do livro. Ecossocialismo de Marx, progresso, crescimento econômico, ruptura metabólica. Kohei, isso no Japão hoje, como é recebido? Você citou o Ulrich Brand né, um teórico muito bacana que
discute essas coisas também, ele fala de mal desenvolvimento. No Japão, os desenvolvidos já estão começando a se perceber, não como desenvolvidos, mas mal desenvolvidos? Entender essas rupturas todas que têm acontecido? Como que o livro dialoga com a realidade japonesa, Kohei? Infelizmente, a situação da esquerda no Japão está bem ruim. Está desmoronando rapidamente porque como eu te disse, um tempo atrás, o marxismo no Japão era muito forte depois da Segunda Guerra Mundial e até o colapso da União Soviética, mas o problema é que o marxismo no Japão permaneceu na academia, não teve uma conexão forte entre
o marxismo acadêmico e os movimentos sociais e de trabalhadores, de fato Então o que aconteceu depois do colapso da União Soviética foi que uma vez que essas ideologias colapsaram, muitos dos acadêmicos perderam seus trabalho e essas posições também não foram substituídas, então eles simplesmente se degradaram de maneira bem rápida. Então, na minha geração eu não vejo mais estudiosos marxistas e é por isso que eu meio que invejo vocês, até nos EUA têm muitas dessas discussões e na Europa eu vejo essas conferências como a Historical Materialism, organizada por gerações mais novas da esquerda. Em outros países
eu vejo um ressurgimento do marxismo, enquanto no Japão nós apenas testemunhamos a degradação da tradição marxiana. Então, John Bellamy Foster e essas pessoas não são muito conhecidas porque as discussões depois de 2000... depois disso nós vimos muito progresso nessas discussões sobre Marx e a ecologia também, mas o problema é que depois de 2000 nós tivemos menos livros traduzidos para o japonês e realmente agora que eu trago essas novas ideais para as discussões convencionais do Japão. Mas a notícia boa é que essa geração está mudando sutilmente também, porque no Japão a crise climática é bem severa
e nós temos bastante tufões, muitas chuvas e nevascas, etc, então a temperatura está mudando muito, as estações do ano também estão mudando, etc. Então, potencializados pela pandemia, muitas pessoas perceberam que essas políticas neoliberais não estão funcionando. Comparado a outros países asiáticos, o governo japonês está realmente falhando em lidar com essa pandemia. Então, eu pessoalmente sinto fortemente que há cada vez mais interesse nas ideias de Marx, especialmente no meu livro, como eu disse, ano passado eu publiquei o livro sobre o capital e o antropoceno e já vendeu mais de 200.000 cópias no Japão e isso é
muito grande em termos de números. O que eu estou tentando fazer é usar essa crise ecológica para reabilitar as ideias de esquerda nas gerações mais novas. No Japão ainda tem poucas pessoas que se engajam na "Fridays for Future" e esses tipos de ações, eles estão abertos a novas ideias porque não conheceram a União Soviética, não têm nenhum sentimento negativo sobre o comunismo ou sobre o socialismo. Eu também enfatizo esse conceito do comum nesse livro e as pessoas amam, na verdade. Eu me surpreendi que as pessoas entenderam que isso é importante, que o mercado neoliberal não
está funcionando, essa ideologia de mercado é demais então nós precisamos pensar no comum. Isso é muito interessante. Eu nasci em 1987, eu também não vivi essa experiência da Guerra Fria nem a União Soviética, então minha geração pode reler Marx de uma nova perspectiva e eu posso utilizar esses trabalhos completos de Marx e Engels da MEGA, que junto com a nova situação política permite que a nova geração reinterprete as ideias de Marx e suas teorias do comunismo e dos comuns de uma maneira mais produtiva, evitando os velhos erros ou aprendendo com eles, nós podemos começar um
novo movimento revolucionário. Claro que evitamos produtivismo, mas também evitamos centralismo de classe, temos que prestar atenção no trabalho reprodutivo, nas pessoas indígenas e outros tipos de políticas também. Então, precisamos visualizar uma nova economia solidária, uma sociedade solidária, um modo de viver mais solidário. Eu acho que essa é uma nova possibilidade se abrindo em meio a crise. Esse tipo de ideias positivas em momentos de crise também são uma boa oportunidade porque nosso senso comum sobre neoliberalismo está em crise. Mas o problema é que para inspirar pessoas precisamos de uma visão concreta, dizer simplesmente não ao neoliberalismo
e ao capitalismo não é suficiente. Por isso acho que nós temos muitas discussões sobre pós-capitalismo ou sobre o comunismo recentemente, mesmo que algumas delas sejam bastante produtivistas, devastadoras, etc mas até no Japão há uma nova base para visualizar ideias ecossocialistas e esse é um bom momento porque a pandemia e a crise climática são as manifestações da acumulação infinita do capital. Kohei, aproveitando essa parte que você toca, como a população japonesa e você vê o processo da China, a discussão do socialismo de mercado, de que a China estaria fazendo essa transição. Como a China é vista
por aí? Há debates entre marxistas japoneses sobre se a China ainda é um tipo de socialismo ou se é apenas um capitalismo de Estado. No meu ponto de vista a China é um capitalismo de Estado, porque eu não vejo… lá é uma propriedade estatal, não é socialismo realmente. Se você acha que a propriedade estatal é socialismo, estará reduzindo o problema do socialismo ao problema da propriedade, mas como eu disse, esse não é o caso. Nós precisamos observar vários aspectos de produção e o que a China está fazendo é basicamente a produção de commodities fortemente regulamentado
por burocratas de Estado. Mas também, meus colegas japoneses diriam que eles são um tipo de socialismo, etc. Mas é muito difícil. Eu já visitei muito a China, não vou lá há 2 anos, mas eu pessoalmente tenho dificuldade em me comunicar ou discutir questões de Marx ou do marxismo com estudiosos chineses, honestamente, porque você vê que lá o marxismo é bem integrado com a ideologia do Estado. Então é irônico, a China é aparentemente uma economia capitalista, mas a ideologia do Estado é marxista. Então, há muitos estudiosos de Marx nas universidades, mas o problema é que a
forma como eles leem Marx é bem diferente da minha leitura, como eu disse, eu reli Marx de uma perspectiva baseada nos escritos publicados na MEGA, mas os marxistas chineses ainda estão apegados a essa velha ideia socialismo de Estado e eles ainda pensam em como legitimar essa forma atual de governo do Partido Comunista. E isso é bem diferente de como eu estou interessado em Marx e no comunismo. Mas seria mais interessante ter interações com diferentes países asiáticos, eu mesmo tenho conexões mais fortes com estudiosos coreanos ou filipinos. É uma questão muito complicada, mas por agora é
isso. Muito bacana. A redução do debate do socialismo, Estado, mercado… Sabrina, se você quiser comentar também, fazer alguma pergunta para o Kohei… A gente está se encaminhando para o final daqui a pouco. Vamos fazer mais fluido a conversa. Eu acho que essa discussão da China é muito interessante porque a discussão da China nos traz para discussão do Brasil, como eu falei, falar de soja é falar de China, falar de acesso à vacina no Brasil é falar de China. Há uma relação sobre, por exemplo, como o governo Morales priorizava os parceiros chineses no processo extrativista ao
mesmo tempo que tinha a mineradora do Canadá. Então a China está presente em todos os lugares e é inevitável hoje em dia discutir China. Mas uma coisa que eu acho interessante é que já há algum tempo, há alguns anos existe o debate sobre ecocivilização socialista na China que adentrou no Partido Comunista Chinês, debate que foi pautado em congresso e que muita gente confunde com ecossocialismo. Às vezes a pessoa leu isso em algum lugar e aí ela fala “tá vendo? A China é um grande exemplo de ecossocialismo acontecendo hoje” e eu falo “pessoal, vamos dar um
passo para trás, vamos parar para observar isso com maior cuidado". Porque apesar do debate de ecocivilização socialista ter inclusive elementos que eu acredito que são muito úteis, tem uma influência do próprio Confúcio, que tem uma influência também em tentar olhar para a natureza com outro olhar que não seja de dominação, muito do que a gente encontra é que o debate entra no Partido Comunista Chinês, ele entra vívido, mas ele sai como ecomodernismo, ele sai com essa perspectiva ecomodernista de “vamos domar a natureza de uma forma sustentável”. Então acaba sendo o desenvolvimento sustentável novamente, que é
algo que é cheio de contradições. Você vê que há um grande avanço em painéis solares, muito por incentivo do Estado a empresas privadas, então há uma confusão de as pessoas acharem que é o Estado chinês que está fazendo tudo. Mas há um incentivo para essas empresas privadas, uma grande produção de painéis solares, então uma potência solar, mas ao mesmo tempo constrói novas usinas de carvão, porque a demanda é muito grande. E aí eu acho que essa é uma questão central pra gente, inclusive muito mais do que como se define a China ou não. Essa questão
de como se define a China ou não é uma discussão muito do nosso nicho marxista, mas a discussão geral é: o que se faz com uma demanda que parece querer replicar uma demanda de modo de vida imperial? Para poder falar que somos desenvolvidos. Temos a capacidade de ser a maior potência. E é interessante para diferenciar onde a gente vê realmente ganhos incríveis em combate à pobreza, em combate à fome e onde a gente vê um mercado de luxo, inclusive, que é nutrido nos grandes centros urbanos. Onde a gente vê mega projetos, obras gigantescas de transposição
de curso hídrico mesmo, de rios que na verdade tá colocando áreas rurais que já são prejudicadas hidricamente, mais prejudicadas levando essas águas para grande centros urbanos. Então a gente vê isso, é um grande projeto ecomodernista que eu acredito que é perigoso. Há ecossocialistas na China? Há, sim. Há ecossocialistas dentro do Partido Comunista Chinês, que estão tocando esse debate, que querem disputar, mas eu acredito que em termos de correlação de forças a situação tá realmente muito complicada. E aí eu vou voltar ao meu querido Mészáros aqui que… essa discussão está indo para além do capital? Até
o momento não é o que indica. E o Mészáros tinha muito esse cuidado de falar pós-capitalismo do tipo soviético. Então as pessoas já estão começando a falar de alguma coisa do tipo chinês. Agora, esse alguma coisa tem… o capitalismo do tipo chinês, o socialismo do tipo chinês, é transição socialista do tipo chinês? Porque o próprio Partido volta a falar que não, que estão em transição, mas é lenta. Aí fica aquela pergunta pra gente: temos tempo para uma transição lenta? Não gostaríamos que talvez se a China tem um Partido Comunista à frente, não pudessem ser os
pioneiros para mostrar uma transição efetiva? Num país tão populoso e que tem uma situação agrária muito difícil, inclusive, que vive muitas contradições materiais. Isso seria muito benéfico para todo mundo. Não só para os ecossocialistas. Então eu acho que é uma provocação que é sempre muito importante de ser feita. É inevitável falar de China, mas é evitável, absolutamente evitável e recomendável falar de China de uma forma simplista. Nós temos que reconhecer que são muitas complexidades como o próprio Kohei apontou aqui. Então isso faz com que a gente tenha que quando falar da China não tem resposta
de um minuto. A gente acaba tendo que entrar nessas questões e eu acredito que uma das coisas que é interessante, como o Kohei falou, por exemplo, desse diálogo com os filipinos, então os ecossocialistas nas Filipinas, já conversei com vários, trazem bons debates sobre isso também, mas até pra entender as contradições ao redor, na própria região. Agora, por exemplo, Mianmar, a situação com o golpe militar, as próprias contradições e os interesses econômicos chineses em Mianmar estão em jogo, a ponto de que o embaixador falou que a polícia tinha que reprimir mais os manifestantes, porque isso era
muito ruim para as fábricas chinesas ali. Então para entender a China a gente tem que entender mais a região também. Não dá para olhar como se fosse um país isolado, porque se tem uma coisa que a ecologia também nos ensina é que não existe socialismo de um país só, porque a ecologia não tem fronteira. Muito bacana, Sabrina. Com certeza a gente tem passagens do Kohei sobre o Jason Moore, eu acho que a contribuição dele é muito bacana para nos entender como um sistema mundial. Um sistema mundial capitalista. Apesar de qualquer crítica, temos que entender o
sistema como um todo e os seus fluxos de energia e de matéria. Antes de chamar vocês para as considerações finais eu queria fazer uma última pergunta para o Kohei ainda nesse debate, algo que ele traz na introdução dele. Ele falou de Guerra Fria agora, Kohei. Você menciona sobre a MEGA né, como na União Soviética houve problemas para publicar o Marx. E como essas partes não publicadas do Marx foram essenciais para entendê-lo como um Marx com uma crítica mais estruturada ecológica. Você entende que se o Marx tivesse tempo, como ficaria o aspecto ecológico no Capital 2
e no Capital 3. São duas perguntas, na verdade. Se o Marx tivesse terminado a obra como ficaria essa questão nos livros inacabados? E você acredita que talvez se o Marx tivesse conseguido, se o Marx fosse traduzido ainda naquele momento da União Soviética, teria mudado alguma coisa? Tem um marxista latino americano aqui chamado Enrique Dussel, eu acho ele um dos melhores, ele costuma dizer assim: a crítica marxista era tão forte, tão forte, que em dado momento o stalinismo não traduziu Marx pois se traduzisse era capaz que o regime caísse. Então, havia um medo desse Marx ecológico,
talvez. Como você vê tudo isso, Kohei, pra explicar… porque eu acho que tem muito a ver com a sua obra. Sim, foi muito lamentável que… é irônico. Sem a União Soviética, Marx não seria lido por muitas pessoas, mas devido à União Soviética, ou devido à tradição stalinista, o entendimento sobre Marx foi bastante deformado, eu diria. Até mesmo os críticos do stalinismo foram influenciados pela interpretação stalinista do Marx. Então o problema é que a tradição marxista ou a União Soviética marxista eram bem mecanicista e determinista e simplesmente produtivista. Para eles, o desenvolvimento das forças produtivas alcançariam
o socialismo, um pouco como na China agora a modernização é vista como a chave para o desenvolvimento da história humana. Mas o problema é que aqueles críticos do marxismo soviético, aquele conhecidos como marxistas ocidentais, também foram negativamente influenciados por esse tipo de leitura e eles acabaram criticando Engels, porque eles acreditavam que Engels é o responsável por criar esse tipo de entendimento da natureza mecanicista ou produtivista. É por isso que marxistas ocidentais basicamente excluíram Engels, mas ao mesmo tempo excluíram a questão da natureza e apenas focaram na questão da sociedade. Eles começaram com Lukács, mas foram
para a escola de Frankfurt, etc. Eles tentaram focar numa análise mais filosófica das relações sociais. Eu acho que é muito lamentável, porque para Marx o conceito do metabolismo era muito central, mas o conceito do metabolismo não poderia ser devidamente compreendido sem que se atentasse à esfera da natureza, porque o metabolismo expressa essa interação, ou unidade entre humanos e natureza, mas o marxismo ocidental praticamente apagou a questão da natureza. Então eu acho que é por isso que no decorrer do século XX, em ambas tradições do marxismo oriental e do marxismo ocidental, não se conseguia prestar atenção
para a questão da ecologia. Havia algumas pessoas, mas a discussão convencional permaneceu desconsiderando a ecologia. Mas hoje, como eu disse, focando nesses materiais publicados na MEGA, nós podemos ver que Marx estava estudando seriamente ciências naturais e aí nós percebemos quão importante é esse conceito de metabolismo e de ruptura metabólica em "O capital" e em outros trabalhos dele. Porque é uma categoria central na sua crítica da economia política. Então minha hipótese é que Marx estava estudando ciências naturais a fim de completar os volumes 2 e 3 de "O capital" de um jeito mais ecológico. Então, no
volume 3 de ’"O capital", nós tendemos a prestar atenção no problema da transformação do valor para o preço ou a queda da taxa de lucro ou a aceleração de crises como uma forma de colapso do modo de produção capitalista. Mas se prestarmos atenção na questão do metabolismo ou das ciências naturais, o capítulo mais importante seria o da teoria da renda da terra. E eu acho que as discussões ecológicas poderiam ser elaboradas mais sistematicamente, não somente na teoria da renda da terra, mas discuti em outros artigos que Marx teria integrado esses aspectos da natureza, o esgotamento
da natureza, acompanhados de aumento de preço em suas discussões sobre queda da taxa de lucro, etc. Até questões mais antigas sobre crises, queda da taxa de lucro, renda da terra, nós podemos reler a partir de uma perspectiva nova, ou podemos reexaminar como ele teria desenvolvido mais consistentemente. Ele teria que revisar algumas de suas questões centrais também. Todas essas possibilidades ainda estão abertas, mas nós precisamos reexaminá-las antes de simplesmente dizer que Marx está ultrapassado, etc. Porque nosso entendimento pode estar deformado no século XX sob uma forte influência do stalinismo ou da União Soviética. Então hoje, com
essas novas descobertas, como essa nova filologia, com a MEGA, nós podemos revisitar "O Capital" de uma perspectiva ecológica e podemos começar novas discussões e podemos visualizar o que é bom e o que é ruim sobre Marx e o marxismo, o que está incompleto, o que pode ser incluído, etc. Eu não estou dizendo que Marx estava certo sobre tudo, que ele antecipou tudo, esse não é meu ponto. Nós apenas temos de tratar ele de maneira justa, pelo menos. Ele tem sido tratado de uma forma muito lamentável, também. Eu acho que é uma oportunidade muito interessante revisitar
seus trabalhos incompletos de uma nova perspectiva. Kohei, muito obrigado! Certamente precisamos muito de um marxismo do século XXI para enfrentar todos os nossos problemas e foi muito bom ter essa mesa aqui hoje, vocês contribuíram muito para essa discussão. Se eu pudesse eu teria mais umas duas horas, mas eu vou chamar agora a Sabrina para fazer as suas considerações finais, falar dessas lutas que a gente tem aqui no Brasil para fechar. Não tenho dúvidas que a central delas é derrubar o presidente e construir o ecossocialismo. Sabrina, muito obrigado por estar aqui hoje, foi um prazer estar
contigo. É uma pessoa que eu admiro muito. Obrigada, Guilherme, obrigada Kohei! O papo foi muito interessante. E essa situação de falar do Brasil, eu acho muito interessante que precisou de um ministro do meio ambiente tão horrível quanto o Ricardo Salles pra muita gente acordar pra essa questão da natureza. E eu espero que a Amazônia não tenha que ficar queimando para mais pessoas acordarem. Eu acho que tem gente suficiente acordada para cutucar o coleguinha agora e falar "vem com a gente", porque não dá pra separar. O governo Bolsonaro é um grande exemplo prático e também ele
é simbólico de como a extrema direita vê a natureza como um poço de commodities, nada mais do que isso e na América Latina essa é a questão central. Eu estou há quase dois anos fazendo esse pós-doutorado com a Fundação Rosa Luxemburgo, tô trabalhando com o Ulrich Brand agora tentando configurar um pouco mais essa discussão sobre como a extrema direita trata da natureza. E é muito importante pra gente reconhecer que não tem como destruir o bolsonarismo sem tá levando em consideração o que tem acontecido com a fronteira das florestas em relação ao agronegócio, sem levar em
consideração o negacionismo climático ou o que a gente também pode falar como a postergação climática: “ah é um problema. Mas fica para amanhã porque estamos lidando com outra coisa.” A ecologia nos traz essa necessidade de conectar tudo. E é difícil, conectar as coisas é difícil porque a gente se sente exausto, é coisa demais, é muita coisa acontecendo, mas esse é o grande desafio de superar um sistemas de totalidade. Então o desafio está posto e não devemos simplesmente abrir mão do desafio porque é difícil. Está aí a tarefa, conectar as coisas e ver que todas as
nossas batalhas no Brasil estão relacionadas a questões ecológicas. Quando a gente fala das lutas das mulheres a gente se lembra que quem tá na frente das lutas ecológicas também são as mulheres. Mulheres indígenas, mulheres campesinas, jovens mulheres nas escolas. Então nós precisamos conectar com a questão do racismo ambiental, que é muito frequente no nosso país e também indica porquê tanta gente não liga para a possibilidade da perda de território nas pequenas ilhas do Caribe e do Pacifico, que são as que menos contribuem para o problema efetivamente e que sofrem um risco gigantesco. Então nesse sentido
eu acho que é fundamental a gente fechar aqui falando um pouquinho de solidariedade internacionalista, que essa é uma questão que não dá para ficar por fora. Quando a gente passa a pensar ecologicamente, quando a gente entende que o materialismo histórico e dialético é o materialismo histórico e dialético e ecológico, a gente compreende que nós estamos juntos nessa situação, que a coisa está absurdamente apertada, não temos mais tempo a perder, não temos mais o privilégio… nunca tivemos, mas não podemos mais brincar de ter o privilégio de errar. Estamos correndo contra o tempo, o tempo não está
ao nosso favor, o capitalismo acelerou muito o seu processo de destruição da natureza. Então isso exige que até a nossa maneira de pensar a geopolítica seja uma maneira sensível ecologicamente. E aí vai entrar uma questão que muita gente está se esquecendo… Vem vindo aí um período de maior migração climática, um período de mais instabilidade de secas e de enchentes. A questão da fome, se já é um problema sobre o capitalismo hoje, a tendência é que aumente e não dá para tratar nada disso sem tá ali questionando o papel do mercado financeiro, que é um dos
grandes pilares do sistema capitalista hoje e da própria destruição da natureza. Então se qualquer pessoa aparecer falando que tem sim a solução para mudança climática e ela passa pelo mercado financeiro, abre o olho que é mais uma enganação. Obrigado, Sabrina! Sempre bom te escutar. Eu tô super ansioso, tô com um pouquinho de inveja porque você já leu o livro e eu só consegui ter acesso a uma parte dele, mas tenho certeza que essa obra vai fazer muito sucesso aqui no Brasil, com o prefácio de Sabrina, a obra do Kohei “O ecossocialismo de Marx”, tô muito
ansioso pra ver e acho que vai ser um sucesso, com certeza. Nesse sentido, Kohei, o que você tem de mensagem para mandar para o Brasil nas suas considerações finais? Muito obrigado, foi um prazer imenso ter você aqui. Sabrina mencionou a solidariedade internacional e eu espero que esse seja um novo passo para a solidariedade internacional entre o Japão e Brasil, ou entre a Ásia e a América Latina. Eu acho que a gente já teve um pouco dessa conexão de solidariedade no passado e acho que a esquerda… Eu diria que a esquerda japonesa hoje está muito fraca
e precisamos aprender com vocês, parece que na América Latina tem muita coisa acontecendo, é tudo muito dinâmico e eu estou muito feliz que a Boitempo decidiu publicar meu trabalho. Eu espero que esse não seja o fim, mas apenas o começo de nossas colaborações futuras e que vocês gostem do meu livro, mas claro que críticas são muito bem vindas. Mas estou ansioso pelo futuro. Obrigado! Obrigado, Kohei. Queria agradecer a você que teve conosco, a todo mundo que esteve aí nos bastidores, todo mundo que assistiu e nos acompanhou. Muito obrigado, até a próxima! Tenho certeza que vai
ter muito debate ainda sobre o ecossocialismo e Marx e a gente vai estar juntos nas próximas. Um abraço!