A reforma protestante mudou o mundo?

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Padre José Eduardo
Video Transcript:
Olá, galera! Nós vamos gravar mais um react. Esse react será acerca de algumas falas de dois pastores, dos estudiosos da escritura, num programa que foi feito no canal do Inteligência Limitada, do Vilela, sobre a Reforma Protestante. São o Saão e o Franklin. Os dois são muito respeitosos e amigáveis, né? O Saão sempre tão simpático, né? E o Franklin também, sempre educado, cordial. Contudo, eu queria aproveitar trechos dessa conversa, né, um pouco para deixar mais claras algumas ideias sobre catolicismo que aqui não estão muito claras na boca deles. O que é normal, né? Porque vejam,
eles não são católicos e, portanto, ter ideias equivocadas sobre a Igreja Católica me parece que é, digamos assim, uma necessidade, um pré-requisito para você ser anti-católico. Portanto, eu queria simplesmente fazer alguns comentários a partir de falas deles. Outra fonte de autoridade seria a escritura, não o magistério da Igreja, né? Então, aí entra uma crise que vai também desembocar na Reforma, ou seja, o que é mais importante? A Igreja ou o magistério? Então os medievais colocam o magistério... desculpa, o magistério é a escritura. Então, os medievais colocam o magistério como tendo prioridade sobre a escritura, enquanto
os pré-reformadores colocam a escritura mais importante que o magistério, né? Outra crise é a crise de salvação, né? Bom, ele comenta aqui, né, que havia uma crise de autoridade na pré-reforma e depois na reforma, e essa crise de autoridade residia no fato de que os pré-reformadores ou reformadores diziam que a fonte de autoridade está na escritura e que a escritura tem prioridade sobre o magistério. A posição católica, afirmaria, segundo ele, que o magistério tem prioridade sobre a escritura, e essa afirmação está errada. Não é isso! A posição católica nunca foi a de que o magistério
é superior à escritura. A posição católica é de que a própria escritura demanda uma interpretação autorizada, porque Cristo entregou a Igreja aos apóstolos; não entregou nenhum texto escrito dele mesmo para os apóstolos. E os apóstolos ensinaram coisas tanto por escrito quanto por palavra. E o ensino oral dos apóstolos é muito importante, porque nos primeiros séculos a Igreja não tinha liberdade de ensino; portanto, esse ensino é interior, acontece de modo limitado pelas circunstâncias. Esse ensino nos é transmitido pela tradição, pela tradição apostólica, que continua na Igreja e segue pelos doutores eclesiásticos, pelo magistério da Igreja até
os nossos dias. Então, a questão não é tanto quem está por cima ou por baixo. É claro que a escritura tem prioridade no sentido de que aquilo que foi consignado por escrito nas Sagradas Escrituras foi consignado a partir de um carisma específico, que é o carisma da inerrância. Os autores sagrados escreveram inspirados pelo Espírito Santo, sob uma cobertura de inerrância. Essa inerrância é um conceito teológico também complexo, porque ela diz respeito apenas àquelas verdades que são necessárias para a nossa salvação. Portanto, no sentido de estar coberto por um carisma mais, digamos, sobrenaturalmente garantido, é claro
que as escrituras têm precedência sobre o magistério, ou melhor dizendo, a tradição é uma precedência cronológica, porque os apóstolos começaram primeiro a pregar e depois escreveram. Parte da pregação foi consignada por escrito. Então, há uma evidente precedência cronológica, e essa precedência cronológica é pressuposta nos textos do Novo Testamento. Portanto, não é verdadeira a afirmação de que, para a posição católica, o magistério está acima da Sagrada Escritura. Não é verdade! O magistério é o intérprete da Sagrada Escritura, porque isso é requerido pelo próprio teor das Sagradas Escrituras, que, sendo passíveis de infinitas interpretações, como provam as
multiplicidades de confissões protestantes evangélicas, precisa ter uma interpretação autoritativa que esteja em conformidade com o que nós chamamos de tradição apostólica. Vamos ver um trechinho do Saão. Foi queimado por cometer o crime de tradução da Bíblia. Como é que funciona esse mundo? Crime de tradução da Bíblia? Aqui, outra imprecisão, dessa vez uma imprecisão um pouco mais grave. O Wycliffe não foi queimado; ele morreu de apoplexia assistindo a uma missa. Ele desobedeceu formalmente às ordens da Igreja diversas vezes. Ele, de fato, reuniu um grupo de pessoas para traduzir a Bíblia para o inglês, etc., sem autorização
da Igreja. Nós precisamos saber que os textos eclesiásticos até hoje precisam de uma autorização da autoridade eclesiástica para poderem circular, ainda mais os textos da Escritura, que precisam ser analisados e avaliados por pares. Enfim, portanto, a informação aqui de que teria sido morto não é verdadeira; ele morre de apoplexia durante uma missa que estava assistindo. Vamos ouvir mais um trechinho do Saão. A responsabilidade de entender isso é verdade. A tradição protestante tem um monte de igrejas, porque o pessoal quer a voz do Papa. Uhum, uhum... O que é a tradição católica? É a TFP ou
Teologia da Libertação? Quantas milhares de ordens diferentes que pensam diferente e até conflitam entre si? Então, essa suposta unidade, ela na verdade não existe. Então, o que a tradição protestante diz, pessoal, é o seguinte: a bola está com a gente. Essa objeção do Saão à unidade da Igreja Católica aparece ali na boca de alguns evangélicos, né? Por quê? Eles olham para a Igreja e dizem assim: olha, a Igreja tem uma pluralidade dentro dela. Você tem Teologia da Libertação, você tem movimento carismático, você tem correntes mais tradicionalistas ou mais conservadoras, etc. Portanto, não há unidade na
Igreja. Qual é o problema? O problema é que aqui a noção de unidade é a noção de uniformidade. Então, de fato, diferentemente da Igreja Evangélica, a Igreja Católica é uma igreja muito plural. Então, nós temos 20 e tantos ritos diferentes dentro... Dos ritos, nós temos, por exemplo, ordens religiosas diferentes. Essas ordens religiosas, por exemplo, têm hábitos completamente diferentes, né, e costumes, e tradições, etc. Nós temos abordagens teológicas diferentes. Por exemplo, mesmo na Idade Média, no final da Idade Média, nós temos, de um lado, o tomismo, e do outro lado, o escotismo, o boaventurismo, né, e
outras diferentes abordagens. Nós temos várias abordagens teológicas dentro da Igreja; porém, nós temos uma unidade no que é fundamental. Que unidade é essa? É a unidade da fé; ou seja, todos professamos o Credo Apostólico, o Credo Apostólico com todas as nuances que ele tem ao longo da tradição. Depois, nós celebramos os mesmos sacramentos, exatamente os mesmos sacramentos, e nós estamos numa unidade de regime; ou seja, o Santo Padre, o Papa, é pastor de toda a Igreja. Então, vejam, não é a mesma coisa. Não é a mesma coisa. Mesmo você tem grupos completamente autônomos ensinando coisas
completamente aleatórias, sem nenhum tipo de Magistério que unifique os ensinos. Você tem interpretações das mais escabrosas convivendo pacificamente com interpretações da mesma Escritura um pouco mais responsáveis. E o individualismo que ele aqui menciona, a única coisa que fez foi pulverizar o Corpo de Cristo. Mas é claro, quando um evangélico vem para a Igreja Católica, ele não vai encontrar aqui um mundo uniforme, porque nunca foi assim. Ele vai encontrar um mundo multiforme, mas uma grande unidade naquilo que realmente é essencial. Essa unidade tem seu valor; nós não podemos, né, dizer que ela é secundária. Vejam que
o próprio Hans Küng, que é um teólogo bastante heterodoxo, quando ele propôs uma união dos diferentes cristianismos, ele dizia que uma das coisas que não se poderia perder é a unidade da Igreja Católica. Ele dizia: esse valor é realmente importante, é um valor que precisa ser tutelado, porque o contrário da unidade não é a pluralidade, é a divisão. E essa divisão, essa constelação de grupos autônomos, é um problema para as igrejas de matriz protestante. Portanto, eu acho que isso precisa ser bem compreendido, porque senão nós podemos, assim, partir de uma noção baixa da unidade e
desvalorizar os grandes organismos de comunhão que nós temos e que são importantes e pontos de referência fundamentais para nós. Vamos ver mais um trechinho aqui agora sobre as indulgências. O Senhor Jesus ensinou no Evangelho que toda a vida é conversão. Por causa das indulgências que você mencionou, né, que era indulgência? Era um pedaço de papel que tinha a assinatura de um bispo ou do Papa e que, se você comprasse aquele pedaço de papel, era assegurado a você o perdão dos pecados e, eventualmente, a alma sair do purgatório para entrar no céu. No entanto, a moeda
ia ser tão fácil! Se fosse assim, né? Exatamente! Só que o dinheiro ia para Roma, para construir a Catedral de São Pedro em Roma. Aquela Catedral foi construída com dinheiro de indulgências. E aí os alemães ficavam ressentidos, porque o melhor do dinheiro deles, do trabalho deles, estava indo para Roma e não para beneficiar o mundo alemão, o mundo saxão, né? Isso é muito interessante. Primeiro lugar, vamos começar pelo tema das indulgências. Ele simplifica tanto que cria um espantalho. O que a indulgência diz, ele afirma, é um pedaço de papel que você compra e aquilo te
assegura o perdão dos pecados. Está tudo errado! Indulgência não tem nada a ver com isso. Indulgência é uma remissão da culpa temporal devida pelos pecados, não uma remissão da culpa eterna ou da pena eterna pelos pecados. Isso sempre é apagado apenas pela infusão da graça santificante que nós recebemos através dos sacramentos, especialmente da confissão, nesse caso, e mediante a oração e a contrição perfeita. No caso, segundo a doutrina católica, a graça e a restituição da graça comportam a imediata remissão de todas as culpas temporais, aliás, de todas as culpas eternas e de todas as penas
eternas, e assim por diante. Ou seja, a alma não é condenada no Inferno. O que acontece? O que é uma indulgência? E aqui que nós precisamos recuperar o significado teológico do que é uma indulgência. Uma indulgência é um favor da Igreja em relação a um fiel profundamente arrependido. Então, vejam, nós temos três condições básicas para o cumprimento, digamos assim, da concepção de uma indulgência. Em primeiro lugar, eu preciso ter desapego total do pecado, e isso é muito difícil conseguir. Temos que pedir muita graça de Deus, porque esse é o elemento central. O que nós entendemos
que é a indulgência, ou o que nós entendemos que é o efeito da indulgência? O efeito da indulgência é justamente que nós percamos o apego ao pecado. Aquilo que se chama, na teologia católica, de relíquia peccati, né? Quer dizer, são aquelas sobras do pecado que ficam. Nós temos apego, por exemplo, né? Você pode se arrepender de ver indecências, de fazer indecências, mas outra coisa é você não ter mais vontade de fazer aquilo. Isso aqui é um processo. Para receber uma indulgência, você tem que perder o apego ao pecado. Então, você tem que exercitar um aborrecimento
pelo pecado, você tem que exercitar uma detestação do pecado. Essa é a primeira condição. A segunda condição é a comunhão. Você tem que comungar. Por quê? Porque você tem que estar unido a Cristo; é ele que te perdoa, é ele que te purifica. Então, você necessita comungar, porque são esses dois elementos: de um lado, o desapego completo ao pecado e, de outro, o apego total a Deus. Como é que a gente se apega a Deus se a gente não é um grande místico de sétima morada? etc. É comungando. É ali que eu exerço o meu
amor, que é o oposto do pecado. Em terceiro lugar, a oração pelo Romano Pontífice, porque eu estou pedindo à Igreja que me ajude com uma graça especial, justamente para que eu me purifique do pecado. Então, é uma espécie de ajuda da nossa Santa Mãe Igreja, né, com os méritos de Cristo e de todos os santos etc., mediante uma determinada obra indulgenciada. No caso aqui, eram ofertas que os fiéis faziam para a Basílica de São Pedro, que estava sendo construída. E, como todas as indulgências, elas podem ser aplicadas também às almas que estão no purgatório, mas
a modo de sufrágio. O que é isso? Eles não conseguem entender o que é o sufrágio. A palavra sufrágio vem da palavra sub, frum, frum; é fragor, é grito. Então, o que é o sufrágio? Antigamente, você elegia uma pessoa por sufrágio. Até hoje, né, é o chamado sufrágio universal. Só que, ao invés de a gente gritar, a gente vota. E aí se contam os votos, mas antigamente não tinha nada disso; era no grito mesmo. Então, quem era mais aclamado era eleito. Portanto, o que é o sufrágio? É a Igreja gritando em favor de uma ou
de mais almas do purgatório. Só que não se dá automaticamente a libertação de uma alma do purgatório; isso acontece apenas de acordo com a vontade de Deus. Não há um automatismo. Por isso que, quando os protestantes se referem à doutrina das indulgências, eles estão se referindo ao desvio dessa doutrina, tal como foi pregada pelo Tetzel, que era esse frade dominicano dos tempos de Lutero. Que, de fato, foi inclusive desacreditado pela própria Igreja nessa doutrina errada que ele pregava, que ao se ouvir a moeda tilintar no fundo do cofre, a alma é liberta do purgatório. É
um jeito de ensinar indulgência abusivo que não corresponde à doutrina da Igreja, que é uma coisa muito profunda, que, no fundo, é um exercício de aborrecimento do pecado, de amor a Deus e com o auxílio da Igreja na execução de uma obra difícil, de uma obra complexa, que é uma obra indulgenciada. Mas é interessante que, na sequência, ele primeiro fala das indulgências e depois faz uma referência interessante. Eu vou até voltar um pouquinho aqui, porque o melhor do dinheiro deles, no trabalho deles, está indo para Roma e não para beneficiar o mundo alemão. Ele faz
referência que os alemães estavam aborrecidos porque o melhor do dinheiro deles ia para Roma e não ficava na Alemanha. No fundo, no fundo, a reforma foi apenas um movimento político-econômico. Ele subliminarmente está reconhecendo isso, ou seja, se não houvesse um interesse político e econômico por trás, Lutero não teria obtido sucesso nenhum; aquilo teria que ser resolvido com uma querela de monges, como, aliás, pensava o Papa Leão X, erradamente, porque subestimou a força dos príncipes alemães. Então, eu acho que esclarecer isso nos ajuda, primeiro, a apreciar a doutrina católica sobre as indulgências. Ela não é uma
tolice; não se trata de comprar o perdão divino. O perdão divino é dado mediante o arrependimento, com o auxílio dos sacramentos, e tudo isso produzido pela graça de Deus. Não é mérito do homem, mas, ao mesmo tempo, a questão revela a verdadeira transcendência do problema da reforma na mente dos príncipes alemães, que, na verdade, era de fundo político e econômico. É uma conversa maior. Então, existe uma acusação indevida. Lutero brigou e ele saiu e criou a Igreja? Não, ele não saiu; ele foi saído. Ele foi expulso. Então, o que acontece? O Lutero dele era ele
foi chamado diante de Carlos V, que era o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico e, ao mesmo tempo, o rei da Espanha, que dominava o mundo na época, o cara mais poderoso do planeta. E na dieta de Vorms, em 1521, ele é chamado a se retratar. E aí ele vai dizer a frase que ficou famosa: "Aqui eu permaneço, e não posso, e não posso voltar atrás." Vejam, é um pouquinho inexato também isso que estão dizendo aqui, porque é verdade que Lutero foi excomungado; é verdade. Porém, a Igreja lhe deu a chance de se retratar. Todo o
movimento de contrarreforma, na verdade, foi uma grande tentativa de acalmar a situação. Num primeiro momento, a Igreja desprezou; depois, quando aquilo ganhou um certo corpo, a Igreja começou a dizer: "Olha, não é bem assim como você tá dizendo." Veja bem, começou uma tratativa diplomática, mas ele endureceu. Ele endureceu, e esse endurecimento, todo o contexto, sugere essa ação. Ele estava bastante favorecido pelos príncipes da Alemanha, que queriam se independentizar da Igreja Romana, do mesmo modo como Henrique VIII quis se independentizar da Igreja Romana. Mesmo a parte protestante da França e o protestantismo reformado em Genebra, a
mesma coisa; eles estavam querendo se independentizar também politicamente. Nós temos que entender que esse é o momento do surgimento dos estados nacionais. Portanto, vejam, quando Lutero endurece, qual é a pena para um herege, segundo a doutrina da Igreja? É excomunhão automática. Então, dizer que Lutero não saiu; ele foi saído é uma inexatidão. Ele começou a ensinar heresias, foi chamado pela Igreja a se retratar e, manifestando a sua pertinácia, ele é consciente de que se autoexclui. O que a Igreja faz é apenas declarar a excomunhão que ela se auto infligiu por causa da sua heresia, que
foi efetivamente o que aconteceu. Por que esse tema é importante? É importante porque você inverte a causa da reforma; parece que a reforma foi causada pela Igreja e não padecida por ela. E foi e é exatamente o contrário: na reforma, é sofrida pela Igreja com um ato de rebelião. Vamos ver então mais um trechinho aqui dessa conversa. Agora vai falar sobre o poder da Igreja sobre o exercício da autoridade na Igreja, que o Papa. É o contrário de tudo isso. É um acúmulo: a infalibilidade do Papa. Ele é infalível em sua filiação teológica quando fala
ex cathedra. Como ninguém discute isso, para os protestantes é um absurdo que alguns protestantes digam que o Papa é o anticristo por causa desse acúmulo dele se apresentar como Vigário de Cristo. Então, o que acontece? O argumento católico para a gente entender: o Vigário é o tradutor, o representante direto de Cristo na Terra. Porque o argumento católico é o seguinte: a tradição da Igreja é tão importante quanto a Escritura. Então, quando a Igreja… Mais um erro aqui: essa insistência no tema de que a tradição da Igreja é tão importante quanto a Escritura não é bem
assim. Nós dizemos que, como já disse anteriormente, a Escritura está consignada com o carisma da inerrância, que a tradição a precede cronologicamente, que ela contém também a Divina Revelação, e que o magistério da Igreja é o órgão deixado por Cristo. Ele mesmo diz: "Quem vos ouve, a mim ouve", que tem uma interpretação autoritativa. Então vamos continuar um pouquinho para ver até onde eles vão. Lançam um documento teológico oficial, uma Encíclica, e aquilo tem validade tanto quanto a Escritura. E isso é um absurdo, por que não é verdade. Primeiro, eles estão confundindo um pouco as coisas
no sentido seguinte: existe o carisma da infalibilidade do Romano Pontífice, que foi definido dogmaticamente pelo Concílios Vaticano I, ao meados do século XIX. Porém, o poder da infalibilidade, ou essa faculdade, essa prerrogativa do Santo Padre, ela só é exercida em condições muito determinadas, e isso está dito na letra da própria definição da Constituição Pastor Aeternus do Concílio Vaticano I. Ou seja, quando o Papa vai definir uma verdade de fé que é teologal, ou seja, é necessário você crer que aquilo corresponde à Divina Revelação. Isso é assim, porque existem momentos na história em que a Igreja
precisa definir a verdade diante do erro. E se ela não for assistida por uma graça única de Deus, através daquele que é o cabeça visível que exerce, por assim dizer, a função de mestre de todo o orbe cristão, nós poderíamos, digamos, induzir as pessoas ao erro. E aí as palavras de Cristo no Evangelho ficariam sem cumprimento: "As portas do inferno não prevalecerão contra ela". As portas do inferno, entendem todos os padres da Igreja, em sua interpretação desse trecho do capítulo 16 de São Mateus, são as heresias. Então vejam: a infalibilidade é, de fato, um carisma
exercido pelo Papa, mas em condições muito determinadas. Fora disso, ele não está recoberto por esse carisma. Então, os documentos do magistério ordinário da Igreja, embora nós manifestemos o nosso obséquio de inteligência e vontade, eles não são infalíveis; eles podem ser reformados. Portanto, aqui está tudo confuso. O que é infalibilidade? O que é o magistério ordinário da Igreja? Que encíclicas, documentos, etc. O que é a tradição da Igreja? Que é uma coisa muito mais profunda. Faltam aqui para eles lerem uma obra do Melchior Cano, um teólogo dominicano do século XVI, se não me engano, que se
chama "Lota Theologi", em que ele mostra a, digamos, a posição teológica dos argumentos que devem ser hierarquizados. Então, em cima tem a Sagrada Escritura; depois vem a tradição, aí vêm os ensinos dos concílios, as definições papais, os padres da Igreja, os doutores eclesiásticos. Enfim, há uma hierarquia e nós não podemos jogar tudo na mesma localização teológica. Então, isso não corresponde à doutrina católica, isso que ele está aqui afirmando. Vamos um pouquinho mais adiante. E aí existe uma dificuldade na história católica. Eu tenho vários conhecidos, inclusive teólogos católicos, que é o seguinte: eles vão dizer uma
coisa que é difícil para a gente digerir, que a Igreja não erra, porque a Igreja é a Igreja de Deus no final das contas. Como diz o ditado medieval: "Extra Ecclesiam nulla salus" (fora da Igreja não há salvação). E como ela nunca erra, ela nunca erra a partir do seu representante fundamental. Mas a Igreja revê uma série de coisas, e aí que resposta é difícil da gente entender. Que eu já ouvi de teólogos católicos de expressão é o seguinte: a Igreja não erra; pessoas em nome da Igreja podem errar. Nossa, aqui realmente é uma confusão.
Então veja: a doutrina católica, que nesse sentido, ela está totalmente fundamentada nas Sagradas Escrituras, ensina que a Igreja não erra enquanto corpo, enquanto coletividade. Ou seja, é impossível que a Igreja inteira caia no erro. Sempre haverá uma parte da Igreja que vai cair, um ou outro grupo, etc. Mas a Igreja inteira não pode cair no erro. Inclusive, quando se fala da crise ariana no século IV, é muito importante entender que… Eh, havia uma, eh, digamos, uma parte significativa da crise ariana que consistia naqueles bispos que eram ortodoxos, mas que, eh, queriam uma solução de compromisso.
Mas eles não caíram propriamente em erro; o erro foi um erro de tipo pastoral. Por exemplo, o Papa, eh, cometeu esse tipo de vacilo, né? Ele assinou uma solução de compromisso, embora ele mesmo não fosse ariano; ele achava que era preciso haver uma espécie de, eh, bandeira branca, né? Etc. Eh, porque a situação realmente estava muito confusa naquele período. Então, de fato, a Igreja inteira não pode cair em erro, porque é o Corpo de Cristo, porque ele é a coluna, o fundamento da verdade, como diz São Paulo a Timóteo. Porque, eh, aquilo que disse Jesus:
"Quem vos ouve, a mim ouve. Eu vos enviarei o Espírito Paráclito, e ele vos conduzirá a toda a verdade", e eh, a verdade completa. E a oração de Jesus, eh, em João, capítulo 17, em que ele pede pela unidade da Igreja, que eles sejam, que nós sejamos guardados na verdade. Então é impossível que a Igreja inteira erre, mas parte da Igreja pode errar. Agora, é interessante que ele passa do argumento teológico para erros históricos, né? Então ele já diz assim que a Igreja, a Igreja é infalível, né? E o Papa, como representante da Igreja, é
infalível. Isso é doutrina católica. Ah, outra coisa é você dizer que não tenha havido erros históricos, né? Que aí, esses erros históricos são cometidos pelas pessoas da Igreja. É evidente que é assim, né? Você não vai encontrar, eh, nenhum tipo de heresia ensinada pela Igreja na Idade Antiga, na Idade Moderna, né, na Idade Média, na Idade Contemporânea. Mas você pode ter erros morais, e isso está presente na Escritura. Veja, quando São Paulo corrige São Pedro na Epístola aos Gálatas, ele o corrige de um erro moral, não que Pedro tivesse ensinando uma doutrina errada; isso não
podia acontecer entre os apóstolos, e ainda mais entre o príncipe deles, que era o principal, que era São Pedro. Então, aqui há uma série de confusões, né? E de fato, a Igreja, nos seus membros, falha. Eu, quantas vezes eu falho, né? Quantas vezes eu mesmo me equivoco, faço coisas erradas ou, ou posso passar uma imagem da Igreja ruim. Isso acontece, mas eu não posso imputar à Igreja, eh, as falhas dos seus membros, justamente quando essas falhas são o oposto daquilo que ela ensina na sua doutrina, né? Vamos continuar aqui, mais um pouquinho. Então fica um
negócio difícil da gente entender porque a Igreja andou revendo uma série de, como no Vaticano II, mas o dogma católico permanece, né, de exatamente dizer que, ah, aquilo que é dito ex cathedra não é passivo de discussão. Então, um católico de verdade, que eu acho que temos poucos, também do ponto de vista teológico, na realidade, ah, ele deve acreditar de toda maneira que, quando ele come uma, ah, aquilo se torna corpo de Cristo, literal. Do contrário, ele tá rompendo com a doutrina da Santa Eucaristia. Então, não, veja bem, nós não acreditamos que quando a gente,
que nós, quando nós, ele fala, né, comemos a hóstia, quando nós comungamos, ele se torna o corpo de Cristo. Não, nós ensinamos que quando o sacerdote pronuncia as palavras da consagração, o pão e o vinho se tornam corpo e sangue de Cristo. Ou seja, nós não viemos para a Igreja para comer pão e beber vinho, nós viemos para a Igreja para comungar nosso Senhor Jesus Cristo. Eh, eu não posso, digamos assim, eh, malbaratar o dogma da transubstanciação para torná-lo mais facilmente refutável, né? Nenhum católico acredita que o pão vira carne no sentido material da coisa,
como se a Igreja estivesse dizendo o seguinte pra gente: "Olha, vocês estão vendo pão, mas o que vocês estão comendo é carne. Digam que isso é carne." Não é isso. O que a Igreja, eh, nos ensina na sua doutrina é que a substância do pão se converte na substância do corpo de Cristo. Ou seja, uma mudança metafísica, assim como a substância do vinho se converte na substância do sangue de Cristo, permanecendo do pão e do vinho as aparências. Então, o gosto do pão é gosto do pão, o tamanho do pão é tamanho do pão, o
cheiro do vinho é cheiro do vinho, e o gosto do vinho é gosto do vinho; a textura do vinho é a textura do vinho. Porém, aquilo já não é mais vinho e aquilo já não é mais pão do ponto de vista da substância metafísica. Isso, para nós, é absolutamente importante porque a gente percebe a seriedade da doutrina eucarística. Ou seja, que a doutrina eucarística, eh, ela é racionalmente muito bem justificada por São Tomás de Aquino quando ele demonstra, eh, através da conceituação, a racionalidade daquilo que a Igreja sempre ensinou. Ou seja, eh, nós, com a
doutrina eucarística que São Tomás muito bem desenvolveu, nós damos conta da realidade bíblica de que nós não estamos comendo pão e nós não estamos bebendo vinho, porque seria absurdo que Deus nos mandasse comer pão e beber vinho na Igreja. Que ele se fizesse carne, que ele morresse na cruz, que ele deixasse o sacramento, e nós, no final das coisas, estamos ali comendo o quê? Pão e bebendo vinho, e ainda correndo o risco de ir para o inferno por comer pão e beber vinho de maneira indigna. Não faz sentido, não tem o mínimo sentido. Aliás, nem
Lutero acreditava nisso. Então, eh, é um modo, digamos assim, um tanto caricaturesco de apresentar as coisas, né? Continuamos, a maior parte da tradição, pelo menos do que eu conheço, né, do contexto católico nacional, as pessoas pouco conhecem dos dogmas e da teologia e até mesmo, digamos, da transformação histórica, né? Porque você pegar um catolicismo... Medieval e depois ler um Hans Küng, né? Você tem uma diferença enorme ou um "ch", então basta comparar um Bento XV e o Francisco, não é? Bom, claro, são caminhos diferentes. E hoje o próprio catolicismo, a essa questão da autoridade do
Papa, está em crise. Basta, por exemplo, ver a questão do sínodo da Alemanha, né? Que é uma tradição mais liberal do catolicismo e a forma como o Papa lida com eles e lida com os tradicionalistas. Né? Dia desses foi removido um arcebispo, um bispo do Texas que era bem conservador, né? Porque ele fez críticas à forma do Papa lidar com o sínodo da Alemanha, né? Que tem visões bem complicadas quanto a sexualidade e outras. A dificuldade que havia na Idade Média, num certo sentido, permanece no seio do catolicismo para lidar com isso. Você veja que
coisa interessante, né? Eles, bom, primeiro eles falam das mudanças que aconteceram a partir do Concílio Vaticano I, como se fossem mudanças dogmáticas e não mudanças pastorais. Aliás, um dos erros que a maior parte dos intérpretes do adorn da igreja pós o Concílio Vaticano I cometem é justamente o de imaginarem que houve alguma mudança do ponto de vista da doutrina ou de que o Concílio tinha sido um Concílio dogmático, quando não foi. Foi um Concílio pastoral e, como Concílio pastoral, a intenção do Concílio é apenas a de emanar normas disciplinares e teológicas na medida em que
isso tange a disciplina eclesiástica. Depois é interessante que eles mencionam, por exemplo, a diferença entre o Papa Francisco e o Papa Bento XVI. Por que isso é interessante? Porque são problemas que os católicos têm enfrentado hoje em dia. O problema é o seguinte: nós tivemos 27 anos de pontificado do Papa João Paulo II e um de Bento XVI, um pontificado muito na continuidade com aquele estilo de pontificado de João Paulo II, que é o estilo teologicamente mais rigoroso e mais preocupado com as enunciações de caráter doutrinal, de caráter moral e assim por diante. E, de
repente, vem um Papa Francisco, que não é teólogo, que é um pastor latino-americano, que tem preocupações de ordem pastoral, de querer dialogar com o mundo contemporâneo e que não está muito preocupado em reafirmar aquilo que já está definido pelos seus predecessores. E as pessoas ficam assim: "mas o que está acontecendo?" Não está acontecendo nada; é apenas um estilo de Papa diferente, como houve no passado. Não tem como comparar, por exemplo, São Pio X com Pio XI; são estilos de pontificado completamente diferentes. São Pio X, um pontificado muito mais doutrinal, muito mais voltado, digamos, para a
disciplina da igreja; o pontificado de Pio XI, um pontificado muito mais político, voltado para a influência da igreja no mundo. É um estilo de pontificado diferente. E o pontificado de Pio XII, então, com toda aquela majestade que ele tinha, aquele porte, nós temos aqui estilos completamente diferentes de papado. Isso não significa muita coisa; é apenas um modo de ser e nós precisamos nos acostumar. Hoje, a televisão e a internet nos dão acesso às pessoas dos romanos pontífices, mas no passado não era assim. Então, havia pontífices dos mais diferentes estilos e ninguém se dava muito conta
disso. Agora, quando eles falam sobre o sínodo da Alemanha, falam de Hans Küng, falam de Skex como exemplares do catolicismo, quando, na verdade, essas são todas exemplificações disruptivas. Hans Küng foi censurado pela igreja; nunca se retratou disso. Também foi censurado pela igreja; nunca tratou disso. E o sínodo da Alemanha foi repetidamente censurado pelo Papa Francisco. Então, não é exatamente como eles estão falando aqui. Nós temos dificuldades internas na igreja, sim, existe uma crise de autoridade atualmente. Existe, porém, ela nasce justamente na contestação daqueles que distam da doutrina católica e não o contrário. Aqueles que, por
exemplo, como Bento XVI definia, fazem a hermenêutica da continuidade, ou seja, que entendem e têm a boa vontade de interpretar as formas diferentes do magistério da igreja numa linha de harmonia, comunhão e unidade. Essas coisas fazem, sim, toda a diferença. Aí surge um negócio interessante: como é que a gente reage, já que boa parte da cristandade europeia já não está mais em sintonia com Roma, com todos os seus desdobramentos de ordem econômica, social, etc., e política que aparecem no cenário? Então, eles vão reforçar, por exemplo, que a versão antiga da septuaginta tem sete livros que
têm idade histórica para os judeus, mas nunca foram aceitos como canônicos, que são Tobias, Judite, Baruc, Eclesiástico, Sabedoria, Primeiro e Segundo Macabeus, que são chamados livros apócrifos. Então, eles vão insistir, no Concílio de Trento, para dizer: "Olha, é verdade que a Bíblia é importante, mas a gente que tem a Bíblia, todos os protestantes têm a Bíblia, faltando um pedaço." Que não é bem isso que está sendo considerado. Existe um movimento realmente de resistência e até de opressão, porque o que vai acontecer: acho que o grande prejuízo desse ambiente de contrarreforma acontece principalmente na Península Ibérica.
Na Península Ibérica, como a gente... É interessante esse tema do cânon bíblico, né? Porque aqui eles sempre insistem na ideia de que o cânon foi definido no Concílio de Trento em reação à reforma protestante. Na verdade, o cânon bíblico foi definido no Concílio de Florença, que acontece 100 anos antes. Foi definido de maneira, digamos, universal; houve um Concílio geral da igreja, um Concílio ecumênico, como nós dizemos, o Concílio de Florença, e ele determina o cânon das escrituras. O problema é que, antes disso, houve diversos concílios regionais, o próprio sínodo de Roma, conduzido pelo Papa Damaso
na época em que São Jerônimo fez a tradução das escrituras para o latim, que determinaram o cânon das escrituras, contendo todos os... Livros deuterocanônicos. O problema com o que é, é que para a Igreja isso nunca foi uma questão muito importante, uma vez que o católico sabe o que é ser católico, né? Ir à missa, receber os sacramentos, fazer oração, etc. Então, o cânon bíblico sempre foi, digamos assim, muito mais... a Igreja determinou o mínimo do que o máximo, né? Dizer: "Olha, pelo menos tem que ter esses livros aqui." Eh, quando chega no Concílio de
Florença, a Igreja bate o martelo, e o Concílio de Florença acontece 100 anos antes da Reforma, 100 e poucos anos antes da Reforma. Não me lembro agora a data exata do Concílio de Florença e, depois, é reafirmado no Concílio de Trento. Aí, alguns, digamos, os apologetas protestantes vão dizer que, por exemplo, o cardeal Caetano, que era um dos teólogos do Papa no seu tempo, ele teria afirmado que os deuterocanônicos não são inspirados. Mas eles são apenas, eh, são livros para serem lidos na Igreja. O problema dessa afirmação é que ela é bastante inexata. O cardeal
Caetano tinha uma tese sobre diferentes níveis de inspiração. Então, haveria inspiração, eh, dos livros canônicos, uma inspiração, digamos assim, de segunda categoria para os deuterocanônicos e, depois, os escritos apócrifos, os escritos da tradição que não estão cobertos pelo carisma da inerrância. Ele tinha essa visão um pouco pitoresca, né? Algo assim. Eh, eu também não consigo determinar com exatidão, mas é isso, em linhas gerais. Ah, o problema é que a questão, realmente, entre o Concílio de Florença e o Concílio de Trento fica determinada. Ou seja, o nível de inspiração é o mesmo, eh, de todos os
livros canônicos, inclusive os deuterocanônicos. Agora, a objeção de que a Igreja reafirmou o cânon com base nisso é parcialmente verdadeira. Por quê? Porque havia grupos que contestavam as Escrituras. Então, por exemplo, os cátaros, que são um grupo pré-reformadores, que, durante o podcast, falaram dos movimentos pré-reformadores no sentido muito positivo. Mas, por exemplo, os cátaros, eles rejeitavam todas as Escrituras e aceitavam apenas o Evangelho de São João e os escritos de São João. Tanto é que na cerimônia que os cátaros tinham, eles desprezavam todos os sacramentos, porque eles eram gnósticos e acreditavam que a matéria era
má. Como sacramento tem matéria, eles desprezaram os sacramentos. Eles tinham uma cerimônia chamada consolamentum, que consistia basicamente em que a pessoa recebia um, depois, um ato de contrição de arrependimento. Recebia uma saudação do fulaninho lá que estava ministrando o rito. Eles colocavam o Evangelho de São João na cabeça da pessoa, a pessoa dizia o Pai Nosso e pronto, ela se considerava perfeita e já estava livre de todos os pecados, até que chegavam, pela via da inanição, ao suicídio. O suicídio por inanição era considerado pelos cátaros o máximo nível de união com Deus, o máximo nível
místico. Então, eles contestavam a inspiração das Sagradas Escrituras. Lutero, todo mundo sabe, que chamava a epístola de Tiago de epístola de palha. Ele queria tirar a epístola de Tiago do Novo Testamento, porque ela não combinava com as suas ideias, de certo modo confrontava algumas das suas ideias. Então, quem tentou adulterar a Bíblia não foram os católicos; os católicos foram aqueles que conservaram as Sagradas Escrituras para que hoje elas fossem usadas lamentavelmente contra nós mesmos. Eh, 2:37. Três segundos. Que muitos dos protestantes brasileiros... Eu vou dizer uma coisa, o pessoal vai ficar bravo comigo, acho que
você nunca mais vai me convidar para vir aqui. O pessoal, em grande parte, é espiritólicico, né? É uma mistura de visão espírita e católica, e o sujeito tem um verniz protestante. Não é uma crítica, necessariamente; é mais uma constatação. Porque, quando você vê a maneira que a pessoa raciocina, como é que ele pensa, né? Como é que ele encara, por exemplo, um líder da Igreja? Ele não o encara como um pastor neotestamentário; ele o encara como um sacerdote que intercede. O cara chega para mim e fala: "Não, você ora por mim." Eu falei: "Mas por
que você não pode orar?" Mas a sua oração é mais forte? De onde você tirou isso? Por que a minha oração é mais forte, só porque eu estudei a Bíblia mais? Eu posso pregar de maneira mais aprofundada? Isso não é verdade. A ideia do sacerdócio de todos os crentes é totalmente limada. Eh, então você tem uma crise nesse sentido que eu... Eu não sei se, querendo ser otimista, eu diria que a gente tem um possível protestantismo em formação na realidade brasileira. Porque, na verdade, a maneira como ele cresceu, que foi principalmente pela via pentecostal, e
a via pentecostal tem vários elementos interessantes. Primeiro, é que ela é de origem popular. O protestantismo raiz vinha de estudiosos e pessoas que apresentavam a coisa com uma consistência histórica maior e até teológica, doutrinária. Isso é interessante, essa observação do Saião de que o protestantismo brasileiro ele chama aqui de espirit, né? Que é uma síntese entre espiritismo e catolicismo com verniz evangélico protestante. A observação dele tem lá as suas razões de ser, porém nós podemos tomar um pouco de cuidado, aqui. Por quê? A ideia do sacerdócio universal dos crentes, que existe na Igreja Católica também,
no chamado sacerdócio dos fiéis, todos os fiéis podem dar culto a Deus. E ela não cancela o fato de que você tenha o sacerdócio ministerial cujo ofício qual é? Não é apenas de pregar, como dizem os protestantes, mas é o ofício também de interceder pelo povo, é o ofício de ministrar coisas santas ao povo. Né? A palavra "sacrum" está aqui, digamos, impregnado de... Um sentido que é fazer coisas sagradas ao povo. Por que isso é importante? Não tanto quanto uma, digamos, refutação do protestantismo como tal, mas é importante enquanto percebemos que isso pertence à natureza
humana e à própria natureza do sentido religioso do homem, sentido que foi posto por Deus. Ou seja, se você que está lá na frente não é alguém que seja, porque você conhece, seja porque você tem mais intimidade, seja porque você recebeu uma preparação que não é apenas intelectual, mas espiritual para isso, é uma fonte privilegiada para não apenas o ensino, mas também a ministração. O que faz você estar ali? Então o igualitarismo protestante se autoboi-cota pela própria natureza das coisas. Não tem nada a ver com espiritismo, como se aqui houvesse uma espécie de superstição, né?
Nessa ideia, não tem nada a ver também com, digamos, o catolicismo considerado na sua peculiaridade. Isso pertence mais à natureza das coisas, à natureza humana. Você sempre vai ter clero e povo, e o povo, numa organização religiosa, sempre quererá ser ministrado por esse clero. E tem direito a isso; tem direito de ser servido por esse clero, tem direito a que esse clero interceda por ele, tem direito a que esse clero dê uma palavra iluminada, uma palavra de sabedoria, no sentido de uma palavra sábia, né? E que ele represente oficialmente a Cristo, no caso de um
cristão, represente a Deus, represente a Cristo, para oficiar as coisas santas, os sacramentos. Então, na verdade, essa observação que o Saão faz aqui, na minha opinião, é mais uma espécie de observação que flagra o caráter antinatural da reivindicação de igualitarismo feita pelos reformadores. Ela não é sustentável a longo prazo, porque Deus é o autor da natureza e Ele mesmo determinou que haja, digamos assim, um poder hierárquico. Hierárquico no sentido etimológico da palavra, né? É hieros, com o céu, e arché, princípio. Então, um poder cujo princípio seja transcendental, ou seja, que emane de Deus. Agora, nós
vamos analisar o último trecho aqui que eu selecionei desse episódio do "Inteligência Limitada". Ele tem uma dúvida aqui que é a seguinte: a Igreja Católica assumiu em algum momento seus erros que culminaram na Reforma? Ah, qual a posição da Igreja? Ela falou: "É realmente?" Então veja: oficialmente, a Igreja, como Igreja, até por razões de dogma, ela nunca vai dizer: "A Igreja errou". Mas o que ela faz de outra maneira? Ela toma outras posições até com base numa ideia curiosa, que na Igreja Católica a revelação está aberta. Isso é um absurdo! Nós não acreditamos que a
revelação esteja aberta, pelo amor de Deus! A Divina Revelação foi encerrada com a morte do último apóstolo, e ponto final. O que está, digamos assim, a compreensão da revelação, ela progressivamente foi sofrendo refinamentos, ela foi se tornando mais sofisticada. Mas a Divina Revelação se encerrou com a morte do último apóstolo. Está aberta? Ela não é fechada! Então, a Igreja pode, entre aspas, receber mais luz no decorrer da história e tomar atitudes; de certa forma, ela dá um jeito nesse cenário. Mas, por exemplo, em 1990, teve um documento interessante sobre a exclusão da mútua condenação por
conta da discussão de justificação pela fé entre luteranos e católicos. A ideia era tentar um convênio, ou seja, a partir de agora a gente não fala mais que você é um herege, totalmente de maneira inaceitável e incurável. E você também diz que não. Então houve um acordo a respeito disso. Mas digamos que a Igreja que considerava todo mundo não católico como herege até os obrigava a tomar uma posição: ou se tornar católico ou sofrer as consequências disso. Ela mudou o seu paradigma, até porque a Igreja perdeu o espaço, ela perdeu fiéis do mundo todo, passou
a ficar por uma situação muito difícil. Então, ela reavaliou a sua caminhada. Então, do ponto de vista oficial, não. Mas eu diria que, na prática, quando a gente pega o próprio Concílio de Trento, o que o Concílio de Trento faz? É só uma questão aqui que é muito importante. O acordo que foi feito entre a Santa Sé e a Confederação Luterana sobre a justificação foi resultado de um trabalho de debate teológico de décadas, que culminou nessa declaração conjunta, ou seja, em que ambas as confissões reconhecem que, no que tange o tema da justificação, existe uma
compreensão mútua de que a linguagem, os conceitos têm expressões diferentes, mas no terne estão falando da mesma coisa, né? Mas esse trabalho foi um trabalho delicadíssimo, presidido por ninguém menos que o Cardeal Ratzinger, na época um dos maiores teólogos da Igreja. Então, não é que a Igreja abriu mão da sua doutrina, né? Como parece que se insinua. Ou seja, a Igreja, na prática, vai perdendo espaço, não considera quem é herege. Infelizmente, é assim. E o pecado de heresia tem como consequência a excomunhão. Fazer o quê? Como dizia Pio XII na "M. corporis", é doutrina tradicional
da Igreja: esses pecados contra a fé separam o homem do corpo de Cristo, porque os pecados contra a fé realmente fazem com que a pessoa se... ela perca o vínculo com Cristo e a Igreja, que é maximamente expresso pela profissão da única fé. Então, calma lá, né? Não é bem assim! Ele faz uma declaração de fé, uma confissão de fé que normatiza o que é o dogma católico a partir de então. Então várias questões que não estavam fechadas passam a ser normatizadas a partir de Trento. Por exemplo, a formação de clérigos. Agora, tem seminários que
vão... Formar clérigos ou clérigos tem que ser educado, tem que estudar, né? A questão da relação do clérigo com a questão do casamento passa a ser normatizada. Então, o clérigo tem que ser totalmente dedicado a Deus, celibatário; agora isso é formalizado. Grupos que estavam à margem agora têm que ser, bom, o celibato é o batismo sacerdotal. Desde o século V, é normativo na Igreja Ocidental. Há todo um estudo sobre isso, um estudo excelente do Cardeal Stickler sobre o celibato sacerdotal. Tem um estudo extraordinário feito pelo Monsenhor Rick, alemão, sobre esse assunto, de modo que não
é assim que não é um Concílio de Trento que se determina o celibato sacerdotal. Incluídas ordens que tinham um pouco mais de liberdade ou tinham algumas posições um pouco diferentes do usual, têm que estar agora debaixo desse paradigma que vem de Trento, né? Foram, acho que, 30 anos de reuniões e assembleias até chegar aos documentos do Concílio de Trento, né? É, de fato, o Concílio de Trento acabou com aquela vida religiosa desorganizada, porque havia eremitas por todo lugar, havia monges por todo lugar, grupos de frades que não dependiam de ninguém. Então, a Igreja diz: "Olha,
para acabar com isso, todos são obrigados a professar tais regras, e fora dessas regras estão dispensados dos votos", justamente para que houvesse uma organização da vida religiosa que, naquele momento, estava uma baderna. Momentos do Concílio de Trento, né? Então, assim, a Igreja Católica, em 1546, que fecha o negócio, então a Igreja Católica não. Ela chega a fazer uma mea culpa, né? Há padres relapsos, até mesmo papas relapsos, né? Por exemplo, é curioso que, se o protestante a partir do século XV começa a dizer que o papado é o anticristo, na Idade Média era muito comum
teólogos católicos, olhando o mal comportamento de alguns papas, dizerem: "Olha, esse papa é o anticristo." Por quê? Porque ele exerceu as funções dele. Então, essa ideia do papa ser o anticristo não é uma inovação protestante. A inovação protestante é dizer que todo papado é do anticristo. É engraçado isso, né? Porque você veja, toda a época histórica tem os candidatos ao anticristo: "Pessa fulano é um anticristo, cicrano é um anticristo." De fato, alguns papas foram catalogados por teólogos e até pelo povo nessa categoria, mas é só um pouco mais do vício escatológico, né? De ficar pensando
nessas categorias teimosamente, quando nosso Senhor nos proibiu de especular sobre o tema do anticristo. Aqui, os primeiros protestantes eram católicos, né? Estavam nesse ambiente e falaram: "Pera aí, alguma coisa tá fora do lugar, a gente precisa resolver." Então, a partir da contra-reforma católica, começa-se a criar o movimento jesuíta, que é o movimento missionário de contestação, né? De trazer a Polônia de volta para o catolicismo, trazer a Espanha e Portugal de volta para o catolicismo, solidificar o catolicismo na Itália, disseminar o catolicismo por todo o mundo. Aí, os jesuítas vão chegar no Japão, vão chegar na
China, vão chegar na Índia, vão chegar no Brasil, né? José de Anchieta aqui agora também, PR, trazendo educação, mas o paradigma é católico, né? Precisa ser visto, né? Muito claramente que o catolicismo é um mundo tão variado e diversificado. Você pega, assim, um dos maiores especialistas do mundo em Novo Testamento grego, chamado Carlo Martini, que faz parte até da comissão. Ele foi até candidato a ser papa. Você pega Raymond Brown, um jesuíta, que é um dos maiores, talvez o maior especialista do mundo na literatura joanina, né? Os grandes teólogos e estudiosos católicos de fala alemã,
né? E você pega o catolicismo do interior do México, né, de Guadalupe. Pega o catolicismo de certos ambientes no interior da América Latina. Assim, nós estamos em mundos muito distintos, né? Então, quer dizer, há uma diversidade muito grande e a gente pode até perguntar: qual é a palavra oficial da Igreja? Ok, ela tem o seu valor na pergunta, mas qual é a realidade? Você foi para Israel, né? Vilelo, Fran também foi. Você vai numa Igreja Católica em Israel, é muito diferente. Você não vê uma estátua, você não vê... Não, em Portugal, compara igrejas. Nós fomos
àquele Mosteiro Jerônimo, não só tinha a cruz de Cristo e não tinha uma outra imagem dentro da igreja, paredes nuas, a cruz e as duas tumbas lá do Vasco da Gama. Não, Dom Pedro, não tô falando daquele mosteiro perto de Leiria que nós fomos, ok? Da Batalha, não, aquele lá, ah, onde foram enterrados o rei Dom Pedro e Inês de Castro. Lembro que só tem a cruz, paredes nuas e a cruz e o crucificado, mas nada, quase uma igreja protestante, né? Então, tem elementos muito diferentes e variados assim, né? Então, a gente tem que ser
um pouco mais honesto e avaliar a coisa de fato, do que a gente tá vendo diante de nós, né? Muito bem, eu acho que esse comentário final do Saulo e do Franklin é um comentário que vale a pena encerrar aqui o nosso react, e com honestidade, simpatia, respeito e elegância. Eles falam também sobre a Igreja Católica, isso daí é um universo aqui. Há uma pluralidade muito grande de concepções que convivem de maneira idealmente harmônica e que apreciam a unidade a partir dos seus temas mais fundamentais, que são a fé, os sacramentos e o governo pastoral.
Agradeço vocês pela atenção e agradeço também aqui ao Saulo e ao Franklin por esse vídeo interessantíssimo. Aliás, eu aprendi bastante com o vídeo sobre coisas da história da Reforma Protestante que são... Muito, muito, muito, muito curiosas! Recomendo aí que assistam também, eh, do canal do meu amigo, do Vilela, de Inteligência Limitada. Um grande abraço e que Deus os abençoe!
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