você agora é nossa empregada. “Cale a boca e me obedeça”, disse a sogra à nora, enquanto o marido dela ria, mas não esperavam pelo que ela havia planejado. Beatriz esfregava o chão da cozinha com movimentos repetitivos e cansados; as risadas e os gritos das crianças ainda ecoavam em sua mente como um lembrete da bagunça deixada para trás. Os netos de sua sogra, Martha, haviam passado o dia na casa e, como sempre, transformaram o ambiente num verdadeiro campo de guerra: restos de comida estavam espalhados pelo chão, marcas de pequenos pés sujos cobriam os azulejos recém-limpos,
e brinquedos pareciam brotar de todos os cantos. Ela gostava das crianças; isso era verdade. Sonhava com o dia em que teria seus próprios filhos - uma casa cheia de risadas, correria e amor. Mas, naquele momento, tudo o que ela sentia era exaustão. Sua rotina parecia uma corrida sem linha de chegada, onde a lista de tarefas se multiplicava mais rápido do que ela podia concluir. Com um suspiro resignado, limpou as últimas manchas e começou a recolher os brinquedos. Quando, enfim, terminou, ouviu o som familiar da porta da frente se abrindo. Lucas, seu marido, entrou carregando uma
expressão pesada e largando a mochila no canto. “Estou morto hoje”, anunciou, sem nem olhar para ela. Beatriz parou o que estava fazendo e o observou por um instante; ele parecia cansado, mas ela sabia que nem imaginava o quanto ela mesma estava exausta. Antes que pudesse responder, Lucas foi direto para o quarto. Beatriz seguiu atrás, mais por instinto do que por vontade. Quando chegou, encontrou o marido tirando a camisa e jogando-a sobre a cama, seguida pelas calças. Ele olhou para ela de relance, apontando para o amontoado de roupas. “Lava isso para mim, preciso dessa camisa para
amanhã.” Ela hesitou, sentindo uma pontada de irritação. Queria dizer que estava cansada, que precisava de um momento para si, mas as palavras pareciam presas na garganta. Ao invés disso, respondeu mecanicamente: “Tudo bem.” Recolheu as roupas e desceu para a lavanderia, onde a água gelada da pia encontrou suas mãos quentes e trêmulas. O barulho da máquina de lavar encheu o pequeno espaço, abafando momentaneamente seus pensamentos. Enquanto isso, Lucas estava na sala, sendo recebido com entusiasmo pela mãe. “Celina, meu menino!” exclamou Celina, abraçando o filho como se ele fosse um herói que acabara de retornar de uma
longa batalha. Os dois começaram a conversar animadamente, e suas risadas ecoaram pela casa. Beatriz sentiu uma pontada de amargura ao ouvir a cumplicidade entre eles, algo que ela nunca teve com Celina. Terminando de colocar as roupas na máquina, começou a sentir uma leve tontura. Encostou-se na pia, respirando fundo. Mas a sensação não passava. Decidiu ir até a sala. “Não estou me sentindo bem”, disse, interrompendo a conversa entre Lucas e Selina. A sogra a olhou de cima a baixo, como se avaliasse a gravidade da situação. “Bebe um copo d'água, isso resolve.” Lucas, por sua vez, não
disse nada; apenas permaneceu sentado, com o olhar fixo na TV. Beatriz sentiu um nó formar em sua garganta, mas preferiu não insistir. Voltou para a cozinha, abriu o filtro e encheu um copo. A água desceu gelada, mas não trouxe o alívio esperado. Sentou-se por um instante, tentando recompor as energias; fechou os olhos, respirou fundo e tentou afastar o mal-estar. Minutos depois, ouviu passos firmes. Era Selina. “O que está fazendo aí sentada?” perguntou, com um tom carregado de reprovação. “Se continuar com esse corpo mole, o jantar não vai ficar pronto.” Beatriz abriu os olhos e encarou
a sogra, mas não respondeu. Celina balançou a cabeça e voltou para a sala, resmungando algo que Beatriz não conseguiu ouvir. Sentindo o peso da obrigação, ela se levantou e começou a preparar o jantar. Cortava os legumes devagar, concentrando-se para não deixar a faca escorregar de suas mãos trêmulas. O enjoo e a fraqueza continuavam a incomodá-la, mas ela se forçava a seguir em frente. O tempo passava e a lentidão de Beatriz logo chamou a atenção de Celina novamente. Desta vez, a sogra entrou na cozinha com passos firmes e a expressão carregada de impaciência. “Meu Deus, como
você é lerda! Nunca vi alguém demorar tanto para fazer algo tão simples.” Beatriz parou o que estava fazendo e respirou fundo. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu a raiva superar o cansaço. Largou a faca na bancada e se virou para Celina, olhando-a diretamente nos olhos. “Se quero jantar rápido, então faça você mesma.” Sua voz era firme, mas não alta; o tom de autoridade fez Celina recuar por um instante. Mas logo sua expressão mudou para algo ainda mais agressivo. A sogra deu um passo à frente, erguendo a voz de forma explosiva. “Você agora é nossa
empregada. Cale a boca e me obedeça!” Sentiu o corpo estremecer. Ao fundo, ouviu o som abafado de uma risada. Era Lucas; ele estava se divertindo com a cena, como se fosse um espectador de uma peça cômica. Aquele som foi como uma facada em seu peito. As lágrimas ameaçaram surgir, mas ela as conteve. O mal-estar voltou com força total. A raiva, o cansaço e a humilhação pareciam se unir num só golpe contra ela. Sentiu o coração acelerar e a cabeça girar; agarrou a bancada da cozinha para não cair, mas suas pernas começaram a ceder. “Beatriz, O
que é isso agora?” perguntou Celina, irritada. “Não vai desmaiar por tão pouco, vai?” As palavras da sogra pareciam distantes, abafadas, como se ela estivesse debaixo d'água. Tentou respirar fundo, mas o ar parecia não chegar aos pulmões. Sentiu o chão sumir debaixo dos pés, e a última coisa que ouviu foi a voz de Celina se transformar em um grito de pânico. “Beatriz! Beatriz!” O mundo ficou escuro e o silêncio tomou conta. Beatriz abriu os olhos devagar, ainda sentindo a cabeça girar. A luz que entrava pelas janelas do carro era forte demais e ela precisou piscar várias
vezes para se... Situar estava deitada no banco de trás, coberta por um lençol fino. O som do motor era constante, mas logo foi abafado por uma voz conhecida. "Eu já disse, Lucas, você deveria ter escolhido uma mulher melhor! Olha só o tanto de trabalho que essa daí dá!" Era Celina, a voz carregada de desprezo, sentada no banco da frente. Ela falava com gestos exagerados, apontando para trás de vez em quando. Beatriz tentou se mover, mas o corpo parecia pesado; estava tonta, como se o mundo ao redor ainda não tivesse voltado ao seu eixo. Optou por
ficar calada; qualquer resposta naquele momento não valeria a pena. "Não começa, mãe," Lucas respondeu, a voz cansada. "Já estou com a cabeça cheia, cheia! Você nem imagina como a minha está." Celina rebateu: "Sempre com problemas, sempre cansada. Você merece algo melhor." Beatriz fechou os olhos novamente; cada palavra da sogra era como um peso a mais sobre seus ombros. O silêncio no carro voltou a reinar por alguns minutos, até que eles finalmente chegaram ao hospital. Lucas saiu apressado, abrindo a porta de trás para ajudar Beatriz. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, uma enfermeira apareceu com
uma cadeira de rodas. "Vamos levá-la direto para a triagem," disse a enfermeira com um sorriso profissional. Celina e Lucas seguiram logo atrás. No corredor, Celina sussurrou algo ao filho, mas Beatriz não conseguiu ouvir. Sentia-se pequena, vulnerável, e apenas deixou que a levassem. Foi consultada, passou por exames e logo lhe deram medicamentos que trouxeram alívio quase imediato. A tontura diminuiu e, aos poucos, ela começou a sentir que estava voltando ao normal. Quando foi levada de volta à sala de espera, encontrou Lucas e Celina sentados lado a lado, ambos mergulhados em um silêncio desconfortável. Lucas olhava para
o chão enquanto Celina tamborilava os dedos no braço da cadeira, impaciente. Beatriz se sentou em uma cadeira próxima, evitando qualquer contato visual. Algum tempo depois, o médico entrou com os resultados em mãos. Ele chamou Beatriz pelo nome e ela se levantou, acompanhada por Lucas e Celina. O médico examinou os papéis com atenção, o semblante calmo. "Bem, Dona Beatriz, os exames mostram algumas alterações." Ele fez uma pausa, olhando diretamente para ela. "Você está grávida." O silêncio que se seguiu foi tão profundo que quase podia ouvir a respiração de todos na sala. Ela piscou, processando a informação:
grávida. Sentiu uma onda de emoção tomar conta dela; um sorriso surgiu em seu rosto quase imediatamente. Era uma surpresa, mas uma boa surpresa, algo que ela desejava há muito tempo, mas nunca achou que realmente aconteceria. "Grávida?" murmurou Lucas, como se a palavra fosse uma sentença. Ele não sorriu, apenas ficou ali parado, com os braços cruzados. Celina, por sua vez, não disse nada; seu rosto estava inexpressivo, mas Beatriz sabia que por trás daquela máscara havia uma tempestade prestes a surgir. Depois que o médico terminou de explicar as orientações iniciais, eles deixaram o hospital. No caminho de
volta, o clima no carro estava tenso. Beatriz olhava pela janela, tentando manter o foco em sua felicidade. Era um momento especial, mesmo que ninguém ao seu redor parecesse compartilhar daquele sentimento. E agora Lucas começou, quebrando o silêncio; sua voz era baixa, quase resignada. "Como a gente vai criar uma criança com o que eu ganho? Você sabe quanto custa ter um filho, Beatriz? Fraldas, roupas, médico..." Beatriz não respondeu, apenas apertou as mãos contra o tecido da saia, tentando não deixar que as palavras dele roubassem sua alegria. Celina, surpreendentemente, permaneceu em silêncio, mas seu olhar pelo retrovisor
dizia muito. Ao chegarem em casa, Beatriz foi direto para o quarto; precisava de um momento para si, longe das reclamações e dos olhares. Deitou-se na cama, o corpo ainda frágil, e deixou que o cansaço a dominasse. Adormeceu rapidamente. Algum tempo depois, acordou com o som de vozes vindas da sala. Levantou-se devagar e foi até a porta do quarto, parando antes de abrir, escutando a conversa. Reconheceu imediatamente as vozes de Lucas e Celina. "Um filho? Agora isso vai acabar comigo," Lucas dizia, a voz cheia de frustração. "Eu mal consigo manter as contas em dia!" "Não é
só isso," respondeu Celina, com a voz afiada. "Um filho vai te prender ainda mais a ela. Você acha que merece isso? Você merece alguém melhor, Lucas, alguém que não seja um peso." Beatriz sentiu uma dor no peito; até minutos atrás estava feliz com a ideia de se tornar mãe. Agora, aquela felicidade parecia escorrer pelos dedos, como areia. Voltou para a cama e se encolheu, abraçando o travesseiro. Não queria chorar, mas as lágrimas vieram, silenciosas e quentes. Adormeceu novamente, desejando que tudo não passasse de um sonho ruim. Nos dias seguintes, Beatriz passou por mais exames e
descobriu que a gravidez era de risco e que precisaria de repouso absoluto: nada de tarefas pesadas, nada de estresse. Apesar das recomendações médicas, a vida na casa não se ajustou às suas necessidades. Um dia, Beatriz estava na lavanderia, colocando roupas na máquina de lavar. Tentava se mover devagar, respeitando as limitações que o médico havia imposto, mas ainda assim sentia o esforço pesar em suas costas. Foi quando Celina apareceu, com o rosto carregado de reprovação. "O que pensa que está fazendo?" perguntou, com as mãos na cintura. "Lavando roupa," respondeu Beatriz, sem ânimo para discutir. "Na máquina?"
Celina exclamou, como se fosse um crime. "Você sabe quanto isso gasta de água e energia? Não tem vergonha?" Beatriz respirou fundo, tentando manter a calma. "Eu não posso fazer esforço," foi o que o médico disse. "Não importa o que o médico disse. Se você quiser lavar, lave com as mãos. Máquina de lavar é para gente que tem dinheiro sobrando, e isso aqui não é o seu caso!" Beatriz sentiu algo dentro dela se romper. Largou a roupa que segurava e a deixou cair no chão com um barulho seco. Sem dizer nada, virou-se e saiu da lavanderia,
deixando Celina ali. Boquia aberta, foi para o quarto, fechou a porta e sentou-se na cama. Sentia o coração bater rápido, mas não era só cansaço; era determinação. Pela primeira vez, prometeu a si mesma que aquela seria a última vez que suportaria algo assim. Ela não sabia como, mas algo precisava mudar e mudaria. Anos antes de se encontrar no meio de conflitos familiares e pessoais, Beatriz era uma jovem cheia de sonhos, recém-formada na faculdade, determinada e com um brilho no olhar que revelava a vontade de conquistar o mundo. Ela não hesitou em aceitar uma oferta de
emprego em outro estado. A proposta era uma oportunidade única em uma empresa promissora, mas significava se afastar da família e de tudo que conhecia. Os primeiros meses foram desafiadores; a solidão se fez presente na nova cidade e Beatriz mergulhou no trabalho como forma de preencher o vazio. Não tinha amigos nem conhecidos, e o ambiente de trabalho era inicialmente distante. No entanto, com o passar do tempo, sua competência e dedicação começaram a ser notadas. Em dois anos, Beatriz havia alcançado uma posição de destaque na empresa, recebendo um salário confortável e colecionando conquistas profissionais. Mas a rotina
de trabalho nem sempre era perfeita. Um problema persistente com sua impressora tornou-se um incômodo constante. Sempre que precisava imprimir documentos, ela descia até uma gráfica que ficava em frente ao prédio da empresa. E foi lá, entre papéis e conversas casuais, que conheceu Natanael. — De novo aqui? — perguntou Natanael, com um sorriso fácil que Beatriz já começava a achar familiar. — Pois é, minha impressora resolveu se aposentar de vez, acho — ela respondeu, revirando os olhos enquanto entregava o pen drive para ele. Natanael iniciou o processo de colocar o dispositivo no computador da gráfica enquanto
os documentos a serem impressos. Ele puxou o assunto, como de costume. — Ninguém na sua empresa pensa em consertar isso? Parece que não. É mais fácil me mandar aqui para baixo do que resolver o problema! Beatriz cruzou os braços, mas a irritação logo deu lugar a um sorriso. — Pelo menos eu faço uma pausa e converso com você. Natanael sorriu de volta. Havia algo caloroso nele, uma gentileza que Beatriz apreciava. Nas semanas seguintes, suas conversas se tornaram cada vez mais frequentes e pessoais. Ele contou que havia crescido em um orfanato e nunca foi adotado. Apesar
disso, falava de sua vida com otimismo. — Eu dei sorte — ele disse certa vez, enquanto ajustava uma máquina. — Não tive pais, mas tenho amigos que são como uma família. Eles me ajudaram a construir tudo o que tenho. — Isso é admirável — Beatriz respondeu, realmente impressionada. — Nem todo mundo tem essa força. — A gente aprende, sabe? — Natanael deu de ombros. — Ah, estou de mudança, inclusive. Encontrei uma kitnet pequena, mas é perto daqui: menos tempo de deslocamento, mais tempo para mim. Faz sentido. — Eu também moro sozinha. Às vezes é bom,
mas confesso que sinto falta da minha família. — Imagino. — Ele a olhou por um momento, como se quisesse dizer algo mais, mas voltou a se concentrar no trabalho. — Pronto, aqui estão suas impressões. Beatriz agradeceu e saiu da gráfica com um sorriso discreto. Ela gostava da simplicidade de Natanael e da forma como ele fazia tudo parecer mais leve. Pouco tempo depois, a vida de Beatriz mudou novamente. Ela conheceu Lucas, seu vizinho, de uma forma completamente inesperada. Voltava para casa após um longo dia de trabalho quando percebeu um homem alto e bem apessoado no portão
do prédio. Ele a cumprimentou com um sorriso confiante. — Você é a dona daquela BMW ali, certo? — perguntou ele, apontando para o carro estacionado. Beatriz parou, surpresa pela abordagem, mas respondeu educadamente: — Sou sim. — Parece um carro bem caro, deve trabalhar muito para ter algo assim. Ela riu, meio desconcertada. — Trabalho bastante, sim, mas é para isso que a gente se esforça, não é? Lucas continuou a conversa, apresentando-se e falando sobre sua própria vida. Aos poucos, os dois começaram a se encontrar com mais frequência, especialmente porque Lucas ajustou seus horários para coincidir com
os dela. Ele era charmoso e galanteador, características que logo chamaram a atenção de Beatriz. — Você é incrível, sabia? — ele disse uma noite, enquanto caminhavam juntos até a entrada do prédio. — Inteligente, bonita, bem-sucedida... Qualquer um teria sorte em ter você por perto. Beatriz sorriu sem jeito. Apesar de estar acostumada a elogios no trabalho, a forma como Lucas a tratava era diferente; ele sabia como fazê-la se sentir especial. Enquanto isso, sua amizade com Natanael continuava. Ele era um bom ouvinte e Beatriz sentia que podia ser ela mesma ao conversar com ele. Contudo, Natanael nunca
ultrapassou os limites da amizade; ele parecia contente em apenas estar por perto, oferecendo apoio e compartilhando histórias. Já Lucas, por outro lado, era mais direto sobre suas intenções. — Quero te levar para jantar — Lucas disse um dia, sem rodeios. — O que me diz? Beatriz hesitou por um momento. Embora gostasse de Natanael como amigo, a abordagem de Lucas era difícil de ignorar; ele era confiante, decidido e fazia questão de demonstrar interesse. Após refletir, aceitou o convite. O jantar foi o primeiro de muitos encontros. Lucas sabia como encantá-la e, logo, se viu envolvida em um
relacionamento que parecia promissor. Apesar de ainda manter contato com Natanael, sua atenção agora estava quase completamente voltada para Lucas. Com o tempo, as coisas começaram a mudar. Lucas era atencioso no início, mas aos poucos, pequenos traços de sua personalidade começaram a aparecer. Ele tinha opiniões fortes sobre como Beatriz deveria conduzir sua vida e parecia desconfortável com o sucesso dela. Mas, naquele momento, Beatriz estava cega pelos encantos dele. Ela havia cedido, acreditando que Lucas poderia ser o parceiro ideal. Enquanto isso, Natanael continuava apenas como uma lembrança, alguém que ela via cada vez menos conforme se aprofundava
no novo relacionamento. Após algum tempo, Lucas sugeriu que Beatriz fosse morar com ele. Ele argumentou que, como eram vizinhos e estavam namorando, não fazia sentido continuarem em casas separadas. A ideia inicialmente deixou Beatriz... Hesitante, ela sempre foi cuidadosa com suas decisões e preferia ir devagar, mas o jeito insistente e persuasivo de Lucas acabou a convencendo. Afinal, ela acreditava que esse passo fortaleceria a relação. Nos primeiros meses, tudo parecia harmonioso. Beatriz se dedicou a organizar a casa, enquanto Lucas mantinha sua rotina de trabalho. No entanto, com o tempo, ela começou a perceber que a casa onde
agora moravam tinha problemas estruturais. Pequenas rachaduras começaram a surgir nas paredes, e isso a deixou preocupada. — Lucas, essas rachaduras não são normais — ela disse uma noite, enquanto olhava para o canto da sala, onde uma nova fissura havia aparecido. Lucas, sentado no sofá, deu de ombros. — Vou resolver isso, não se preocupe. Mas as semanas se transformaram em meses, e as rachaduras só aumentaram. Lucas sempre tinha uma desculpa. — Estou muito ocupado no trabalho — ele dizia. — Assim que sobrar um tempo, eu vejo isso. Depois de dois anos juntos, Beatriz sentia que a
relação estava sólida e acreditava que ficariam juntos para sempre. Cansada de esperar que Lucas tomasse uma atitude, decidiu agir por conta própria. Ela tinha economias guardadas, fruto do trabalho, e usou esse dinheiro para reformar a casa. Quando contou a Lucas sobre sua decisão, ele não apenas concordou como a incentivou. — Acho ótimo! Com a reforma, essa casa vai ficar incrível — ele disse, com um sorriso. Beatriz contratou arquitetos e construtores, e a casa começou a se transformar. A estrutura foi reforçada, as paredes foram renovadas, e para completar, ela decidiu adicionar um segundo andar. O que
antes era uma casa simples se tornou um verdadeiro casarão. Quem passava pela rua ficava impressionado. — Parece outra casa! — diziam os vizinhos. — Deve ter custado uma fortuna. Beatriz sentia orgulho do resultado, embora tivesse gastado muito mais do que planejava. Acreditava que valia a pena; era o lar que sempre sonhou. No entanto, pouco depois de concluída a reforma, Celina, a mãe de Lucas, apareceu de surpresa. Beatriz ficou intrigada com a visita inesperada, mas tentou ser receptiva. Nos primeiros dias, Celina foi discreta e reservada, não se envolvendo muito na rotina do casal. — Minha mãe
vai ficar aqui por um tempo — explicou Lucas, sem entrar em muitos detalhes. — Ela está passando por uns problemas e precisa de um lugar para ficar. Beatriz acreditou que seria algo temporário e não questionou. Afinal, era a mãe de Lucas, e ela queria mostrar que era compreensiva. Foi nessa mesma época que Lucas a pediu em casamento. Beatriz ficou radiante; o pedido era um sonho que se tornava realidade. Depois de dois anos juntos, estava finalmente dando um passo que sempre desejou: casar com o homem que amava. Lucas, no entanto, deixou claro que não queria nada
extravagante. — Uma cerimônia simples está bom para mim — ele disse. — Não precisamos gastar muito. Mas Beatriz tinha outra visão. Ela sempre sonhou com uma festa bonita, algo especial para celebrar aquele momento único. Após uma longa conversa, acabou cedendo à sua vontade, mas sob uma condição. — Eu pago a festa. Quero que seja como imaginei — disse Beatriz, decidida. Lucas não se opôs, e os dois começaram a planejar o casamento. Poucos meses depois, trocaram alianças em uma cerimônia que encantou os convidados. Beatriz estava radiante, certa de que ali estava uma nova e feliz etapa
em sua vida. O primeiro ano de casados foi tranquilo e repleto de momentos felizes. Beatriz acreditava que tinha encontrado a fórmula para uma vida plena. Mas a calmaria logo deu lugar a uma tempestade. Beatriz recebeu a notícia de sua demissão de forma abrupta e devastadora. Estava no escritório como qualquer outro dia quando foi chamada à sala do chefe. Ele a olhou com um semblante sério e lhe apresentou os motivos. — Beatriz, você cometeu um erro grave. A troca de papéis importantes causou um prejuízo significativo para a empresa. Infelizmente, não podemos ignorar isso. Ela tentou se
explicar, mas parecia inútil; a decisão já havia sido tomada. Sentiu como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés. Saindo da sala, encontrou Lucas no corredor. Ele a segurou pelos ombros, tentando acalmá-la. — Isso é injusto! Vou conversar com meus superiores — ele garantiu. — Não podem fazer isso com você. Beatriz, ainda atordoada, deixou que ele fosse falar com a diretoria. Enquanto esperava em casa, a angústia crescia. Lucas voltou horas depois, com o semblante abatido. — Não consegui fazer nada — ele disse, suspirando. — Eles disseram que a decisão é definitiva. Beatriz desabou no sofá,
sentindo o peso do mundo em suas costas. A demissão não apenas abalava sua carreira, mas também trazia inseguranças sobre o futuro. Ela sabia que o salário de Lucas sozinho não seria suficiente para cobrir todas as despesas, especialmente considerando os gastos recentes com a reforma da casa e o casamento. — Vai ficar tudo bem — Lucas disse, abraçando-a. — A gente dá um jeito. Vamos superar isso juntos. Apesar das palavras reconfortantes, Beatriz notou uma sombra de preocupação nos olhos dele. Sabia que o momento seria desafiador, mas decidiu não se deixar abater completamente. Ainda tinha esperança de
que, de alguma forma, as coisas voltariam ao normal. Lucas segurou as mãos de Beatriz e olhou diretamente em seus olhos. — Você não precisa se preocupar com nada, amor. Eu vou cuidar de tudo. Essa casa é nossa, e eu vou prover o que for necessário. Beatriz queria acreditar. A voz de Lucas era confiante, mas o desconforto no peito dela não desaparecia. Mesmo assim, ela assentiu. — Tudo bem, Lucas. Mas eu ainda quero continuar procurando trabalho. Ele deu um sorriso encorajador e beijou a testa dela. — Faça o que achar melhor. Só não se estresse; vai
dar tudo certo. Nos primeiros meses após sua demissão, Beatriz dedicou-se incansavelmente a buscar novas oportunidades. Enviava currículos, participava de entrevistas e fazia cursos online para aprimorar suas habilidades. Mas o mercado de trabalho parecia impiedoso, e as respostas negativas começaram a desgastar seu entusiasmo. Com o tempo, as economias que tinha guardado começaram a diminuir. Quando as dívidas começaram a... Se acumular, tomou uma decisão difícil: vendeu sua BMW, o carro pelo qual tinha tanto orgulho. Foi um golpe duro, mas necessário. "Fiz o que precisava para pagar as contas", disse ela, enquanto contava o dinheiro da venda. Lucas
apenas murmurou algo em aprovação, sem dar muita atenção ao sacrifício dela. Aos poucos, Beatriz percebeu que a responsabilidade de manter a casa não era mais compartilhada. Enquanto Lucas trabalhava fora, ela assumia todas as tarefas domésticas: lavava, passava, cozinhava e mantinha a casa limpa. Sua sogra, Celina, permanecia inerte. "Beatriz, faz um café para mim", Celina pedia, com um tom que não admitia recusa, "e limpa a sala, está cheia de poeira." Beatriz observava a sogra se levantar para mudar os canais da TV ou ir até a cozinha buscar algo para comer, mas nunca a viu sequer pensar
em ajudar com os afazeres. "É a idade, querida. Não consigo fazer essas coisas mais", dizia Celina, com um suspiro dramático. Mas Beatriz sabia que aquilo era mentira; já tinha visto Celina carregar sacolas pesadas do mercado e fazer atividades que uma pessoa realmente debilitada não conseguiria. Com o passar do tempo, Beatriz perdeu o ânimo de continuar procurando emprego, sentindo-se inútil e desanimada. A rotina da casa consumia suas energias, e ela passou a acreditar que talvez fosse aquilo que lhe restava: sem emprego, sem carro e, agora, sem perspectivas. Começou a aceitar sua nova realidade, porém a situação
piorou quando Celina assumiu um comportamento ainda mais abusivo. "Beatriz, já limpou a cozinha?" perguntava Celina, enquanto apontava para o chão. "Não dá para morar nesse chiqueiro!" Quando os sobrinhos de Lucas vinham para a casa, o caos tomava conta: as crianças corriam por todos os cômodos, sujavam as paredes e derrubavam brinquedos por toda parte. Celina, que as mimava sem restrições, nunca colocava limites. "Crianças são crianças", dizia, enquanto ria das travessuras. O problema era que toda a responsabilidade de arrumar a bagunça caía sobre Beatriz; ela se via limpando brinquedos espalhados e esfregando marcas de dedos sujos das
paredes, enquanto a sogra apenas observava. Certa noite, exausta e cheia de frustração, Beatriz decidiu falar com Lucas. Ele estava na sala assistindo televisão quando ela entrou e sentou-se ao seu lado. "Lucas, precisamos ter mais privacidade. Sua mãe está interferindo muito na nossa vida e eu... bem, eu não aguento mais ser tratada dessa forma." Lucas franziu a testa, mas não desviou os olhos da televisão. "Minha mãe não vai sair daqui, Beatriz. É simples assim. Vocês duas precisam dar um jeito de se entender." Ela ficou boquiaberta com a resposta fria e desinteressada dele. O sangue ferveu. Levantou-se
e foi até o quarto. Não demorou muito para ouvir passos firmes no corredor. Era Celina. "Então você quer que eu saia da minha própria casa?" disse, com a voz carregada de arrogância. Beatriz virou-se, encarando a sogra. "Eu só queria que as coisas fossem mais equilibradas. Eu não me sinto bem sendo tratada como uma empregada." Celina cruzou os braços e soltou uma risada sarcástica. "Escute bem: eu jamais sairei desta casa! Sabe por quê? Ela está no meu nome. Se alguém tiver que sair daqui, esse alguém é você!" Beatriz sentiu o chão sumir debaixo de seus pés.
Não era possível! Olhou para a sogra incrédula. "O quê?" murmurou, quase sem voz. Foi até Lucas, que estava na cozinha. "Lucas, é verdade o que sua mãe disse? Que a casa está no nome dela?" Ele levantou os olhos, como se a pergunta fosse algo trivial. "Sim, é verdade. Ela está no nome dela. Qual o problema?" Beatriz sentiu uma raiva crescer dentro dela. Como ele pôde esconder algo tão importante? Tudo o que ela investiu na reforma parecia agora um desperdício. "Por que você nunca me contou isso antes? Eu coloquei meu dinheiro aqui, reformei esta casa, adicionei
um andar!" Sua voz subiu, mas Lucas permaneceu impassível. "Você quis reformar. Eu nunca pedi." As palavras dele atingiram Beatriz como um soco. Ela percebeu, naquele momento, que tinha sido enganada. Tudo o que construiu, todo o esforço que fez não significava nada para Lucas ou sua mãe. Mas ela não tinha para onde ir; seus pais estavam em outro estado e não tinham condições financeiras de ajudá-la. Aos poucos, Beatriz começou a se acostumar com aquela realidade. Era uma resignação amarga, mas não havia outra saída. Com o tempo, ela aprendeu a silenciar suas emoções e apenas seguir em
frente, suportando o que parecia insuportável. Agora, no presente, Beatriz estava deitada na cama, olhando para o teto. Ela sentia a agitação do bebê crescendo em seu ventre e, ao mesmo tempo, o peso do desespero. Sua vida parecia um labirinto sem saída. Queria mudar tudo, mas não fazia ideia de por onde começar. Com a gestação ainda no início e sem ter para onde ir, sabia que a situação seria difícil. Contudo, a determinação começou a tomar forma dentro dela. Não podia continuar assim. Na manhã seguinte, Lucas saiu para o trabalho e Celina se recolheu para mais uma
de suas intermináveis sessões de novelas. Aproveitou o momento de silêncio para pegar seus poucos documentos, arrumar-se e sair às pressas, sem dizer nada a ninguém. O plano era simples: procurar emprego novamente. Não importava o quão cansativo fosse ou quantas portas fossem fechadas; ela precisava tentar. Passou a manhã inteira entregando currículos em diversas empresas. Percorria ruas, subia escadas, respondia questionários. O sol forte de meio-dia a deixou exausta, e sua mente já estava começando a ceder ao cansaço. Decidiu que era hora de voltar para casa. Caminhava pela calçada quando, ao levantar os olhos, viu um rosto familiar.
"Natanael!", disse, surpresa. Ele também a viu e abriu um sorriso largo. Sem hesitar, caminhou até ela e a abraçou com força. "Beatriz, quanto tempo! Eu estava com saudades!" Ele a soltou, mas manteve as mãos nos ombros dela, analisando-a. "Você está..." Beatriz sorriu, mas seu... Sorriso estava carregado de melancolia. "Estou bem, mais ou menos. É uma longa história. E você, como está?" Natanael sorriu ainda mais. "Eu estou ótimo! Lembra da gráfica onde eu trabalhava? Agora ela é minha", ele disse com um orgulho evidente. "Comprei a gráfica no ano passado. Trabalho mais do que nunca, é verdade,
mas finalmente sou meu próprio chefe." Beatriz sentiu uma fagulha de felicidade ao ouvir aquilo; era raro encontrar boas notícias ultimamente. "Isso é incrível, Natanael! Fico muito feliz por você." "Obrigado." Ele encolheu os ombros. "Modesto, não estou rico nem nada disso, mas minha vida melhorou muito. E você, o que aconteceu com a mulher incrível e bem-sucedida que conheci?" Ele olhou para ela com preocupação. "Você parece diferente." Beatriz suspirou, sentindo o nó na garganta apertar. "Como eu disse, é uma longa história." "Tenho tempo," disse ele com um sorriso encorajador. "Que tal irmos a uma cafeteria ali perto?
É mais confortável para conversar." Ela hesitou por um momento, mas acabou aceitando o convite. Caminharam juntos até a cafeteria, onde escolheram uma mesa discreta no canto. Natanael pediu dois cafés e, enquanto esperavam, olhou para Beatriz com curiosidade. "Então, me conte o que aconteceu nesse tempo todo." Beatriz começou a falar; aos poucos, as palavras fluíram e ela contou tudo: como conheceu Lucas, como foi morar com ele, a reforma da casa, a chegada de Celina, a perda do emprego e como tudo isso a levou a se sentir como uma prisioneira em sua própria vida. Quando terminou, o
café já estava frio e seus olhos estavam marejados. "Meu Deus," disse Natanael, balançando a cabeça em incredulidade. "Beatriz, você é uma mulher incrível, bonita, trabalhadora, inteligente. Não merece passar por isso, não mesmo." Ela tentou sorrir, mas foi um sorriso fraco. "Às vezes eu penso que talvez seja culpa minha, que eu deveria ter tomado outras decisões, evitado algumas coisas." "Não diga isso," interrompeu Natanael com firmeza. "Você fez o melhor que pôde com o que tinha. A culpa não é sua." Ele fez uma pausa, como se em reflexão. "Sabe, ainda tenho amigos naquela empresa onde você trabalhava.
Posso tentar falar com eles e ver se consigo alguma coisa para você. Quem sabe você consegue voltar?" Beatriz sentiu uma pequena centelha de esperança, mas logo balançou a cabeça. "Acho difícil, Natanael, depois do motivo da minha demissão. Não acredito que me aceitariam de volta." "Deixe isso comigo. Vou tentar. Não prometo nada, mas pelo menos posso tentar." Ela assentiu, sentindo-se confortada pelas palavras dele. Os dois continuaram conversando por mais algum tempo, relembrando os velhos tempos. Quando decidiram ir embora, Natanael caminhou com ela até a saída. "Estou de carro. É velho e barato, mas funcional," disse ele
com um sorriso brincalhão. "Posso te dar uma carona, se quiser." Beatriz agradeceu a oferta, mas recusou. "Não precisa, já estou perto de casa. Obrigada, Natanael, por tudo." Ele assentiu e abriu os braços para outro abraço. "Qualquer coisa, me procure, ok?" Beatriz sorriu e começou a caminhar de volta para casa, mas ao chegar encontrou Lucas esperando por ela na sala, com uma expressão séria e sombria. Ele levantou-se assim que a viu entrar. "Onde você estava?" perguntou, a voz mais fria do que o habitual. Ela sentiu o coração acelerar, mas tentou manter a calma. "Saí para resolver
algumas coisas." Lucas deu um passo à frente, olhando diretamente para ela. "Estive pensando. Acho que seria melhor você interromper essa gravidez." Beatriz arregalou os olhos, incapaz de acreditar no que ouvia. "O quê?" murmurou, sentindo o chão sumir debaixo de seus pés. "Não é o momento certo para termos um filho. Um bebê significa muito gasto. E, além disso, sua gravidez é de risco. Não quero que algo aconteça com você." "Eu jamais faria isso," Beatriz respondeu, a voz embargada. "Como pode me pedir algo assim?" Ela se virou e foi para o quarto, trancando a porta atrás de
si. Lá dentro, sentou-se na cama, abraçando a barriga. As palavras de Lucas ecoavam em sua mente como um pesadelo. Lá fora, Lucas bufava de irritação, mas não tentou ir atrás dela. Na verdade, a preocupação dele não tinha nada a ver com a saúde de Beatriz. Celina havia plantado a ideia de que um filho não só aumentaria os gastos, mas também poderia levar a uma separação complicada, com pensão alimentícia. Para Lucas, era mais conveniente evitar qualquer problema antes que ele surgisse. No quarto, Beatriz sabia que algo precisava mudar, mas ainda não sabia como. A única certeza
que tinha era que jamais desistiria do seu filho. Os dias passavam lentamente para Beatriz, mas para sua surpresa, Natanael continuava determinado a ajudá-la. Ele falava frequentemente com antigos colegas da empresa onde ela trabalhava, buscando uma forma de abrir portas para que ela pudesse voltar ao mercado de trabalho. As conversas eram encorajadoras, mas Beatriz sabia que o peso do desemprego e de sua situação atual não seria resolvido tão facilmente. Numa tarde, enquanto Natanael falava ao telefone com Beatriz, Celina passou pela sala e ouviu parte da conversa. Ela estreitou os olhos e, mesmo sem saber quem era
o homem na ligação, sentiu que poderia usar aquela informação a seu favor. Com um sorriso venenoso, foi até Lucas. "Lucas, eu não queria dizer nada, mas acho que Beatriz está se encontrando com outro homem," disse Celina com um tom falso de preocupação. Lucas, que estava concentrado no celular, ergueu os olhos apenas para fingir interesse. "Que história é essa?" "Mãe, eu ouvi ela falando com alguém e parece muito suspeito. Quem sabe esse filho nem seja seu?" Lucas sabia que Beatriz era fiel. Ela nunca deu motivos para que ele duvidasse de sua lealdade, mas a insinuação de
Celina acendeu outra ideia em sua mente: uma oportunidade de usar isso contra Beatriz e, finalmente, livrar-se de qualquer responsabilidade por ela e pela criança. Mais tarde naquele dia, Lucas entrou em casa com o semblante carregado. Beatriz estava na cozinha organizando os poucos alimentos que... Ainda restavam quando ele a abordou de maneira brusca. "Então é isso? Está me traindo?" ele acusou, a voz alta o suficiente para ecoar pela casa. Beatriz virou-se perplexa. "Do que você está falando, Lucas? Eu jamais faria isso." Ele deu um passo à frente, apontando o dedo para ela. "Você acha que eu
sou idiota? Esse filho nem deve ser meu! Fala a verdade." Ela ficou em choque, sentindo uma mistura de indignação e dor. "Você está louco! Como pode dizer uma coisa dessas? Esse filho é seu, sempre foi!" Mas Lucas, aproveitando a tensão do momento, continuou: "Quero que você saia da minha casa agora! Não vou sustentar uma mulher infiel e um filho que nem sei se é meu!" Beatriz arregalou os olhos, sentindo a fúria borbulhar dentro de si. "Sua casa? Eu também sou dona dessa casa, Lucas! Reformei ela com o meu dinheiro, lembra?" Ele riu sarcástico. "A casa
está no nome da minha mãe, querida, então, tecnicamente, não é sua." Sem dar tempo para mais argumentos, Lucas pegou as roupas de Beatriz, enfiou-as à pressas em uma mala e a empurrou para fora. Antes que ela pudesse reagir, ele trancou a porta na cara dela. Beatriz ficou parada em frente à casa, segurando a mala, mas não chorou. Olhou para a porta fechada com uma determinação que ela mesma não sabia que ainda possuía. "Você vai pagar por tudo isso!" gritou, a voz carregada de raiva e convicção. Ela respirou fundo e, enquanto olhava para a rua escura,
decidiu que não choraria mais. Aquilo era o fundo do poço, mas ela prometeu a si mesma que tomaria as rédeas de sua vida. Pegou o celular e, sem muitas opções, ligou para Natanael. Sua voz estava firme, mas ele percebeu o peso das palavras. "Natanael, preciso de ajuda. Lucas me expulsou de casa." Do outro lado da linha, Natanael ficou desesperado. "O quê? Onde você está? Eu vou te buscar agora mesmo! Não saia daí!" Em menos de 20 minutos, o carro de Natanael parou ao lado de Beatriz. Ele saiu correndo, abraçando-a com preocupação. "Você está bem? Ele
te machucou?" perguntou, enquanto a olhava de cima a baixo. "Não estou bem, só estou cansada." Natanael suspirou aliviado. "Minha casa é pequena, mas tenho um quarto nos fundos da gráfica. Não é muito confortável, mas você pode ficar lá pelo tempo que precisar." Beatriz assentiu com lágrimas nos olhos, mas não de tristeza, de gratidão. "Você já está fazendo demais por mim. Obrigada, Natanael." Eles foram até a gráfica, onde Natanael abriu a porta dos fundos e mostrou o pequeno quarto. Era simples, com uma cama de solteiro e uma pequena mesa, mas estava limpo e acolhedor. Ele saiu
por alguns minutos e voltou com sacolas de comida. "Comprei algumas coisas para você. Desculpa por deixar você aqui, mas é o único lugar onde tenho espaço." Beatriz sorriu, tocada pela gentileza dele. "Você está me ajudando mais do que eu poderia pedir. Eu que devo desculpas por estar te dando trabalho." Natanael balançou a cabeça. "Amanhã vou procurar um advogado para você. Isso que ele fez é criminoso." Beatriz agradeceu novamente e, apesar de tudo, conseguiu dormir naquela noite. Sentia-se protegida, ainda que sua mente estivesse ocupada com pensamentos sobre o futuro. Na manhã seguinte, Natanael apareceu com um
homem ao seu lado. Beatriz, ainda sonolenta, olhou para ele e sentiu que o conhecia de algum lugar. "Beatriz, quero que você conheça Beto. Ele tem algo importante para te contar." Ao ouvir o nome, Beatriz lembrou-se de onde o conhecia. Beto era um colega da empresa onde ela trabalhava antes de ser demitida. "Oi, Beatriz," disse ele, estendendo a mão. "Eu trabalhava na mesma empresa que você, lembra?" "Sim, claro, mas por que você está aqui?" Natanael interveio: "Beto tem informações que podem te ajudar. Acho que você deveria ouvir o que ele tem a dizer." Beatriz sentou-se, com
as mãos nervosamente entrelaçadas. "O que é?" Beto respirou fundo antes de começar. "Pouco antes de você ser demitida, Lucas fez um turno extra à noite. Eu o vi entrando na sala de documentos, onde estavam aqueles papéis que causaram toda aquela confusão. Ele ficou lá por um tempo. Não sei o que ele fez, mas depois disso começaram a falar de uma troca de documentos." Beatriz sentiu um frio na espinha. "Você acha que ele fez aquilo de propósito para me incriminar?" Beto hesitou antes de responder. "Não posso afirmar nada, mas é muita coincidência. Eu nunca acreditei que
você pudesse ter feito aquele erro." Beatriz ficou em silêncio, processando a informação. As peças começavam a se encaixar e a raiva misturava-se à incredulidade. "Se ele fez isso, eu preciso provar. Ele destruiu minha carreira, minha vida!" Ela olhou para Natanael, os olhos brilhando com determinação. "E vou lutar por justiça!" No mesmo dia, Natanael cumpriu sua promessa e trouxe um advogado para ajudar Beatriz. Com um olhar perspicaz e tranquilo, ele ouviu toda a história com atenção enquanto Beatriz e Beto relatavam os acontecimentos. Ele não interrompeu, apenas fez algumas anotações em um caderno preto. Quando todos terminaram
de falar, ele ficou em silêncio por alguns instantes, ponderando. "Existem câmeras dentro da sala de documentos?" perguntou finalmente, dirigindo-se a Beto. "Sim," respondeu Beto, sem hesitar. "Elas gravam as imagens sim. As imagens ficam armazenadas por anos, antes de serem sobrescritas," explicou Beto. O advogado abriu um leve sorriso satisfeito. "Então, temos um modo de provar que Lucas fez isso. As imagens podem ser solicitadas como evidência." Beatriz sentiu um alívio imediato ao ouvir aquelas palavras. Parecia ser a primeira luz de justiça em toda a tormenta que estava vivendo. No entanto, não parou por aí. "Agora, sobre a
casa, pode existir uma solução." Beatriz arqueou uma sobrancelha, surpresa. "Solução? Mas a casa está no nome de Celina," ela disse, tentando não soar desesperada. O advogado assentiu, mas seu tom permaneceu calmo. "Isso é verdade, mas se você puder provar que o valor que... A reforma foi muito alta, ultrapassando o valor da casa original. É possível reivindicar a posse da propriedade; no entanto, isso só será possível mediante o pagamento da parte equivalente à proprietária. Quer dizer que eu teria que pagar uma indenização? — perguntou Beatriz, tentando processar a informação. — Exatamente. Se o valor da reforma
for suficientemente maior que o valor da casa antiga, você pode obter a posse, mas terá que compensá-la financeiramente. É uma questão de provas e cálculos, mas no final, você sairia ganhando: pagaria o valor da casa antiga e ficaria com a casa nova para você. Beatriz assentiu lentamente, sentindo uma ponta de esperança brotar. — E quanto ao meu filho? — ela perguntou com a voz mais baixa; era a questão que mais pesava em seu coração. O advogado sorriu de maneira encorajadora. — Essa parte é a mais fácil de todas. Podemos pedir um teste de DNA para
comprovar a paternidade de Lucas. Se ele for o pai, será obrigado a pagar pensão e assumir suas responsabilidades legais. Beatriz olhou para Natanael, que estava ao seu lado, e depois voltou-se para o advogado. Pela primeira vez em meses, sentiu que havia um caminho à sua frente. As semanas que se seguiram foram intensas. O advogado começou a reunir provas contra Lucas, solicitando as imagens das câmeras da sala de documentos e recolhendo os recibos das reformas feitas por Beatriz na casa. Ela ficou impressionada ao perceber quanto dinheiro havia gastado para transformar a antiga casa em um casarão,
mas agora essa documentação era sua maior arma. Lucas foi intimado judicialmente e sua reação foi explosiva. Ele chegou em casa furioso, jogando objetos no chão. — Isso é coisa da Beatriz, não é? Aquela ingrata vai se arrepender! — gritou para Celina, que estava ao seu lado, igualmente irritada. — Ela está querendo tirar tudo de você! Você não pode deixar isso acontecer! — vociferou Celina, gesticulando de forma exagerada. Lucas, entretanto, sabia que estava encrencado. Quando o dia do julgamento chegou, ele entrou na sala de audiência com uma expressão carregada de ódio e nervosismo. Beatriz, por outro
lado, sentia-se mais forte ao lado de Natanael, que a acompanhava como seu maior apoio. Ela enfrentou Lucas e Celina de cabeça erguida. O juiz começou analisando as imagens das câmeras da sala de documentos. O advogado de Beatriz apresentou as gravações que mostravam claramente Lucas entrando na sala tarde da noite e manipulando os papéis. Não havia dúvidas de que ele havia causado a troca de documentos que resultou na demissão de Beatriz. — O motivo disso é claro — explicou o advogado de Beatriz. — Lucas sentia inveja da esposa, que ocupava uma posição superior na empresa e
recebia um salário maior. Ele manipulou os documentos para que ela fosse demitida e assim pudesse se sentir superior a ela. Lucas tentou negar, mas as provas eram irrefutáveis. O juiz o declarou culpado por má-fé e conspiração, o que gerou uma multa considerável e a obrigação de compensar os danos morais e financeiros causados a Beatriz. Quanto à questão da casa, o advogado de Beatriz apresentou os recibos das reformas. O valor investido por ela ultrapassava significativamente o valor original da propriedade. O juiz determinou que a casa agora seria de Beatriz, desde que ela pagasse uma indenização a
Celina equivalente ao valor da casa antes da reforma. Celina perdeu o controle. — Isso é um absurdo! Essa casa é minha! — gritou, levantando-se abruptamente. O juiz permaneceu calmo, mas fez um gesto para os seguranças. — Senhora, se não conseguir manter a compostura, será retirada da sala. Celina continuou a gritar e os seguranças tiveram que escoltá-la para fora. Lucas abaixou a cabeça, envergonhado. A última questão a ser resolvida era o teste de DNA para comprovar a paternidade de Lucas. O advogado de Beatriz estava preparado para solicitar o exame, mas, para surpresa de todos, Beatriz se
levantou e pediu a palavra. — Meritíssimo, gostaria de abrir mão do teste de DNA — ela disse com a voz firme. O juiz franziu o senho, confuso. — Tem certeza disso, senhora Beatriz? Ela assentiu. — Sim, não quero que meu filho tenha qualquer ligação com um homem como Lucas. Ele será criado com amor, mas sem influência de alguém tão perverso. Meu filho já tem um pai — disse, olhando para Natanael, que ficou visivelmente emocionado. — Natanael é um homem de verdade, alguém que sabe assumir compromissos e cuidar de quem ama. Ela encarou Lucas diretamente, e
ele não conseguiu sustentar o olhar, desviando os olhos para o chão. O juiz aceitou a decisão de Beatriz e encerrou o caso. Após a audiência, Beatriz sentiu-se mais leve. Ainda havia desafios pela frente, mas pela primeira vez em muito tempo, ela tinha controle sobre sua vida. Enquanto caminhava ao lado de Natanael, olhou para ele e sorriu. — Obrigada por estar ao meu lado. Sei que não faria isso sozinha. — Beatriz, estamos juntos nisso. Meses depois, Beatriz deu à luz um menino chamado Enzo. Desde o primeiro momento em que o segurou nos braços, soube que ele
era o grande amor de sua vida. Suas pequenas mãos seguravam o dedo dela com força, como se dissesse que tudo ficaria bem ao lado dela. Natanael, emocionado, admirava o bebê. Embora não fosse o pai biológico, ele já o amava como se fosse pai. — É quem cria — Natanael disse. — Beatriz, você é o melhor pai que Enzo poderia ter. Natanael sorriu e beijou sua testa. — Ele será muito amado, Beatriz. Muito mesmo. Com o passar dos meses, Beatriz reconstruiu sua vida. Conseguiu retornar ao seu antigo emprego, onde foi recebida de braços abertos. Lucas já
não trabalhava mais lá, pois havia sido demitido por justa causa depois que seus crimes vieram à tona. Beatriz sentiu um alívio imenso ao saber que não precisaria mais cruzar com ele naquele ambiente. Com o dinheiro da indenização que recebeu no processo e a ajuda de Natanael, Beatriz conseguiu pagar a indenização exigida para tomar posse da casa. Celina, por sua vez... Resistiu até o último momento, mas foi forçada a sair. O dia em que a casa ficou completamente livre dela foi uma vitória silenciosa para Beatriz, que finalmente sentiu que o lar era realmente seu. Certa tarde,
enquanto trabalhava em sua mesa no escritório, uma colega de trabalho, Amanda, aproximou-se com um sorriso conspiratório. — Mulher, eu tenho uma fofoca quentinha para te contar — disse Amanda, puxando uma cadeira e sentando-se ao lado de Beatriz. Beatriz, curiosa, olhou para ela com as sobrancelhas arqueadas. — O que foi agora, Amanda? Amanda olhou em volta, certificando-se de que ninguém mais estava ouvindo. — Sabe a mãe do Lucas, sua ex-sogra? Beatriz cruzou os braços, hesitante; só o nome de Celina fazia um frio passar por sua espinha. — O que tem ela? — Ouvi dizer que ela
teve um derrame e agora vive em casa. Passa o dia gritando com o Lucas. Dizem que desconta toda a raiva dela nele; parece que a vida virou um inferno para os dois. Beatriz ficou surpresa com a notícia. Não era exatamente o que esperava ouvir, mas não conseguiu sentir pena; tudo o que aconteceu no passado ainda estava muito vivo em sua memória. — Bom — Beatriz murmurou, escolhendo as palavras com cuidado —, cada um colhe o que planta. Amanda apenas deu de ombros e a conversa mudou para outros assuntos. Naquela noite, Beatriz voltou para casa e
se dedicou a cuidar de Enzo; ele já estava maior e começava a dizer suas primeiras palavras. Depois de colocar o bebê para dormir, sentou-se no sofá, exausta, mas satisfeita com o rumo que sua vida estava tomando. Pouco depois, Natanael chegou com uma visita especial: sua mãe, Dona Marle, veio conhecer Beatriz e Enzo pela primeira vez. Beatriz ficou nervosa ao vê-la entrar na sala; depois da experiência traumática com Celina, tinha desenvolvido um certo medo de sogras. — Beatriz, essa é minha mãe, Marle — disse Natanael com um sorriso. Dona Marle, uma mulher de expressão gentil e
olhar caloroso, aproximou-se de Beatriz e a cumprimentou com um abraço. — Finalmente nos conhecemos, minha querida! O Natanael fala tanto de você que eu já me sentia parte da sua vida antes mesmo de vir aqui. Beatriz tentou sorrir, mas ainda estava apreensiva; seus olhos não conseguiam esconder o cansaço de noites mal dormidas. — Você parece tão cansada, minha querida — observou Dona Marle com um tom carinhoso. — Por que não vai descansar um pouco? Eu fico com Enzo; crianças podem dar trabalho no começo, eu sei. Beatriz hesitou por um momento, mas o tom caloroso de
Marle a tranquilizou. Ela entregou Enzo nos braços dela, que o segurou com delicadeza. — Obrigada. Acho que vou aceitar sua oferta — disse Beatriz, sorrindo pela primeira vez naquela noite. Enquanto subia para o quarto, sentiu uma onda de felicidade ao perceber que finalmente tinha uma sogra em sua vida que oferecia apoio verdadeiro. Três anos se passaram. Beatriz e Natanael estavam cada vez mais felizes juntos, criando Enzo em um lar cheio de amor. Decidiram que era a hora de apresentar o menino à família dela, que não via há muitos anos. Com as malas prontas, chamaram um
táxi para levá-los ao aeroporto. Dentro do táxi, Beatriz sentou-se ao lado de Natanael, enquanto Enzo, animado com a viagem, conversava sem parar. — Papai, eu vou ver a vovó hoje! — perguntou a mão de Natanael. — Vai, sim, filho. Ela está ansiosa para te conhecer. Enquanto observava a interação entre os dois, Beatriz notou algo estranho: o motorista do táxi estava com um boné cobrindo o rosto e mantinha a cabeça baixa. Algo na postura dele parecia familiar, mas ela não conseguia identificar o porquê. Enzo, sempre brincalhão, tentou pegar o boné do motorista. — Deixa eu ver
seu cabelo — disse o menino, rindo. Natanael segurou o braço do filho com delicadeza. — Não faça isso, filho; ele está dirigindo. Nesse momento, o motorista virou ligeiramente a cabeça para olhar pelo retrovisor. Foi então que Beatriz reconheceu o rosto por trás do boné: era Lucas. Ela ficou em silêncio, tentando controlar as emoções que surgiam. Lucas, que claramente também a reconheceu, permaneceu calado. Uma lágrima escorreu de seus olhos quando ouviu Enzo chamar Natanael de "papai". Ele lançou um breve olhar ao pulso de Enzo, onde viu uma pequena marca de nascença idêntica à sua. Não havia
mais dúvidas: Enzo era seu filho. Mas isso era algo que ele já sabia. Ao chegar ao aeroporto, Lucas estacionou o carro. Beatriz desceu com Enzo e Natanael, mas antes de sair, lançou um último olhar para Lucas, que mantinha a cabeça baixa. — A corrida deu 20, senhora — ele disse, a voz fria e distante. Beatriz pegou uma nota de 100 na carteira e entregou a ele. — Tome, pode ficar com o troco. Lucas ergueu os olhos por um momento, surpreso, mas não disse nada. Beatriz virou-se e caminhou até a entrada do aeroporto, segurando a mão
de Enzo com firmeza. Atrás dela, Lucas ficou no carro, assistindo enquanto sua antiga vida se distanciava para sempre.