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Video Transcript:
Bem-vindos! Bem-vindos a mais uma aula live! Enfim, bem-vindos a este encontro. Fico muito agradecido pela confiança, confiança não só nos meus estudos, mas confiança existencial. Afinal de contas, dar o seu tempo a alguém é dar aquilo que é irrecuperável; é um grande presente, um presente por não eterno: dar o nosso tempo. Então, eu agradeço pelo tempo que vocês estão me dando. Bem-vindos aqueles que nunca estiveram por aqui. Bem-vindos! Peço — eu sempre detestei, mas isso realmente é necessário — que deixem seus comentários, seus likes, suas negativações. Peço que interajam, interajam com este conteúdo! Demonstrem
para o YouTube que este conteúdo é importante. De conteúdos ruins, o YouTube está cheio, sabemos, e eu estou aqui tentando, em algum nível, levar a boa cultura brasileira e não só ela à frente. Maravilha! Então, mais uma vez, bem-vindos! Haters, vocês são bem-vindos! Fiquem bravos, irritem, mas interajam no desenvolvimento desta conversa, desta aula, desta live, como vocês queiram classificar este encontro. Conversarei com aqueles que enviarem seus super chats. Enviem suas perguntas, manifestem suas dúvidas, destilem ódio, mas interajam no nosso super chat. Isto é importante, mantém este canal de fato ativo e adiante. Como eu já
sinalizei, o super chat também é importante para que eu possa pagar o Henrico. O Henrico, até hoje, é um mero voluntário, um voluntário da pátria, mas voluntário. Então, meus queridos, quero começar a falar de Lima Barreto em dois momentos. Conversarei com aqueles que enviarem seus super chats em um momento, digamos na metade — pouco mais da metade — da exposição e no final. Qualquer valor é bem-vindo: R$1, R$2, R$80.000, qualquer valor é bem-vindo! Maravilha! Interajam comigo, fiquem por aqui e, como gosto de dizer aos meus alunos, sigamos! Começo apresentando dois livros, dois livros que se
complementam. O primeiro, aquela que é a grande biografia sobre o Lima Barreto, descrevendo sua vida, suas etapas existenciais, suas circunstâncias, seus dramas, seu nascimento, sua morte. Não sei se vocês estão conseguindo enxergar bem. Estão? Então, aqui está a edição da Itatiaia: Francisco de Assis Barbosa, a vida de Barreto. Francisco de Assis Barbosa, que foi não só o estupendo biógrafo de Lima Barreto, mas, de fato, um grande intelectual, imortal da Academia Brasileira de Letras. Enfim, o Francisco de Assis Barbosa, isoladamente, já merece uma aula. Este seu livro é, de fato, uma linha do Equador. Quando pensamos
na biografia de Lima Barreto, existe um antes e depois desse trabalho. Antes desse livro, é possível dizer que Lima Barreto estava, se não esquecido, negligenciado. Depois dessa obra, é possível dizer que Lima Barreto começou a ser valorizado. E, acima de tudo — e este foi, inclusive, um clamor de Lima Barreto durante a sua existência —, o segundo livro, este aqui da Lançsch, "Triste Visionário", deixa ver se vocês conseguem enxergar pela lombada. Estão conseguindo? Pessoal, "Visionário de Excelência" complementa a biografia do Francisco J. Barbosa, afinal, ele entrou numa complementação psicológica e social ao esforço empreendido pelo
Francisco Barbosa. Então, as obras dialogam e se complementam. Quando nós pensamos em vida de Lima Barreto, de fato, esses dois livros são inescapáveis. Digo aos meus alunos que a beleza da vida intelectual, da vida de leitor, é que você pode, a qualquer hora do dia — claro, dependendo da circunstância, trabalho, essa dinâmica toda —, mas a qualquer momento, sendo possível, você pode sentar e tomar um café acompanhado de Shakespeare. A leitura possibilita essa expansão. É possível estar no ônibus lotado e você estar sentado lendo Tolstói. A realidade tenta te impor o acotovelamento, uma certa barbárie
social, uma certa exclusão, dificuldade. Mas você está ali, expandindo a sua consciência, dialogando com exemplos, como Tolstói. A leitura tem esta beleza: por mais difícil que seja a sua vida, a leitura tem a capacidade de expandir a sua existência, aquilo que aparentemente é restrito: a leitura derruba. E hoje, eu quero que nós conversemos com Francisco de Assis Barbosa. É uma exposição em que o meu papel é o de ser mediador. Eu quero ser o mediador de Francisco de Assis Barbosa. Eu quero, acima de tudo, deixá-lo falar, exercendo então este meu papel de mediador. Fiz algumas
anotações, todas aqui colocadas no meu celular, e a partir dessas anotações, promoverei esse diálogo. Evidentemente que, além desses dois livros, outro caminho para que conheçam Lima Barreto é o de ler os textos de Lima Barreto, evidentemente. Mas, como eu tenho uma audiência qualificada, eu imagino que não preciso enfatizar que vocês devem, para conhecer Lima Barreto, lê-lo. Esta é uma questão evidente. Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no sagrado dia 3 de maio. Não nasceu em 1888, mas nasceu no 3 de maio de 1881. O 3 de maio, que é um dia tão importante para a
história brasileira, também era o dia do aniversário de Dom João, é o dia de Fátima, é o dia da Abolição. Quem é meu aluno há mais tempo, quem me conhece, quem convive comigo sabe bem que eu sempre falo. Se eu pudesse viver um "Meia-noite em Paris" — vocês assistiram ao filme do Dialeto maravilhoso, né? — o meu "Meia-noite em Paris" ocorreria no 13 de maio de 1888. Minha concepção: dia mais bonito da nossa história e um dia que eu gostaria de ter sido, pelo menos, uma mosca. Eu gostaria de ter escutado o discurso inflamado e
emocionado de Joaquim Nabuco naquele Paço Imperial, dizendo que a partir daquele momento o Brasil avançava, pelo menos no discurso, no caminho da civilização. Pois bem, o nosso assunto não é a Abolição. Ainda será uma página muito especial da nossa história, mas falar da Abolição, falar da escravidão, falar de racismo é também falar de Lima Barreto. Afinal de contas, Lima Barreto estabeleceu uma produção intelectual de denúncia constante, nesse papel exercido por não ser polemista. A questão social e, também por consequência, a questão racial é constante na produção, nas lamúrias, no choro, na denúncia, na hipérbole do
nosso Lima Barreto. Lima Barreto, filho de João Henriques de Lima Barreto, que é filho de uma antiga escrava, teve uma carreira bem especial. Enquanto inicialmente era tipógrafo, Lima Barreto, filho de Amália, que era professora e também filha de escrava, viveu como "agregada de família". "Agregada de família" é uma expressão que pode ser vista como um eufemismo para a escravidão doméstica e até mesmo um tipo de "padrinho". Então, não vamos restringir o tipo de prática, mas é importante lembrar que, por "agregada de família", existe um amplo capital simbólico. Assim, tanto da parte da mãe quanto da
parte do pai, Lima Barreto tem uma relação com a escravidão a partir de seus avós. Seu pai, tipógrafo, estava presente no momento em que Lima Barreto nasceu. Sua mãe, professora, lecionava para o que hoje poderíamos classificar como primeiro a quarto ano, ou seja, uma professora das séries iniciais de alfabetização. Nesse sentido, Lima Barreto foi bem privilegiado; afinal de contas, ele, no campo afetivo, foi iniciado — e eu digo "iniciado" assim, em suas primeiras sílabas, no desenvolvimento fonético por sua mãe, esta mesma mãe que o encheu de afeto e amor. Morreu precocemente. Lima Barreto perdeu sua
mãe quando tinha 6 anos, de maneira prematura, aos nossos olhos. Afinal de contas, para aqueles que creem na providência de Deus, ela morreu no tempo que Deus permitiu. Mas para Lima Barreto, que viveu uma relação de amor e ódio, uma relação visceral com a Igreja Católica, a providência naquele momento foi sua inimiga. Barreto tinha 6 anos, era o filho mais velho, tinha três irmãos e vinha de uma família desassistida. Seu pai, viúvo, precisava ressignificar a estrutura da casa. Lima Barreto, sendo o filho mais velho e com apenas 6 anos, enfrentou circunstâncias difíceis. Costumo trazer o
entendimento de proporção de Santo Tomás de Aquino para casos determinados. Ser assaltado é ruim, sem dúvida, mas existe uma diferença entre ser assaltado e perder a carteira. Por exemplo, se você perdeu a sua carteira e nela havia uma nota de R$ 50, esse é um caso. No outro contexto, você perdeu a carteira, uma nota de R$ 50 e todos os seus documentos. Na palavra "assalto", nós temos as duas situações, mas um caso foi pior do que o outro. E eu poderia ir além: você pode ter perdido a carteira e o carro, e na próxima vez
perder a carteira, o carro e as roupas, ou ainda a carteira, o carro, as roupas e a virgindade. Enfim, existem várias possibilidades para que o episódio piore. Esse é o entendimento que Santo Tomás traz sobre a proporção, tanto para as coisas boas quanto para as ruins. A viuvez e a orfandade, evidentemente, dentro de uma relação ordenada, representam páginas difíceis, duras e reais. No caso da circunstância de Lima Barreto, seu pai, João Henriques, com quatro filhos crianças, enfrentava uma viuvez bem desoladora. Lima, com 6 anos, já não tinha mãe; a circunstância era difícil, e ele era
apadrinhado pelo Visconde de Ouro Preto. Falarei sobre essa relação na sequência deste nosso encontro. Lima, aos 6 anos, estava inserido no cenário de 1888. Já mencionei que Lima Barreto nasceu em 1881. Quando pensamos no desenvolvimento do Brasil, 1888 marca a Abolição e 1889 o golpe republicano, que é muito importante para a biografia de Lima, mas não porque ele escreveu "Triste Fim de Policarpio Quaresma", denunciando o florianismo. Isso é muito adiante. Entendam que o Visconde de Ouro Preto, sendo um padrinho de Lima, representa a relação com o seu pai e também uma estrutura de apadrinhamento social,
derivada de questões políticas de trabalho dentro do posicionamento político do pai de Lima. Ouro Preto foi o último chefe do gabinete de ministros do império. Se estamos falando de uma mudança política, o Brasil virou República. Logo, ele, representando o governo anterior, esteve no centro dessa transição política. Por duas vezes, Ouro Preto foi perseguido e teve que se exilar dentro desse novo regime. Aqui no canal, já discuti sobre os movimentos que, em algum nível, respondem, cada um à sua maneira, pela queda do império. Então, procurem direitinho aqui no canal por que o império caiu; é um
bom complemento para esta circunstância. O que nos importa, quando pensamos em Lima, é que seu padrinho, Ouro Preto, foi o último chefe do gabinete de ministros do império, numa mudança política em que ele passou a não ter mais utilidade. Esta falta de utilidade, leia-se, foi também perseguida, limitada em seu pleno exercício político. Assim, Lima Barreto perdeu a mãe, e o golpe republicano atingiu o pai de Lima, que era monarquista, com ativismo. Esse é o cenário que Lima Barreto enfrentou aos 8 anos. Lima já era leitor de Júlio Verne e tinha, de fato, uma formação enquanto
leitor, um início de interesse pelos estudos. Foi seu pai, por necessidade, tentando dar a Lima a formação que não conseguiu ter; apesar de ser um homem culto, não era um homem que deve essa cultura a uma formação, digamos assim, formal. Seu pai resolveu, então, colocá-lo no Liceu para que ele pudesse ampliar sua formação. Quero ler alguns trechos desse início de inclusão de Lima Barreto dentro de um espaço formal. Então, Francisco Júnior Barbosa, página 46: "Já podia agora prestar os exames da instrução pública, tirar os primeiros preparatórios. O filho não teria a mesma sorte do pai".
Acabei de fazer essa referência. João Henriques pensava que seu filho seria doutor, enquanto o antigo tipógrafo da "Tribuna Liberal" e o Visconde de Ouro Preto pertenciam ao Partido Liberal, embora monarquistas, o que aumenta, de fato, aquela linha de discussão sobre a percepção de que os liberais do império eram necessariamente republicanos. Medida, né, anámonarquia, o que não se aplica ao caso de Ouro Preto e de outros. Enfim, então o pai do Lima, tipógrafo da Tribuna Liberal, procurou o compadre que regressara via pouco do primeiro exílio, o Visconde Ouro Preto. O Visconde o recebeu com a cordialidade
dos velhos tempos no seu escritório da Rua do Rosário e concordou em custear a educação do afiliado. Li, o menino, então foi matriculado no Liceu Popular de Niterói, um dos melhores do tempo, frequentado por gente rica. Os colegas, por exemplo, de Lima eram Otávio, Américo Ferraz de Castro, Manoel Ribeiro de Almeida, Ricardo Barreto; enfim, todos esses, em alguma medida, vão se destacar mais tarde no jornalismo, na carreira de armas, no magistério. O Lima começa a sua vida num campo, digamos assim, formal de estudos, só que para ele era tortuoso estar nesse espaço. Vejam só: Afonso
sofria com a vida do internato, era dois que, só contra gosto, recitavam o verbo do "chere"; jamais se conformaria com a disciplina das aulas e dos estudos, com os gritos e as palmatórias dos professores, os horários certos para tudo, controlados pelo apito dos B10 e pelo olhar policial dos decuriões. O Lima, nesse cenário... E aí tem várias as teses que caminham nessa perspectiva: o Lima se sentia diminuído também pelos trajes, pela condição, por um ângulo de ser visto como um tipo de bolsista, por sua condição de menino negro, trajes mais simples, tendo, por exemplo, uma
jornada mais simples, um pai que também sofreu com o golpe republicano. Enfim, tudo isso, no somatório, colocava o Lima Barreto, segundo algumas interpretações, numa posição diminuída. Nesse sentido, cabe também mencionar que isso é decisivo para que compreendamos o Lima Barreto, no sentido até da sua futura relação com o oculis, com a loucura, com as alucinações. Enfim, que a relação de Lima com seu pai era uma relação muito bonita, muito bonita! Para quem, por exemplo, não teve pai, perdeu o pai cedo, para quem sente saudade do seu pai, a relação do Lima com seu pai é,
de fato, uma relação bonita, inspiradora, por não invejável. Alguns trechos dentro dessa questão, trechos que conjugam o Lima no liceu e o seu pai... tudo isso, todas as minhas citações, reitero daqui: tudo isso sucedia nos melhores tempos das colônias, quando Afonso ainda cursava o Liceu Popular Niteroiense e vinha todos os sábados passar o fim de semana com o pai e os irmãos. Então, é o menino Lima Barreto. João Henri, que é o pai do Lima, você já sabe, sempre vigilante, acompanhava todos os passos do filho no colégio, tomava-lhe as lições e com ele conversava como
se tivessem a mesma idade. Amava o filho; isso aqui é muito bonito, né? Como filho, teria a oportunidade... escuta isso: o filho teria a oportunidade de receber a formação que ele não teve, a condições de receber. Ele chamava o filho de 'Doutor Afonso', por filho se sentia estimulado a ter a grandeza da formação e encontrar um lugar que, para o pai, era um lugar justo. Vou seguir aqui sobre essa relação, né, descrevendo essa relação a partir do Francisco Jacis Barbosa. Por esse pai tão amigo, inteligente, Lima Barreto há de conservar uma grande admiração de toda
a vida. Muito provavelmente dele se lembrou mais ainda, talvez, que no retrato de Policarpo Quaresma, ao traçar o perfil do pai de Isaías Caminha: "Meu pai", aspas, ao que o Lima colocou lá no Isaías Caminha, "o seu corpo anguloso, seco, a sua dor contida que se escapava no seu olhar e na sua fisionomia... Transvia o As Tardes. Nos dias de bom humor, mudá-la de chofre, fazer-se risonha, vir para mim, sentar-se à mesa e, à luz do lampião de querosene, explicar-me pitorescas lições." No dia seguinte, sim. Agora volto a J. Barbosa. Não há dúvida de que
são o mesmo pai um e outro, como o filho deste Isaí é o próprio romancista. Aqui uma menção: o Lima Barreto vai ser muito criticado como um autor pouco criativo, no campo da literatura, muito confessional, muito descritivo, mas um autor que, em alguma medida, sempre utilizou a sua vida como o desenvolvimento principal da trama. Então, exemplo: quando o Lima Barreto quis, é, denunciar, contestar movimentos, escolhas, etc., do João do Rio, o Lima Barreto o transforma então num objeto a ser descrito dentro da sua literatura. Isso é um exemplo: quer falar do seu pai, dos seus
dramas, de si, utiliza claramente a literatura para esse tipo de fim. Esse é, de fato, um apontamento desde a estreia de Lima que fizeram, e, em alguma medida, ainda fazem, né, quanto à criatividade de Lima Barreto, que ele acaba sendo um autor que não consegue... digamos que não conseguiu, no caso, né, criar cenários de pouca expansão imaginativa, de uma capacidade de denúncia, mas, em alguma, digamos, linha de limitação e de imaginário. Pois bem, continuo. O homor... o xerife estudava com os filhos; o seu pai começa tipógrafo e depois vai trabalhar no almoxarifado. Fazia com os
filhos, entre eles o próprio Lima, os exercícios de francês e inglês; ajudava, estimulava-os. Foi o pai que me fez... aqui um ponto, né, que Evangelina se inscrevesse no concurso de contos da revista Universal. É que a menina, irmã do Lima, escrevera um trabalho que lhe parecerá bom; intitulava-se "O noivado da montanha". Seria uma pena perder. E assim, com este título, o tanto rebarbativo, foi remetido à redação. Depois, a casa toda encheu-se de alegria: o conto de Evangelina obteve o segundo prêmio, classificando-se em primeiro lugar uma escritora ilustre, já consagrada, a senhora Maria Amália Vas de
Carvalho. João Henriques não gostava somente de agricultura, cultivava também as belas letras, até mesmo com certo requinte. Para o filho mais velho, guardou a edição brasileira da Divina Comédia. tradução do Visconde de Vila da Bar e que foi impressa na imprensa nacional ao tempo em que ali exercera as funções de mestre de composição. Guardara também a obra de Tácito. Aqui vem um ponto interessante, né? Veja como o pai do Lima Barreto era um homem culto, né? Ele ajudava os filhos nos exercícios de francês e inglês, presenteou o filho com A Divina Comédia e ele de
fato era um homem que se via limitado com esse repertório. Hoje em dia, no nosso país, provavelmente assim seria uma das 50 pessoas mais cultas do país. No Brasil de hoje, o país de todes, um homem com esse nível de vocabulário é cultíssimo. Bem, João Henriques, que não gostava somente de agricultura, sabia realmente muitas coisas. Esse homem de corpo anguloso e seco lia livros em idiomas estrangeiros, conhecia nomes das estrelas, explicava a natureza da chuva, narrava cenas e fatos da vida política do império, contava para Lima Barreto. E foi assim que Lima Barreto também foi
formado e, por que não, inspirado, né? Escutava do pai as referências quanto a Cotegipe, Saraiva, Silveira Martins, José Bonifácio, moço, Francisco Otaviano e, claro, né, do próprio Ouro Preto. Bem, essa era a relação de Lima com seu pai, uma relação especial. Colocada dentro desse modo, depois do golpe republicano vem a revolta armada. O Brasil, depois desse golpe, entrou não só no Rio de Janeiro, então capital brasileira, mas entrou numa fase de guerras civis. Exemplos como a federalista e Canudos são episódios que ilustram o que menciono. A revolta armada é uma guerra civil, de fato, que
não pode ser subestimada; e ela acaba impactando tão decisivamente Lima Barreto, que ainda era uma criança nessa transição do que hoje nós chamaríamos de pré-adolescente ou adolescente. Ele visualiza, de fato, um cenário de guerra civil que muitos aqui nunca viram. Então, tem uma mudança, digamos, de percepção social do Lima exatamente nessa fase. Ele encontrou um tipo de declínio social que ele ainda não havia, assim, presenciado. Se a proclamação da república, o povo assistiu bestializado. O pai do Lima, colocando Lima no liceu, etc., em alguma medida o preserva. No liceu, Lima provavelmente pela primeira vez se
viu, né, descendente de escravizados: pela primeira vez a sua condição de negro num país que, se nós pensarmos assim dentro daquele contexto da relação de Lima com o Liceu, recém havia abolido a mão de obra escrava. Então, ali ele se sentiu negro pela primeira vez. Isso é importante. Já havia perdido a sua mãe na revolta armada. É quando ele se sente, aí sim, pela primeira vez, inserido num país cheio de catástrofes, de crises. É a percepção dilatada de um Lima que denunciará exatamente a revolta armada lá no Trisfil de Porc Quaresma. O Lima, em alguma
medida, é profundamente confessional nos seus romances; já fiz essa referência e ele é confessional com passagens que muitas vezes pautaram ou a infância ou a adolescência ou o início da sua fase adulta, mostrando, em alguma medida, que a memória, ou talvez o trauma, na sua literatura, botando assim essas duas definições, são aí basilares, importantes; em alguma medida estabelecem limites. Bem, 1897, 4 anos depois então dessa transição política catastrófica. Deodoro Floriano não poderia assumir como presidente; ele era vice-presidente. O Brasil, no sentido constitucional, eu me refiro à Constituição de 1891, precisaria de uma nova eleição. A
eleição não aconteceu, houve um golpe dentro do golpe. A constituição republicana, com nenhum ano de apresentação, já é burlada dentro desse movimento devidamente articulado por Campos Sales, D. Moraes, Floriano e outros. Floriano assumiu, não podendo assumir. E aí nós estamos falando desse contexto da armada. Anos depois, Lima começa a estudar Engenharia e, dentro desse estudo do que hoje compõe um painel muito mais diversificado de engenharia. A engenharia fracionou-se, né? Naquele momento, a engenharia era algo mais conjugado. Claro, né? Tecnologicamente, o mundo ficou cada vez mais complexo e, por consequência, a engenharia também expandiu-se. A própria
inspiração para que Lima fosse inserido, incentivado pelo próprio pai, para entrar na área da engenharia, é um outro negro notável da nossa história que é o André Rebol, engenheiro. Lima entra, começa de fato, então a estudar de uma maneira mais direcionada na Politécnica essas questões de engenharia que eu fiz referência. O que vai acontecer? Ele acaba reprovado. Não foi reprovado uma única vez, foi reprovado em mecânica racional. Sentia-se perseguido e essas reprovações, na verdade, são decisivas para que ele adote a sua postura pra vida toda, desse homem inclassificável. Esse anarquista que não era "ista", mas
ao mesmo tempo, assim, [Música], ah, rebelde! Ao mesmo tempo conservador. Esse homem, enfim, inclassificável! O Lima também, nessa fase da Politécnica, essa fase de reprovações, ele começa a escrever pela primeira vez, colaborar para o jornal que é o jornal estudantil Lanterna. Seu ciclo de relações aumenta, sua rebeldia aumenta, seu desenvolvimento intelectual aumenta, ainda sua consciência social. Ele agora, já início de fase adulta, aumenta, percebe-se cada vez mais descendente de escravizados, percebe-se cada vez mais um homem que, de fato, precisou... Isto sim não é um discurso de endosso a políticas identitárias, mas é uma descrição biográfica,
como de fato Lima narrou a sua própria jornada. Um homem que precisou esforçar-se muito mais para obter lugares, inclusive piores. Então, para Lima, muito do seu trabalho não exigia apenas esforço, exigiria um nascer de novo. Bem, então, o drama que Lima viveu na Politécnica com reprovações, perseguições, racismo... É nesse cenário que ele conheceu pela primeira vez... tá? Porque segundo... É um tema, assim, conheceu pela primeira vez ou conheceu o segundo Lima... Enfim, não se dá para afirmar se foi a primeira vez que o Lima, de fato, esteve com... Ouro Preto, ou se foi de fato
a primeira vez, é um tema em aberto. Se de fato foi ali que ele conheceu, né? Aparentemente, fica meio redundante, né? Conheceu pela primeira vez, mas é porque justamente é um tema em aberto se ele conheceu ali, se ele já conhecia. E é pela primeira vez, de fato, que ele lembra, mas não é a primeira vez que viu. Ok, vamos partir da ideia de que foi, ex, nesse cenário que o Lima Barreto conheceu o Ouro Preto. Tendo conhecido o Ouro Preto, que voltava do segundo exílio, a impressão que ele teve foi horrível. Horrível a impressão
que o Lima teve do Visconde de Ouro Preto. E aqui tem até um caso interessante, né? Nessas circunstâncias simbólicas da nossa história, o Ouro Preto, que como o nome mesmo indica, né, tem uma relação com a cidade Ouro Preto, onde o último presidente do gabinete de ministros vivia. Em Ouro Preto, hoje, é uma república estudantil interessante. Mas aí, vejam só, a impressão do Lima Barreto desse encontro foi uma impressão horrível para ele. Os protetores, como o Ouro Preto, eram piores do que os tiranos. A suposição de Francisco de Assis Barbosa é que o Lima Barreto
saiu desse encontro rompendo com um Ouro Preto. Esse encontro foi mediado pelo pai do Lima, buscando a intervenção do Ouro Preto para que este fizesse de fato algum movimento, para que o Lima Barreto parasse de ser perseguido na Politécnica e, por consequência, deixasse de ser reprovado. Era uma intervenção. O que vai acontecer? Eu quero trazer o Francisco Jess Barbosa nesse sentido. Bem, na página 90 aqui da nossa biografia, foram os dois, né? Lima e seu pai, finalmente, depois que Ouro Preto regressou do segundo exílio, quando as relações de João Henriques com o compadre importante começavam
a esfriar. O encontro foi desastroso e dele o estudante Lima Barreto guardou desagradável impressão para o resto da vida. Quando entrou no escritório do Visconde, este mal levantou os olhos da mesa, o que escrevia. E é bem possível que uma ruga de aborrecimento diante do incômodo visitante se tenha desenhado na fisionomia empastada do antigo titular do império. "A isso qualquer coisa que faz lembrar?" Isaías caminha entre carta de recomendação ao deputado. "Quem é este?" teria perguntado o Visconde, olhando displicentemente para João Henriques, ou seja, era o afiliado. Trabalharam juntos, na verdade, assim, né? João Henriques
trabalhou para ele. E aí, para piorar, vamos imaginar a cena, né? Estão o Lima Barreto e seu pai chegando ao gabinete, e Ouro Preto, olhando meio assim, pergunta: "É o Serafim?" Então pergunta se o João Henriques é o Serafim. O Lima Barreto, e eu acredito nesse relato integralmente, né? Vejam, eu não tenho como validá-los do ponto de vista da pesquisa, mas coletando certos documentos, certas outras impressões, outras bibliografias que não tocam apenas no Lima Barreto, mas nessa conjuntura no próprio Ouro Preto, suas características enquanto político, enfim, eu acredito no que está aqui. Existe evidentemente uma
diferença crucial entre aquilo que eu posso afirmar como pesquisador, como historiador, e aquilo que eu acredito. Certo? Então aqui eu acredito, mas não acredito, evidentemente, sem sustentação. Tem bibliografia para essa crença. Então, Lima e seu pai visitam Ouro Preto, que estava cheio de demandas. T, ver, tenha ficando incomodado. "Estão vindo aqui para pedir aprovação da Politécnica. Tem outras coisas para cumprir. Acabei de voltar de um segundo exílio. Sou perseguido por esse governo republicano. Estão pedindo algo tão simples, tão bobo, tão pequeno." Enfim, o ponto é que olhou com desdém e perguntou se o pai do
Lima era o Serafim. Mas pior, a pergunta era cruel e terá chocado ao rapaz que se chamava Afonso, por causa de quem? Do Afonso Celso. "Quem é o Afonso Celso?" O Visconde de Ouro Preto. Ou seja, o Lima Barreto, que já não era mais uma criança, viu o homem que o seu nome homenageia desdenhar do próprio pai, um pai que ele tinha essa relação afetiva, que o Francis de Barbosa tão bem ilustrou. Eu tirei os trechos aqui para colaborar, né? Um pouco dentro dessa discussão. Continua em homenagem àquele homem antipático de suíças, que tão mal
os recebia. O desenvolvimento da conversa não corrigiu a primeira impressão; ao contrário, agravou. Em matéria de política, o afiliado não afinava com o padrinho, a ponto de este observar a João Henriques: "Este meu afiliado está me saindo um jacobino." Como é que esse encontro se deduziu? Ok, é o Serafim. Lima ficou retraído. Processo difícil, né? Certo processo difícil. A partir dessa dificuldade para quebrar o gelo, a conversa começou a ser desenvolvida. Dentro dessa conversa, assunto sobre política, dia a dia, a Escola Politécnica, enfim, esses assuntos apareceram. E aí a impressão do Ouro Preto, conforme o
Lima foi apresentando suas respostas, era de que ele era um jacobino. Lima Barreto jamais fez qualquer referência, direta ou indiretamente, a esse encontro com o Visconde de Ouro Preto. Não há em toda a sua obra, repleta de confissões íntimas, nada que possa lembrar a impressão desagradável que lhe proporcionara o conhecimento com o seu protetor, a não ser talvez aquela cena acima citada, em que o deputado tenta dissuadir o jovem Isaías a não estudar medicina. Eu quis ler esse trecho final. Embora ele não tenha sido mencionado aqui na minha extração de leitura, para anexar o fato
de que Lima foi muito confessional na sua literatura, é mais um exemplo, certo? Ainda no Diário Íntimo, só uma vez Lima Barreto falou em Afonso Celso e, assim mesmo, de uma maneira vaga. Tá, pessoal? E os dez mil do tal Visconde: "Os protetores são piores que os tiranos." Esses dez mil réis eram, com certeza, uma dádiva do padrinho. Da reação tão violenta vê-se que o afiliado se ofendera com o gesto, ainda que a intenção tivesse sido generosa. Logo, a separação, a suposição de que Lima rompeu com o Visconde de Ouro Preto nos primeiros anos de
sua mocidade, acaba sendo uma conjuntura bem interessante, e com o embasamento, porque, afinal de contas, depois desse encontro do El Serafim, Lima não mais o visitara. Ainda quando publicou o seu primeiro livro, que é "Recordações do Escrivão Isaías Caminha", ele não teve nem a lembrança, por exemplo, de oferecer um exemplar a Afonso. Céus! Então, é um rompimento. Lima guardava, né, um recorte de jornal com a imagem, com a notícia do falecimento de Alonso Celso; ele guardava e não se sabe bem, ou mal, com qual motivação: se era aquela motivação do afeto que poderia ter sido,
mas não aconteceu, se era um tipo de rancor, se era uma composição de origem que o Lima queria, de fato, ah, guardar no campo assim da própria memória documental, ou pelo menos no campo da memória enquanto imagem. E nós sabemos que Ouro Preto não soube dar a Lima o que ele pedia, que era ternura e compreensão. Enquanto padrinho, o que Ouro Preto fez foi desdenhar de Lima e depois oferecer R$ 10.000,00. Nesse sentido, o afiliado passou a evitar a presença antipática que só lhe fazia avivar a situação humilhante de protegido. Isto aconteceu em 1902. E
aí Lima nunca mais visitou seu padrinho. Quem tente maximizar o fato de Lima ser afiliado de Ouro Preto como se isso em alguma medida indicasse que Lima Barreto também pertencia à elite... Não! Não é um pouco exagero, tá? Dependendo da interação, até é muito exagero. Vocês já viram aqui nessa extração que Lima Barreto não era da elite, né? Bem, que nós já vimos aqui na vida do Lima: órfão cedo, estudou no liceu, depois estudou na Politécnica, golpe republicano, seu pai foi gradativamente remanejado, envolvido, apadrinhado pelo Ouro Preto, monarquista. Esse processo do seu pai ser remanejado
culmina, evidentemente, no Lima tendo que se mudar. Oscilações econômicas, seu pai ficou viúvo, tendo quatro filhos. Lima, na Politécnica, perseguido, sentindo-se, desde o liceu, e foi o drama que o Lima verbalizou: sentindo-se diminuído pela sua condição, pela sua cor. Lima visita, então, Ouro Preto, desdenhado, com dificuldade de encontrar o seu lugar, começando a escrever os seus textos, seus textos jornalísticos, seus textos assim de vida intelectual. Essa é uma fase que o Lima já está lendo autores como Dostoiévski, autores como Tolstói. Lima lia Shakespeare. Então, esse é o momento do Lima já enquanto leitor maduro, ou
em fase de amadurecimento. Só que aí, em 1902, talvez a maior tragédia na vida do Lima Barreto aconteceu, porque o seu pai subitamente enlouqueceu. Imaginem, pessoal, que situação horrível! Horrível parece uma palavra tão pobre, né? Boa noite! Boa noite, pai! Você acorda e o seu pai é outra pessoa, e seu pai fica assim pelo resto da vida, resto da vida. E foi isso que aconteceu. Então seu pai, essa figura anteafetiva etc., enlouqueceu no meio da noite. Porém, o silêncio da pequena casa do Sítio do Carico foi cortado bruscamente por gritos lancinantes que vinham do quarto
de João Henriques. O alm. cherife delirava. Acudiu incontinente o filho Carlindo. O Lima Barreto não estava em casa, tá, pessoal? Então quem acudiu é o Carlindo. Por entre as frases desconexas que proferia, percebia-se que o pobre homem alucinado estava possuído pelo pavor de ser preso. Era loucura, e ele gritava, segundo relatos, né? Não deixem entrar! Não deixem entrar! Então ele estava dormindo, ele acordou: não deixem entrar! Não deixem entrar! Estão invadindo a casa! Socorro! Na manhã seguinte, João Henriques não era o mesmo homem da véspera; olhava desconfiado para todos, como envergonhado, sem dirigir palavra nem
aos filhos nem a Prisciliana. Esquecera-se completamente da fama do dia anterior, dos preparativos da viagem ao Rio. Nem se lembrava de Nossa Senhora da Glória e da festa em louvor da Santa; trancou-se no quarto, não queria ver ninguém. Dentre, assim, as possibilidades, né, de gatilho para essa loucura, está o medo de seu pai quanto a uma acusação de roubo dentro do seu trabalho no próprio hospício. Mas são especulações. A certeza é que Lima viu seu pai enlouquecer. Imaginem, pessoal, você tem essa relação bonita com o pai e, no intervalo de uma semana, o seu pai
está sentado, delirando, babando, precisando ter as vestes trocadas, sem qualquer espécie de autonomia e, ao mesmo tempo, sem uma definição clara do que aconteceu. Bem, é aí no meio desses desafios que o Lima, como filho mais velho, assume a casa, marcando com a responsabilidade de cuidar do pai, o pai demente, tendo que alimentá-lo, vesti-lo, ainda, né, vestir mais oito pessoas: seus três irmãos, Prisciliana, os três filhos desta, porque o pai do Lima teve uma segunda relação. Então, Lima é o pai, ah, agora, da família como um todo, né? É o chefe da casa, além do
Preto Velho Manoel de Oliveira, que era agregado dos Limas Barretos. Então o Lima Barreto precisou assumir, então, a competência, a função do seu pai. Afonso não preocupava apenas, né, com o estado de saúde de João Henriques; o Lima fazia questão que nada faltasse ao seu pai, mas tinha preocupação, claro, né, com seus irmãos, né? Carlindo, Evangelina, que entravam na adolescência. O Lima, segundo Francis Jess Barbosa relata, né, tratava os dois com severidade, cobrava horários, exigia, por exemplo, que não ficassem até depois das 8 horas na rua; eh dizia que não podiam bater pernas em certos
horários, em certos lugares, porque esse tipo de costume é coisa de vagabundo. A irmã mais moça, não deixava ela sequer ficar escorada na janela, dizendo que moço decente não fica na janela. Então, o Lima era muito conservador no modo de gerenciar a sua família. Mas, pessoal, vendo o seu pai delirar, saudade da... Mãe, sentindo-se assim com toda essa carga, é aqui que começa a relação de Lima Barreto com a bebida. O Lima confessava que não bebia pelo gosto; bebia pelo pranto. E a relação do Lima com o álcool, tendo um pai que nunca mais se
recuperou, é uma relação decisiva que vai acompanhá-lo agora até o fim da sua vida. É na mesma época que o Lima começa a frequentar as rodas anarquistas e as rodas literárias, e que ele começa a escrever esboços de textos de futuros romances. Ah, é um momento intelectualmente difícil, mas ao mesmo tempo de balizas. Aos poucos, o Lima precisou adaptar-se não só a essa nova circunstância afetiva, mas também à circunstância material, com arrecadação mais curta e maior demanda de trabalho. O Lima, tentando encontrar também um espaço para ser um escritor remunerado, um jornalista remunerado, mas ao
mesmo tempo precisando cumprir demandas e trabalhar fora, dentro desse tipo de interesse, enfrentou aquele desafio que muitos intelectuais já passaram e ainda passam. Eu sou intelectual, quero produzir os meus livros, etc., mas, por exemplo, trabalho no lugar X e isso está excluindo, tirando meu tempo do que eu quero fazer. O Lima começou a viver esses confrontos e encontrou na bebida o consolo, o consolo que esse rapaz, que um dia foi cheio de sonhos, não conseguiu aceitar sem relutância — essa, segundo ele, essa mediocridade que sua vida se transformou. O Lima seguia lendo Hest, Renan, essa
de Queiroz, Machado de Assis; sempre foi uma relação meio de amor e ódio que o Lima estabeleceu. Mas, nessa fase, Flaubert e Balzac, o Lima começou a desenvolver — não nessa época, já um pouco antes — uma biblioteca privada estupenda. O Lima, em vida, tinha uma das melhores bibliotecas privadas do nosso país. Em 1904, o Lima começou a escrever o que acabou não sendo o seu primeiro romance, que foi Clara dos Anjos. Clara dos Anjos tem passagens do Lima falando até sobre futebol. O Lima foi muito contemporâneo, odiava futebol e até chegou a organizar movimentos
para conscientizar sobre os malefícios do futebol. Aí, o Lima, essa figura apaixonante, porque ele consegue se excluir em vários campos e, ao mesmo tempo, ser coerente e incoerente na mesma medida. Por exemplo, Lima Barreto defendia divórcio, defendia a expansão feminina e era um crítico visceral do feminismo; entendia que o feminismo era um meio de alienação, de aburguesamento. Em contrapartida, ele defendia a autonomia feminina. Lima Barreto defendia, por exemplo, a cultura popular; defendia uma expansão da ideia de lazer e, ao mesmo tempo, era crítico do futebol. Lima Barreto era, em vários aspectos, anticlerical, mas, enquanto a
partida, era um devoto de Nossa Senhora, aí em procissões. Lima Barreto, ele era um anarquista e, ao mesmo tempo, não era; era também maximalista, ao mesmo tempo não era. Lima Barreto foi grande amigo de Jackson de Figueiredo, que tem uma relação com o Centro Dom Vital, e, para muitos, inclusive para o próprio João Camilo de Oliveira Torres, Jackson de Figueiredo era um reacionário etc. E o Lima Barreto foi grande amigo dele, apadrinhando novos escritores, mas nem sempre apadrinhando de maneiras, digamos assim, fáceis. Tem até uma anedota maravilhosa que é quando o jovem Câmara Cascudo encontrou
o Lima Barreto, o escritor que ele já tinha admiração. E aí o Lima Barreto, pegou e botou o Câmara Cascudo para caminhar. O Lima Barreto caminhava muito durante o dia; ele gostava de andar, gostava de viver a cidade e gostava de, no meio do caminho, parar para um pit stop, e bebia, botava álcool no corpo. E aí o Câmara Cascudo, ali amando Lima Barreto, estava acompanhando o Lima e não aguentou; ficou ensopado, cansado etc. E aí, no meio do caminho, desistiu de acompanhar. Ainda tem um episódio que o Lima Barreto nunca perdoou. Lima Barreto tinha
inicialmente um respeito pela literatura, pela biografia do Coelho Neto. O Coelho Neto também tinha um respeito por esse, então, jovem escritor ou escritor assim de primeira fase, como era o caso do Lima. E aí o Lima Barreto foi até a casa do Coelho Neto para fazer uma visita. Não se sabe ao certo se era uma visita com um horário marcado, se era uma visita de surpresa; tem argumentos tanto pró-Coelho Neto quanto pró-Lima. O que vai acontecer é o seguinte: o Lima Barreto fez… tocou, bateu palma, chamou, e a empregada do Coelho Neto viu o Lima
Barreto, que se vestia de um modo maltrapilho, negro, etc., achou que era um mendigo e expulsou o Lima Barreto dali, dizendo que não tinha nada para dar. E o Lima Barreto, meus queridos, que era rancoroso, nunca esqueceu isso; nunca esqueceu. É evidente que isso machucou, é evidente que isso machucou. Coelho Neto, em mais de uma oportunidade, se inocentou, dizendo não sabia, não sei o que aconteceu, etc. Mas para o Lima Barreto, aquilo ali foi uma ofensa imperdoável, imperdoável. Estamos exatamente nesta fase e eu quero saber se vocês enviaram perguntas para que eu possa dialogar sobre
o nosso Lima Barreto. Interações, super chats, quero dialogar. Duas perguntas: J. Miranda envia R$ 27,90 e diz: “Parabéns por mais uma grande aula! Visitei, depois de ter visto uma aula sua sobre Nabu. Fico feliz pelo elogio à minha aula, à minha exposição e fico emocionado pelo relato da sua visita. Massangana é nosso; é lindo pensar no Massangana, jovem menino Nabuco, sentado, comendo caque, acompanhado de sua madrinha, sentado naquela escada sagrada, quando um escravo que fugiu de um engenho vizinho pede socorro e é amparado por esse menino, e esse menino viria a ser o abolicionista Joaquim.”
Nabuc, então pensar numa "sangana" na minha concepção é pensar, de fato, também na ação da Providência dentro daquele encontro decisivo. E foi dessa forma que Joaquim Nabuco interpretou "sangana". Leiam o capítulo "sangana" do livro "Minha Formação" e, será no "sangana" que as pessoas que, de fato, né, terão essa responsabilidade, já sabem. Será numa "sangana" que as minhas cinzas serão colocadas no dia em que eu, eh, me aproximar. Então, assim espero, né, de Deus. Rogério envia R$ 5 e pergunta: "O senhor abordará Lima Barreto no seu novo curso? Terá aula sobre autores do período colonial?" Excelente
pergunta! Já fez referência a algo que eu quero divulgar, pessoal. Prestem bem atenção, bem atenção no meu Instagram e também neste vídeo, na aba ali das descrições, comentários, também no meu perfil, nos Stories. Vocês têm um link que é um convite para que vocês estudem comigo a história da literatura brasileira. É meu novo curso, primeiro curso deste ano de 2025. Eu sei que muitos estão cansados de cursos online. Eu sei que, muitos dependendo do caso, não acreditam nesse enfadonho marketing digital. Eu rejeito isso com todas as forças. Não é isso que eu faço. Eu não
acho que o marketing seja ruim; eu só acho que o marketing não precisa ficar refém da mentira. Eu, antes de ser um professor que tem o seu material divulgado também por ações de marketing, sou um professor. Logo, eu não abro mão de, também, na minha forma de vender, buscar um caminho reto, verdadeiro, transparente, que respeite de fato a circunstância dos meus alunos. Disse tudo isso porque é o período em que vocês devem colocar os seus respectivos e-mails nesse link divulgado. Entendam algo: mais do que um mailing, mais do que um e-mail, um WhatsApp; vocês colocarão
os seus contatos para que eu possa dar conteúdos exclusivos para vocês, independentemente do curso. Então, é importante que vocês se inscrevam. Por exemplo: na sexta-feira que vem, numa plataforma fechada e gratuitamente, eu vou ministrar uma aula sobre a história da Academia Brasileira de Letras. Então, você deve se inscrever. Isso é bom! Depois, você pode se inscrever no meu curso, é outra coisa. Mas entendam: na sexta-feira que vem, não será no YouTube. No encontro fechado, ministrarei uma aula sobre a história da Academia Brasileira de Letras. E eu só poderei chegar até você se você se inscrever
no link que está na descrição deste vídeo, que está no meu Instagram, no meu perfil. Enfim, o famoso link "nabil brasileiro", quando encontra uma palavrinha em inglês, ele gosta de colocar, né? Então, link no meu perfil, certo? Viva, Policart. Quaresma Brasil, falando em Tupi, é isso que eu desejo! Então, ó, história da literatura brasileira: meu primeiro curso. Curso que eu preparei por anos. Hoje, inclusive, lá no Instagram, o menino me perguntou: "Professor, já leu o Coelho Neto? Como é que eu posso abordar a história da literatura brasileira sem ter lido Coelho Neto?" Então, preparem-se para
um curso sério, profundo, com indicações colocando dialeticamente Merquior, Alfredo B., Antônio Cândido, Carlos Nejar em discussão e debate. A história da nossa literatura apresentada por mim, que tenho dentro da minha biografia o privilégio de já ter editado Teixeira e Souza, o nosso primeiro romancista, de ter editado, por exemplo, Cláudio Manuel da Costa, de ter editado Mário de Andrade, de ter escrito um livro sobre Monteiro Lobato, de ter especialização em literatura brasileira pela PUC, tendo apresentado um trabalho sobre o Álvaro de Campos. Eu acho que eu tenho uma relação com a literatura brasileira: escrevi "Machado, escravidão
e política", livro devidamente organizado dentro desse tipo de tema. Então, eu tenho um preparo e eu nunca abordei a história da literatura brasileira no curso. É a primeira vez que eu vou abordar. É meu primeiro curso sobre esse tema e eu gestarei este curso, certo? Então, é um filho que nasce depois de seis anos de gestação. Seis anos! Então, sim, eu abordarei Lima Barreto. É um autor inescapável, e friso por ângulos diferentes do que aqui eu apresento. Aqui é uma conversa geral; por isso, inclusive, que eu quero trazer o J. Barbosa, para que vocês se
sintam até mais vinculados com a tradição que discutiu, apresentou o Lima Barreto. No meu curso, eu quero inserir o Lima Barreto e as recepções que a sua literatura recebeu num outro eixo dialético de diálogo e disposição. Então, Lima Barreto aparecerá, evidentemente. Espero encontrá-lo nesse meu curso, assim como eu espero encontrar os que estão aqui, aqueles que assistirão a este vídeo depois. Falei também do marketing digital, dessas questões de internet, é que eu não banalizo a questão da palavra. Então, quando eu digo "inscrições", é até o dia tal. Porque é até o dia tal! Não invento
prazos estendidos, não invento que inúmeras pessoas me pediram, etc. Então, não, não invento isso! Eu sou uma pessoa que preza pela consciência de que, na minha relação com os meus alunos, a verdade também na forma de vender é um valor, certo? E eu trabalho online já há alguns anos, e faço isso realmente há alguns anos dessa forma. É por isso que eu continuo pobre. Casaroto, 2790, e diz: "Boa noite, professor. Podemos dizer que a trilogia de Lima Barreto é uma interpretação relativamente negativa sobre a Idade Média?" Concordo, desde que você tire o "relativamente", porque é
uma interpretação negativa. Sem o "relativamente"! É uma interpretação negativa. O Lima Barreto, independentemente do juízo de gosto que cada um, evidentemente, tem, é o tipo de autor que eu gosto muito e respeito, porque ele colocava no papel o que pensava. Muito melhor, eu pelo menos penso assim: você saber que o outro não gosta de você, então, melhor lidar! Com ele, do que, por exemplo, lidar com alguém que você presume que gosta, mas que, no seu fluxo de consciência, na verdade, odeia, odeia você. Que é melhor, né? Conversar com alguém verdadeiro, pro bem ou pro mal,
ou conversar com um mentiroso cínico? Então, a pena do Lima Barreto não é nada cínica, nada. Pois você pode, evidentemente, olhar e dizer: "não gostei, não, não, não, não é meu caminho; prefiro outro autor". Tudo bem, é juízo de gosto, mas Lima Barreto foi, de fato, um autor visceral, verdadeiro; o que ele tinha para dizer, ele disse. E esse é o elogio que eu, em mais de uma oportunidade, fiz a Paulo Freire. Paulo Freire defendeu seus absurdos, mas só é possível Paulo Freire porque ele colocou no papel. Lima Barreto colocou no papel seus pontos, suas
questões. Você pode entender como absurdo, como uma defesa justa, como uma denúncia válida, etc. Mas é possível divergir de Lima Barreto porque sua pena foi verdadeira, sua pena tem sangue, transpiração, verdade. Lima Barreto foi, de fato, um intelectual proletário. Lima Barreto foi também anárquico, no campo intelectual, mas ao mesmo tempo ele queria validação institucional, tanto que tentou ser imortal da Academia Brasileira de Letras e não conseguiu; tentou ser em mais de uma oportunidade. Então, ele tinha essa relação, né, de um espírito intelectualmente desejoso de liberdade, ao mesmo tempo que desejava formalismo. Enfim, ele era duro
com os intelectuais do seu período, não com todos, evidentemente. Intelectuais naquele período, principalmente... Nós não estamos falando do Brasil de hoje, intelectuais, como eu brinco, né, são muita coisa e muita gente naquele período, certo? Então, nesse sentido, foi um autor incisivo, denunciou de forma dura. Vamos seguir, ótimo! Depois enviem mais perguntas, estou aqui. Eu ainda estou aqui. Imaginem, pessoal, que assim, aproveitando essa pergunta, né, Lima Barreto estreou com "Recordações do escrivão Isaías Caminha", que é de 1909. Em 1911, é "Triste Fim de Policarpo Quaresma", uma e "A Ninfa", em 1915, "Clara dos Anjos", né?, que
acaba sendo um livro póstumo, mas que ele escreveu em vários momentos da vida, publicado em 1922. Bem, no meio disso, né, textos, contos, etc. Bem, a recepção de "Recordações do escrivão Isaías Caminha" funcionou como uma bomba, né? O livro, de fato, cheio de denúncias, foi uma bomba; uma repercussão... É engraçado o contexto, né? Porque imaginem só: o primeiro crítico a tratar de Isaías Caminha foi o Medeiros e Albuquerque. O Medeiros e Albuquerque, que, num certo debate, chegou a participar do debate armado, né? Eu conheço Medeiros e Albuquerque, que articulou também o golpe republicano, imortal da
Academia Brasileira de Letras, etc. Uma biografia, eu conheço; eu a editei em uma oportunidade. Então, ele foi quem deu, né, o pontapé para a crítica tratar de Isaías Caminha. Então, imaginem, não foi qualquer crítico. O texto fez um barulho que o primeiro a analisá-lo foi o Medeiros, ao reconhecer, embora as qualidades do romancista, começou pelo fim e aparece como escritor feito lamenta as alusões pessoais a descrições de pessoas conhecidas, pintadas de um modo deprimente, para condenar incisivamente o livro, que classifica como sendo o mau romance e o mau panfleto. José Veríssimo, grande crítico, né?, apontou-lhe
também o grave defeito do livro ser personalista, né? Foi o que eu já comentei aqui. Apesar da campanha de silêncio, de boicotes, etc., que acontecem, é o seguinte: tá, o livro foi um sucesso, né? Então, o escritor desprezado, etc., ele foi sucesso. O povo quis! O povo quis! O que vai acontecer, pessoal? É um barulho, porque os críticos precisam continuar falando do livro; não foi silenciado, e os senhores da literatura, dentre eles o próprio Medeiros e Albuquerque, José Veríssimo, tiveram que aceitar, né? Tiveram que aceitar essa grandeza. Não teve o que fazer se a grandeza
não está no texto; Lima acabou, digamos, não sendo perdoado jamais pelos senhores da literatura porque ele conseguiu desenvolver um nome sem precisar da bênção. O Lima Barreto era claramente, em questões políticas, tá, nessa fase, uma oposição ao Marechal da Fonseca, que foi ministro da Guerra e depois viria a ser presidente do Brasil, presidente da eleição com Rui Barbosa. Campanha civilista, falarei ainda de Hermes da Fonseca, falarei dessa eleição da campanha civilista, e falarei de Rui Barbosa, o complexo Rui Barbosa, homem também de extremos, de arrombos de genialidade, arrombos assim de escolhas, no mínimo, controversas, tanto
que foi advogado de defesa da viúva do Solano Lopes. Então, Lima trabalhava nesse cenário, né? Cenário de vida política, na Secretaria da Guerra, exercia funções; ele tentou sobreviver, né, circunstâncias lá com seu pai, irmãos, e nesse meio de sobrevivência, a literatura estava ali, compondo a sua vida. Ele bebia cada vez mais. Bebida constante, bebida constante, em tal nível que Francisco Jess Barbosa coloca a bebida, que era o seu lenitivo, há de matá-lo lentamente. Nos primeiros tempos, logo que entrou para a Secretaria da Guerra, servia-se do chope, da cerveja, do whisky. Agora, porém, o dinheiro raliava,
e para atordoar-se e esquecer a amargura recorria à cachaça; ele bebia. Aí a fala do Lima desmente; confessa a ponto de estar completamente bêbado às 9 ou 10 horas da noite, frequentador de cafés e confeitarias, tornando-se, com o tempo, um boêmio de botequins, embriagando-se todos os dias, esbaforido e sujo, quase um trapo humano. Não era incomum encontrar o Lima Barreto dormindo na rua, de fato, atirado. Era uma situação muito difícil, visto-me mal, lamentavelmente mal, quase mendicante. Não julgo que amo a piedade; não sofro miséria, não, e vivo bem; é um feitio de ser, é a
minha pose, escreve em um dos artigos da Estação Teatral, numa época em que... Como vimos, não se apresentava assim tão mal vestido em outros artigos publicados na mesma revista. Na mesma ocasião, fala da sua aridez de coração, declara que não ama nem a pátria, nem a família, e muito menos a humanidade. E mais: aí é tudo. Lima, tá? Não obedeço a teorias de gene mental, social, moral, estética de espécie alguma. O que tenho são implicâncias parvas, é só isso. Isso aqui é maravilhoso, né? Lima, de fato, é uma grande palavra para defini-lo. Qual a teoria
política de Lima? A implicância! A implicância é uma grande questão. O Lima também, né? Ele acabou adotado editorialmente pelo Monteiro Lobato. Tratado, né? Já discutiu o Monteiro Lobato aqui no canal; assistam, né? O racista Monteiro Lobato foi o primeiro editor que deu para o Lima dignidade. Valorizou o Lima, viu genialidade no Lima. Isso é importante. Antes ainda do Francisco J. Barbosa elevar o Lima Barreto, Monteiro Lobato viu o potencial nesse homem que já vivia, né, no abismo. O Lima, no seu livro de memórias, "Cemitério dos Vivos", na página 187, colocou: "O abismo abriu-se a meus
pés e peço a Deus que ele jamais me trague, nem mesmo o veja, e aos meus olhos como o vi por várias vezes." O uso moderado do álcool não tardaria se manifestar de modo desastroso na saúde. Lima Barreto, alimentando-se mal, passando dias inteiros sem comer, a perambular pelos bares e botequins da cidade, cumprindo a via sacra dos bêbados, né, sucumbindo aos poucos. Ah, esse tipo de desregramento da vida boêmia já esquecendo cada vez mais da higiene. As maçãs do rosto, antes rosadas, agora tinham adquirido, né, a um homem de trinta e poucos anos, uma coloração
baixa, comum dos alcoólatras. Não sei se vocês já viveram com alcoólatras, etc. Às vezes, até na transpiração, né? Então, dependendo do caso, você já sente aquele cheiro. Ele nem bebeu; nem bebeu, está no hálito, né? Acorda e dorme com aquele cheiro de bebida, né? Bem, então imaginem: tinha trinta e poucos anos, não tinha nenhum viço da juventude. Ele era um mulato gordo, vermelhão. Ah, tres, andando a cachaça, apesar da compleição robusta, nunca foi das melhores à saúde do escritor. Em menino, tivera maleita que se repetiria na idade adulta, por volta dos trinta anos, obrigando-o a
licenciar-se por quatro meses da Secretaria da Guerra para tratamento da saúde. Isso aconteceu em fins de 1910. O Lima Barreto, só para contextualizar, faleceu em 1922. Então, nós estamos aqui já nessa última fração da sua vida. É um escritor de vida intelectual, digamos assim, ativa. Leitor, escreveu, não escreveu necessariamente pouco, mas sua estreia é publicada em 1909, que é "Isaías Caminha", e ele faleceu em 1922. O Lima Barreto, romancista, que é, talvez, assim, o caminho que mais o popularizou, é basicamente, aqui, numa conta de padaria, nós estamos falando de nem quinze anos, pessoal. É curto,
né? É um caminho, enquanto jornada, né? Uma jornada curta. Bem, a reedição de "Isaías Caminha" foi essa, esse barulho. Lei "Isaías Caminha". Eu só não vou descrever cada um dos romances de Lima porque eu quero abordá-los isoladamente aqui, inclusive neste espaço. Então quero ainda dar uma aula isoladamente sobre "Policarpo Quaresma", uma aula sobre "Isaías Caminha", e aí dentro deste espaço que eu quero desenvolver, vocês terão não necessariamente apenas uma aula sobre, mas aulas, aulas, aulas. Nesta fase do alcoolismo, da decadência física, Lima Barreto começa a delirar, começa a ver fantasmas, começa a conversar com o
espírito da mãe, começa a conversar com personagens, começa a conversar com escritores que faleceram, enfim. E não são delírios que não geram medo, né? O que aconteceu com o seu pai. E o Lima começou a apresentar delírios, comportamento de alcoólatra, necessidade de trabalho, e aí era cada vez mais penoso conviver com Lima Barreto. Lima Barreto não desenvolveu uma vida assim de relacionamentos. Também é um tema em aberto se Lima Barreto foi um homem que se relacionou com mulheres, prostitutas, etc. Se ele foi um homem de certa continência sexual, é um tema em aberto. Eu conheço
pesquisadores que apontam para isso, mas assim, nada muito preciso. Delírios, era penoso conviver com Lima Barreto. Tinha rombos de agressividade, de grosseria, ah, hostil. Eu acho que em alguns momentos o Gilberto Freyre sempre deve ser valorizado. Por quê? Porque ele vai fomentar o entendimento que precisamos encontrar nos nossos heróis, nas nossas esfinges, nos nossos romancistas, nesses grandes homens, os traços humanos. E aí aquela menção que ele faz que o Barão do Rio Branco gostava de doces humaniza. Nós pensamos no Barão estabelecendo fronteiras. Nossa, o barão é gigante. Aí nós esquecemos que, dependendo do caso, o
Barão do Rio Branco poderia ter chulé, já que Nabuco peidava, certo? Assim, é um processo humano, não é verdade? Então, nessa situação, o Lima Barreto, dentro dessa descrição, era uma pessoa também, em vários momentos, intratável. Intratável, certo? Estamos humanizando Lima Barreto. Não é porque ele escreveu genial "Policarpo Quaresma" que ele não era um homem com as suas circunstâncias, limites, com seu mau humor, bom humor, ar rombos. E ele tinha ar rombos de afeto, ar rombos de grosseria, etc. Resultado, pessoal: cada vez mais difícil de tratá-lo. Ele é internado pela primeira vez. Internado no hospício, Lima
Barreto ficou internado pela primeira vez de 18 de agosto a 13 de outubro de 1914. Pessoal, quase dois meses. Desculpe, quase dois meses. Difícil, né? Eu ainda quis ainda voltar mais, né? Quase dois meses, recolhido ao pavilhão de observações, onde ficou dez dias e depois foi encaminhado a, assim, a nova seção, etc. E eu tô aqui divagando e o fluxo de consciência, porque imaginem essa situação. Ele foi recolhido, ficou quase dois meses... precisou passar por todos os... Processos tão recolhido, ele já era um autor importante em 1914. Dentro da nossa jornada biográfica, Lima já havia
publicado, por exemplo, "Policarpo Quaresma". Isaías Caminha já tinha produção, portanto, aí colocado nu para verificações. O processo, completamente invasivo, recolhido então ao pavilhão de observações. Depois, a nova sessão, etc. Vestiram-no com uniforme da casa, uma roupa que só dava mesmo para cobrir. É difícil, pessoal, o que Lima Barreto passou por isso. Dói. Quando Lírio acalmou, logo no dia seguinte, o enfermeiro deu ao escritor um balde e obrigou-o a lavar a varanda e o banheiro, o que fez na vista de doentes, empregados e médicos. Tratamento, né? No banheiro de portas abertas, todos estavam. Pois imagine Lima
Barreto tendo que cagar dessa situação. Eu tive muito pudor, dizia Lima Barreto. Isso dói, pessoal. Ao falar do seu primeiro banho de ducha, eu me lembrei do banho de vapor de Dostoiévski na Casa dos Mortos. Quando baldei, chorei, mas lembrei de tantos do próprio Dostoiévski que pior deviam ter sofrido. Pessoal, a força da literatura, a literatura é um milagre, né? Nessa circunstância, no hospício, sem privacidade para cagar, pessoal, sem privacidade para tomar banho, já sendo um escritor consagrado, importante, claro, né? A questão do alcoolismo, tratamento, etc. Não estou julgando o desespero da própria família que
recorre à internação, eu estou descrevendo a situação e pensando nela, mas também enxergando essa situação pelo ângulo de que a literatura é um milagre. Porque nesse momento de agonia, quem esteve com Barreto? Dostoiévski, Cervantes. Por isso que é bom, eu digo isso para a minha esposa, né? Por isso que é bom ler, e digo isso para os meus alunos, porque muitos dizem que no nosso coma a consciência está mantida. E daí eu falo, é bom ler para ter repertório, até mesmo no coma. E o Lima Barreto manteve esse repertório, ficou internado na companhia de Dostoiévski.
Então, na hora da derrota, da suprema humilhação, era na literatura que Lima Barreto pensava, contemplando aquele espetáculo de miséria física e intelectual em que os homens se rebaixam à condição de verdadeiros animais, como O Náufrago, que não perdeu ainda de todo a esperança. Ele pedia: "A literatura ou me mata ou me dá o que eu peço dela." Quem já assistiu ao documentário "O Holocausto Brasileiro" consegue ter uma ideia do tipo de internação que o Lima Barreto viveu. Se não, aquela não tão distante pela descrição que acabei de apresentar. Assistam "O Holocausto Brasileiro", está aí no
YouTube. E assim, preparem-se, tá? Preparem-se. Muito difícil, um drama e mais uma página indigna da história brasileira. Bem, Lima Barreto internado. Muitos tentam defendê-lo, defini-lo como esquerdista, um revolucionário e coisas nesse sentido. Difícil, difícil entendê-lo como revolucionário, sendo que ele advogava também por vanguarda literária. Às vezes, as definições ocupam o espaço de palavras fáceis para personalidades complexas. Então, é mais fácil escolher palavras fáceis do que entender essas complexidades, né? É mais fácil simplificar aqui a vida do Lima Barreto em 20 minutos, a partir de entendimentos-chaves, do que propor uma aula longa, longa assim, para os
padrões contemporâneos. Eu sei lá quanto tempo que estou conversando aqui. Estou falando o quê? Uma hora? Duas horas? Quanto tempo que estou falando? Estou uma hora e trinta aqui. Então, assim, estou uma hora e trinta conversando. Então, seria muito mais fácil simplificar o Lima Barreto em 20 minutos. Tudo muito mais acotovelado, RC Quaresma e foi internado, sofreu, morreu. Mas eu não consigo ver o Lima Barreto desse modo, tendo em vista toda sua complexidade. Aí eu sou o professor, sendo o professor eu quero, de fato, dentro da maior possibilidade, dentro daquilo que é possível dar, quantidade
de materiais, deixar os alunos municiados no sentido intelectual. O que quero dizer é que uma personalidade como Lima é muito mais fácil você simplificá-la, né? Muito mais fácil. Ah, o revolucionário esquerdista, ele era um progressista. Ele era um louco, muito pobre, né? Muito pobre. Lima Barreto era tudo isso, complexo, e por isso que ele merece estudo. Então, não acho que ele tenha sido rucio. Mencionei: era um homem de incoerências, maximalista, feminista, patriota, um andarilho, amigo de Son de Figueiredo, devoto da virgem Maria, anticatólico, crítico da Semana de 22, crítico do futurismo, modernismos, crítico do que
hoje nós podemos definir como "mcdonaldização". A partir da estrutura do Pierre Bourdieu, era um escritor proletário, um escritor de pobreza contínua, vivendo a dependência do álcool, a depressão de ver um pai alucinado, de ter muitas vezes que sustentar uma família, de ter a cor da segregação, da escravidão. Ah, mas o Brasil nunca segregou como os Estados Unidos, etc. Mas conheça a Constituição de 1934, digite ali, dê um ctrl+f e coloque a palavra "eugenia", certo? Depois, as duas palavras "educação eugênica". Vamos ver de fato se o Brasil, essa ilha do paraíso que você tanto acredita, senão
como nos Estados Unidos. O que há é uma obviedade, mas também não é essa democracia étnica que muitos também tentam inventar. E Gilberto Freyre não defendeu essa democracia. Não estou falando do mestre Gilberto Freyre. O homem mostrou que o mal do Brasil, como bem poetizou Manuel Bandeira, não está no mestiço, certo? E que denunciou a mania ariana do Oliveira Viana. Então, escritor proletário, pobreza contínua. Fez novas intervenções médicas em 2000. Na página 214 e 215, o Fran Barbosa contextualiza essa necessidade de novos procedimentos. Ele tentou ser parte da Academia Brasileira de Letras, recebeu recusas. Então,
o revolucionário, querendo ao mesmo tempo fazer parte de uma instituição. Então, revolucionário é uma palavra muito, muito pobre ou limitadora. Um crítico da República Bruzundangas é um exemplo dessa crítica clara. Um homem corajoso. Corajoso! Ele escreveu: vejam o nível da coragem, né? "Triste Fim de Policarpo Quaresma", denunciando florianismo no momento da Primeira República, no momento da censura. Das perseguições durante a Primeira República, nós tivemos de Deodoro a Washington Luiz vários momentos de estado de sítio, perseguições a escritores. Então, o fato dele denunciar a própria República, naquilo que nós aprendemos na escola — aprendemos com aspas,
né? — que a República Velha, durante esse mesmo período, já demonstra que ele é da vanguarda. Ele é da vanguarda; ele é corajoso. Bem, passou por nova internação. Lima Barreto suicidava-se, né? Lentamente. Não esperem que, neste canal, eu não diga certas palavras. Ah, isto bloqueia o vídeo, etc. Bem, a linguagem não está à venda no meu perfil; nunca coloquei certas palavras com números, e etc. Então, se é para escrever desse jeito, curvado à alienação, à bestialidade, curvado ao — como é que o pessoal fala? — ao algoritmo, se é para escrever curvado ao algoritmo, então
não escrevo. Certo? Nós cremos. Então, nesse tempo de alienação, como bem ou mal, aquela foto, né, da Alemanha, naquele contexto nazista, os homens ali, com seus braços esticados, ao modo Steve Benon. Todos eles ali têm um homem de braços cruzados, né? Então, na questão do algoritmo, eu sou esse homem de braços cruzados. Eu me recuso a escrever certas palavras com números e por aí vai. Tô me recusando, me recusando a evitar descrever esse momento da vida do Lima Barreto como se ele não estivesse se suicidando lentamente. É o que ele estava fazendo. Foi essa a
sua manifestação; foi desse modo que ele mergulhou na bebida. Então, se Lima Barreto definiu esse próprio período como suicídio lento, quem sou eu para chamar esse momento de quê? De dificuldade? Não, né? Não foi nessa dimensão que ele colocou. Então, ele estava vivendo um declínio físico progressivo. Essa primeira internação no hospício devastou-o. Viveu outros processos, né, de tratamento. Fiz, inclusive, as indicações das páginas para não deixar passar. E aí, em fins de 1919, repetiu-se o trágico episódio de 1914. Pela segunda vez, Lima Barreto foi conduzido num carro forte da polícia para o hospício durante uma
nova crise de loucura. Passara toda uma noite, precisamente a noite de Natal, errando pelos subúrbios em pleno delírio. O próprio romancista é quem descreve a crise que o faz andar ruas e caminhos, cruzando aqui e ali o leito da estrada de ferro. Nessa doida excursão, não saíra sem dinheiro; à procura de uma delegacia que jamais encontrou para queixar-se das coisas mais fantásticas dessa vida. Vendo as coisas mais fantásticas que se possa imaginar, ele estava delirando. Uma pessoa no começo, aí é o Lima falando: "Eu gritava, gesticulava, insultava, descomponha só minha agitação — uma frase ou
outra desconexa, um gesto sem explicação — denunciavam que eu não estava na minha razão, com roupa suja e rasgada, sapatos imundos". Amanhecera, por fim, na porta da venda do seu Ventura, onde já o aguardava o irmão Carlindo, que tentou em vão levá-lo de volta para casa. O escritor esperava-se; todos o perseguem, só vê inimigos diante de si, só o cercam, pessoas que dele exigem coisas absurdas e apontando para a rua, à beira, contra figuras inexistentes subitamente criadas na sua imaginação doentia. Aí, pessoal, descrição do Lima Barreto nessa segunda internação, né? A descrição do próprio hospício,
né? Mãe falecida, tuberculosa; pai vivo, aposentado no serviço da administração das colônias de assistência alienados. O pai trabalhava também no hospício, né? Há 18 anos. Então, não sai de casa. O pai, de psicastenia, como informa o examinado. São notáveis, aí, a descrição física do Lima nesse cenário, tá? Da segunda internação. Estamos em 1919. Lembro-lhes que Lima faleceu em 1922. Notáveis os tremores fibrilares da língua e das extremidades digitais apresentados pelo paciente, bem como abalos e tremores dos músculos da face, mormente quando fala — palavra algo arrastada e meio enrolada. Certas vezes, o escritor bem sentira
a pouca importância que lhe dera o médico, para quem, conforme deixou registrado em seu diário, os seus méritos literários nada valiam. Ele acabou sendo recebido com afeto pelo Dr. Humberto Goton, uma grande figura do mundanismo que, para Lima Barreto, era definido dessa forma, né? Um Botafogo com que Lima ironizava, os que o chamavam assim, os granfinos. E o Lima acabou enterrado no São João Batista, em Botafogo. Ele organizava o bairro de Botafogo. Os Fari lers hoje, né? Bem, ele acabou acolhido por esse médico que, para Lima, era assim o estereótipo do que havia de pior:
um burguesinho, um coxinha, etc. E o Lima acabou acolhido por ele. Foi bem tratado, citou obras, deu para o Lima condições para escrever. Aí, o Lima, nessa segunda internação, foi tratado com alguma dignidade. E é nessa época que o Lima coloca um pranto, que toda vez... Não é um exagero. Você que está assistindo isso pode até achar que é um exagero, sentindo aqui. Daqui a 10 anos, achará que eu estou só, ah, inventando, que eu exagero. Mas você também. Mas o Lima coloca, né? "Não quero morrer, não quero outra vida." É nessa época que ele
escreve isso. Isso é muito duro, muito duro. E é um complemento com aquele trecho do Bandeira, desesperador, né? A vida que poderia ter sido, não foi, né? E o Lima é essa vida, né? E eu, de fato, conjugo, né, que essa inspiração do Bandeira também tem digital do Lima, né? E não só, né, das Bandeiras sensíveis, como era gênio, como era, né, meu poeta brasileiro de predileção, acima de todos. Respondi o spoiler. Então, nessa linha, o que acontece? Tá ali, tá ali o Lima, e são, né? Bem, Lima, nessa segunda internação, não foi, evidentemente, né,
uma estação um hotel. Não foi uma. Mas também não foi como o primeiro momento, né? Mas o escritor guardaria sempre a dolorosa sensação de rebaixamento moral dessas sucessivas internações, a grande amargura que assombrava toda a sua vida desde... Os primeiros anos da juventude, a doença paterna juntaria agora mais essa carga de ressentimento. Digo com franqueza: escreveu no diário do hospício: “100 anos que eu viva nunca poderão apagar-se da minha memória essas humilhações que sofri. Era com o verdadeiro pavor que pensava na possibilidade de uma nova internação. Estou seguro que não voltarei pela terceira vez. Sinai,
saio dele, é do hospício, né? Para o São João Batista, que é próximo.” Lima não se conformaria com a estúpida violência policial de que fora vítima, pois, segundo suas palavras, não era nenhum indigente ou desclassificado para que a polícia o tomasse como doido e o fizesse recolher ao hospício, como se o Casarão da Praia da Saudade fosse uma prisão doméstica e como se nós as tivéssemos na sua legislação. Suicidava-se então lentamente, pois sabia que o álcool havia de matá-lo aos poucos. Aí é todo um processo, né? Escreve: tentou um espaço que não conseguiu. Após outros
meses, digamos, formais, foi o "não". O engenheiro desistiu no meio da jornada, viu seu pai enlouquecer, perdeu a mãe cedo, pressão familiar já marcada na própria cor pela marca da escravidão, agora marcado socialmente como escritor bêbado e louco, sem ter desenvolvido família, sem ter amores, filhos, sentindo-se sozinho, apesar do amparo. Ah, do amparo recebido, né? Ah, da assim de família. Suicidava-se lentamente, pois sabia que o álcool havia de matá-lo aos poucos, bebendo muito, bebendo mais do que nunca, ansioso por apressar o encontro decisivo que o libertaria das angústias e dos sofrimentos. Lima Barreto coloca, né?
"Gosto da morte porque ela é o aniquilamento de todos nós. Gosto da morte porque ela nos sagra". E mais adiante, na mesma crônica: "A vida não pode ser uma dor, uma humilhação, de contínuos e burocratas idiotas. A vida deve ser uma vitória. Quando, porém, não se pode conseguir isto, a morte é que deve vir em nosso socorro." Isso aqui é um trecho de Marginália, tá, pessoal? Marginália, página 42. Então, rapidamente, depois dessa segunda internação, Lima Barreto foi se aproximando do fim da vida. Não havia nem completado 40 anos e já parecia um velho, já assim
se despedindo da vida, da vida. Monteiro Lobato, que viera ao Rio especialmente para conhecê-lo, um ano depois do lançamento de "Vida e Morte do Gonzaga de Sá", localizara Lima Barreto numa das tascas no centro da cidade, mas em tal estado que não tivera ânimo para se apresentar aquele que considerava o maior de todos os nossos romancistas. Bem, Lima seguiu escrevendo, quem contextualize que já escrevia, tendo a certeza de que a vida estava realmente para acabar. Então, já estava organizando toda a sua produção para encaminhar, né, a sua morte, o seu andamento, e ela chegou. Barreto
sentava-se assim na cama, enquanto Evangelina dispunha a bandeja no travesseiro que havia colocado sobre as pernas do doente, adoecendo. Uma hora depois, retornando ao quarto, encontraria o irmão morto; continuava sentado, abraçado a um volume; morreu com um livro na mão. Para se compreender bem o homem, não se procure saber como oficialmente viveu, é saber como ele morreu, como ele teve o doce prazer de abraçar a morte e como ela o abraçou. Este é um trecho de Gonzaga de Sá, página 37. Eis o que nos recomenda o biógrafo de Gonzaga de Sá ao descrever, em poucas
linhas, a morte do amigo: "No instante em que, olhando o mar, colheu uma flor, caiu e morreu." Sigamos o conselho: vejamos como o romancista colheu a flor, caiu e morreu. Foi também inesperada a morte de Lima Barreto, embora sem a solenidade com que se revestira a de Gonzaga de Sá. Estava enfermo, é verdade, mas a doença não parecia grave, assim para que se pudesse supor tão próximo o desenlace. Então, doente em casa, assessorado pela irmã, resultado nessa jornada de padecimento. Era Dia de Todos os Santos; chovia muito, uma chuva miúda e persistente, chuvinha criadeira, escorrendo
sem parar pela Rua Major Mascarenhas abaixo. No centro da sala de visitas da Vila Quilombo, armaram o serviço fúnebre. Afinal de contas, ele morreu, né? Subitamente, segurando o livro, perguntou a... a última pergunta. Isso aqui é muito forte, né? Porque a última pergunta do Lima Barreto, as suas últimas palavras. Então, ele estava ali, doente, assessorado pela irmã. A irmã entrou no quarto, tá tudo bem? E ele: tá tudo bem; estava com o livro em mãos. E aí ele pergunta, né? Ele pergunta pelo pai, né? Essa é a última frase do Lima Barreto. Aí ela saiu.
Quando ela voltou, Lima estava morto. Bem, nessa, o que acontece? Ele sentou na cama, ela dispunha. Quando ela voltou, uma hora depois, o irmão estava morto, segurando o livro. Dia de Todos os Santos, como fiz referência, o enterro sairia no dia seguinte para o cemitério São João Batista. O escritor pedira que não o enterrassem no cemitério de inha; achava-o feio, queria ser enterrado em Botafogo. Aquele, o diabo, sem aquele ar de recolhimento, de resignada tristeza, de empoderar-sorno de repartição pública, preferia ser enterrado no São João Batista, longe do subúrbio, em pleno Botafogo, bairro de gente
rica que tanto ele havia ridicularizado. Né? Bom, pessoal, como começar a chegar as pessoas, né? As pessoas começaram a chegar ao velório e aí tem uma cena muito bonita. Durante o velório, aparece um homem com um pequeno ramalhete de perpétuas; ninguém o conhecia. Curvou-se diante do morto e espalhou as flores no caixão. O depoimento pertence a Pereira da Silva e deve ser transcrito com as próprias palavras do poeta: "Quando pusemos a sala em cujo centro jazia o cadáver, o homem correu a espalhar no caixão votivas aquelas perpétuas de um arrobo tão expressivo. Depois, mal contendo
a emoção, descobriu-lhe o rosto e beijou-o, Lima na testa, que ainda recebeu algumas lágrimas, né, desse homem." Uma pessoa. Então, da família, ele dirigiu-se ao visitante que queria saber quem ele era. Né? Chorando e com um gesto tão, tão forte, ele respondeu: "Não sou ninguém, minha senhora. Sou um homem que leu e amou esse grande amigo dos desgraçados." Isso é muito, muito forte. O caixão foi conduzido e enterrado. E, para finalizar, o que acontece no seu leito de moribundo: João Henriques sentira que alguma coisa diferente ocorrera na casa. É, o pai estava vivo ainda, né?
O mesmo pai do afeto, como que recobrando a razão por um instante. Isso aqui é muito forte. Perguntou à filha: "O que aconteceu?" Afonso morreu. Esse é o depoimento de Evangelina de Lima Barreto. Pessoal, então, o pai teve nesse momento lucidez, recobrou a consciência. E aí, a Evangelina procurou acalmá-lo, mas em vão. Ela foi sincera, não quis mentir para o pai. O pai começou a chorar ao mesmo tempo, com os olhos secos e duros. Depois, entrava em agonia, chorava, se acalmava, agonia, agonia. Resultado: morreu 48 horas depois do filho, enterrado na mesma campa. E no
túmulo humilde, os dois repousam, né? Para sempre, né? E foram devorados juntos, usando a definição de Machado de Assis, porque não? Até pelos mesmos vermes. A vida de Lima Barreto é uma vida impressionante. Impressionante! Eu acho justo, com cada inscrito, com cada pessoa que assiste, que assistiu, que assistirá. Enfim, este encontro, que a conversa não seja apresentada só pelo Thomas, mas também pelo próprio Lima, em alguns trechos pontuais; mas pelo Francisco Jessis Barbosa. Afinal, é um diálogo, nesses tempos de podcast. É como se eu tivesse convidado o Francisco Jessis Barbosa para falar sobre o Lima,
né? A biblioteca também funciona para isso. Ah, o quem é o convidado do canal hoje? Francisco Jessis Barbosa, falando sobre Lima Barreto. Pessoal, difícil, né? Duro, né? Duro, reido. Que pelo menos Lima Barreto está vivo. Vivo! Vivo! Vivo! E lido! E vivi! Como professor, isso é bem registrado. A cena é mais do que especial de ver alunos estimulados pelos meus ensinamentos sobre Lima Barreto e outros temas. Recentemente, limparam o túmulo de Lima Barreto, sinal que, como professor, tenho feito algo que presta. Algo que presta ver alunos limpando o túmulo de Lima Barreto e do seu
Francisco. É uma sincera emoção! Então, fico à disposição. Perguntas? Temos superchats, qualquer valor é bem-vindo, qualquer valor é bem-vindo. Elizabel Souza Leão Andrade, que trabalhou com Gilberto Freire, pergunta: "Sem dinheiro, como ele conseguia publicar os livros?" Bem, pela força do próprio talento e do espaço que ele foi progressivamente conquistando. Que é da Alessandra, minha decana. Então, pelo espaço que ele foi conquistando. Dona Ana, uma querida aluna, né? Trabalhou com Gilberto Freire, conheceu Mercor. A Ana é especial. Especial assim encontrá-la, né? Nas minhas aulas, neste encontro. Então, Dona Ana, ele era lido desde a lanterna, nesse
início de jornada literária. Ele era pobre, mas era lido, tinha público, tinha base, além de um próprio esforço de publicação que não pode ser subestimado. Então, o Lima era o tipo de autor que, se fosse necessário, venderia um pulmão. Apesar de que o dele não valia muito, coitado, né? Venderia. Então, como ele era um andarilho, né? Venderia as duas pernas, se fosse necessário, para ter a sua expressão publicada. Então, o Lima contou com esse tipo de suporte. Mas, acima de tudo, seu ímpeto, né? O suporte dessa comunidade de leitores que ele acabou desenvolvendo e o
ímpeto dessa sua resiliência de proletário das letras. Por isso que é importante uma leitura também mais aprofundada no Francisco Jessis Barbosa. A Lilian Schwartz é boa nesse sentido, para dar uma boa complementação, porque o próprio processo de publicação, de repercussão, de vendagem do Lima Barreto acaba sendo também um milagre, né? Claro, né? Apadrinhado pelo Afonso, Cus, pelo menos no início, na comparação com outros homens. A ascensão do Lima Barreto foi, digamos assim, mais fácil em certos espaços. Depois, ela ficou mais difícil. Depois, nós temos ruptura. Mas o que é importante é entender, assim, com todas
essas oscilações que o Lima enfrentou a partir do momento em que ele decidiu: "Vou escrever." Ele não desistiu. E, embora sim, ele gastasse não pouco com a cachaça, ele gastava muito mais com livros, com a sua formação. Lima escrevia, Lima produzia, Lima não desistiu da literatura em nenhum momento. Tanto que foi justamente a literatura que o amparou. Então, no campo da produção, ele tinha comunidade de leitores, tanto que chamou a atenção do próprio Monteiro Lobato, que o considerava, naquele momento, o melhor romancista brasileiro. Então, se chamou a atenção do Lobato. E o Lobato, ele tinha
essa percepção genuína de editor. "Ah, ele é bom, ele vende, ele tem leitores." Mas, ao mesmo tempo, o Lima não recebia bem, não conseguia se sustentar através dos rendimentos dos seus livros. Tanto que, no campo da dignidade, no campo do adiantamento, etc., o Lima vai ser bem tratado pelo Lobato. É pelo Lobato que é muitas vezes reduzido como um mero racista, sendo que, como bem coloquei no meu livro lançado há poucas semanas, ele é e falei aqui, né? Freez, né? Tem aula sobre Lobato. Lobato é um racista com asteriscos, tá? Com asteriscos. Ter respondido a
uma pergunta difícil parece, digamos assim, que a minha resposta ela também é um pouco vaga, mas porque eu acho necessário dar esse painel, esse painel de certa jornada. Isaac Galdino enviou R$ 5 e diz: "Viva o Lima! Curso desgarrado nos trópicos. Vivo Lima!" Meu querido aluno Isaac, Isaac bitoca, Isaac celinho, Isaac beijinho. Obrigado, meu querido professor. Amo você! Viva o nosso Lima Barreto, um homem corajoso, um escritor visceral, profundo, brasileiro, patriota! E, ao mesmo tempo, não era um conservador. É possível ser. Patriota, sem ser conserva. Loide, acreditem, temos mais. Mais nada, então. Pessoal, eu agradeço
a companhia e o interesse. Lima Barreto está vivo, fomento, incentivo para que leiam: leiam Francisco de Assis Barbosa, leiam Alinia Schuartz, leiam os romances de Lima Barreto, os contos de Lima Barreto, as crônicas de Lima Barreto. Leiam! Lima, aqui ele está vivo, aqui ele está vivo! Um escritor, ao mesmo tempo de vanguarda, ao mesmo tempo um escritor de continuidade. O homem que advogava por uma percepção de um Brasil um pouco mais intimista, mas, ao mesmo tempo, um escritor tão sociológico, abrangente. O homem que denunciou o futebol e que exaltava a cultura popular. O homem que,
assim, eu não quero ser anacrônico, mas manifestava, né?, tanta ojeriza à opção sexual de João do Rio e, ao mesmo tempo, denunciava os preconceitos, o racismo. Lima Barreto era isso, né? Para não dizer que eu não mencionei que Lima Barreto foi preconceituoso com João do Rio, ele foi preconceituoso, e, ao mesmo tempo, Lima Barreto questionava e denunciava o preconceito recebido. Né? Esse, esse é o Lima, né? Esse é o Lima: uma jornada de vida impressionante, inspiradora, e eu sigo aguardando um grande filme sobre Lima Barreto. Na minha visão, ele ainda não foi feito, certo? Mas
isso é papo para uma futura gravação, futuro encontro. Os filmes sobre Lima Barreto, os documentários sobre Lima Barreto, é isto, é isto! Trincheira! Inscrevam-se já no meu novo curso, estejam comigo, estudem comigo, em alguma medida, por aqui, né? O bom do Brasil resiste, trincheira, e até a próxima!
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